segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Hiperplasia Nodular Linfóide (Parte II)

Tatiana Furlan Berreta Fornaro & Ulysses Fagundes Neto

Principais causas de HNL

1-    Alergia alimentar

A HNL tem sido associada a APLV, bem como a outras hipersensibilidades alimentares, inclusive a doença celíaca. Essa afecção é considerada uma resposta imune local contra antígenos alimentares, sendo que as lesões são comumente encontradas no íleo terminal, e facilmente visualizadas à colonoscopia.

Kokkonen e cols. sugerem a existência de uma associação entre HNL e a hipersensibilidade alimentar, pois referem que 52% dos pacientes apresentavam algum tipo de alergia alimentar. Da mesma forma, Iacomo e cols. demonstraram a frequência da supracitada associação em 30% dos pacientes, sendo que em 75% dos casos mostrou-se relacionada a APLV e os 25% restantes apresentavam hipersensibilidade ao trigo, ovo e soja.

Por outro lado, Machida e cols., em 1994, no Canadá, realizaram colonoscopia com biópsia em 34 crianças que referiam a presença de sangue nas fezes. Em 25 (73,5%) delas o exame macroscópico permitiu caracterizar a existência de colite, e, em 10 (29,4%) pacientes foi observada a ocorrência de HNL, sendo que em 7 deles havia associação com colite. Ao exame histopatológico, do material obtido por biópsia, em 31 (91,0%) casos colite foi confirmada associada a intensa eosinofilia.

Kokkonen J. e cols., entre 1997 e 2000, avaliaram 140 crianças que foram submetidas à colonoscopia. Em 46 (32%) pacientes foi encontrada HNL no cólon e em 50 (35,7%) no íleo terminal. Este grupo de pacientes, 102 (72,8%), foram também submetidos a endoscopia digestiva alta, tendo sido encontrado HNL na região do bulbo duodenal em 22 (21,5%) pacientes.

Alergia alimentar foi diagnosticada em 13 (59,0%) crianças que apresentavam HNL no bulbo duodenal, em 18 (36,0%) quando esta foi vista no íleo terminal e em 25 (54,3%) na mucosa colônica. O diagnóstico de alergia alimentar foi estabelecido após teste de desencadeamento.

2-    Hipogamaglobulinemia

A associação entre HNL e Hipogamaglobulinemia pode representar uma resposta imune local aos repetidos estímulos antigênicos presentes no trato alimentar sob a forma de bactérias e vírus. Indivíduos susceptíveis com imunodeficiência podem desenvolver hiperplasia linfoide reativa, com formações polipoides, quando em contato com agentes inflamatórios tais como infecções, fatores ambientais e químicos.

Em 1977, Webster e cols. investigaram 34 pacientes com hipogamaglobulinemia primária. HNL ocorreu em 19% dos casos e apenas 2 pacientes apresentavam giardíase.

Aplicações semanais de gamaglobulina parece não influenciar na melhora dos pacientes.

3-    Giardíase

A associação entre HNL e giardíase foi inicialmente descrita em pacientes com imunodeficiência humoral. Entretanto, posteriormente, nódulos linfáticos também têm sido descritos no íleo terminal e colon de crianças imunologicamente normais, porém com infecção por Giardia (Figuras 7-8).
  

Figura 7- Material de biópsia do intestino delgado mostrando a presença de trofozoitas de Giardia na luz do intestino próximos a uma vilosidade diminuída em altura (seta). 

Figura 8- Material de biópsia do intestino delgado, em microscopia óptica comum, grande aumento, mostrando a presença de trofozoitas de Giardia na luz do intestino próximos a uma vilosidade (seta). 

Warde cols., em 1983, avaliaram 25 pacientes de 12 a 42 anos durante 3 anos, que apresentavam giardíase. Giardia lamblia foi detectada nas fezes e/ou aspirados jejunais destes pacientes e todos eles apresentavam HNL. Em 19 (76%) pacientes foi realizado tratamento com o uso de metronidazol, sendo que em 17 (89,4%) deles ocorreu regressão da HNL.

Tratamento

Nas crianças, a HNL, na ausência de qualquer patologia associada, revela-se, usualmente, uma lesão auto-limitada, e, portanto, na maioria dos casos não há necessidade de se propor qualquer tratamento. Entretanto, em algumas circunstâncias, dependendo da intensidade dos sintomas, pode-se usar Prednisona 1 mg/kg/dia por períodos curtos, de preferência não excedendo a 10 dias.

Deve-se direcionar o tratamento preferencialmente às condições associadas à HNL, ou seja, a conduta recomendada nos casos de alergia alimentar é “retirar” o possível agente causador do problema. Nos casos em que a causa é a infecção por Giardia deve-se recomendar a eliminação do agente parasitário com a utilização de medicação específica para tal. 


A excisão cirúrgica local é raramente necessária e está somente indicada quando há presença de complicações, como intussuscepção intestinal recorrente, sangramento intestinal crônico com HNL focal de etiologia não esclarecida.  

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Hiperplasia Nodular Linfóide (Parte I)

Tatiana Furlan Berreta Fornaro & Ulysses Fagundes Neto

Introdução

A Hiperplasia Nodular Linfoide (HNL) do íleo terminal e colo tem sido reconhecida, desde longa data, como uma resposta da mucosa a estímulos inespecíficos, na maioria das vezes infecciosos e, consequentemente, tem sido descrita como um fenômeno fisiopatológico durante a infância. No entanto, mais recentemente, a HNL também tem sido descrita associada a alergia à proteína do leite de vaca (APLV) e à imunodeficiência.

O tecido linfoide distribui-se na lâmina própria da mucosa intestinal, ao longo de todo o tubo digestivo, apresentando maior concentração a partir do íleo terminal, local em que se formam as placas de Peyer. O número e o tamanho das placas de Peyer aumentam progressivamente durante a vida fetal, porém, nos 3 primeiros anos de vida ocorre um crescimento mais rápido. Na puberdade o aumento continua a ocorrer, porém, em menor escala, e após esse período, há um progressivo declínio das placas de Peyer (Figura 1).

  Figura 1- Visão de uma placa de Peyer em microscopia óptica comum, médio aumento, localizada na lâmina própria da mucosa ileal.

Fisiopatologia

A patogênese da HNL é desconhecida, mas está comumente relacionada a precursoras de células plasmáticas, devido a um defeito de maturação durante o desenvolvimento de linfócitos B, a fim de compensar o funcionamento inadequado do tecido linfoide intestinal.

A HNL pode estar associada a infecções por vírus, bactérias, infestações parasitárias (principalmente giardíase) e hipersensibilidade alimentar, assim como pode estar presente nos casos de Doença Inflamatória Intestinal, e também pode ser um fator de intussuscepção intestinal recorrente.

A HNL pode estar presente como causa de sangramento oculto do trato gastrointestinal, acarretando anemia ferropriva refratária a tratamento de reposição de ferro, porém sua prevalência ainda não foi estabelecida. Um estudo realizado por Lee et al, no qual foram investigadas 17 crianças com sangramento retal, estas apresentaram à videolaparoscopia as seguintes causas, a saber: 8 Divertículo de Meckel, 2 duplicações intestinais, 2 HNL, 1 enterite vascular e 4 exames normais.

Manifestações Clínicas

A HNL pode se manifestar clinicamente associada aos seguintes sinais e sintomas: diarreia, diarreia com sangue, sangramento retal, dor abdominal, palidez cutânea e anemia ferropriva resistente ao tratamento de reposição de Ferro.

Colón et al., em 1991, estudaram 147 crianças com diagnóstico de HNL, sendo 58% meninos, com idades que variaram de 3 meses a 16 anos. Neste grupo, 58% (85) dos pacientes apresentavam queixa de dor abdominal recorrente, dentro de um período que variava de 2 a 12 meses, com localização periumbilical, em aperto, sem irradiação, e que não cedia com as evacuações.

A presença de sangue nas fezes foi a segunda causa mais frequente, aparecendo em 32% (47) das crianças, sob distintas formas, tais como, desde laivos de sangue até mesmo sangue vermelho–vivo que podia ser de forma isolada ou às vezes misturados com muco, ao final das evacuações. Vale ressaltar que destas 47 crianças que apresentaram sangue nas fezes, 24 delas não se queixavam de dor abdominal.

Um outro estudo realizado por Penna et al, em 1993, ao investigar 14 crianças, cujas idades variaram entre 8 meses e 12 anos, foram observados os seguintes sintomas: enterorragia em 71,4%, diarreia em 35,7%, distensão abdominal em 14,2% e encoprese em 14,2% delas.

Diagnóstico

A suspeita diagnóstica baseia-se na história clínica dos pacientes e é confirmada por meio da utilização de investigação laboratorial subsidiária, cuja prioridade de realização deve obedecer aos critérios clínicos segundo o discernimento do profissional atuante em cada caso.

Estão disponíveis os seguintes testes diagnósticos: 

Exames laboratoriais:

Hemograma
Velocidade de Hemossedimentação
Ferro sérico
Ferritina sérica
Pesquisa de sangue oculto nas fezes
Pesquisa de parasitas nas fezes

Exame de Imagem:

O teste radiológico indicado é o enema opaco com a utilização da técnica do duplo contraste. Este exame permite visualizar uma falha de enchimento da mucosa colônica, devido à presença de imagens arredondadas e algumas umbilicadas, representadas como áreas hipertransparentes. As lesões podem ser segmentadas ou difusas que chegam a forrar toda a mucosa do colo (Figura 2).

Figura 2- Enema opaco de duplo contraste evidenciando formações umbilicadas com falha de preenchimento do contraste caracterizando os nódulos linfoides hiperplasiados.


Endoscopia Digestiva Alta e Colonoscopia:

A observação visual permite identificar lesões polipóides sésseis, com umbilicação central, diferenciando-as dos pólipos verdadeiros. As lesões caracterizam-se por pequenas tumorações, com áreas centrais pálidas ou com sangramento, cujo diâmetro varia entre 1 e 7 mm (Figuras 3-4).
 
 Figura 3- Visão endoscópica da mucosa ileal evidenciando os nódulos linfoides hiperplasiados.

Figura 4- Visão endoscópica mais detalhada dos nódulos linfoides hiperplasiados.

Cápsula endoscópica: está indicada para avaliação do íleo terminal, nos casos em que o acesso se mostra inacessível pelos aparelhos endoscópicos.

Histopatologia:

A investigação histopatológica em material obtido por biópsia reveste-se na mais importante ferramenta diagnóstica para caracterizar a existência da HNL.

O exame à microscopia óptica comum mostra folículos linfáticos hiperplásicos, com infiltração linfocitária perifolicular, centros germinativos aumentados em tamanho e com intensa atividade mitótica. Há alongamento dos folículos mucosos de células B devido à hiperplasia do centro folicular, e o revestimento intestinal epitelial não mostra alterações (Figuras 5-6).

Figura 5- Visão à microscopia óptica comum em aumento médio de vários nódulos linfoides localizados na lâmina própria da mucosa ileal.
  

Figura 6- Visão à microscopia óptica comum em grande aumento de vários nódulos linfoides localizados na lâmina própria da mucosa ileal.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Participação em Palestra no 5th World Congress of Pediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition (WCPGHAN)

Aos meus caros Amigos e Colegas da comunidade científica da Gastroenterologia Pediátrica

Tenho a honra e o prazer de comunicar o enorme privilegio de ter sido convidado a participar como palestrante do mais prestigioso evento da nossa especialidade, o 5th World Congress of Pediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition (WCPGHAN), realizado em Montreal, Canadá, no período de 5-8 de outubro de 2016. Neste evento internacional que contou com a participação de mais de 3.000 profissionais da saúde dos diversos países do globo terrestre, abordei o tema Enteropatia Ambiental. A escolha deste tema tratou-se de uma homenagem, pelo fato de ter sido universalmente reconhecida como de minha autoria, a descrição desta síndrome clínica, conforme abaixo pode ser comprovado.  

Environmental enteropathy

From Wikipedia, the free encyclopedia
History[edit]

The term "environmental enteropathy" was first used in 1984 by Fagundes-Neto to describe a syndrome that includes non-specific histopathological and functional changes of the small intestine in children of poor families living in conditions lacking basic sanitary facilities and chronically exposed to fecal contamination. The term was introduced to replace the previously term "tropical enteropathy" (sometimes also "tropical jejunopathy") as the condition described is not only found in tropical areas and is believed to be caused by environmental factors.[6]