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segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Esofagite Eosinofílica uma atualização: epidemiologia, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento (Parte 2)


Traduzido e Editado por Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto



Diagnóstico e Tratamento da EEo


A EEo é causada por uma resposta às células T-Helper tipo II e a antígenos alimentares em contato com a mucosa esofágica. Embora nenhum aspecto singular possa definir a EEo, uma constelação de achados compatíveis com a demografia, os aspectos clínicos, endoscópicos e histológicos, estabelecem o diagnóstico. As crianças apresentam sintomas e padrões endoscópicos característicos de inflamação, enquanto que adolescentes e adultos tem manifestações de fibrose e estenose esofágicas. Sistemas de pontuação clínica e endoscópica tem auxiliado na padronização diagnóstica. Todavia, ainda há controvérsias nas pesquisas a respeito da EEo quanto ao melhor ponto final no seu tratamento. Embora o objetivo maior a ser alcançado é a redução do número de eosinófilos nas biópsias, alívio dos sintomas e regressões dos aspectos das lesões endoscópicas têm se tornado importantes alvos da terapia. Torna-se necessário uma melhor compreensão da progressão da EEo e a respectiva necessidade de uma eficaz terapia de manutenção. Além disso, deve-se manter a continua busca no desenvolvimento de ferramentas diagnósticas, que possam evitar as repetidas avaliações endoscópicas e suas consequentes biópsias, para se alcançar uma forma mais fácil de monitorar a atividade da enfermidade.


Figure 1. Endoscopic images of EoE. EREFS, endoscopy can detect edema, white exudates, and furrows, which are markers of acute inflammation, whereas rings and strictures indicate remodeling.

Figura 1-Imagens endoscópicas da EEo: a endoscopia pode detectar edema, placas esbranquiçadas e sulcos, os quais são marcadores da inflamação aguda, enquanto que os anéis e as estenoses representam a remodelação esofágica.


Figure 2. Barium esophagram demonstrating small-caliber esophagus.

Figura 2- Esofagograma baritado demonstrando um calibre estreitado do esôfago.

Figure 3. Treatment algorithm for EoE. The algorithm illustrates the treatment strategy for EoE. Treatment should start with an anti-inflammatory agent (swallowed topical corticosteroids), PPIs, or an elimination diet. Treatment selection depends exclusively on the patients and physicians preference, because no comparative studies have shown any of these to be superior to the others. Dilation is indicated if symptoms persist despite successful control of inflammation. After each change of treatment strategy, symptoms, endoscopic, and histologic features should be revaluated, because symptoms do not accurately reflect the inflammatory activity of the disease.

Figura 3- Algorritmo do tratamento da EEo. O tratamento deve ser iniciado com um agente anti-inflamatório (corticoide tópico ingerido), inibidores da bomba de prótons, ou dieta de eliminação. A seleção do tratamento depende exclusivamente da preferência do médico e do paciente, porque nenhum estudo comparativo tem demonstrado que qualquer um deles é superior aos outros. A dilatação esofágica está indicada no caso da persistência dos sintomas a despeito do controle exitoso da inflamação. Aós cada oportunidade da estratégia do tratamento, os sintomas, e os aspectos endoscópicos e histológicos devem ser reavaliados, porque os sintomas não refletem acuradamente a atividade inflamatória da enfermidade.


terça-feira, 5 de setembro de 2017

Frutanos e sua real importância para o trato digestivo: Bem-Estar e Intolerância (parte 3)

Diagnóstico da Intolerância aos Frutanos utilizando o teste do Hidrogênio no ar expirado com sobrecarga de Inulina

No passado, acreditava-se que o pulmão fosse um órgão apenas responsável pela respiração e, portanto, tinha-se o conceito de que somente Oxigênio (O2) e Dióxido de Carbono (CO2) pudessem ser dosados no ar expirado. Atualmente, porém, sabe-se que o ar expirado dos pulmões contém mais de 2000 substâncias distintas, e que, além da respiração, os pulmões apresentam uma função adicional, qual seja a excreção de substâncias voláteis, o que tornou os pulmões reconhecidamente como “órgãos excretores” de gases que se encontram dissolvidos no sangue. Uma destas inúmeras substâncias voláteis excretadas pelos pulmões é o Hidrogênio (H2), o qual pode ser facilmente medido com a utilização de um equipamento manual de teste respiratório (Figura 8).

Figura 8- Referência Ledochowiski M. 
Journal of Breath Research 2: 1-9, 2008.

O ser humano sadio em jejum e em repouso não elimina H2 porque o seu metabolismo não produz este gás, o qual somente é gerado durante o metabolismo anaeróbio. Considerando que o organismo humano em repouso não possui metabolismo anaeróbio, o H2 produzido e excretado pelos pulmões tem origem pela ação das bactérias anaeróbias, as quais são habitantes naturais do intestino grosso, sobre um substrato não digerido pelo organismo humano. Como se sabe, o trato digestivo alberga um número elevado de bactérias, que são predominantemente anaeróbias e que produzem grandes quantidades de H2. De fato, a concentração de bactérias, em especial as anaeróbias, alcança no íleo terminal e no intestino grosso valores de até 1015 colônias/ml. Por outro lado, no duodeno e nas porções superiores do jejuno, praticamente não ocorre colonização por bactérias anaeróbias, pois nestas porções do trato digestivo são encontradas apenas bactérias aeróbias, consideradas residentes das vias aéreas superiores e resistentes à barreira bactericida ácida gástrica, na concentração de até 104 colônias/ml. Portanto, pode-se assumir, com boa margem de segurança, que o H2 eliminado pelos pulmões dos seres humanos em repouso, durante a expiração, é produzido, quase que exclusivamente, pelo metabolismo bacteriano dos anaeróbios que colonizam o íleo e o intestino grosso. Desta forma, pode-se afirmar que, em condições normais, o H2 mensurado no ar expirado diz respeito à quantidade da atividade metabólica das bactérias anaeróbias presentes no trato digestivo, em particular, no íleo e no intestino grosso. As bactérias anaeróbias têm a capacidade de metabolizar os carboidratos como fonte de energia para sua nutrição, os quais, em virtude desta reação química de fermentação, são “quebrados” dando a formação de ácidos graxos de cadeia pequenaCO2 e H2 (Figura 9).

Figura 9- Referência Eisenmann & cols. 
Journal of Breath Research 2: 1-9, 2008.

Uma significativa parcela do CO2 que permanece na luz do intestino é responsável pela sensação de flatulência, enquanto que os ácidos graxos de cadeia pequena exercem efeito osmótico atraindo água para o interior do lúmen intestinal, causando diarreia. O H2 produzido no intestino atravessa a parede intestinal é incorporado na circulação sanguínea sistêmica, é transportado até os pulmões e, finalmente, é eliminado pela respiração como parte do ar expirado. A concentração de H2 expirada pode, portanto, ser facilmente mensurada em partes por milhão (ppm) por técnica não invasiva, por um equipamento de uso manual. A concentração do H2 mensurado na expiração é sempre um reflexo da massa de bactérias e da atividade metabólica bacteriana no trato digestivo. O momento no qual a concentração de H2 no ar expirado se eleva durante a realização do teste respiratório fornece uma indicação em qual região do intestino se deu a fermentação.

Normas para a realização do teste do H2 no ar expirado

Cada teste deve sempre ser iniciado com a obtenção da amostra de jejum para a mensuração do H2 no ar expirado. Vale ressaltar que o paciente deve estar em jejum pelo período de ao menos 4 horas. Após a mensuração do valor basal de jejum, o qual deve na imensa maioria dos casos ser inferior a 5 partes por milhão (ppm), o teste respiratório pode começar. O paciente deve ingerir o conteúdo de uma solução aquosa diluída a 10% contendo 25 gramas de Inulina. Após a obtenção da amostra de jejum devem ser obtidas amostras de ar expirado sequencialmente aos 30, 60, 90, 120, 150 e 180 minutos após a ingestão da solução aquosa de Inulina.

Interpretação do Teste do H2 no ar expirado

A interpretação do resultado do teste do H2 no ar expirado baseia-se em 2 fatores fundamentais, a saber: 1- a concentração em ppm do Hidrogênio no ar expirado e/ou 2- o aparecimento de sintomas após a realização do teste de sobrecarga.

1- Teste Normal: No caso de haver suficiência digestivo-absortiva, não deverá ocorrer aumento significativo da concentração de H2 no ar expirado (elevação inferior a 10 ppm sobre o nível de jejum) e nem tampouco referência a manifestações clínicas. Desta forma o teste deve ser considerado Normal (Figura 10).

Figura 10- Referência Eisenmann A. & cols. 
Journal of Breath Research 2: 1-9, 2008.

2- Teste Anormal: Uma elevação da concentração de H2 acima de 20 ppm sobre o nível de jejum a partir dos 60 minutos depois da ingestão da Inulina é considerado um teste anormal (Figura 11) e caso concomitantemente surjam sintomas, caracteriza o diagnóstico de “intolerância”.


Figura 11- Referência Eisenmann A. & cols. 
Journal of Breath Research 2: 1-9, 2008.

Tratamento da Intolerância aos Frutanos

O tratamento da intolerância aos Frutanos é essencialmente dietético. Visa, acima de tudo, provocar alívio significativo dos sintomas digestivos que afligem o paciente, os quais afetam de forma decisiva sua qualidade de vida. Deve-se em um primeiro momento, em torno de 3 semanas aproximadamente, seguir uma dieta restrita dos FODMAPS, para que haja tempo suficiente de se obter uma observação clínica confiável quanto ao sucesso da terapêutica dietética proposta (vide Tabela 1). No caso de o paciente sentir um real alívio dos sintomas digestivos, durante este período de tratamento radical, é recomendável fazer-se a reintrodução gradativa dos alimentos contendo FODMAPS para avaliar qual o grau de tolerabilidade de cada paciente para os alimentos contendo os Frutanos mais frequentemente utilizados, pois, é necessário ter em mente que este limiar de tolerância é extremamente variável entre os diferentes pacientes. Além disso, a importância da reintrodução dos alimentos, ainda que de forma mais reduzida, faz-se necessária para evitar um possível agravo nutricional ocasionado por uma restrição dietética prolongada.  

terça-feira, 21 de março de 2017

Pólipos e Polipose Intestinal: Diagnóstico e Tratamento (Parte 1)

Cristiane Boé e Ulysses Fagundes Neto

Introdução
Por definição Pólipos são massas tumorais que se projetam em direção à luz intestinal. Presume-se que comecem como lesões pequenas e sésseis e, em muitos casos, devido a uma tração exercida sobre a superfície da massa pode criar uma haste, constituindo assim um pólipo pediculado.
Os pólipos são classificados segundo o quadro abaixo: 

Os Pólipos epiteliais que surgem como resultado de proliferação e displasia são denominados Pólipos adenomatosos. São lesões verdadeiramente neoplásicas e precursoras de carcinomas. Por outro lado, Pólipos hamartomatosos são malformações das glândulas e do estroma; a lâmina própria constitui sua maior parte e, em geral não têm potencial de malignidade.

Pólipos Isolados
Os pólipos se tornam clinicamente relevantes quando causam sangramento retal, obstrução intestinal ou devido ao seu potencial de desenvolver malignidade.
Pólipos juvenis esporádicos são os mais comuns em crianças, são hamartomatosos e limitados ao cólon. Também chamados Pólipos de retenção ou inflamatórios, correspondem a aproximadamente 90% dos Pólipos colônicos em crianças. Sua apresentação mais comum é com sangramento intestinal baixo e dor abdominal. O sangramento causado geralmente é vermelho, indicando sua localização distal. É autolimitado e, frequentemente, há história de passagem de sangue após a eliminação das fezes.
Melena só é vista em casos raros de Pólipos gástricos ou duodenais, em especial, naqueles pacientes com síndromes de polipose intestinal.
No caso do Pólipo se projetar para a luz intestinal, ele pode, pela peristalse e tração, desenvolver intussucepção. Pode também se apresentar como um prolapso de massa retal, ou fezes mucopurulentas.
Pólipos juvenis são diagnosticados nos primeiros 10 anos de vida, com pico entre 2 e 5 anos, 50% das crianças com Pólipos juvenis têm mais de 1 pólipo. Os Pólipos costumam medir de 1 a 3 cm, e 90% deles são pediculados.
É importante ressaltar que Pólipos juvenis solitários não apresentam risco de se tornarem neoplasias malignas, porém, quando há mais que 5 Pólipos, existe o risco de desenvolver carcinoma colo-retal (Síndrome da Polipose Juvenil).
A colonoscopia com realização da polipectomia e sua respectiva revisão histológica são suficientes para o manejo dos Pólipos juvenis isolados. Não é necessário seguimento clínico ou endoscópico após a realização da polipectomia.
Histologicamente, o Pólipo juvenil típico tem arquitetura cística, glândulas mucoides, lâmina própria proeminente e denso infiltrado de células inflamatórias.
 Colonoscopia – Pólipos sésseis e pediculados no ceco

Poliposes Intestinais
As Síndromes de Polipose Intestinal são relativamente raras na prática da gastroenterologia pediátrica, mesmo em serviços acadêmicos de referência. Entretanto, é importante que os especialistas estejam cientes dos riscos acarretados para as crianças e suas famílias afetados por estas patologias.
As Síndromes das Poliposes hereditárias estão associadas a um risco maior de desenvolver câncer, por isso, uma classificação precisa delas é essencial. Certamente as lesões extraintestinais podem alertar os patologistas para a possibilidade de uma Síndrome de Polipose Intestinal.

CLASSIFICAÇÃO

Síndrome de Peutz-Jeghers
Trata-se de uma Síndrome de herança autossômica dominante e causada por uma mutação no gene STK11 (LKB1), caracterizada por múltiplos pólipos no trato gastrointestinal, associados a pigmentação mucocutânea, especialmente na borda dos lábios. Sua incidência é estimada entre 1:50.000 a 1:200.000.

Características clínicas:
As lesões mucocutâneas pigmentadas são encontradas em 95% dos casos, e podem ser o primeiro achado clínico, costumam aumentar durante a infância, e ocorrem ao redor da boca, narinas, períneo, dedos, mãos e pés.
Os Pólipos podem ser encontrados por todo o trato gastrointestinal, mas a maioria está localizada no intestino delgado (60% a 94%) e no cólon (50% a 64%). Os Pólipos podem causar sangramento gastrointestinal, anemia e dor abdominal secundária à intussuscepção, obstrução ou infarto.
Os sintomas relacionados aos Pólipos são maiores na infância, 33% ocorrem até 10 anos de idade e 50% até 20 anos.




Um único indivíduo que apresente um dos seguintes achados:
1) dois ou mais Pólipos Juvenis confirmados histologicamente;
2) qualquer número de Pólipos Juvenis detectados em um indivíduo que tem história familiar de Síndrome de Peutz-Jeghers;
3) pigmentação mucocutânea em um indivíduo com história familiar de Síndrome de Peutz-Jeghers em parentes próximos;
4) qualquer número de Pólipos Juvenis em um indivíduo que também tenha pigmentação mucocutânea característica.
Não há correlação clínica clara demonstrada nos pacientes com mutação no gene STK1 e naqueles sem a mutação.
Durante o seguimento, existe a preocupação de detectar os Pólipos que possam causar invaginação intestinal/obstrução, sangramento/anemia.
Outra preocupação é a detecção de câncer nos estágios iniciais. O risco de câncer colorretal é 3%, 5%, 15% e 39% nas idades 40, 50, 60 e 70 anos, respectivamente, em pacientes com a Síndrome de Peutz-Jeghers.
A investigação do intestino delgado deve ser realizada para a prevenção de invaginação intestinal e necessidade de laparotomia de emergência. É realizada através da cápsula endoscópica. Outras alternativas são a ressonância magnética e a radiografia contrastada.

Tratamento
A polipectomia endoscópica reduz as complicações e o risco de uma futura polipectomia por laparotomia. Caso a laparotomia tenha que ser realizada (obstrução, invaginação ou retirada eletiva de grande quantidade de pólipos sintomáticos), a enteroscopia intra-operatória deve ser realizada com polipectomia, caso os Pólipos sejam detectados no intestino delgado (‘clean sweep’). Somente 40% das crianças deixam de necessitar a laparotomia na infância.
Não há tratamentos medicamentosos comprovados que possibilitem a redução da quantidade de Pólipos na Síndrome de Peutz-Jeghers.

Seguimento endoscópico:
A colonoscopia é recomendada a cada 3 anos, a partir do início dos sintomas, ou na adolescência nos casos assintomáticos.
A endoscopia digestiva alta e o exame contrastado do trato gastrointestinal superior deve ser feita a cada 2 anos, a partir dos 10 anos de idade.
Os Pólipos, sempre que possível, devem ser removidos.

Polipose Juvenil
Esta síndrome caracteriza-se pelo desenvolvimento de múltiplos Pólipos juvenis no trato gastrointestinal.
Os sintomas costumam aparecer antes dos 20 anos de idade, e apresenta incidência aproximada de 1:100.000 indivíduos, diferentemente dos Pólipos juvenis isolados cuja incidência é de 2% em crianças.
A síndrome apresenta herança autossômica dominante, ocorre uma mutação e desregulação na inibição do fator de crescimento TGFβ levando aos múltiplos Pólipos gastrointestinais.
Muitos pacientes são diagnosticados tardiamente, pois não houve distinção entre Polipose Juvenil e Pólipos Juvenis esporádicos.

Características clínicas:
Geralmente são encontrados múltiplos Pólipos no cólon, embora Pólipos gástricos e no intestino delgado também sejam observados.
Os pacientes podem apresentar prolapso retal e anemia, hipoproteinemia, malnutrição e distúrbios hidroeletrolíticos também podem ser encontrados.
A localização e o número de Pólipos variam muito, portanto, o tratamento endoscópico e cirúrgico deve ser individualizado. 

Critérios diagnósticos:
Devem ser observados os seguintes achados:
a- mais de 3 a 5 Pólipos juvenis colorretais;
b- Pólipos juvenis ao longo de todo o trato gastrointestinal;
c- qualquer número de Pólipos e história familiar de Polipose Juvenil.
Deve-se considerar que esta definição é problemática, visto que é relativamente comum encontrarmos crianças com múltiplos Pólipos juvenis (3 a 10 ou mais), sem história familiar de Polipose Juvenil.

Seguimento endoscópico:
A colonoscopia e a endoscopia digestiva alta bienais ou trienais são recomendadas a partir dos 15 anos de idade ou antes, caso os Pólipos sejam clinicamente aparentes. A polipectomia deve ser realizada sempre que possível por via endoscópica, porém no caso de não ser possível a utilização desta técnica a cirurgia está indicada.
Considerando-se que a Polipose Juvenil é uma síndrome rara e a neoplasia colorretal na faixa etária pediátrica é extremamente incomum, as evidências para o seguimento endoscópico são limitadas.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Vômitos Cíclicos: Diagnóstico e Tratamento (Parte 1)

Cristiane Boé e Ulysses Fagundes Neto

Introdução

A Síndrome dos Vômitos Cíclicos (SVC) foi primeiramente descrita por Samuel Gee, em 1882, entretanto, até o presente momento, não há uma certeza absoluta a respeito da sua etiologia e fisiopatologia. A SVC trata-se de um distúrbio funcional caracterizada por episódios recorrentes de náuseas e vômitos com duração de horas ou dias, seguidos de intervalos livres de sintomas.

Desde um ponto de vista de gênero acomete mais meninas que meninos (60:40), usualmente em idade escolar, porém pode haver uma grande gama de faixa etária, variando de lactentes a adultos jovens, mais frequentemente em indivíduos da raça branca.

Ainda que seja uma síndrome cujos sintomas são episódicos, resulta em 24 dias de falta à escola, com um custo anual de até US$17.035,00. Abu-Arafeh et al caracterizaram a SVC em 1,9% dos escolares em Aberdeen, no norte da Escócia.

A patogênese e a etiologia da SVC permanecem desconhecidas, porém, há forte associação entre esta síndrome e enxaqueca, sugerindo que a fisiopatologia pode ser a mesma, pois apresentam similaridades de sintomas, evolução e resposta positiva ao uso de medicamentos anti-enxaqueca. Cerca de 2/3 dos pacientes que são capazes de fornecer informações fidedignas, referem uma associação com a Síndrome do Intestino Irritável, posto que 11% deles apresentam história de enxaqueca. Alterações emocionais ocorrem em 40% dos pacientes e 50% destes têm história familiar positiva para Síndrome do Intestino Irritável ou enxaqueca.

Um conceito recente sobre a fisiopatologia da SVC sugere que a depleção da energia mitocondrial devido a uma mutação, associada à precipitação por estresse ou excitação, podem ser os fatores deflagradores para o aparecimento dos episódios de vômitos em pacientes com SVC.

Características clínicas

Aproximadamente entre 40 a 80% dos pacientes apresentam fatores desencadeantes que estão relacionados aos episódios de vômitos, a saber:

1.  Estresse psicológico
2.  Infecções
3.  Cansaço físico
4.  Alimentos específicos (queijo, chocolate.)
5.  Menstruação
6.  Clima quente
7.  Comer em excesso/jejum

Sintomas prodrômicos soem ocorrer em 1/3 dos episódios, os quais geralmente se iniciam na madrugada ou nas primeiras horas do dia, podem ter a duração de até 2 horas e mesmo se estender por até 10 dias, e se repetem de 4 a 12 vezes por ano. Em geral a média é de 4 vômitos/hora.

Os principais sintomas associados são: dor periumbilical, cefaleia, salivação e fotofobia. Os episódios tendem a ser os mesmos para cada indivíduo, e os pais são capazes de identificar eventos desencadeadores em 76% dos casos, sendo psicológicos e infecciosos em 47% e 31%, respectivamente. Vale enfatizar que emoções positivas são mais frequentemente identificáveis que o estresse negativo.

Diagnóstico

Há grande dificuldade diagnóstica porque não há uma etiologia definida, e, nem tampouco existem marcadores laboratoriais específicos para o diagnóstico de certeza. Por estas razões foram criados critérios para o auxílio diagnóstico, e atualmente existem 2 entidades que desenvolveram tais critérios, a saber: a) ROMA IV (2016); b) NASPGHAN (2008)

Critérios Diagnósticos     
                  
a) ROMA IV

2 ou mais episódios de intensa náusea e vômitos com duração de horas ou dias; retorno para o estado de saúde habitual com duração de semanas a meses.
* Os dois critérios devem estar presentes
** Mudança de 3 episódios (ROMA II) para 2 visando facilitar o reconhecimento da CVS e diminuição do sofrimento do paciente

b) NASPGHAN

Devem ocorrer pelo menos 5 crises em qualquer intervalo, ou um mínimo de 3 episódios em um período de 6 meses. Episódios de náusea e vômitos intensos durando de 1 hora a 10 dias, separados por pelo menos 1 semana. Deve haver um padrão estereotipado em cada paciente, os vômitos durante os ataques ocorrem no mínimo 4 vezes/hora, por pelo menos 1 hora. Há o retorno ao estado clínico normal entre os episódios e não deve haver atribuição à qualquer outra enfermidade.
* Todos os critérios devem estar presentes

Diagnóstico Diferencial

O desafio que se apresenta é diferenciar os pacientes que apresentam causas bem determinadas para os vômitos (10%), daqueles com causa idiopática (90%). O emprego destes critérios ajuda a diferenciá-los, o que irá evitar submeter os pacientes a procedimentos desnecessários.

Os critérios propostos pela NASPGHAN sugerem alguns sintomas suspeitos que devem ser investigados, tais como:

1-         Vômitos biliosos, dor abdominal intensa, com sinais de peritonite:

Observar possíveis sinais de obstrução intestinal que podem estar presentes na má rotação intestinal e aderências; hepatite, pancreatite, obstrução da junção uretero-pélvica. Deve-se realizar investigação apropriada e específica solicitando os seguintes exames: raio X do abdome, amilase e lipase séricas, hepatograma, ultrassonografia e/ou tomografia do abdome.

Caso ocorra hematêmese não há recomendação imperiosa para realização de endoscopia digestiva alta, a não ser que o paciente apresente sintomas entre os episódios que indiquem patologia específica ou sangramento em grande quantidade.

Ao se suspeitar de porfiria deve-se considerar a gravidade, a intensidade dos vômitos e a dor abdominal recorrente, associadas a ansiedade, depressão, alucinação, convulsão e paresia das extremidades.

2- Ataques precipitados por outra doença, jejum ou refeição com alto teor de proteína:

Deve-se levar em consideração a possibilidade de eventuais transtornos metabólicos (ácidos graxos, ciclo da ureia, aminoácidos, ciclo mitocondrial de energia) seguidos de estado catabólico induzido por jejum, infecção ou refeição com alto teor de proteína. Geralmente as afecções metabólicas aparecem logo após o nascimento, os defeitos no ciclo da ureia são diagnosticados com dosagem de amônia plasmática acima de 150µm/L, as deficiências enzimáticas parciais podem ser silenciosas até que ocorram fatores precipitantes que podem ser detectados nas análises sanguíneas e urinárias.

3. Anormalidades no exame neurológico:

Caso existam sinais localizatórios no exame neurológico, tais como, alteração recente da personalidade e/ou sinais de hipertensão intracraniana deve-se realizar exame de neuroimagem. Nestes casos a maior dificuldade está em diferenciar alteração do estado mental, pois os pacientes com SVC apresentam alteração da consciência durante os episódios de vômitos (letargia, desorientação). Na SVC, a criança está orientada, é capaz de responder a comandos, mas prefere não responder por causa da náusea.  
    
Figura 1- Gráfico esquemático dos critérios diagnósticos para SVC e o guia de conduta a ser seguido



Figura 2- Diagnósticos Diferenciais a serem considerados

Algumas situações tornam difícil a diferenciação de um episódio de SVC com gastroenterite viral, entretanto, deve-se levar em consideração que há necessidade de se empregar uma taxa de reidratação intravenosa 75 vezes maior na SVC do que na gastroenterite por rotavírus.

A dor abdominal pode ser muito intensa a ponto de se considerar a indicação de laparotomia por suspeita da existência de abdome agudo. Dentro do sistema digestório, a má-rotação intestinal com volvo intermitente é a complicação mais grave e comum, que pode resultar em grande ressecção de intestino delgado.

Letargia, dificuldade para falar, andar, ou interagir, pode simular semi-coma e preocupa quanto à presença de choque, meningite ou intoxicações.

Vale enfatizar que devido ao elevado grau de dificuldade em se estabelecer o diagnóstico da SVC o tempo para se comprovar de forma definitiva a ocorrência desta síndrome tarda em média 2,7 anos.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Colte Alérgica: Manifestações Clínicas, Diagnóstico e Tratamento (4)

Manifestações Clínicas

A manifestação clínica mais intensa e exuberante é a diarréia sanguinolenta associada a cólicas, as quais estão presentes em cêrca de 90% dos pacientes. Geralmente os sintomas apresentam-se de início insidioso instalando-se na imensa maioria dos casos nos primeiros 6 meses de vida, mais particularmente ainda nos primeiros 3 meses. O sangue costuma ser "vivo" misturado às fezes, e, em algumas circunstâncias pode haver apenas sangramento retal em decorrência do processo inflamatório que afeta a mucosa colônica, tratando-se, portanto, de uma lesão interna. O sangramento costuma ser intermitente e de escassa quantidade; somente em raras situações pode haver perda importante de sangue, acarretando anemia aguda. É importante fazer a diferenciação diagnóstica com o sangramento da fissura anal, pois nesta condição, em geral, trata-se de sangue rutilante "em fio de linha" que recobre as fezes, posto que a fissura é uma lesão anal externa.

Em alguns casos, especialmente quando o lactente está recebendo aleitamento natural o sangramento pode não ser visível a "olho nú", e isto é o que se denomina sagramento "oculto", o qual é detectado através de método imunoenzimático em fezes recém eliminadas.

Regurgitação e vômitos também podem estar presentes com frequência muito variável entre 20 e 100% dos pacientes, o que pode ser um fator de interpretação equivocada da Doença do Refluxo Gastroesofágico. A maioria dos pacientes apresenta uma constelação de sintomas adicionais que inclui inquietação e irritabilidade, particularmente logo após o início da mamada, o que pode levar a uma interpretação equivocada de cólica do lactente, entretanto, o estudo anátomo-patológico da mucosa retal revela aspectos claramente inflamatórios com acentuada infiltração eosinofílica, que é característica da proctocolite alérgica.

Na maioria das vezes não há uma clara percepção do agravo do crescimento pondero-estatural, porém, ao se instituir o tratamento correto nota-se nitidamente a ocorrência de uma rápida recuperação nutricional, com ganho pondero-estatural acelerado (Figuras 1 e 2).

Figura 1- Paciente no momento do diagnóstico da Colite Alérgica.


Figura 2- Paciente após a recuperação clínica e nutricional.
Diagnóstico

A suspeita diagnóstica se baseia no quadro clínico acima descrito, sendo necessário afastar as outras causas de Colite anteriormente referidas. Particularmente, na faixa etária dos lactentes menores de 6 meses, a maior preocupação é eliminar a possibilidade de infecção por um dos microorganismos invasores da mucosa colônica, o que pode ser constatado em primeiro lugar pelo aspecto clínico do paciente, posto que este não deve apresentar sinais de toxemia, prostração e febre, e definitivamente descartado pelo resultado da cultura de fezes que deve ser negativo para crescimento de bactérias enteropatogênicas invasoras.

Até pouco tempo atrás não havia um consenso internacional quanto a utilização de parâmetros clínicos objetivos para se estabelecer o diagnóstico definitivo da Colite Alérgica, fato este que trazia grandes controvérsias diagnósticas. Além disso, está bem definido que os testes cutâneos e/ou sorológicos não são aplicáveis nesta afecção, pois como se sabe estes testes tem validade diagnóstica quando está presente o mecanismo imunológico da hipersensibilidade imediata (mediada pela Ig E) o que não é o que se verifica quando se trata de Colite Alérgica. Aqui entra em jogo o mecanismo imunológico da reação antígeno-anticorpo em excesso de antígeno com fixação de complemento (conhecido como fenômeno de Arthus) resultando em uma vasculite, daí o sangramento quase sempre visível.

Na intenção de contornar esta dificuldade diagnóstica John Walker-Smith, pesquisador inglês de prestigio indiscutível, fez uma profunda revisão sobre o tema e propos, em 1995, os seguintes critérios para o diagnóstico de Colite Alérgica: 1- Clínica: presença de sangramento retal e cólicas em lactente sem agravo nutricional de maior intensidade; 2- Laboratorial: exclusão de causas infecciosas de colite; 3- Procedimento: endoscopia e/ou biópsia retal com características típicas de colite; 4- Prova terapêutica: desaparecimento dos sintomas após a eliminação do suposto alergeno da dieta do lactente ou da dieta da mãe (no caso de aleitamento natural); 5: Desencadeamento: não é necessário antes dos 9 a 12 meses de idade; 6- Procedimento: realização ou não de nova biópsia retal para caracterizar regressão das lesões na dependência do critério do médico assistente.

À colonoscopia a mucosa colônica encontra-se hiperemiada, friável com sangramento espontâneo à passagem do colonoscópio, podendo-se também observar pequenas ulcerações na mucosa (Figuras 3 e 4).


Figura 3- Visualização endoscópica das mucosas colônica e ileal evidenciando ulcerações macroscópicas, sangramento espontâneo e ingurgitamento vascular.


Figura 4- Imagem endoscópica da Colite Alérgica evidenciando ulcerações macroscópicas e grande fragilidade da mucosa com sangramento espontâneo.

À microscopia óptica observa-se solução de continuidade do epitélio colônico, intenso aumento do infiltrado linfo-plansmocitário e eosinofilico na lâmina própria, diminuição do conteúdo de muco das glândulas crípticas e inclusive até mesmo a existência de abscesso críptico (presença de polimorfonucleares no interior da glândula críptica) (Figuras 5 e 6).


Figura 5- Microfotografia de material de biópsia retal evidenciando lesões histopatológicas características de Colite: solução de continuidade do epitélio colônico, aumento acentuado do infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria, com presença aumentada de eosinófilos, glândulas crípticas com diminuição de células produtoras de muco, e presença de abscesso críptico com infiltrado de neutrófilos.


Figura 6- Colite eosinofílica: eosinófilos infiltrando o epitélio e na lâmina própria da mucosa retal.

Após a cura há completa regeneração da mucosa colônica (Figura 7).


Figura 7- Material de biópsia do reto de paciente portador de Colite Alérgica em fase de recuperação; houve regeneração do epitélio, infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria discreto e presença normal de muco nas glândulas crípticas.

No próximo encontro iremos mostrar nossa experiência a respeito da Colite Alérgica.