terça-feira, 16 de maio de 2017

Intolerância à Lactose: História, Genética, Prática Clínica, Diagnóstico e Tratamento (Parte 4)

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
Instituto de Gastroenterologia Pediátrica de São Paulo
(I-Gastroped)

Má Absorção x Intolerância

Teste do H2 no ar expirado com sobrecarga oral de lactose

Atualmente este teste é considerado padrão ouro por ser sensível e especifico, de fácil execução e não invasivo.

Cerca de 20% do H2 formado durante a fermentação bacteriana no cólon é absorvido e eliminado pelos pulmões, podendo, portanto, ser medido por cromatografia gasosa.

Figura 45- Teste do Hidrogênio no ar expirado: princípios teóricos do teste.

Este teste baseia-se nos seguintes princípios da fisiologia da digestão e absorção dos carboidratos da dieta:

1º) O Hidrogênio não é produzido ou metabolizado pelos seres humanos sadios em jejum e em repouso.

2º) A fermentação bacteriana é a única fonte de produção de Hidrogênio no ser humano. A microbiota do cólon, em especial as bactérias anaeróbias, é capaz de produzir Hidrogênio pela fermentação dos carboidratos não absorvidos. O Hidrogênio é excretado por meio de flatos e/ou por difusão, atravessa a mucosa intestinal, alcança a circulação sanguínea, chega aos pulmões aonde é eliminado durante a respiração.

3º) Portanto, a excreção pulmonar de Hidrogênio reflete sua produção no cólon, e sua concentração   pode ser mensurada no ar expirado, em partes por milhão (ppm).


Figura 46- Princípio prático do teste do Hidrogênio no ar expirado.

O paciente deve estar em jejum de 6-8 horas. Inicialmente coleta-se uma amostra de ar expirado em jejum para dosagem basal de H2.

A seguir o paciente deve ingerir uma solução aquosa de Lactose a 10%, à dose de 2 gramas/kg de peso (máximo 25 gramas). Amostras de ar expirado devem ser obtidas aos 15, 30, 45, 60, 90 e 120 minutos após ingestão da solução aquosa.


A elevação dos níveis de H2 no ar expirado acima de 20 ppm sobre o nível do jejum, indica má digestão e/ou absorção da Lactose.

Podem ocorrer falsos positivos e falsos negativos (até 20%) por hiperventilação, retardo no esvaziamento gástrico, colonização bacteriana do intestino delgado, alteração da flora intestinal, alterações da motilidade intestinal e não produção de H2.


Sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado

Pode ocorrer duplo pico de produção de Hidrogênio, a saber: a) precoce, devido a presença da flora colônica nas porções altas do intestino; b) tardio, devido à má absorção de Lactose.



Tratamento

O tratamento da intolerância/má absorção de Lactose baseia-se simplesmente na exclusão da causa, ou seja,  eliminação da Lactose da dieta.

Existem também outras propostas terapêuticas com ofertas diminuídas na concentração de Lactose que podem ser bem toleradas pelos pacientes que não apresentam ausência total da Lactase, a saber: fermentação da Lactose (iogurtes), adição de Lactase aos alimentos contendo Lactose, utilização de fórmulas lácteas com baixo teor de Lactose, Fórmulas à base de soja, que são isentas de Lactose, e fórmulas à base de Hidrolisados Proteicos, quando há associação com Alergia à Proteína do Leite de Vaca.

O tratamento só deve ser iniciado na presença de sintomas comprovados de intolerância à Lactose. Deve ser ressaltado que, devido à variabilidade individual da intolerância à Lactose, é de fundamental importância personalizar a orientação nutricional. O consumo de Lactose deve ser reduzido a uma quantidade que não proporcione o aparecimento de sintomas. Há evidência disponível de que muitos adultos e adolescentes com diagnóstico comprovado de má absorção à Lactose podem chegar a tolerar a ingestão de até cerca de 12g de Lactose (equivalente a 1 xícara de leite de vaca = 250ml), sem que esta carga de Lactose cause sintomas.

Pequenas quantidades de Lactose consumidas diversas vezes ao longo do dia são melhor toleradas do que se consumidas em uma única refeição. Alimentos contendo Lactose são melhor tolerados se consumidos juntamente com outros alimentos; tal fato pode ser atribuído ao retardo no esvaziamento gástrico. Outras modificações dietéticas que colaboram para a redução dos sintomas de intolerância à Lactose incluem consumir alimentos com baixo teor deste carboidrato, tais como iogurte e produtos lácteos tratados com Lactobacillus.

O iogurte é uma excelente alternativa visto que a Lactose nele contida encontra-se em concentração reduzida pela metade. Além disso, deve-se levar em conta que o iogurte também contém proteínas e gorduras na sua composição. Diferentemente do que ocorre na solução aquosa de Lactose, a presença destes outros nutrientes leva ao retardamento do esvaziamento gástrico, ao aumento do tempo de trânsito intestinal e, portanto, a uma menor oferta da concentração de Lactose por área de superfície dos enterócitos na unidade de tempo.

Caso seja necessária a utilização de uma dieta de exclusão total de Lactose, devido à uma incapacidade de digerir uma concentração minimamente ideal deste carboidrato, a mesma deve incluir um boa fonte de Cálcio, ou então, iniciar a suplementação de Cálcio, para atender os níveis de ingestão diários recomendados para este micronutriente.

Sempre que possível, produtos lácteos não devem ser totalmente eliminados da dieta, pois fornecem micronutrientes essenciais, tais como: Cálcio, vitaminas A e D, riboflavina e fósforo.


Figura 47- Tabela da concentração da Lactose em diversos tipos de leite em comparação com o leite humano.


Figura 48- Concentração da Lactose em diversos tipos de queijo e no iogurte.

Conclusões

Deve ser enfatizado que não existe um tratamento para aumentar a capacidade de produção da Lactase, porém, os sintomas de intolerância à Lactose podem ser minimizados, ou mesmo eliminados, ao se utilizar uma dieta com teor reduzido deste carboidrato, dentro do limiar de tolerância de cada indivíduo.

É importante assinalar que toda dieta deve ser devidamente apropriada para suprir as necessidades nutricionais de um determinado indivíduo e garantir a manutenção de um estado nutricional global adequado.


PESQUISA CLÍNICA

Genética da Produção ou Restrição da Lactase

No heredrograma abaixo foram estudados 2 grupos étnicos distintos na África comparados com indivíduos europeus, a saber: a) Yoruba reconhecidamente mal absorvedores da Lactose; b) um grupo misto composto por indivíduos da etnia Yoruba miscigenada com indivíduos de origem europeia Yoruba-Europeus, dos quais 44% eram mal absorvedores europeus da Lactose; c) um grupo de indivíduos Europeus dos quais 22% eram mal absorvedores da Lactose

Y= Yoruba LAC*R (Má Absorção de Lactose)
BR= Europeu (LAC*P/LAC*R)
Y-Br= Yoruba-Europeu LAC*R e LAC*P/LAC*R


Este estudo realizado na África demostrou que quando ambos os progenitores eram Mal Absorvedores toda a progênie resultou Mal Absorvedora de Lactose.

Entretanto, quando o correu a miscigenação entre o grupo 100% LAC*R (Yoruba) e o grupo de etnia europeia dentre os quais 22% eram LAC*R e os demais 78% eram LAC*P/P e/ou LAC*P/LAC*R resultou em uma progênie mista de Absorvedores e Mal Absorvedores à Lactose.

Estes dados confirmam enfaticamente a dependência genética da produção de Lactase na vida adulta.  

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Intolerância à Lactose: História, Genética, Prática Clínica, Diagnóstico e Tratamento (Parte 3)

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
Instituto de Gastroenterologia Pediátrica de São Paulo
(I-Gastroped)

Má Absorção x Intolerância

Má Absorção é um problema fisiológico que pode se manifestar ou não como intolerância à Lactose e é devida a um desequilíbrio entre a quantidade de Lactose ingerida e a capacidade disponível de Lactase para hidrolisar o substrato (reação enzima x substrato).

Intolerância é uma síndrome clínica caracterizada por um ou mais dos seguintes sintomas: dor abdominal, diarreia, náusea, flatulência e/ou distensão abdominal após a ingestão de leite ou de substâncias contendo Lactose. A quantidade de Lactose que poderá causar sintomatologia varia de indivíduo para indivíduo, dependendo da quantidade ingerida, do grau de deficiência de Lactase, e também da forma da substância na qual a Lactose está presente.

Figura 33- Diagnóstico diferencial entre Intolerância à Lactose e Alergia à Proteína do Leite de Vaca.

Deficiência Congênita de Lactase: rara, autossômica recessiva, potencialmente letal em épocas que não existiam substitutos para o leite. A histologia da mucosa é normal, assim como a atividade das demais enzimas digestivas.  Quando presente, manifesta-se logo após o nascimento com diarreia osmótica, que cessa com a retirada da Lactose da dieta.

Deficiência de Lactase do Desenvolvimento: deficiência relativa de Lactase observada entre recém-nascidos prematuros menores de 34 semanas de gestação.

Deficiência de Lactase do Desenvolvimento: deficiência relativa de lactase observada entre recém-nascidos prematuros menores de 34 semanas de gestação.

Deficiência Primária de Lactase: ausência relativa ou absoluta de Lactase a qual inicia seu desenvolvimento durante a infância, em idades variáveis, em distintos grupos étnicos; é a causa mais comum de má absorção e de intolerância à Lactose. A deficiência primária de Lactase é também denominada Hipolactasia Tipo Adulto ou Deficiência Hereditária de Lactase.

Deficiência Secundária de Lactase: é a deficiência de Lactase que resulta de uma lesão da mucosa do intestino delgado, tal como na diarreia aguda ou persistente, certas parasitoses intestinais (Giardíase), sobrecrescimento bacteriano, ou outras causas de agressões à mucosa do intestino delgado; pode ocorrer em qualquer idade, porém, é mais comumente observada nos lactentes e pré-escolares.

Figura 34- Lesão do enterócito do tipo attaching-effacement provocada por cepa de Escherichia coli enterro-aderente que acarreta grave intolerância à Lactose e inclusive a outros carboidratos da dieta. Visualização em microscopia eletrônica de transmissão, grande aumento.

Figura 35- Morfologia do Rotavirus agente mais prevalente de diarreia aguda e que pode acarretar intolerância secundária à Lactose.

Figura 36- Trofozoitas de Giardia presentes na luz do intestino delgado em contiguidade com a superfície do enterócito, também pode ser causa de intolerância secundária à Lactose.

Figura 37- Enteropatia ambiental causa importante de intolerância secundária à Lactose.

Figura 38- Esquema representativo da ação patogênica dos sais biliares secundários sobre a mucosa do intestino delgado.

Figura 39- Fisiopatologia dos sais biliares na presença de sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado.

Figura 40- Intolerância secundária à Lactose provocada pelo sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado.

Figura 41- Fisiopatologia da diarreia osmótica causada pela intolerância secundária à Lactose.

Manifestações Clínicas

Há diversos fatores envolvidos no surgimento dos sintomas da intolerância à Lactose, a saber: a) relação substrato x enzimas; b) capacidade funcional da lactase; c) idade; d) sensibilidade visceral; e) anormalidades motoras do intestino. 

Figura 42- Representação esquemática das consequências da intolerância secundária à Lactose.

·        Métodos Diagnósticos
      
     ·        Direto:

- Dosagem da atividade da Lactase em fragmento de mucosa intestinal

Baseia-se na determinação de atividade enzimática em fragmentos da mucosa intestinal obtidos por biópsia perioral com cápsula de Watson ou por pinça endoscópica. Por ser um método invasivo, trabalhoso e que avalia a atividade enzimática apenas em pequenos fragmentos da mucosa, o que pode não refletir o total da atividade enzimática ao longo de todo o intestino delgado, sua indicação tem sido reservada somente para fins de pesquisa ou nos raros casos em que se suspeita de deficiência congênita das dissacaridases. Nesses casos, o encontro da deficiência isolada de uma das dissacaridases, na presença de mucosa intestinal integra, confirma o diagnóstico.  

      Indiretos:
-         Avaliação dos sinais e sintomas clínicos após a ingestão de Lactose
-         Testes de análises fecais (determinação do pH fecal e pesquisa de substâncias redutoras nas fezes)

Considera-se intolerância à Lactose o achado de pH≤ 5 nas fezes, por meio de fitas de pH com valores que variam de 1 a 10, e a presença de substâncias redutoras ≥ 0,5g%, (lembrar que RNs em Aleitamento Materno Exclusivo podem apresentar pH fecal ≤ 5 sem significar qualquer doença e nem sempre existe correlação entre os valores de pH e as substâncias redutoras, pois, se os açúcares redutores forem totalmente metabolizados pelas bactérias intestinais, o pH poderá ser baixo e as substâncias redutoras, ausentes).

Figura 43- Demonstração prática da pesquisa do pH e das substâncias redutoras nas fezes.

-         Testes de absorção/tolerância à Lactose (sanguíneo e respiratório do hidrogênio no ar expirado) 

      O paciente deve estar em jejum de 6-8 horas. Inicialmente coleta-se uma amostra de sangue em jejum para dosagem basal da glicemia. Em seguida, o paciente deve ingerir uma solução aquosa de lactose a 10%, à dose de 2 gramas/kg de peso (máximo 25 gramas). Amostras de sangue capilar devem ser obtidas aos 15, 30, 60, 90 e 120 minutos após a ingestão da solução aquosa. Em condições normais os valores glicêmicos em algum momento do teste devem-se elevar acima de 20 mg% em relação à glicemia de jejum. O incremento da glicemia depende, além da absorção dos subprodutos da Lactose (glicose e galactose), da velocidade do esvaziamento gástrico e do consumo periférico da glicose.

Figura 44- Representação esquemática da fisiopatologia da má absorção à Lactose.

Este teste tem sido cada vez menos utilizado, por não reproduzir as condições fisiológicas de digestão e absorção; quando a Lactose encontra-se em solução aquosa, o esvaziamento gástrico é mais rápido, acarretando possíveis resultados falso positivos para má absorção.


Quando a Lactose é ingerida na forma de leite, por este nutriente conter gordura, pode ocorrer retardo no esvaziamento gástrico, o que favorece a tolerância, diferentemente do que ocorre no teste com a solução aquosa.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Intolerância à Lactose: História, Genética, Prática Clínica, Diagnóstico e Tratamento (Parte 2)

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
Instituto de Gastroenterologia Pediátrica de São Paulo
(I-Gastroped)

  • Prevalência da Persistência da atividade da Lactase na vida adulta

Por outro lado, contrariando as expectativas genéticas naturais de restrição da atividade da Lactase, inúmeras pesquisas têm demonstrado que existem 2 fenótipos geneticamente programados, a saber: “Lactase Restrição” (Hipolactasia) (LR) e “Lactase Persistência” (LP). Vale ressaltar que a LP não está necessariamente condicionada ao consumo diário de produtos lácteos após o desmame.

Figura 16- Representação esquemática da indução de um determinado gene, como por exemplo, no caso da persistência de produção da Lactase.

Em decorrência desta mutação genética há um número significativo de indivíduos adultos que conservam a capacidade de digerir a Lactose, o que representaria uma inovação evolutiva “anormal”.

 Figura 17– Modificação na estrutura cromossômica que possibilitou a persistência da atividade da Lactase na vida adulta em determinadas etnias.

A capacidade que alguns grupos étnicos adquiriram para a Persistência da Lactase após o período da amamentação e que se torna Permanente é explicada por uma mutação genética baseada na “Hipótese Histórico-Cultural”.

      Hipótese Histórico-Cultural

As populações coletoras-caçadoras anteriores ao Período Neolítico (Neolítico ou Período da Pedra Polida:  10.000 A.C. - sedentarização e surgimento da agricultura - 3.000 A.C. - Idade dos Metais) eram intolerantes à Lactose. Estudos genéticos sugerem que as mutações mais antigas associadas com a persistência da Lactase somente alcançaram níveis apreciáveis nos seres humanos nos últimos 6 mil anos.

A persistência da Lactase é um exemplo recente de duas evoluções: a) traço genético e b) traço cultural, domesticação e acasalamento dos animais.

A distribuição geográfica dos indivíduos Lactase Persistente (LP) correlaciona-se fortemente com a difusão da domesticação do gado. Aproximadamente entre 5 e 10 mil anos o haplotipo do gene da Lactase sofreu uma enorme pressão seletiva. Esse período coincide com a disseminação da atividade pecuária. Como a atividade pecuária originou-se na Europa, seus habitantes foram expostos a um aumento da oferta de produtos lácteos contendo Lactose, o que resultou em uma seleção natural positiva.  

A PL na vida adulta desenvolveu-se em 2 áreas geográficas de forma independente:

A.  No norte da Europa, nas regiões do Báltico e do Mar do Norte (Escandinávia, Alemanha e Grã-Bretanha).

Figura 18- Mapa dos diferentes locais aonde os Vikings invadiram ao longo dos tempos.

 Figura 19- Mapa dos territórios percorridos pelos Vikings.

      Razões que justificaram a utilização do leite na Escandinávia, na vida adulta:

1.  Clima extremamente inóspito (frio excessivo e baixa exposição à luz solar reduz a produção de vitamina D pelo corpo).

Figura 20- Glacial da Noruega, entre Oslo e Bergen, um exemplo típico de clima inóspito vivenciado por seus habitantes.

2.          Disponibilidade de Vitamina D e absorção de cálcio.

Figura 21- Vista panorâmica de Bergen, Noruega, no auge do verão nos poucos meses do ano em que as temperaturas são mais amenas.

3. Raquitismo e osteomalacia. Deformidades pélvicas causavam partos mais difíceis: extinção gradual da colônia Viking da Islândia.

4. A mutação LAC*P permitiu que os adultos usassem uma fonte excelente de cálcio, posto que a Lactose facilita sua absorção.

5. O fato do leite ser uma substância líquida, pela facilidade de transporte, proporcionou a possibilidade de que os adultos viessem a consumi-lo em grandes quantidades, o que resultou em uma forte vantagem seletiva. 

 Figura 22- Imagem de um típico guerreiro Viking tolerante à Lactose, cuja carga genética disseminou a PL em todas as terras conquistadas, em especial o norte da Europa.

B.  No norte da África na região do Saara

Em situação geográfica e climática totalmente opostas também surgiram etnias com carga genética PL, e isto ocorreu nas áridas terras da Arábia, Saara e Sudão. Nestas regiões a PL está caracterizada somente nas populações nômades altamente dependentes de camelos, tais como os Beduínos, os Tuareg do Saara, os Fulanis da África Oriental, os Bejas e Kabbabish do Sudão.

Figura 23- Beduínos na região do Saara, outro exemplo de etnia com carga genética PL.

Em contraste, as populações urbanas e agrícolas do entorno, quer sejam árabes, turcos, iranianos ou africanos, apresentam taxas muito baixas de PL.  

· O gene Lactase autossômico dominante e a tolerância à Lactose na vida adulta

Hirschhorn e cols., em 2004, descobriram que a PL se deve à presença de um haplotipo composto por mais de 1 milhão de pares de base de nucleotídeos, incluindo o gene Lactase. A presença deste gene é que determina a PL. Atualmente, este haplotipo pode ser encontrado em 80% dos europeus e dos americanos que possuem ancestrais europeus.

Figura 24- Representação esquemática do gene LAC*P.

A persistência da produção da Lactase é controlada por um gene autossômico dominante, de alta expressão do RNA-m, denominado LAC*P.

Indivíduos que herdam alelos LAC*P dos seus pais mantém a produção da Lactase na vida adulta, enquanto que aqueles que herdam os alelos LAC*R deixam de produzir Lactase na vida adulta. Heterozigotos recebem diferentes alelos LAC*P/LAC*R e mantém a capacidade de digerir a Lactose

Figura 25- Exemplos característicos de fenótipos tipicamente de carga genética LAC*P.


Figura 26- Jovens adultas da região do Tirol, Austria, etnia com elevado percentual de capacidade de tolerância à Lactose.

Figura 27- Crianças em idade escolar da região do Tirol, Austria, etnia com elevado percentual de capacidade de tolerância à Lactose. 

      Benefícios da Persistência da atividade da Lactase
Smith e cols., em 2009 na Inglaterra, investigaram os efeitos dos alelos codificados para LP sobre a saúde das mulheres. Selecionaram de forma randomizada mulheres que possuíam os alelos CC (não produtores de Lactase) e, mulheres que possuíam 1 ou 2 alelos T que indicam LP. Foram analisados inúmeros aspectos destas mulheres, a saber: metabólicos, nível socioeconômico, estilo de vida e taxas de fertilidade.


Figura 28- A Inglaterra também fez parte da invasão Viking.

Os resultados destes estudos mostraram que as mulheres homozigotas para o alelo C apresentaram indicadores de saúde mais desfavoráveis do que aquelas mulheres que apresentaram alelos TC e/ou TT. As mulheres que eram CC relataram taxas mais elevadas de fraturas do colo do fêmur e do punho, bem como de osteoporose e de catarata. Os autores concluíram que os melhores indicadores de saúde das mulheres com alelo T foi beneficiada pela presença da LP.

Figura 29- Jovem tolerante à Lactose.

Figura 30- Idosa tolerante à Lactose.

      Conclusões
Má absorção e/ou intolerância à Lactose deve ser considerada uma condição “normal” nos indivíduos adultos posto que este comportamento ocorre em cerca de 75% da população mundial. Isso se deve porque o gene LAC*R é autossômico recessivo e está programado para a deficiência de Lactase a partir do quinto ano de vida.

Figura 31- Vilarejo na China aonde o consumo de leite não faz parte dos hábitos alimentares dos adultos.

Por outro lado, uma mutação genética baseada na “Hipótese Histórico-Cultural” possibilitou o surgimento do gene LAC*P, autossômico dominante que condiciona a capacidade da persistência da produção da Lactase, ao longo de toda a vida dos indivíduos pertencentes a determinados grupos étnicos. 

Figura 32- Família do norte da Europa aonde o leite é parte integrante e importante alimento dos hábitos alimentares em todas as fases da vida.