quinta-feira, 26 de julho de 2012

Colite Alérgica: Manifestações Clínicas, Diagnóstico e Tratamento (2)

Composição do Leite Humano e do Leite produzido por outros Mamíferos


O leite é uma emulsão constituída por 20% de material sólido e 80% de água. Trata-se de uma solução coloidal de glóbulos de gordura (micela) que se encontram no interior de um fluido aquoso (Figura 1). Cada glóbulo de gordura é circundado por uma membrana constituída por fosfolípides e proteínas; estas substâncias, denominadas emulsificantes, mantêm os glóbulos separados individualmente evitando que estes se juntem para formar grânulos sólidos de gordura, e, também agem como protetores dos próprios glóbulos de gordura da ação das enzimas digestivas de gorduras presentes na fração líquida do leite. As vitaminas lipossolúveis A, D, E e K encontram-se presentes no interior da porção gordurosa do leite. É importante assinalar que o leite humano contem uma enzima denominada lipase, a qual quebra a gordura transformando-a em pequenos glóbulos, os quais são mais facilmente digeridos. 
 Figura 1- Representação esquemática da formação da micela, a qual terá capacidade de solubilizar as gorduras da dieta, devido aos seus 2 polos, um hidrofílico e outro hidrofóbico.

As maiores estruturas químicas presentes na porção líquida do leite são formadas por micelas de caseína; estas se constituem em milhares de moléculas de proteínas ligadas entre si com o auxílio de partículas em escala nanométrica de fosfato de cálcio. Estas micelas desempenham importantes papeis, mas, a mais notória é impedir que as mesmas formem agregados sólidos. A camada mais externa das micelas é constituída por um tipo de proteína denominada kappa-caseina, a qual se encontra na porção exterior do corpo da micela no interior do fluido que a circunda. Estas moléculas de kappa-caseina possuem carga elétrica negativa e, portanto, se auto-repelem, fenômeno que mantém as micelas individualmente separadas, evitando assim que, em condições normais, sejam formados grumos sólidos, preservando-as em uma suspensão coloidal estável no fluido em que estão imersas.
O leite contem ainda uma grande série de outras proteínas além da caseína, as quais são mais solúveis em água e não formam grandes estruturas químicas. Como estas proteínas permanecem suspensas no soro do leite quando a caseína forma coágulos, elas passaram a ser denominadas em conjunto de proteínas do soro.
Tanto os glóbulos de gordura quanto as pequenas micelas de caseína, as quais têm tamanho suficiente para defletir a luz, contribuem para a coloração branca do leite.

O carboidrato do leite, a lactose, confere ele um sabor levemente adocicado. A lactose é um dissacarídeo constituído pelos seguintes monossacarídeos: glicose e galactose (Figura 2). Na natureza a lactose é praticamente encontrada apenas no leite, porém, é também encontrada em baixíssimas concentrações em algumas plantas.

Figura 2- Representação esquemática da fórmula da Lactose e do produto da sua hidrólise pela Lactase: os monossacarídeos Glicose e Galactose.
O leite humano contem 1,1g% de proteínas, 4,2g% de gorduras, 7,0g% de carboidratos e 0,2g% de minerais oferecendo 72 kcal/100ml (Tabela 1). O principal carboidrato do leite humano é a lactose, porém vários outros oligossacarídeos semelhantes à lactose foram identificados em pequenas concentrações. A fração de gordura contem triglicerídeos específicos, tais como ácidos oléico e palmítico, assim como significativas quantidades de lipídeos com ligações trans, os quais são benéficos à saúde. Dentre eles destacam-se os ácidos vacênico e linoléico, os quais correspondem a cerca de 6% da gordura total. As principais proteínas são a beta-caseina, alfa-lactoalbumina, lactoferrina, IgA secretora, lisosimas e a soro-albumina. Compostos nitrogenados não protéicos que incluem uréia, ácido úrico, creatina, creatinina, amino-ácidos e nucleotídeos correspondem a aproximadamente 25% do conteúdo de nitrogênio. Foi demonstrado também que o leite humano fornece uma substância que é um neuro-transmissor (endocannabinoide) com ação tranqüilizante.



Tabela 1- Composição do Leite Humano
GORDURA
Total (g/100ml)
4,2
Ácidos Graxos até 8 C (%)
traços
Ácidos Graxos Poliinsaturados (%)
14
PROTEINAS (g/100ml)
Total
1,1
Caseína
0,3
Alfa-Lactoalbumina
0,3
Lactoferrina
0,2
Ig A
0,1
Ig G
0,001
Lisozima
0,05
Soro-Albumina
0,05
CARBOIDRATOS (g/100ml)
Lactose
7
Oligossacarídeos
0,5
MINERAIS (g/100ml)
Cálcio
0,03
Fósforo
0,014
Sódio
0,015
Potássio
0,055
Cloro
0,043


O leite de vaca contém cerca de 4 gramas de proteína por 100 mL (Tabela 2) enquanto que o leite humano contém cerca de 1,1 gramas de proteína por 100 mL. Entretanto, as diferenças entre estes 2 tipos de leite não residem apenas nas concentrações das frações protéicas, posto que, no leite de vaca a proporção Caseína:Soroalbumina é de 80:20, enquanto que no leite humano esta proporção é de 40:60, uma vantagem inequívoca para o leite humano pela maior facilidade de sua digestão, visto que a Caseína (Peso Molecular entre 11.000 e 24.000 daltons) é a porção protéica não solúvel presente no leite. Além disso, dentre as proteínas da fração solúvel do leite de vaca estão presentes aquelas que potencialmente são as mais alergênicas, a saber: beta-lactoglobulina (maior fração do soro lácteo bovino e de maior capacidade antigênica, Peso Molecular de 20.000 daltons), alfa-lactoalbumina (Peso Molecular 14.000 daltons), soroalbumina bovina (Peso Molecular 69.000 daltons) além da própria caseína. O leite humano, por sua vez, não contém beta-lactoglobulina (17).
Tabela 2- Composição do Leite de Alguns Mamíferos por 100 gramas
Constituintes
Unidade
Vaca
Cabra
Ovelha
Búfala
Água
gramas
87,8
88,9
83,0
81,1
Proteína
gramas
4,0
3,1
5,4
4,5
Gordura
gramas
3,9
3,5
6,0
8,0
Carboidratos
gramas
4,8
4,4
5,1
4,9
Calorias
kcal
66
60
95
110
Cálcio
UI
120
100
170
195
Colesterol
mg
14
10
11
8
Ácidos Graxos
Saturados
gramas
2,4
2,3
3,8
4,2
Mono-insaturados
gramas
1,1
0,8
1,5
1,7
Poli-insaturados
gramas
0,1
0,1
0,3
0,2
  
Alergenos Alimentares


Os alergenos alimentares são, em geral, proteínas pequenas com Peso Molecular entre 10.000 e 40.000 daltons (unidade de medida do peso das moléculas protéicas). Podem ser glico-proteínas ou proteínas ácido-resistentes, portanto, resistem à ação do ácido clorídrico gástrico, à desnaturação térmica e enzimática. Além disso, sua arquitetura molecular pode também conferir estabilidade antigênica in vivo (18).
Leite de vaca, fórmulas lácteas infantis, e as fórmulas de soja são as fontes de proteínas mais frequentemente envolvidas na etiologia da Colite Alérgica, porém outros alimentos também podem desencadeá-la, tais como: leites de outros mamíferos (jumenta, égua e cabra), trigo, ovos, milho, peixe, frutos do mar, nozes e amêndoas, amendoim, carne de frango etc. Além disso, quaisquer outros alimentos que tenham alguma fração protéica em sua composição, podem, potencialmente, provocar alergia (19).
Quanto ao leite humano é de fundamental importância ressaltar que como se trata de um produto da secreção da glândula mamária da mulher, ele é espécie-específico (foi especialmente desenhado para não causar qualquer problema ao lactente), portanto, não apresenta qualquer componente potencialmente alergênico. Entretanto, substâncias protéicas, potencialmente alergênicas, ingeridas pela mulher que esteja no período de amamentação podem ser transferidas ao lactente, e, em caso do mesmo ser susceptível de alergia, vir a apresentar sintomas de AA. Como o leite humano possui inúmeros fatores de proteção da mucosa intestinal, as manifestações clínicas de alergia costumam ser mais atenuadas do que naqueles lactentes que recebem aleitamento artificial, por meio de fórmulas lácteas ou de soja, o que pode se tornar um fator de maior dificuldade diagnóstica. 

Mecanismos das Reações Alérgicas

As reações de hipersensibilidade podem ser tanto mediadas pela imunoglobulina E (IgE), como, por exemplo, naqueles casos que apresentam manifestação imediata a alimentos com surgimento de urticária (Figura 3) e/ou choque anafilático, quanto as não mediadas pela IgE, as quais se caracterizam por apresentar manifestações tardias mediadas por linfócitos T (Hipersensibilidade retardada tipo IV), ou ainda com a formação de imunecomplexos causando vasculite (reação de Arthus, Hipersensibilidadae tipo III, reação de antígeno-anticorpo com excesso de antígeno, formação de imunecomplexos que se depositam nos vasos sanguíneos causando vasculite), como é o caso da Colite Alérgica (Figura 4).

Figura 3- Urticária gigante com formação de pápulas característica de reação mediada por IgE (hipersensibilidade imediata).

Figura 4- Lesão perianal (proctite) com formação de plicoma e fístula reto-perineal em paciente com Colite Alérgica (reação imunológica de hipersensibilidade tipo III).

Colite Alérgica é um tipo de alergia que pertence ao grupo de hipersensibilidade alimentar não mediada por IgE também denominada protocolite induzida por alimentos. O mecanismo fisiopatológico ainda não foi totalmente identificado, porém, sabe-se que envolve a presença de linfócitos CD8, bem como linfócitos do tipo TH-2 e infiltrado eosinofílico em todas as camadas da mucosa colônica. Além disso, a presença de células de memória circulantes reveladas por testes positivos de transformação linfocítica sugere o envolvimento de células T na patogênese desta entidade, associada à secreção de fator de necrose tumoral α pelos linfócitos ativados. Levando-se em consideração que o mecanismo imunológico envolvido na gênese da Colite Alérgica não é mediado pela IgE, os testes de rastreamento diagnóstico para Alergia, tanto cutâneos quanto sorológicos, que são disponíveis para investigar potencial alergia provocada pelo mecanismo de hipersensibilidade imediata, não se aplicam ao diagnóstico de Colite Alérgica.


Referências Bibliográficas
17. Isolauri, E. e cols., J Pediatr 1999; 134: 27-32.

18. Kusunoki, T. e cols., Pediatr Allergy Immunol 2010; 21: 60-6.

19. Roberts, G. e cols., Clin Exp. Allergy 2005: 35: 933-40.

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