O leite é uma emulsão
constituída por 20% de material sólido e 80% de água. Trata-se de uma solução
coloidal de glóbulos de gordura (micela) que se encontram no interior de um
fluido aquoso (Figura 1). Cada glóbulo de gordura é circundado por uma membrana
constituída por fosfolípides e proteínas; estas substâncias, denominadas
emulsificantes, mantêm os glóbulos separados individualmente evitando que estes
se juntem para formar grânulos sólidos de gordura, e, também agem como
protetores dos próprios glóbulos de gordura da ação das enzimas digestivas de
gorduras presentes na fração líquida do leite. As vitaminas lipossolúveis A, D,
E e K encontram-se presentes no interior da porção gordurosa do leite. É
importante assinalar que o leite humano contem uma enzima denominada lipase, a
qual quebra a gordura transformando-a em pequenos glóbulos, os quais são mais
facilmente digeridos.
Figura 1- Representação
esquemática da formação da micela, a qual terá capacidade de solubilizar as
gorduras da dieta, devido aos seus 2 polos, um hidrofílico e outro hidrofóbico.
As maiores estruturas
químicas presentes na porção líquida do leite são formadas por micelas de
caseína; estas se constituem em milhares de moléculas de proteínas ligadas
entre si com o auxílio de partículas em escala nanométrica de fosfato de
cálcio. Estas micelas desempenham importantes papeis, mas, a mais notória é
impedir que as mesmas formem agregados sólidos. A camada mais externa das
micelas é constituída por um tipo de proteína denominada kappa-caseina, a qual
se encontra na porção exterior do corpo da micela no interior do fluido que a
circunda. Estas moléculas de kappa-caseina possuem carga elétrica negativa e,
portanto, se auto-repelem, fenômeno que mantém as micelas individualmente
separadas, evitando assim que, em condições normais, sejam formados grumos sólidos,
preservando-as em uma suspensão coloidal estável no fluido em que estão
imersas.
O leite contem ainda uma
grande série de outras proteínas além da caseína, as quais são mais solúveis em
água e não formam grandes estruturas químicas. Como estas proteínas permanecem
suspensas no soro do leite quando a caseína forma coágulos, elas passaram a ser
denominadas em conjunto de proteínas do soro.
Tanto os glóbulos de
gordura quanto as pequenas micelas de caseína, as quais têm tamanho suficiente
para defletir a luz, contribuem para a coloração branca do leite.
O carboidrato do leite, a
lactose, confere ele um sabor levemente adocicado. A lactose é um dissacarídeo
constituído pelos seguintes monossacarídeos: glicose e galactose (Figura 2). Na
natureza a lactose é praticamente encontrada apenas no leite, porém, é também
encontrada em baixíssimas concentrações em algumas plantas.
Figura 2- Representação
esquemática da fórmula da Lactose e do produto da sua hidrólise pela Lactase:
os monossacarídeos Glicose e Galactose.
O leite humano contem 1,1g%
de proteínas, 4,2g% de gorduras, 7,0g% de carboidratos e 0,2g% de minerais
oferecendo 72 kcal/100ml (Tabela 1). O principal carboidrato do leite humano é
a lactose, porém vários outros oligossacarídeos semelhantes à lactose foram
identificados em pequenas concentrações. A fração de gordura contem
triglicerídeos específicos, tais como ácidos oléico e palmítico, assim como
significativas quantidades de lipídeos com ligações trans, os quais são
benéficos à saúde. Dentre eles destacam-se os ácidos vacênico e linoléico, os quais
correspondem a cerca de 6% da gordura total. As principais proteínas são a
beta-caseina, alfa-lactoalbumina, lactoferrina, IgA secretora, lisosimas e a
soro-albumina. Compostos nitrogenados não protéicos que incluem uréia, ácido
úrico, creatina, creatinina, amino-ácidos e nucleotídeos correspondem a
aproximadamente 25% do conteúdo de nitrogênio. Foi demonstrado também que o
leite humano fornece uma substância que é um neuro-transmissor
(endocannabinoide) com ação tranqüilizante.
Tabela 1- Composição do Leite Humano
GORDURA
|
|
Total
(g/100ml)
|
4,2
|
Ácidos
Graxos até 8 C
(%)
|
traços
|
Ácidos
Graxos Poliinsaturados (%)
|
14
|
PROTEINAS
(g/100ml)
|
|
Total
|
1,1
|
Caseína
|
0,3
|
Alfa-Lactoalbumina
|
0,3
|
Lactoferrina
|
0,2
|
Ig A
|
0,1
|
Ig G
|
0,001
|
Lisozima
|
0,05
|
Soro-Albumina
|
0,05
|
CARBOIDRATOS
(g/100ml)
|
|
Lactose
|
7
|
Oligossacarídeos
|
0,5
|
MINERAIS
(g/100ml)
|
|
Cálcio
|
0,03
|
Fósforo
|
0,014
|
Sódio
|
0,015
|
Potássio
|
0,055
|
Cloro
|
0,043
|
O leite de vaca contém
cerca de 4 gramas
de proteína por 100 mL (Tabela 2) enquanto que o leite humano contém cerca de 1,1 gramas de proteína
por 100 mL. Entretanto, as diferenças entre estes 2 tipos de leite não residem
apenas nas concentrações das frações protéicas, posto que, no leite de vaca a
proporção Caseína:Soroalbumina é de 80:20, enquanto que no leite humano esta
proporção é de 40:60, uma vantagem inequívoca para o leite humano pela maior
facilidade de sua digestão, visto que a Caseína (Peso Molecular entre 11.000 e
24.000 daltons) é a porção protéica não solúvel presente no leite. Além disso,
dentre as proteínas da fração solúvel do leite de vaca estão presentes aquelas
que potencialmente são as mais alergênicas, a saber: beta-lactoglobulina (maior
fração do soro lácteo bovino e de maior capacidade antigênica, Peso Molecular
de 20.000 daltons), alfa-lactoalbumina (Peso Molecular 14.000 daltons),
soroalbumina bovina (Peso Molecular 69.000 daltons) além da própria caseína. O leite
humano, por sua vez, não contém beta-lactoglobulina (17).
Tabela 2- Composição do Leite de Alguns Mamíferos por 100 gramas
Constituintes
|
Unidade
|
Vaca
|
Cabra
|
Ovelha
|
Búfala
|
Água
|
gramas
|
87,8
|
88,9
|
83,0
|
81,1
|
Proteína
|
gramas
|
4,0
|
3,1
|
5,4
|
4,5
|
Gordura
|
gramas
|
3,9
|
3,5
|
6,0
|
8,0
|
Carboidratos
|
gramas
|
4,8
|
4,4
|
5,1
|
4,9
|
Calorias
|
kcal
|
66
|
60
|
95
|
110
|
Cálcio
|
UI
|
120
|
100
|
170
|
195
|
Colesterol
|
mg
|
14
|
10
|
11
|
8
|
Ácidos
Graxos
|
|||||
Saturados
|
gramas
|
2,4
|
2,3
|
3,8
|
4,2
|
Mono-insaturados
|
gramas
|
1,1
|
0,8
|
1,5
|
1,7
|
Poli-insaturados
|
gramas
|
0,1
|
0,1
|
0,3
|
0,2
|
Alergenos Alimentares
Os alergenos alimentares
são, em geral, proteínas pequenas com Peso Molecular entre 10.000 e 40.000
daltons (unidade de medida do peso das moléculas protéicas). Podem ser
glico-proteínas ou proteínas ácido-resistentes, portanto, resistem à ação do
ácido clorídrico gástrico, à desnaturação térmica e enzimática. Além disso, sua
arquitetura molecular pode também conferir estabilidade antigênica in vivo (18).
Leite de vaca, fórmulas
lácteas infantis, e as fórmulas de soja são as fontes de proteínas mais
frequentemente envolvidas na etiologia da Colite
Alérgica, porém outros alimentos também podem desencadeá-la, tais como:
leites de outros mamíferos (jumenta, égua e cabra), trigo, ovos, milho, peixe,
frutos do mar, nozes e amêndoas, amendoim, carne de frango etc. Além disso,
quaisquer outros alimentos que tenham alguma fração protéica em sua composição,
podem, potencialmente, provocar alergia (19).
Quanto ao leite humano é
de fundamental importância ressaltar que como se trata de um produto da
secreção da glândula mamária da mulher, ele é espécie-específico (foi
especialmente desenhado para não causar qualquer problema ao lactente),
portanto, não apresenta qualquer componente potencialmente alergênico.
Entretanto, substâncias protéicas, potencialmente alergênicas, ingeridas pela
mulher que esteja no período de amamentação podem ser transferidas ao lactente,
e, em caso do mesmo ser susceptível de alergia, vir a apresentar sintomas de AA. Como o leite humano possui inúmeros
fatores de proteção da mucosa intestinal, as manifestações clínicas de alergia
costumam ser mais atenuadas do que naqueles lactentes que recebem aleitamento
artificial, por meio de fórmulas lácteas ou de soja, o que pode se tornar um
fator de maior dificuldade diagnóstica.
Mecanismos das Reações Alérgicas
As reações de
hipersensibilidade podem ser tanto mediadas pela imunoglobulina E (IgE), como,
por exemplo, naqueles casos que apresentam manifestação imediata a alimentos
com surgimento de urticária (Figura 3) e/ou choque anafilático, quanto as não
mediadas pela IgE, as quais se caracterizam por apresentar manifestações
tardias mediadas por linfócitos T (Hipersensibilidade retardada tipo IV), ou
ainda com a formação de imunecomplexos causando vasculite (reação de Arthus, Hipersensibilidadae
tipo III, reação de antígeno-anticorpo com excesso de antígeno, formação de
imunecomplexos que se depositam nos vasos sanguíneos causando vasculite), como
é o caso da Colite Alérgica (Figura 4).
Figura 3- Urticária gigante com formação de pápulas característica de reação mediada
por IgE (hipersensibilidade imediata).
Figura 4- Lesão perianal (proctite) com formação de plicoma e fístula reto-perineal em paciente com Colite Alérgica (reação imunológica de hipersensibilidade tipo III).
Colite Alérgica é um tipo
de alergia que pertence ao grupo de hipersensibilidade alimentar não mediada
por IgE também denominada protocolite induzida por alimentos. O mecanismo
fisiopatológico ainda não foi totalmente identificado, porém, sabe-se que
envolve a presença de linfócitos CD8, bem como linfócitos do tipo TH-2 e
infiltrado eosinofílico em todas as camadas da mucosa colônica. Além disso, a
presença de células de memória circulantes reveladas por testes positivos de
transformação linfocítica sugere o envolvimento de células T na patogênese
desta entidade, associada à secreção de fator de necrose tumoral α pelos
linfócitos ativados. Levando-se em consideração que o mecanismo imunológico
envolvido na gênese da Colite Alérgica
não é mediado pela IgE, os testes de rastreamento diagnóstico para Alergia, tanto cutâneos quanto
sorológicos, que são disponíveis para investigar potencial alergia provocada
pelo mecanismo de hipersensibilidade imediata, não se aplicam ao diagnóstico de
Colite Alérgica.
Referências Bibliográficas
Referências Bibliográficas
17. Isolauri, E. e cols., J Pediatr 1999; 134: 27-32.
18. Kusunoki, T. e
cols., Pediatr Allergy Immunol 2010; 21: 60-6.
19. Roberts, G. e
cols., Clin Exp. Allergy 2005: 35: 933-40.
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