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sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Colite Alérgica: Manifestações Clínicas, Diagnóstico e Tratamento (3)

Histórico

Desde o surgimento do ser humano no nosso universo, constituindo-se nas mais diversas maneiras de sociedades existentes, a totalidade das crianças era amamentada ao seio materno, de forma exclusiva e prolongada. Ainda nos dias atuais, naquelas poucas comunidades restantes chamadas de "cultura primitiva", como por exemplo é o caso de algumas nações indígenas existentes em nosso país (Figuras 1-2-3-4), as quais vivem em condições muito semelhantes a aquelas encontradas pelos descobridores portugueses, a prática da amamentação é universal.


Figura 1- Parque Indígena do Xingu: Índios de uma aldeia do Alto Xingu anunciando uma festa comunitária.


Figura 2- Parque Indígena do Xingu: Mãe e filho no primeiro banho da manhã no rio Xingu.



Figura 3- Parque Indígena do Xingu; criança índia em aleitamento natural, prática universal nesta sociedade.

Figura 4- Minha primeira experiência de trabalho no Parque Indígena do Xingu em dezembro de 1970.
Entretanto, as enormes transfigurações sócio-político-econômicas e culturais ocorridas em decorrência do desenvolvimento tecnológico industrial nas sociedades denominadas "civilizadas" ou "modernas", com as mulheres cada vez mais competindo pela ocupação de espaço dentro do mercado de trabalho, associadas ao crescimento e consolidação das indústrias produtoras de alimentos infantis, a partir do início do século 20, contribuiram decisivamente para o declínio da prática do aleitamento natural. Diferentes tipos de leite de outros mamíferos, mais frequentemente o Leite de Vaca, inicialmente in natura, e, posteriormente, sob a forma de Fórmulas Lácteas processadas com a intenção de se aproximar ao máximo da composição do Leite Humano, encontram-se, já há muitos anos, amplamente disponíveis no mercado. Concomitantemente a essa modificação do comportamento das sociedades "modernas" passou-se também a conviver com um novo fenômeno, como efeito colateral, ou seja, o surgimento cada vez mais frequente da Alergia Alimentar, especialmente Alergia às Proteínas do Leite de Vaca e suas mais variadas formas de manifestação clínica. Por outro lado, na busca de se encontrar substitutos do Leite de Vaca, para o tratamento dos casos com sintomas de Alergia, passaram a ser desenvolvidas fórmulas a partir da Proteína Vegetal da Soja, introduzidas já desde 1929, as quais pretensamente se imaginava não teriam capacidade alergênica, e que a experiência prática demonstrou ser exatamente o contrário.

Rubin, nos EUA, em 1940, publicou suas observações sobre 4 pacientes, com idades compreendidas entre 4 e 7 semanas, que foram alimentados com Leite de Vaca, os quais apresentaram diarréia sanguinolenta e cólicas intensas, denominando-as como portadoras da "Síndrome do Sangramento Intestinal devido a Alergia às Proteínas do Leite de Vaca". Mortimer, nos EUA, em 1959, por sua vez descreveu o caso de um lactente de 3 mêses, que se encontrava em aleitamento misto, possuia história de alergia familiar fortemente positiva, e que desenvolveu quadro clínico de eczema e asma. Foi tratado com Fórmula de Soja em substituição à Fórmula Láctea durante 2 mêses, período no qual apresentou vômitos frequentes e reinício das crises asmáticas, manifestações que desapareceram com a introdução de uma Fórmula à Base de Hidrolisado Protéico. Halpin e cols., nos EUA, em 1977, documentaram a primeira descrição de Colite Alérgica em 4 lactentes com idades entre 2 e 4 mêses, os quais apresentavam diarréia sanguinolenta, perda de pêso e vômitos com o emprego de Fórmula de Soja com diagnóstico prévio de Alergia às Proteínas do Leite de Vaca. Nos 4 pacientes foi realizado desencadeamento com Fórmula de Soja e os sintomas reapareceram, sendo que anteriormente os sintomas haviam regredido com o uso de uma Fórmula à Base de Hidrolisado Protéico.

Lake e cols., nos EUA, em 1982, descreveram 6 lactentes, amamentados exclusivamente com Leite Materno, que apresentaram diarréia sanguinolenta no primeiro mês de vida, tendo sido descartadas causas infecciosas. Foi constatado, nesta ocasião, que proteínas estranhas, potencialmente alergênicas, podem ser veiculadas pelo Leite Materno, e que os sintomas regridem quando o suposto alergeno é retirado da dieta da mãe. Além disso, Sherman e Cox, nos EUA, em 1982, levantaram a possibilidade de sensibilização intra-útero às Proteínas do Leite de Vaca, ao descrever o caso de um recém-nascido que apresentou diarréia sanguinolenta algumas horas após o nascimento ao receber Leite de Vaca a partir de 8 horas de vida. As manifestações clínicas persistiram ao se introduzir Fórmula de Soja, e somente regrediram com o uso de Fórmula à Base de Hidrolisado Protéico.

No nosso próximo encontro continuaremos a discutir Colite Alérgica, suas manifestações clínicas e o diagnóstico.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Colite Alérgica: Manifestações Clínicas, Diagnóstico e Tratamento (1)

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

Diretor Médico do Instituto de Gastroenterologia Pediátrica de São Paulo (IGastroped) 


Introdução

Admite-se que Alergia Alimentar (AA) afeta entre 7 a 8% da população pediátrica, e que Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV) é a manifestação mais comum presente em cerca de 2 a 3% das crianças sendo que sangramento retal é uma queixa bastante freqüente nos lactentes de tenra idade, especialmente dentro dos 3 primeiros meses de vida. Diarréia, vômitos, ganho ponderal insuficiente, irritabilidade intensa, em particular durante o momento da amamentação são as manifestações associadas ao sangramento retal. Muitas vezes como primeira opção para substituir a fórmula láctea é prescrita fórmula de soja, porém, infelizmente as Fórmulas de Soja também possuem fortes propriedades alergênicas tanto in vitro quanto in vivo, posto que entre 30 a 50% dos pacientes com APLV apresentam uma reação cruzada com a proteína da soja. Ou seja, verifica-se que já mesmo no primeiro contato com a proteína da soja persistem os sintomas iniciais da alergia. Por outro lado, em alguns casos, ocorre uma remissão completa da sintomatologia, a qual dura de 2 a 7 dias, quando de novo as manifestações clínicas reaparecem. Este período de tempo é o intervalo necessário para que haja a respectiva sensibilização pela nova proteína da dieta e o ressurgimento dos sintomas. Alguns autores atestam que alergia às proteínas da Soja pode ocorrer em até 66% dos pacientes com manifestações de Colite Alérgica às proteínas do Leite de Vaca.

Vale enfatizar que lactentes em aleitamento natural exclusivo também podem apresentar sintomas similares porque o leite de vaca e outras proteínas da dieta podem estar presentes na composição do leite materno. A realização de retoscopia com a obtenção de fragmentos retais para análise histopatológica são extremamente úteis para o estabelecimento do diagnóstico da colite induzida por AA. Vale lembrar que Colite é um termo genérico empregado para designar processos inflamatórios, que podem representar diferentes etiologias, que afetam o intestino grosso provocando lesões microscópicas características, associadas ou não a alterações macroscópicas. Sua manifestação clinica mais evidente é a ocorrência de cólicas juntamente com sangramento vivo nas fezes, geralmente sob a forma de diarréia sanguinolenta, porém em algumas ocasiões o sangramento pode, também, ser oculto (portanto, não visível a olho nu). Entretanto, além de outras possíveis alterações morfológicas observadas na mucosa retal, a presença de infiltrado eosinofílico, sugere fortemente a suspeita diagnóstica de Colite Alérgica. O desaparecimento dos sinais e sintomas em concomitância com a retirada do suposto alergeno ou alergenos da dieta e a restituição integral da morfologia da mucosa retal, preenche de forma completa os critérios para o diagnóstico definitivo de Colite Alérgica.

Classificação das ColitesColite, na infância, abrange um grupo heterogêneo de etiologias, a saber: 1- Alergia Alimentar; 2- Infecção Bacteriana (Salmonella, Shigella, Escherichia coli enteroinvasra, Escherichia coli entero-hemorrágica); 3- Infecção Parasitária (Entamoeba histolytica {amebíase}); 4- Doença Inflamatória Intestinal (Doença de Crohn, Colite Ulcerativa, Colite Indeterminada); 5- Colite Auto-imune
Colite Alérgica é uma condição clínica caracterizada por alterações inflamatórias microscópicas e/ou macroscópicas no cólon e reto como consequência de reações imunológicas devido à ingestão de proteínas estranhas, que são denominadas para efeito clínico de alergenos. Deve-se sempre ter como conceito fundamental que Alergia se desenvolve a partir de uma reação imunológica e que diz respeito ao envolvimento de alguma proteína, e, no caso de AA, este componente protéico está presente na dieta da criança. Vale ressaltar que Colite Alérgica é uma enfermidade que afeta essencialmente o lactente no seu primeiro ano de vida, mais preferentemente nos primeiros 6 meses de idade, muito embora excepcionalmente haja relatos de casos em crianças maiores. Trata-se de uma enfermidade de caráter temporário com resolução espontânea ao final do primeiro ou segundo anos de vida.

Colite Alérgica representa cerca de 20% dos casos de AA, mas tudo indica que este percentual vem aumentando de forma considerável. Na nossa experiência pessoal ao analisarmos 55 lactentes com idade média de 3,9 meses, durante um período de 5 anos, os quais apresentavam APLV e da Soja, 20% deles revelaram ser portadores de Colite Alérgica (Fagunders-Neto e cols. Rev Paul Med 1987;105:166-71). Portanto, APLV constitui-se na principal causa de sangramento retal nos lactentes. Muito embora colite por infecção bacteriana ou protozoária possa provocar sangramento retal trata-se de uma etiologia rara neste período da vida em condições ambientais higiênicas apropriadas. Fissura anal frequentemente é também causa de sangramento retal, porém a característica do sangramento nesta condição clínica difere totalmente da colite. O sangramento característico da fissura anal é um fio de linha de sangue rutilante que recobre as fezes, posto que a fissura é uma lesão anal praticamente externa, enquanto que no sangramento devido à colite o sangue é visto misturado às fezes (Figuras 1 - 2 & 3).
Figura 1- Paciente portador de Colite Alérgica apresentando sangue vivo misturado às fezes diarréicas.


Figura 2- Visualização endoscópica da mucosa colônica evidenciando ulcerações macroscópicas, sangramento espontâneo e engurgitamento vascular.

Figura 3- Microfotografia de material de biópsia retal evidenciando lesões histopatológicas características de Colite: solução de continuidade do epitélio colônico, aumento acentuado do infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria, com presença aumentada de eosinófilos, glândulas crípticas com diminuição de células produtoras de muco, e presença de abcesso críptico com infiltrado de neutrófilos.
Colite Ulcerativa e Doença de Crohn podem ocorrer em períodos precoces da vida, mas este é um tipo extremamente raro de apresentação.
Alergenos Alimentares
Os alergenos alimentares são, em geral, proteínas pequenas com Peso Molecular entre 10.000 e 40.000 daltons (unidade de medida do peso das moléculas protéicas). Podem ser glico-proteínas ou proteínas ácido-resistentes, portanto, resistem à ação do ácido clorídrico gástrico, a desnaturação térmica e enzimática. Além disso, sua arquitetura molecular pode também conferir estabilidade antigênica in vivo.

Leite de vaca, fórmulas lácteas infantis, fórmulas de soja são as fontes de proteínas mais frequentemente envolvidas na etiologia da Colite Alérgica, porém outros alimentos também podem desencadeá-la, tais como: leites de outros mamíferos (jumenta, égua e cabra), trigo, ovos, milho, peixe, frutos do mar, nozes e amêndoas, amendoim, carne de frango etc. Além disso, quaisquer outros alimentos que tenham alguma fração protéica em sua composição, podem, potencialmente, provocar alergia.

Quanto ao Leite Humano é de fundamental importância ressaltar que como se trata de um produto da secreção da glândula mamária da mulher, ele é Espécie-Específico (foi especialmente desenhado para não causar qualquer problema ao lactente), portanto, não apresenta qualquer componente potencialmente alergênico. Entretanto, substâncias protéicas, potencialmente alergênicas, ingeridas pela mulher que esteja no período de amamentação podem ser transferidas ao lactente, e, em caso do mesmo ser susceptível de alergia, vir a apresentar sintomas de AA. Como o leite humano possui inúmeros fatores de proteção da mucosa intestinal, as manifestações clínicas de alergia costumam ser mais atenuadas do que naqueles lactentes que recebem aleitamento artificial, por meio de fórmulas lácteas ou de soja, o que pode se tornar um fator maior de dificuldade diagnóstica.

No nosso próximo encontro continuarei a discutir em detalhes os aspectos mais relevantes da Colite Alérgica.