Mostrando postagens com marcador Doença do Refluxo Gastroesofágico. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Doença do Refluxo Gastroesofágico. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Doença do Refluxo Gastroesofágico: uma atualização da apresentação, prevalência, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento (Parte 3 - B)

Parte 3: Avaliação dos testes diagnósticos tradicionais e das novas propostas


Teste da pHmetria de 24 horas

O teste padrão de monitoração do pH mensura a exposição de ácido no esôfago distal, utilizando-se um eletrodo de pH acoplado distalmente a um cateter, o qual é introduzido através do nariz e posicionado 5cm acima da margem superior do esfíncter esofágico inferior, determinado por meio da manometria. Cateteres múltiplos possuem eletrodos de pH adicionais localizados mais proximalmente no esôfago, com ou sem eletrodo de pH gástrico. Estes eletrodos permitem a detecção dos eventos de refluxo ácidos no esôfago proximal e/ou na faringe, e, também, avaliam o grau de supressão do ácido gástrico. Este tipo de teste pode ser útil na avaliação dos sintomas extra-esofágicos da DRGE, particularmente, laringite, tosse crônica e asma.

Em virtude das limitações inerentes à monitoração do pH baseando-se no cateter acoplado a uma cápsula de pH wireless foi criada em 2003. Esta cápsula é colocada no esôfago distal e, a partir deste ponto, transmite as mensurações do pH para um dispositivo de gravação colocado na cintura do paciente. Este tipo de captação, além de ser desprovida de fios, permite gravar as medidas de pH por 48 a 96 horas. Este tipo de cápsula de pH detecta eventos de refluxo em níveis mais elevados de sensibilidade devido à monitoração mais prolongada (Figura 2A).


O racional para a realização dos testes de pHmetria, antes do tratamento cirúrgico ou endoscópico, baseia-se na garantia da evidência objetiva da existência de um refluxo patológico.

Monitoração de episódios fracamente ácidos ou não ácidos

Após as refeições ou durante o tratamento com o IBP, a maioria dos episódios de refluxo são fracamente ácidos ou não ácidos, porém, estes episódios podem provocar sintomas típicos ou atípicos de refluxo. O refluxo não ácido é difícil de ser detectado pela pHmetria. A monitoração esofágica pela impedanciometria permite a detecção de eventos de refluxo independentemente do pH. A monitoração da impedância e do pH, geralmente são realizadas em combinação, e uma distinção pode ser feita entre os episódios de refluxo, a saber: ácido (pH <4 4="" 7="" alcalino="" cido="" e="" entre="" fracamente="" ph="">7). Esta técnica também permite distinguir a composição do refluxo (ar, líquido ou misto), extensão proximal e os tempos de depuração (Figuras 2B e 2C).

O teste da impedancio-pHmetria é considerado o método mais acurado e detalhado para avaliar o refluxo gastroesofágico e aumenta o rendimento da monitoração do refluxo nos pacientes com DRGE. Os traçados da impedancio-pHmetria devem ser analisados de uma forma quantitativa em busca de um número aumentado de episódios de refluxo (ácido e não ácido), exposição prolongada ao ácido, volume, ou número aumentado de eventos de refluxos proximais. 

Análise da associação de sintomas

Além da mensuração quantitativa da exposição do esôfago ao ácido ou não ácido, a monitoração do pH e da impedância permitem a avaliação das associações entre os sintomas relatados e os eventos de refluxo ácido ou não ácido. O índice de sintomas (IS) e a probabilidade de associação de sintomas (PAS) são os índices mais comumente utilizados. O IS calcula a porcentagem de episódios de sintomas relacionados ao refluxo durante o período de estudo. O PAS é calculado baseando-se na construção de uma tabela de contingências 2x2 de eventos de sintomas e de refluxo. Este índice é atualmente mais comumente utilizado na pesquisa e na prática clínica, a despeito da limitação de informação acerca da sua acurácia. Os critérios de Roma IV recomendam a utilização do PAS para diferenciar a hipersensibilidade ao refluxo do transtorno funcional, a despeito da falta de resposta ao tratamento com o IBP e os parâmetros fisiológicos normais de refluxo em ambos os grupos. Por outro lado, deve-se levar em consideração as limitações da utilização do PAS considerando-se que escores positivos do PAS nos pacientes que não respondem ao tratamento com o IBP, e apresentam resultados normais pela monitoração ambulatorial do refluxo esofágico, não devem ser utilizados para uma possível indicação no tratamento da DRGE.          

Novos parâmetros da impedanciometria

Outros parâmetros da impedanciometria, além do número de episódios de refluxo ou do volume de exposição, podem ser considerados, tais como: movimentação de gás, a impedância basal e a onda peristáltica pós-refluxo induzida pela deglutição, formas recentemente propostas para aumentar o rendimento diagnóstico da DRGE. A impedanciometria permite um rastreamento preciso do movimento do ar intra-esofágico e a distinção entre a típica eructação gástrica da eructação supra gástrica. Nos pacientes portadores de DRGE a eructação supra gástrica é comum. Além disso, em muitos pacientes portadores da DRGE a eructação supra gástrica também pode provocar refluxo ácido e, desta forma, contribuir para a exposição ácida esofágica total.

A análise dos traçados da monitoração impedancio-pHmetria permite a mensuração da impedância basal, ou seja, valores da impedância estável na ausência da deglutição, eructação ou alterações da impedância induzidas pelo refluxo. Valores basais da impedância correlacionam-se com o estado de integridade da mucosa esofágica. Valores basais baixos da impedância, estão associados com aumento da exposição ácida e sensibilidade ao ácido. Desde um ponto de vista diagnóstico, a impedância basal encontra-se normal nos pacientes com azia funcional. Valores baixos da impedância basal são observados nos pacientes com esofagite erosiva, esôfago de Barret, EEo, ou estase do bolus, secundários a transtornos de motilidade esofágica. Alterações da impedância também podem ser utilizadas como medida da depuração esofágica associada ao peristaltismo. O refluxo gastroesofágico é seguido por um reflexo induzido pela deglutição ou por peristaltismo secundário. O efeito da depuração da atividade peristáltica pode ser medido por meio das alterações da impedância após o refluxo.

Novas Técnicas

Impedanciometria da mucosa esofágica

Uma importante observação clínica obtida a partir da monitoração da impedancio-pHmetria, foi a de que em pacientes com DRGE grave a análise da mensuração da impedanciometria ambulatorial não se mostrava confiável, porque os valores basais eram muito baixos para serem interpretados com acurácia. Este conceito deflagrou o desenvolvimento da impedanciometria da mucosa esofágica (IM). A IM envolve a colocação endoscópica de uma sonda através do canal endoscópico de trabalho e que faz contato direto com a mucosa esofágica. Esta sonda é utilizada para mensurar a impedância ao longo da mucosa, por tempo prolongado, sem a necessidade de se ter um incômodo cateter instalado no esôfago, durante a noite. O IM permite a diferenciação da DRGE, ambas erosivas e não erosivas, da EEo, acalasia, e do esôfago sadio (Figuras 3A e 3B).


A mensuração do IM se correlaciona inversamente com a contagem de eosinófilos. Estudos de validação demonstraram que a IM era mais baixa nos locais da DRGE erosiva, do que nas áreas não erosivas, e que os valores de impedância aumentavam gradualmente desde o esôfago distal para o proximal, nos pacientes com DRGE, mas não nos indivíduos com ausência da DRGE. Mais ainda, a IM detecta a DRGE com maior especificidade do que a monitoração do pH (95% x 64%) e com valores preditivos positivos mais altos (96% x 40%) (Figura 3B).

A IM normaliza-se nos pacientes com DRGE submetidos a tratamentos com supressão ácida, e, portanto, a mensuração da IM determina as alterações causadas pela DRGE, as quais são reversíveis com o tratamento específico. Vale ressaltar que estudos recentes indicam que a IM pode ser usada para distinguir entre pacientes com DRGE x azia funcional.

Imagem da banda estreita (IBE)

A IBE utiliza um filtro de espectro de banda estreita para visualização dos padrões da mucosa e da sua microvascularização. A IBE aumenta o contraste e permite a detecção de alterações na microvascularização da mucosa de pacientes com DRGE. A IBE endoscópica tem permitido a identificação de pequenas alterações, tais como as da superfície vilositária da mucosa, ilhas da mucosa, microerosões, e vascularização aumentada na junção escamosa colunar. A IBE é, portanto, utilizada para detectar a DRGE, e determinar a regressão da DRGE após tratamento com o IBP.

Futuros caminhos

Os testes diagnósticos atuais para a DRGE permitem a determinação de diferentes fenótipos nos pacientes com sintomas de refluxo, tais como a doença erosiva e a doença não erosiva, a hipersensibilidade esofágica e a azia funcional. Estas classificações são baseadas nos achados endoscópicos e na monitoração do refluxo. A distinção entre hipersensibilidade esofágica e azia funcional depende das análises encontradas na relação refluxo/sintomas (Índices IS e PAS), que são de certa forma subjetivos.

Técnicas mais aprimoradas são necessárias para determinar os fenótipos dos pacientes com a DRGE não erosiva e confirmar o diagnóstico da DRGE relacionada com os sintomas extra-esofágicos. A identificação de fenótipos corretos afeta, e muito, as opções terapêuticas para os pacientes. A hipersensibilidade ao refluxo poderia produzir o mesmo fenótipo tal qual aquele da azia funcional, nos tratamentos ambos com moduladores da dor. A cirurgia antirrefluxo deve ser reservada para pacientes com esofagite erosiva e para pacientes com a verdadeira esofagite não erosiva. Igualmente, o tratamento clínico ou cirúrgico antirrefluxo somente deve ser indicado para os pacientes com sintomas extra-esofágicos, no caso de o refluxo ter sido objetivamente identificado como a causa de tais sintomas, na ausência de outras causas potencialmente identificáveis, especialmente nos pacientes que respondem ao tratamento com o IBP.    

Referências Bibliográficas

1-  Vaezi MF & Sifrim D - Gastroenterology 2018;154:289-301
2-  Zerbibi et al – Clin Gastroenterol Hepatol 2013;11:366-372
3-  Vieth et al -Clin Gastroenterol Hepatol 2016;14:1544-1551
4-   Vakil et al – Aliment Pharmmacol Ther 2017;45:1350-1357      

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Doença do Refluxo Gastroesofágico: uma atualização da apresentação, prevalência, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento (Parte 3 - A)


Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto


Parte 3: Avaliação dos testes diagnósticos tradicionais e das novas propostas

A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é uma condição clínica de elevada prevalência, que afeta até 20% da população do mundo ocidental. A identificação dos pacientes portadores da DRGE torna-se um desafio devido ao desempenho sub-ótimo dos testes diagnósticos. Pacientes suspeitados de sofrer da DRGE são inicialmente testados pela resposta terapêutica à supressão ácida, geralmente com o emprego de um inibidor de bomba de próton (IBP). Esta abordagem, conhecida sob a denominação de ensaio do IBP é utilizada com base nos sintomas que se creem causados pela DRGE. Queimação retroesternal (azia) e regurgitação, são os dois sintomas principais da DRGE, embora esta enfermidade possa causar outras queixas, tais como: dor torácica ou sintomas pulmonares, no ouvido, no nariz ou na garganta. Entretanto, os sintomas isolados não são apropriadamente sensíveis ou específicos para orientar as estratégias terapêuticas. Por outro lado, a resposta ou a falta dela devido a utilização de um ensaio inicial terapêutico com o IBP, não descartam e nem tão pouco confirmam, que a DRGE seja uma possível etiologia caso os sintomas persistam.   

Os testes diagnósticos para a DRGE são utilizados nas intervenções pré-cirúrgicas ou endoscópicas, para assegurar que os pacientes realmente apresentam a DRGE, e, também, nos pacientes com sintomas persistentes, a despeito do ensaio terapêutico inicial com o IBP. A persistência dos sintomas apesar do uso dos IBP, é a indicação mais frequente e mais desafiadora para o diagnóstico da DRGE. Considerando-se a complexidade dos sintomas apresentados pelos pacientes e os avanços técnicos no campo da pesquisa da DGRE, é importante e ao mesmo tempo desafiador, determinar se o refluxo contribui para os sintomas nos pacientes que não respondem a uma supressão agressiva dos IBP. A otimização de estratégias para aprimorar o diagnóstico da DGRE torna-se crítico para o êxito terapêutico e, ao mesmo tempo, reduzir o custo desnecessário da realização de testes diagnósticos sub-ótimos.

Esta revisão tem por objetivo avaliar o desenvolvimento técnico dos testes diagnósticos da DRGE, ao longo das décadas passadas, analisar a capacidade para identificar e/ou excluir a DRGE, e prever adequadamente a resposta ao tratamento. Estas competências são importantes para o desenvolvimento de novas drogas bloqueadoras de ácido e antirrefluxo, bem como os tratamentos endoscópicos e cirúrgicos da DRGE (Figura 1 e Tabela 1).
Figura 1- Teste diagnósticos da DRGE.


Tabela 1 – Principais avanços nos métodos diagnósticos da DRGE e suas desvantagens.

Endoscopia e Biópsia

Nos pacientes com sintomas da DRGE a realização precoce da endoscopia deve ser considerada no caso de seus sintomas fornecerem evidências de doença com complicações (por exemplo disfagia, perda de peso, hematêmese), Esofagite Eosinofílica (EEo), infecção ou lesão medicamentosa. A ausência de resposta ao tratamento apropriado com a terapia antisecretora, também deve ser prontamente levada em consideração para a realização da esôfagogastroduodenoscopia. Além disso, a endoscopia deve ser utilizada para o diagnóstico de esôfago de Barret, bem como, deve geralmente fazer parte da avaliação pré-operatória, naqueles pacientes considerados para serem submetidos à cirurgia antirrefluxo. A DRGE pode ser diagnosticada com segurança quando a endoscopia revela esofagite, porém, deve-se considerar que a endoscopia pode mostrar-se normal em aproximadamente 2/3 dos pacientes desprovidos de tratamento e que sofrem de azia e regurgitação.

Nos pacientes com sintomas típicos de refluxo os achados endoscópicos podem incluir esofagite, estenoses, esôfago de Barret e aspectos típicos de EEo. A endoscopia identifica estas enfermidades com altos graus de especificidade. Por outro lado, a endoscopia detecta a DRGE com baixo nível de sensibilidade e rendimento diagnóstico, porque muitos pacientes não apresentam erosões esofágicas decorrentes tanto da existência da DRGE não erosiva como por tratamentos recentes com os IBP.

Nos pacientes portadores da DRGE não erosiva, a avaliação histológica das biópsias da mucosa esofágica pode demonstrar papilas alongadas, hiperplasia das células basais, dilatação dos espaços intercelulares e infiltrado neutrofílico e/ou eosinofílico. Uma pontuação histológica global que incluiu todos esses achados diferenciou pacientes com a DRGE não erosiva, daqueles que apresentaram azia funcional e indivíduos sadios. Esta investigação utilizou como padrão de referência a monitoração com o teste da impedância–pHmetria.

Estudo radiológico contrastado do esôfago

O rastreamento fluoroscópico, após a ingestão de bário, pode detectar refluxo gastroesofágico espontâneo ou provocado. Vale ressaltar que a detecção do refluxo durante o exame contrastado identifica a DRGE com baixas sensibilidade e especificidade. O refluxo espontâneo ou induzido por este tipo de estudo pode ser observado em indivíduos sadios e pode estar ausente em pacientes com a DRGE.  

Monitoração ambulatorial do refluxo

Indicações

O papel original da pHmetria ambulatorial foi para determinar a presença de refluxo nos pacientes sintomáticos com endoscopia esofágica normal. Os pacientes com sintomas clássicos de refluxo, tais como, azia e regurgitação, que apresentavam achados endoscópicos normais, realizaram o teste da pHmetria ambulatorial durante 24 horas, para determinar se seus sintomas eram causados por uma exposição esofágica anormal de ácido, antes de iniciar o tratamento medicamentoso. Esta situação ocorreu em uma época em que a terapêutica supressiva de ácido era sub-ótima, o que necessitava de uma confirmação adicional fisiológica para o diagnóstico da DRGE. Entretanto, com o passar do tempo e com o uso de métodos de supressão ácida mais agressiva (IBP), a pHmetria começou a detectar a DRGE em níveis mais baixos de especificidade. Atualmente, a monitoração do refluxo esofágico está reservada para os pacientes que apresentam sintomas refratários ao uso dos IBP. Este objetivo pode ser alcançado tanto com a pHmetria isolada quanto com a impedanciometria associada a pHmetria.

 Indicações para a monitorização do refluxo:
·   Para documentar uma exposição esofágica anormal de ácido, nos pacientes que apresentam endoscopia negativa e considerados para serem submetidos a procedimentos endoscópicos ou cirurgia antirrefluxo;
·   Para os pacientes que tenham sido submetidos a um procedimento endoscópico, terapêutico ou a cirurgia antirrefluxo, que persistem em apresentar sintomas da DRGE;
· Para avaliar a suficiência no controle de ácido nos pacientes com DRGE complicada, tal como, o esôfago de Barret;
· Para avaliar pacientes refratários ao tratamento com os IBP (indicação mais comum).

Referências Bibliográficas

·        Vaezi MF et al; Sifrim D - Gastroenterology 2018;154:289-301
·        Zerbibi et al – Clin Gastroenterol Hepatol 2013;11:366-372
·        Vieth et al -Clin Gastroenterol Hepatol 2016;14:1544-1551
·         Vakil et al – Aliment Pharmmacol Ther 2017;45:1350-1357      


quinta-feira, 18 de abril de 2019

Doença do Refluxo Gastroesofágico: uma atualização da apresentação, prevalência, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento (Parte 2 - B)

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto


Mecanismos de Refluxo      
          
Em geral o refluxo ocorre por meio de quatro mecanismos, a saber: relações transitórias do EEI (rtEEI), baixa pressão do EEI, relaxamentos do EEI associados a deglutição e a tensão durante os períodos de baixa pressão do EEI. Os mecanismos que previnem contra o refluxo variam com as circunstâncias fisiológicas e a anatomia da junção esôfago-gástrica. Por exemplo, o diafragma crural pode ser de capital importância devido ao aumento abrupto da pressão intra-abdominal e o esforço. Em contraste a pressão basal do EEI, pode ser de importância primária durante a posição de repouso recumbente e no estado pós-prandial, e uma hipotensão do EEI pode predispor os pacientes a sofrerem mais episódios de refluxo à noite e após as refeições. Quando estes mecanismos protetores estão comprometidos os efeitos prejudiciais tornam-se somatórios, aumentando os números dos eventos de refluxo e uma exposição anormal aos refluxos esofágicos (Figura 8).

Figura 8

Há uma evidência convincente de que os rtEEI são os mecanismos mais frequentes de refluxo durante os períodos de pressão normal do EEI (acima de 10mmHg). Por definição relaxamentos transitórios da EEI ocorrem independentemente da deglutição, não são acompanhados por peristaltismo, são acompanhados por inibição diafragmática, e persistem por mais longos períodos do que os relaxamentos da EEI induzidos pela deglutição. O estímulo dominante da rtEEI é a distensão do estômago proximal, a qual estimula as fibras intraglanglionares terminais encontradas nos receptores finais dos aferentes vagais.

A DRGE pode ocorrer em decorrência de uma diminuição da pressão do EEI, tanto por esforço induzido ou por refluxo livre. O refluxo induzido por esforço ocorre quando há um episódio de hipotensão do EEI em associação com um aumento abrupto da pressão intra-abdominal. Dados de estudos de manometria indicam que este fato raramente ocorre quando a pressão do EEI é superior a 10 mmHg. O refluxo livre é caracterizado por uma diminuição do pH intra-esofágico na ausência de uma alteração identificável, tanto na pressão intragástrica quanto na pressão do EEI.

Episódios de refluxos livres são observados somente quando a pressão da EEI se encontra entre 0-4 mmHg da pressão intragástrica; este fato é observado em pacientes no estágio final da esclerodermia ou após a miotomia cirúrgica em pacientes com acalasia.        

Depuração Esofágica

Após ocorrer um evento de refluxo, a duração que a mucosa esofágica permanece exposta ao suco gástrico é denominada tempo de exposição ao refluxo ou tempo de contato do bolus. A exposição da mucosa aos componentes cáusticos e irritantes do suco gástrico provoca lesão, inflamação e sintomas; a depuração prolongada do ácido, se correlaciona com a intensidade da esofagite e a presença de metaplasia de Barret. Entretanto, o limiar para estas respostas e complicações variam, e, tudo indica, sejam influenciadas pela integridade do epitélio. A avaliação convencional da depuração esofágica, tem focado, portanto, na mensuração do pH, e o tempo de depuração ácida esofágica é determinado pelo tempo no qual o lúmen esofágico permanece acidificado pelo pH menor que 4, após o evento de um refluxo. Embora esta análise focalize sobre a acidez, novas metodologias têm utilizado a impedância como um sinal para analisar a presença e a depuração do bolus. Estas ferramentas têm sido úteis para identificar subpopulações que responderão à supressão ácida, e isto enfatiza a importância da exposição do refluxo além do ácido. 

A depuração esofágica do bolus e do ácido inicia-se com o peristaltismo após a ocorrência de um evento de refluxo, e esta ação é complementada por um tamponamento adicional causado pela saliva deglutida.  Portanto, as duas principais causas potenciais de exposição prolongada ao refluxo e da depuração ácida são decorrentes de uma disfunção que prejudica o esvaziamento esofágico via peristaltismo e da função salivar prejudicada. Entretanto, outro componente importante que pode impedir a depuração do refluxo é a hérnia de hiato, posto que esta anormalidade anatômica está associada ao re-refluxo durante a deglutição, a qual burla a função de esvaziamento pelo peristaltismo.

Sintomas não esofágicos da DRGE

Devido a exposição do esôfago ao material refluído, a DRGE provoca sintomas esofágicos (queimação retroesternal, regurgitação e dor torácica) e lesões (esofagite de refluxo, estenoses e esôfago de Barret). Entretanto, a DRGE também tem sido envolvida na patogênese de um número significativo de manifestações sintomáticas denominadas atípicas ou extra esofágicas, incluindo o ouvido, nariz e garganta (laringite e faringite); transtornos pulmonares (asma e tosse) e dentárias (erosão dentária). Há alguma controvérsia a respeito do papel da DRGE na patogênese destes transtornos e pouco se conhece acerca da fisiopatologia das manifestações extra esofágicas da DGRE.

As manifestações da DRGE podem surgir por meio de um mecanismo direto de refluxo, no qual a microaspiração do conteúdo gástrico causa lesão ao ouvido, nariz e garganta ou no epitélio respiratório.  Esse mecanismo encontra-se apoiado por estudos demonstrando a ocorrência de refluxo para as vias respiratórias superiores ao utilizar monitoramento do pH faríngeo ou análise dos componentes do suco gástrico (pepsina e bile) no fluido de lavagem brônquio-alveolar.  

Sensibilidade aos episódios de refluxo

A sensibilidade aumentada ao refluxo ácido tem sido implicada na baixa resposta terapêutica à supressão ácida nos pacientes com DRGE não erosiva. A sensibilidade mecânica poderia também contribuir para os sintomas relacionados ao refluxo. Pacientes com a DRGE erosiva não apresentam sensibilidade mecânica alterada do esôfago em comparação com controles, porém, pacientes com esôfago sensível ao ácido apresentam sensibilidade aumentada à distensão esofágica com balão. Estudos utilizando distensão com balão têm demonstrado a indução de queimação retroesternal e, também, que o esôfago proximal é mais sensível do que o distal. A ativação das vias aferentes mecânico-sensíveis quando o esôfago é distendido durante os eventos de refluxo, é, portanto, um importante mecanismo de geração de sintomas durante um episódio de refluxo fracamente ácido. Por exemplo, isso poderia ocorrer nos pacientes sintomáticos a despeito de uma terapia de supressão ácida adequada (Figura 9).  
 
   Figura 9


Mecanismos periféricos

Terminações nervosas que supostamente intermediam a sensibilidade dos conteúdos gástricos refluídos estão presentes na camada submucosa do esôfago, o que determina que o sinal do refluído necessita cruzar a barreira mucosa para possibilitar a percepção dos sintomas. A resistência diminuída pela penetração transmucosa dos componentes do material refluído é um potencial mecanismo periférico para a hipersensibilidade esofágica ao refluxo. A correlação morfológica desta perda da integridade da mucosa se deve ao achado de espaços intercelulares dilatados, quando as biópsias esofágicas são estudadas pela histologia, ou de forma mais acurada, pela microscopia eletrônica. Uma série de estudos têm demonstrado a existência de receptores ácidos sensíveis, expressos nas terminações nervosas da submucosa, e que são os transdutores sensoriais para os sintomas induzidos pelo refluxo. Estes estudos fornecem evidências de que os espaços intercelulares dilatados são uma consequência dos fatores agressivos do material refluído, que induzem o conteúdo do lúmen esofágico a ativar as terminações nervosas, levando à geração dos sintomas (Figura 10).  
    Figura 10
 
Mecanismos centrais

Mecanismos centrais, atribuídos às alterações do processamento dos sinais aferentes desde o esôfago, também têm sido explicados na patogênese da hipersensibilidade esofágica. Esses mecanismos poderiam envolver a amplificação dos sinais de entrada e a falta de inibição das vias descendentes anti-noceptivas. Estas vias são reguladas por fatores que afetam os mecanismos centrais, tais como: estresse, ansiedade e características da personalidade.

Sistemas de neurotransmissores envolvidos nos efeitos anti-noceptivos centrais incluem opioides endógenos, endocanabinóides e serotonina.

Inúmeros pacientes com DRGE relatam que o estresse exacerba seus sintomas. Estudos realizados por Fass e cols. e Bradley e cols. evidenciaram que estressores agudos exacerbaram os sintomas de queimação retroesternal em pacientes com DRGE, por acentuarem a resposta perceptiva à exposição ácida no esôfago. O estresse está frequentemente associado a alterações do processamento central dos sinais aferentes, como por exemplo, a queimação retroesternal.

Comorbidades psicossociais também determinam a intensidade da DRGE e a resposta à terapêutica. Pacientes com sintomas de refluxo geralmente sofrem de ansiedade e depressão. Estes pacientes apresentam acentuados efeitos dos sintomas e referem baixa qualidade de vida, mesmo quando os parâmetros de refluxo não diferem daqueles pacientes que não apresentam essas comorbidades.   

Conclusões

A fisiopatologia da DRGE continua a ser uma área de progressos na pesquisa, graças aos avanços tecnológicos que têm contribuído para as mudanças de conceitos. O conhecimento atual origina-se de pesquisas que têm focalizado na exposição ao refluxo e na respectiva sensibilidade esofágica à exposição do material refluído. A consideração de fatores motores e anatômicos tem permitido uma melhor compreensão das causas da exposição do refluxo. A natureza do material refluído determina seu impacto na existência de sintomas, lesões e complicações. Mecanismos sensoriais determinam a relação entre a exposição ao refluxo e a geração dos sintomas. Fatores primordiais são a função de barreira da mucosa, a expressão dos nervos sensoriais e o nível da modulação no sistema nervoso central. As respostas do sistema nervoso central são moduladas por vários fatores, tais como: estresse e comorbidades psicossociais. Uma maior compreensão dos mecanismos fisiopatológicos dos sintomas da DRGE, e suas consequentes lesões, devem acarretar novos e mais eficazes opções para um melhor alvo no tratamento de cada paciente individualmente.    

Referências Bibliográficas

       1) Tack J & Pandolfino JE – Gastroenterology 2018;154:277-288
       2)Fass & cols. – Gastroenterology 2008;134:696-705
       3)Bradley & cols. – Gastroenterology 1993;88:11-19
       4)Jansson & cols. -Aliment Pharmacol Ther 2007;26:683-691  

terça-feira, 16 de abril de 2019

Doença do Refluxo Gastroesofágico: uma atualização da apresentação, prevalência, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento (Parte 2 - A)

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto


Parte 2: Fisiopatologia

A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é definida pela presença de sintomas ou complicações diretamente relacionadas ao fluxo retrógrado do conteúdo gástrico para o esôfago. Algum grau de refluxo pode ser considerado normal, e, para que haja a ocorrência da DRGE, é necessário um aumento da exposição esofágica ao suco gástrico ou uma redução no limiar do epitélio esofágico para lesão e percepção dos sintomas. Este equilíbrio entre exposição ao refluxo, resistência epitelial e sensibilidade visceral é delicado, pois pode ser alterado por perturbações fisiológicas e fatores anatômicos, que tanto promovem ou impedem o refluxo para o esôfago, protegem ou lesam o epitélio por conta do suco gástrico.

Em condições normais, o refluxo para o esôfago é prevenido por uma barreira anti-refluxo, a qual se constitui em uma complexa zona anatômica composta por múltiplos componentes, incluindo o esfíncter esofágico inferior (EEI), o diafragma crural extrínseco e as estruturas de suporte da aba da válvula gastroesofágica (Figuras 1-2-3).
Figura 1- Anatomia da junção esôfago-gástrica.

Figura 2- Anatomia dos esfíncteres esofágicos: superior e inferior.

Figura 3- Diferentes situações do EEI de acordo com a respiração.

Quando esses componentes protetores estão comprometidos os efeitos deletérios se somam, resultando em um número aumentado de eventos de refluxo e, também, um aumento anormal na exposição esofágica pelo material refluído (Figura 4).

Figura 4- Representação esquemática da competência e da incompetência do EEI.

Quando o suco gástrico invade o esôfago, fatores de defesa auxiliam na depuração do material refluído para o esôfago e protegem o epitélio. A quebra destas forças protetoras acarreta a DRGE. Entretanto, complicações e sintomas também podem ocorrer nos indivíduos que possuem uma carga normal de refluxo, quando há tanto uma pobre resistência epitelial ou uma sensibilidade visceral aumentada. A patogênese da DRGE é, portanto, complexa e determinada por interações envolvendo múltiplos fatores agressivos e defensivos.

Exposição ao Refluxo

A DRGE surge devido à injúria provocada pelo ácido gástrico que é nocivo ao esôfago. A exposição excessiva do refluxo é normalmente prevenida por uma função de barreira anti-refluxo, e, a consequência direta da existência de uma barreira anti-refluxo prejudicada resulta no aumento do número de eventos de refluxo, por meio de uma variável diversidade de mecanismos. Uma vez que o refluxo tenha ocorrido, a lesão e os sintomas são regulados pela duração da exposição e o grau de causticidade do suco gástrico. A duração da exposição ao refluxo é determinada pela eficácia da depuração do refluxo esofágico cujos fatores determinantes são, a saber: peristaltismo, salivação e a presença ou não de hérnia de hiato. Anormalidades na depuração esofágica são provavelmente os mais importantes fatores determinantes para o desenvolvimento de esofagite, e, por outro lado, a sensibilidade esofágica é a maior determinante para a percepção da DRGE.   

Refluxo Gástrico

A secreção gástrica é uma mistura lesiva de ácido, bile e enzimas digestivos que auxiliam na digestão dos alimentos que serão encaminhados ao intestino delgado. Esse material é caustico e pode, portanto, potencialmente lesar a maioria das camadas epiteliais do esôfago, ao menos que medidas protetoras apropriadas existam no local para tamponar o ácido e proteger a mucosa da inflamação, e de outros efeitos diretos do material refluído. Muito embora todos esses componentes possam provocar lesão e irritação ao esôfago, o ácido é o determinante primário dos sintomas de refluxo e da esofagite (Figura 5).

Figura 5- Representação esquemática do refluxo ácido.

Eventos de Refluxo  

A barreira anti-refluxo é uma complexa zona anatômica de alta pressão que se origina por uma via sinérgica entre o EEI e o diafragma crural. A função desta barreira é mantida pela arquitetura da aba da válvula gastroesofágica, a qual é sustentada pelo ligamento freno-esofágico e pelas fibras gástricas do cárdia. As estruturas de sustentação auxiliam na manutenção da posição do EEI intrínseco no interior do diafragma crural extrínseco de tal forma que estas duas estruturas se sobrepõem e criam uma barreira mais eficaz. A gravidade do refluxo se correlaciona com a intensidade da disfunção de cada um dos componentes individuais da barreira anti-refluxo (Figura 6). 

Figura 6- Barreiras anti-refluxo.

O EEI é um segmento curto composto por músculo liso tonicamente contraído, localizado na porção distal do esôfago. Seu tono de repouso varia nos indivíduos normais entre 10 e 30mmHg, em relação à pressão intra-gástrica. O EEI provê uma barreira suficiente para contrabalançar o gradiente de pressão gastroesofágico, através da junção esofagogástrica. De uma maneira geral, a pressão do EEI é afetada por fatores neurogênicos e miogênicos; estes são modificados pela pressão intra-abdominal, distensão gástrica, peptídeos, hormônios, alimentos e medicamentos (Figura 7).

Figura 7- Anatomia do esfíncter esofágico inferior.

Referências Bibliográficas

       1) Gastroenterology 2008;134:696-705.
       2) Bradley & cols. – Gastroenterology 1993;88:11-19.
       3) Jansson & cols. -Aliment Pharmacol Ther 2007;26:683-691.  


quarta-feira, 27 de março de 2019

Doença do Refluxo Gastroesofágico: uma atualização da apresentação, prevalência, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento (Parte 2)

                     Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto


         3)   Gastroparesia

A importância do retardo do esvaziamento gástrico na DRGE é controvertida. Estudos realizados há algum tempo indicavam que até 50% dos pacientes com refluxo apresentavam um retardo do esvaziamento gástrico para sólidos. Entretanto, estudos mais recentes, utilizando o teste padrão de esvaziamento gástrico de 4 horas, encontraram uma sobreposição entre 8% e 20% dos pacientes. Conceitualmente, retardo do esvaziamento gástrico resulta em volume aumentado do material no estômago, o qual poderia estar disponível para sofrer refluxo para o esôfago ou provocar distensão do estômago proximal, desencadeando relaxamentos transitórios do esfíncter esofágico inferior. Estudos recentes utilizando o teste da pH-impedanciometria encontraram que os valores de refluxo ácido não se encontravam aumentados, mas consistiam de refluxo de conteúdo alimentar, sendo que os eventos de refluxo ocorriam no período pós-prandial de substâncias líquidas e consistiam de refluxos não ou fracamente ácidos. Mulheres e diabéticos são mais propensos a apresentar gastroparesia associada a DRGE secundária. Queixas, tais como, distensão abdominal, dor, náusea, vômitos ou constipação podem ser guias auxiliares, e a manometria geralmente demonstra uma pressão normal do esfíncter esofágico inferior. Tratando-se a gastroparesia com dieta apropriada e pró-cinéticos pode-se evitar a necessidade do uso dos inibidores de bomba de próton ou cirurgia anti-refluxo (Figura 5).

Figura 5- Representação esquemática comparativa entre o normal e a gastroparesia.

Prevalência global da DRGE

O conjunto geral de prevalência de sintomas semanais da DRGE, revelado em estudos populacionais em todo o globo terrestre, é aproximadamente de 13%, mas, há uma considerável variação geográfica, a qual pode ser confirmada analisando-se a Figura 6.

Figura 6- Prevalência dos sintomas semanais da DRGE no globo terrestre, baseada nos sintomas com uma frequência de um episódio uma vez por semana ou mais.  

As complicações predominantes da DRGE incluem disfagia, sangramento devido à esofagite erosiva e ao adenocarcinoma esofágico. Estenose esofágica recorrente que requer repetidas dilatações endoscópicas, trata-se de outra complicação importante, entretanto, a complicação mais temível da DRGE trata-se do adenocarcinoma esofágico, e sua lesão precursora o esôfago de Barret.

Genética

Estimativas da proporção da variância fenotípica dos sintomas da DRGE atribuídas aos fatores genéticos tem apresentado uma variação de 0% a 22%. Em um estudo envolvendo gêmeos foi estimada uma variação de 13% nos sintomas da DRGE em virtude dos efeitos genéticos, mas, mesmo esta proporção pareceu ser mediada por ansiedade e depressão. O risco genético para a DRGE é poligênico sem que exista uma significativa mutação individual  para a DRGE. Considerando-se o recente aumento da prevalência do refluxo, tomando-se em conta uma profunda investigação da história evolutiva, a etiologia do refluxo parece estar largamente relacionada a exposições ambientais.

Fatores de riscos ambientais

Os dois maiores fatores que podem explicar as tendências para a DRGE são a epidemia de obesidade e a diminuição da prevalência da gastrite associada ao Helicobacter pylori. A obesidade é o maior fator de risco para os sintomas da DRGE, e também está associada com esofagite erosiva, esôfago de Barret e adenocarcinoma esofágico.  A obesidade esta largamente relacionada ao excesso de ingestão calórica e/ou a falta de atividade física, por este motivo, a associação da obesidade com a DRGE e suas complicações poderiam ser confundidas com a dieta e a atividade física. Algumas substâncias podem induzir sintomas da DRGE, tais como, alimentos gordurosos, chocolate e bebidas gasosas, e, indivíduos obesos podem consumir esses produtos de forma mais frequente do que aqueles não obesos.

Por outro lado, a relação entre atividade física e DRGE é complexa, posto que algumas modalidades de atividades físicas estão associadas com o aumento da DRGE. Por exemplo, posturas inclinadas, andar de bicicleta, levantamento de peso, natação e mesmo surf, têm sido associadas com o aumento do risco para a DRGE, particularmente durante ou após a respectiva atividade. Por outro lado, exercícios aeróbicos moderados e feitos com regularidade têm apresentado uma associação inversa com a DRGE.

A queda da prevalência das gastrites por Helicobacter pylori pode explicar a tendência da DRGE e suas complicações. Uma proporção de pacientes com essa infecção desenvolve atrofia do corpo gástrico e consequente diminuição da secreção ácida gástrica. Portanto, tem sido proposto que a infecção por Helicobacter pylori pode prevenir a DRGE em pacientes que são suscetíveis a ela. Esôfago de Barret e adenocarcinoma esofágico, mostram uma associação inversa com a infecção por Helicobacter pylori. Por outro lado, a gastrite antral devida a infecção por Helicobacter pylori teria uma tendência maior de levar a uma produção excessiva de secreção acida gástrica, do que sua diminuição, devido a uma retroalimentação positiva, a qual estimula a produção da secreção ácida gástrica.

Há exposições ambientais adicionais que são associadas com a DRGE, mas elas não poderiam explicar a tendência do aumento da prevalência da DRGE. Por exemplo, o uso do tabaco é um importante fator de risco para esofagite erosiva e adenocarcinoma esofágico. Tabaco também está associado com estenose esofágica nos pacientes que sofreram ressecção endoscópica ou radioterapia. Pacientes com sintomas da DRGE, geralmente relatam que esses sintomas se tornam mais intensos com a ingestão de álcool, e, estudos randômicos têm demostrado que a ingestão de álcool induz mais a refluxos ácidos do que a ingestão de água. Um estudo bem planejado não encontrou associação positiva do uso constante de álcool com esofagite erosiva, nem tampouco com esôfago de Barret.     
    
Meus comentários

A ocorrência de refluxo gastro-esofágico é um evento muito frequente nos primeiros meses de vida das crianças, que se manifesta sob a forma de episódios recorrentes de regurgitações, os quais costumam causar grandes preocupações aos seus pais, principalmente naqueles que estão vivendo a primeira experiência da paternidade/maternidade. Estas manifestações se devem fundamentalmente a uma imaturidade e consequente incompetência do esfíncter esofágico inferior. Esta incompetência é transitória e à medida que o lactente vai se desenvolvendo os sintomas tendem a diminuir de frequência até finalmente desaparecerem ao redor do primeiro semestre de vida. Este tipo de manifestação clínica é, em princípio, considerado o que se denomina Refluxo Gastro-Esofágico Fisiológico. Caso o lactente, apesar dos episódios recorrentes de regurgitação, apresente desenvolvimento pondero-estatural adequado, e não refira qualquer outro sintoma que possa afetar sua qualidade de vida, a ele é jocosamente atribuído o rótulo de “Regurgitador Feliz”, e, portanto, não está indicado tratamento medicamentoso. Por outro lado, quando além dos episódios de regurgitação surgirem também outros sintomas que afetem a qualidade de vida, tais como, irritabilidade intensa, aspiração pulmonar, sangramento gastrointestinal, ganho pondero-estatural deficiente, entre outros, neste caso estamos frente a um quadro da Doença do Refluxo Gastro-Esofágico. Nestas circunstâncias o paciente deverá ser minuciosamente avaliado do ponto de vista clínico, para se considerar qual ou quais as investigações laboratoriais pertinentes a cada caso devem ser realizadas, para que se possa estabelecer o diagnóstico etiológico de certeza e, assim, se propor o tratamento adequado, clínico e/ou cirúrgico.


Referências Bibliográficas

     1)   Richeter JE e Rubenstain JH: Gastroenterology, 2018; 154:267-276.
     2)   Kessing BF e cols. Clin Gastroenterol Hepatol, 2015;13:1089-1095. 
     3)   Dent J e cols. Gut, 2010; 59:714-721.
     4)   Tack J e cols. Gastroenterology, 2006; 130:1466-1479.