sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Colite Alérgica: Manifestações Clínicas, Diagnóstico e Tratamento (6)

Tratamento

O tratamento da Colite Alérgica baseia-se estritamente na eliminação do alergeno da dieta do paciente. Enquanto o paciente estiver recebendo uma dieta baseada em apenas um determinado alimento, como geralmente ocorre com os lactentes menores de 6 meses, seja fórmula láctea ou fórmula de soja, torna-se facilmente identificável qual a proteína que deve ser retirada da dieta. Entretanto, quando a dieta do paciente passa a ser mais variada já tendo ocorrido a introdução de outros alimentos a identificação do alergeno pode ser uma tarefa extremamente difícil de ser exercida com sucesso. Portanto, quanto mais diversificada for a dieta de um paciente que se suspeita ser portador de alergia alimentar mais trabalhoso será identificar um ou mais agentes alergênicos. Por esta razão, estrategicamente, deve-se sempre restringir ao máximo o número e a variedade dos alimentos empregados na dieta do paciente, porém, é imperioso que se tome todo o cuidado para não provocar alguma deficiência nutricional.

Lactente em Aleitamento Artificial

Nesta circunstância o paciente deve receber única e exclusivamente uma dieta hipoalergênica, ou seja, uma fórmula à base de hidrolisado protéico durante um período não inferior a 12 semanas, podendo inclusive prolongar-se até o final do primeiro ano de vida dependendo do critério do médico assistente. É esperado que as manifestações clínicas desapareçam dentro das próximas 48 horas depois da introdução da fórmula hipoalergênica. Caso os sintomas persistam ou reapareçam dentro de alguns dias após a introdução da fórmula hipoalergênica, deve-se suspeitar de intolerância à fórmula à base de hidrolizado protéico. Apesar das proteínas serem extensivamente hidrolizadas nas fórmulas à base de hidrolizado proteíco disponíveis no mercado ainda assim apresentam em sua composição pequenas frações peptídicas que podem desenvolver estímulo antigênico. Tem sido nossa experiência pessoal, aliada à experiencia internacional, que cêrca de 10 a 15% dos pacientes podem desenvolver intolerância às fórmulas à base de hidrolizado protéico. Ao se suspeitar ou mesmo se caracterizar a ocorrência de intolerância à fórmula à base de hidrolizado protéico, deve-se substituí-la para uma fórmula à base de mistura de amino-ácidos, a qual não tem qualquer estímulo antigênico, visto que são desprovidas de frações peptídicas potencialmente alergênicas.
Após o sexto mês de vida devem ser introduzidos novos alimentos, porém, sempre tendo-se a devida precaução de evitar a utilização de leite de vaca e derivados, bem como produtos contendo soja. A introdução desses novos alimentos deve ser feita de forma gradual para que se possa ter uma observação criteriosa da sua tolerabilidade por parte do paciente.

Como esta enfermidade tem caráter transitório, no final do primeiro ano de vida pode-se realizar um teste de desencadeamento com fórmula láctea. O desencadeamento deve ser realizado sob supervisão médica, posto que, embora muito raramente, pode ocorrer choque anafilático caso o paciente ainda seja alérgico ao leite de vaca.

Lactente em Aleitamento Natural
Como já foi referido anteriormente o leite humano pode ser veículo de transporte de proteínas estranhas, potencialmente alergênicas, e desta forma, indiretamente, provocar manifestações de Colite Alérgica. Entretanto, é de fundamental importância que NÃO seja suspenso o Aleitamento Materno, e SIM tratar de eliminar da dieta da mãe o suposto alergeno. Inicialmente deve-se eliminar o leite de vaca e seus derivados, bem como a soja e todos os produtos industrializados que contenham esta substância. Após a eliminação destes alimentos a sintomatologia deve regredir significativamente, ou mesmo desaparecer dentro das próximas 48 horas. Caso a sintomatologia persista deve-se pensar que outros alimentos, além dos anteriormente referidos, também podem estar envolvidos como causa da alergia. Nem sempre é fácil detectar qual ou quais outros alimentos podem estar perpetuando as manifestações clínicas, porém, deve-se buscar à exaustação o possível alergeno por meio da elaboração de diários da alimentação da mãe, na tentativa de se estabelecer uma relação causa-efeito. Aproveito este tema para fazer a descrição da minha experiência pessoal com outro alergeno além do leite de vaca e da soja, através do relato de um caso.

Relato de um Caso da experiência Pessoal

Tratava-se de um recém-nascido de 15 dias de vida em aleitamento natural exclusivo que atendi com queixa de diarréia sanguinolenta. Era o segundo filho de uma mãe extremamente cuidadosa que já havia amamentado com sucesso seu primeiro filho durante 6 mêses sem quaisquer intercorrências. Afora a queixa de várias evacuações sanguinolentas durante 2 dias o paciente apresentava-se em excelente estado geral, ativo, sem qualquer sinal clínico de toxemia que pudesse sugerir infecção intestinal. A primeira suspeita foi de Colite Alérgica, comprovada por biópsia retal, e a infecção colônica foi afastada por cultura de fezes que resultou negativa para crescimento de microorgnismos enteropatogênicos. Como o recém-nascido não havia tido contato prévio com leite de vaca considerei que tivesse havido sensibilização intra-útero e recomendei que a mãe eliminasse da sua dieta leite de vaca e derivados, bem como soja e produtos contendo soja. A recuperação clínica deu-se em 48 horas após o início da dieta da mãe, bem como houve total regressão dos sintomas. Entretanto, após 15 dias do início da dieta de eliminação que a mãe estava sendo submetida o lactente retornou para consulta e a mãe referiu que a diarréia sanguinolenta havia recaido a 2 dias. A mãe assegurava que estava cumprindo a dieta à risca, sem qualquer transgressão, nem mesmo inadvertidamente. Como se tratava de uma pessoa com a qual eu já vinha tendo um longo contato e era sabedor do seu zelo para com os filhos, dei crédito absoluto à sua informação, principalmente depois de haver insistido exaustivamente na possibilidade de detectar alguma transgressão alimentar, a qual sempre foi negada. Naquele momento, ao acreditar na informação da mãe passei a enfrentar um dilema científico, posto que então, obrigatoriamente, outro alimento estaria envolvido na gênese dos sintomas. Seguindo um velho aforisma da Pediatria, de que não se deve levantar da cadeira para examinar o paciente sem que se tenha uma boa presunção diagnóstica, continuei a interrogar a mãe sobre seus hábitos alimentares de forma ainda mais detalhada, em especial perguntando-lhe que possíveis alimentos não rotineiramente utilizados ela poderia ter ingerido. Depois de um longo interrogatório ela se lembrou que na noite anterior ao segundo sangramento intestinal do filho ela teve um enorme desejo de comer bala de côco, e fez o marido sair de casa para comprar a guloseima. Assim que o marido chegou em casa trazendo um pacote de bala de côco ela ingeriu todas as balas rapidamente. Mais ainda, contou-me que o mesmo havia ocorrido na noite anterior ao primeiro episódio do sangamento intestinal. Avançamos na quase descoberta da possível causa da alergia, porém, algo permanecia obscuro, como explicar o primeiro episódio, posto que alergia se manifesta após uma sensibilização prévia, salvo existir algum tipo de sensibilização cruzada. Isto posto, não me dei por satisfeito e continuei o interrogatório, agora retrocedendo à gravidez, e aí o mistério se elucidou. Uma noite, já nas últimas semanas de gestação a mãe sentiu um enorme desejo de comer bala de côco, e pediu ao marido que fosse comprar a guloseima, a qual ela novamente ingeriu todo um pacote em poucas horas. Agora sim tudo tinha uma explicação perfeitamente científica: durante a gestação o feto foi sensibilizado intra-utero, portanto, já havia tido o primeiro contato com o alergeno, na segunda vez teve o processo alérgico desencadeado e na terceira vez foi um verdadeiro teste de provocação positivo para Colite Alérgica à bala de côco.
Vale a pena referir que a mãe continuou amamentando seu filho, tendo eliminado mais um alimento da dieta, de forma exclusiva até o sexto mês de vida sem qualquer outra intercorrência. Como se pode depreender desta experiência é necessário investigar todos os detalhes da dieta da mãe para termos sucesso na conduta alimentar, e persistir na recomendação da prática do aleitamento natural exclusivo por tempo prolongado. Outras experiências com outros alergenos alimentares também já foram por mim vivenciadas, mas me detenho neste exemplo por ser ele o mais significativo.

Como motivo de inspiração e estímulo a todas as atuais e futuras mães para que tenham o desejo, o sucesso e a satisfação de amamentar seus filhos, para terminar este capítulo sobre Colite Alérgica, deixo abaixo a fotografia de uma pintura de El Greco intitulada La Virgen de la Buena Leche que está exposta em seu museu em Toledo, Espanha.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Colite Alérgica: Manifestações Clínicas, Diagnóstico e Tratamento (5)

Características Clínicas e Morfológicas da Mucosa Retal em Lactentes com enterorragia devido a Alergia Alimentar: Experiência Pessoal

Dias NJ, Patrício FRS, Fagundes-Neto U
Arquivos de Gastroenterologia 2002; 39:260-67

Considerando que a Colite Alérgica é a causa mais prevalente de colite nos primeiros meses de vida, e que os principais alergenos são as proteínas do leite de vaca e da soja, podendo mesmo ser veiculados pelo leite materno, e, que no nosso meio são escassos os estudos que correlacionam os dados clínicos com os achados histopatológicos na colite, realizamos esta pesquisa, que transcrevo abaixo, de forma resumida:

Objetivos:
1- Descrever as características da morfologia da mucosa retal em pacientes menores de 6 meses com alergia às proteínas do leite de vaca;
2- Comparar as características da morfologia da mucosa retal entre estes pacientes e um grupo controle.

Pacientes Métodos: Foram investigados, de forma prospectiva e consecutiva, 20 lactentes menores de 6 meses que apresentavam queixa clínica de presença de sangue vivo nas fezes e suspeita de alergia alimentar. Em cada caso foram obtidas as seguintes informações: idade, sexo, idade de início do sangramento retal, presença de outros sintomas associados (vômitos, regurgitação, diarréia, palidez, distensão abdominal, cólicas, ganho ponderal inadequado, constipação e febre), peso ao nascer, tipo de alimentação no início dos sintomas (leite materno, fórmula láctea ou outros), idade do desmame, tratamentos dietéticos prévios, antecedentes pessoais e familiares de primeiro grau com outras enfermidades de provável origem alérgica.

Testes Laboratoriais: Foram realizados os seguintes exames: hemograma; parasitológico de fezes; cultura de fezes; retosigmoidoscopia; biópsia retal.

Critérios Diagnósticos de Colite AlérgicaForam utilizados os critérios propostos por Walker-Smith (Clin Exp Allergy 1995;25:20-2).

Grupo Controle: Foram investigados 10 lactentes menores de 12 meses com suspeita de megacolon congênito. A análise da mucosa retal obtida por biópsia revelou-se sem alterações (Figuras 1 & 2).



Figura 1- Mucosa colônica normal evidenciando epitélio preservado, infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria e glândulas críoticas com a células repletas de muco.


Figura 2- Mucosa retal sem alterações morfológicas evidenciando em ambas as laterais e no centro nódulos linfóides.

Avaliação Morfológica da Mucosa Retal

A biópsia retal foi realizada durante o período de estado da doença, antes do início do tratamento, sem sedação, com a cápsula de aspiração de Rubin. Em todos os pacientes foram obtidos 3 fragmentos de mucosa retal a 2, 3 e 5 cm da borda anal, das paredes lateral ou posterior do reto. Foram avaliados os seguintes elementos microscópicos: alterações no epitélio superficial (degeneração, regeneração, erosão, criptite, metaplasia de células de Paneth), alterações da arquitetura glandular (distorção, ramificação, abscessos crípticos), conteúdo mucoso das glândulas (normal ou reduzido), infiltrado da lâmina própria (tipo, extensão, quantidade), nódulos linfóides (presença, número e localização), presença de granulomas, parasitas, fungos, corpos de inclusão de citomegalovirus e outras inclusões virais. A contagem do número de eosinófilos e neutrófilos foi realizada para cada uma das camadas da mucosa retal (epitélio superficial, epitélio glandular, lâmina própria e muscular da mucosa).

A contagem de eosinófilos foi realizada tomando-se como padrão de anormalidade os achados de Winter e cols. (Mod Pathol 1990;3:5-10) e Odze e cols. Hum Pathol 1993;24:668-74), a saber:

1- Presença de um ou mais eosinófilos por campo de grande aumento (400x) avaliado, no epitélio superficial ou glandular ou na muscular da mucosa. O número total de células foi expresso como a média do número total de células contadas, dividido entre o número de campos de grande aumento avaliados.

2- Presença de 6 ou mais eosinófilos por campo de grande aumento avaliado, na lâmina própria. O número total de células foi expresso da mesma forma que no item anterior.

Foram contados apenas os eosinófilos íntegros. Para caracterização de colite foram utilizados os critérios de Goldman e cols. (Am J Surg Pathology 1986;10:75-86) .

Resultados:

A idade dos pacientes variou de 22 a 175 dias e o início dos sintomas variou entre 2 e 157 dias de vida, sendo que em 85% deles os sintomas se iniciaram antes dos 120 dias de vida.

A dieta de 60% dos pacientes se constituía de fórmula láctea ou aleitamento misto, enquanto que os 40% restantes recebiam lactância materna exclusiva. O desmame ocorreu antes dos 4 meses de idade em 92% dos pacientes (considerando-se aqueles que não estavam recebendo aleitamento materno exclusivo na primeira consulta).

Além da enterorragia os pacientes apresentavam os seguintes sintomas associados: vômitos (65%), palidez (30%), cólicas (20%), diarréia (20%), constipação (5%). Ganho ponderal inadequado foi observado em 15% deles. Lesões cutâneas de provável natureza alérgica (eczema e dermatite seborréica) estiveram presentes em 20% dos pacientes e respiratórias em 10% deles.

Com relação aos tratamentos dietéticos previamente utilizados, sem sucesso, 3 (15%) haviam recebido fórmula de soja e 2 (10%) fórmula à base de hidrolisado protéico.

Em nenhum dos pacientes foi detectada presença de parasitas e nem tampouco microorganismos enteropatogênicos nas fezes.

Erosão do epitélio superficial ou úlcera foi observada em 3 pacientes, ao passo que nos controles não foram observadas alterações no epitélio superficial. O achado mais marcante na biópsia retal dos pacientes foi a presença significativamente aumentada de eosinófilos em todas as camadas da mucosa retal em relação ao grupo controle, respectivamente, a saber: epitélio superficial 1,4 x 0,1; epitélio glandular 1,8 x 0,2; lâmina própria 10,3 x 1,3; muscular da mucosa 2,5 x 0,0. Nas Figuras 3- 4 - 5 e 6 podem ser observadas as distribuições dos eosinófilos nas diversas camadas da mucosa retal nos pacientes com Colite Alérgica.


Figura 3- Notar presença de eosinófilos no epitélio e em grande quantidade na lâmina própria.



Figura 4- Notar presença de eosinófilos em grande quantidade no epitélio e na porção superior da lâmina própia próxima do epitélio.

Figura 5 - Eosinófilos presentes no epitélio e na lâmina própria da mucosa retal.

Figura 6- Presença de eosinófilos na muscular da mucosa.
Os resultados verificados nesta investigação clínico-anátomo-patológica permitem afirmar que:
1- o quadro clínico da Colite Alérgica caracteriza-se, em geral, por início dentro dos 4 primeiros meses de vida, de forma insidiosa, com sangramento retal associado a outros sintomas, tais como diarréia, vômitos, cólicas intensas, irritabilidade;
2- as manifestações clínicas podem se apresentar em lactentes tanto em vigência de aleitamento artificial quanto natural, embora neste último caso os sinais e sintomas costumam ser menos floridos;
3- o número significativamente aumentado de eosinófilos na mucosa retal é o elemento diagnóstico mais importante;
4- o encontro de mais de 6 eosinófilos na lâmina própria e/ou 1 ou mais eosinófilos no epitélio superficial e/ou glandular, por campo de grande aumento, constituem-se nos critérios histo-patológicos para o diagnóstico definitivo de Colite Alérgica;
5- o tratamento dietético preconizado é, sempre que possível, manter o aleitamento materno, sendo que a mãe deve respeitar dieta de restrição de leite e derivados, bem como outros alergenos alimentares reconhecidos;
6- os pacientes que já estavam em aleitamento artificial devem passar a receber fórmula à base de hidrolisado protéico, e na intolerância a este tipo de dieta, deve-se introduzir fórmula à base de mistura de aminoácidos.
No próximo encontro relatarei o manejo terapêutico da Colite Alérgica

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Colte Alérgica: Manifestações Clínicas, Diagnóstico e Tratamento (4)

Manifestações Clínicas

A manifestação clínica mais intensa e exuberante é a diarréia sanguinolenta associada a cólicas, as quais estão presentes em cêrca de 90% dos pacientes. Geralmente os sintomas apresentam-se de início insidioso instalando-se na imensa maioria dos casos nos primeiros 6 meses de vida, mais particularmente ainda nos primeiros 3 meses. O sangue costuma ser "vivo" misturado às fezes, e, em algumas circunstâncias pode haver apenas sangramento retal em decorrência do processo inflamatório que afeta a mucosa colônica, tratando-se, portanto, de uma lesão interna. O sangramento costuma ser intermitente e de escassa quantidade; somente em raras situações pode haver perda importante de sangue, acarretando anemia aguda. É importante fazer a diferenciação diagnóstica com o sangramento da fissura anal, pois nesta condição, em geral, trata-se de sangue rutilante "em fio de linha" que recobre as fezes, posto que a fissura é uma lesão anal externa.

Em alguns casos, especialmente quando o lactente está recebendo aleitamento natural o sangramento pode não ser visível a "olho nú", e isto é o que se denomina sagramento "oculto", o qual é detectado através de método imunoenzimático em fezes recém eliminadas.

Regurgitação e vômitos também podem estar presentes com frequência muito variável entre 20 e 100% dos pacientes, o que pode ser um fator de interpretação equivocada da Doença do Refluxo Gastroesofágico. A maioria dos pacientes apresenta uma constelação de sintomas adicionais que inclui inquietação e irritabilidade, particularmente logo após o início da mamada, o que pode levar a uma interpretação equivocada de cólica do lactente, entretanto, o estudo anátomo-patológico da mucosa retal revela aspectos claramente inflamatórios com acentuada infiltração eosinofílica, que é característica da proctocolite alérgica.

Na maioria das vezes não há uma clara percepção do agravo do crescimento pondero-estatural, porém, ao se instituir o tratamento correto nota-se nitidamente a ocorrência de uma rápida recuperação nutricional, com ganho pondero-estatural acelerado (Figuras 1 e 2).

Figura 1- Paciente no momento do diagnóstico da Colite Alérgica.


Figura 2- Paciente após a recuperação clínica e nutricional.
Diagnóstico

A suspeita diagnóstica se baseia no quadro clínico acima descrito, sendo necessário afastar as outras causas de Colite anteriormente referidas. Particularmente, na faixa etária dos lactentes menores de 6 meses, a maior preocupação é eliminar a possibilidade de infecção por um dos microorganismos invasores da mucosa colônica, o que pode ser constatado em primeiro lugar pelo aspecto clínico do paciente, posto que este não deve apresentar sinais de toxemia, prostração e febre, e definitivamente descartado pelo resultado da cultura de fezes que deve ser negativo para crescimento de bactérias enteropatogênicas invasoras.

Até pouco tempo atrás não havia um consenso internacional quanto a utilização de parâmetros clínicos objetivos para se estabelecer o diagnóstico definitivo da Colite Alérgica, fato este que trazia grandes controvérsias diagnósticas. Além disso, está bem definido que os testes cutâneos e/ou sorológicos não são aplicáveis nesta afecção, pois como se sabe estes testes tem validade diagnóstica quando está presente o mecanismo imunológico da hipersensibilidade imediata (mediada pela Ig E) o que não é o que se verifica quando se trata de Colite Alérgica. Aqui entra em jogo o mecanismo imunológico da reação antígeno-anticorpo em excesso de antígeno com fixação de complemento (conhecido como fenômeno de Arthus) resultando em uma vasculite, daí o sangramento quase sempre visível.

Na intenção de contornar esta dificuldade diagnóstica John Walker-Smith, pesquisador inglês de prestigio indiscutível, fez uma profunda revisão sobre o tema e propos, em 1995, os seguintes critérios para o diagnóstico de Colite Alérgica: 1- Clínica: presença de sangramento retal e cólicas em lactente sem agravo nutricional de maior intensidade; 2- Laboratorial: exclusão de causas infecciosas de colite; 3- Procedimento: endoscopia e/ou biópsia retal com características típicas de colite; 4- Prova terapêutica: desaparecimento dos sintomas após a eliminação do suposto alergeno da dieta do lactente ou da dieta da mãe (no caso de aleitamento natural); 5: Desencadeamento: não é necessário antes dos 9 a 12 meses de idade; 6- Procedimento: realização ou não de nova biópsia retal para caracterizar regressão das lesões na dependência do critério do médico assistente.

À colonoscopia a mucosa colônica encontra-se hiperemiada, friável com sangramento espontâneo à passagem do colonoscópio, podendo-se também observar pequenas ulcerações na mucosa (Figuras 3 e 4).


Figura 3- Visualização endoscópica das mucosas colônica e ileal evidenciando ulcerações macroscópicas, sangramento espontâneo e ingurgitamento vascular.


Figura 4- Imagem endoscópica da Colite Alérgica evidenciando ulcerações macroscópicas e grande fragilidade da mucosa com sangramento espontâneo.

À microscopia óptica observa-se solução de continuidade do epitélio colônico, intenso aumento do infiltrado linfo-plansmocitário e eosinofilico na lâmina própria, diminuição do conteúdo de muco das glândulas crípticas e inclusive até mesmo a existência de abscesso críptico (presença de polimorfonucleares no interior da glândula críptica) (Figuras 5 e 6).


Figura 5- Microfotografia de material de biópsia retal evidenciando lesões histopatológicas características de Colite: solução de continuidade do epitélio colônico, aumento acentuado do infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria, com presença aumentada de eosinófilos, glândulas crípticas com diminuição de células produtoras de muco, e presença de abscesso críptico com infiltrado de neutrófilos.


Figura 6- Colite eosinofílica: eosinófilos infiltrando o epitélio e na lâmina própria da mucosa retal.

Após a cura há completa regeneração da mucosa colônica (Figura 7).


Figura 7- Material de biópsia do reto de paciente portador de Colite Alérgica em fase de recuperação; houve regeneração do epitélio, infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria discreto e presença normal de muco nas glândulas crípticas.

No próximo encontro iremos mostrar nossa experiência a respeito da Colite Alérgica.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Colite Alérgica: Manifestações Clínicas, Diagnóstico e Tratamento (3)

Histórico

Desde o surgimento do ser humano no nosso universo, constituindo-se nas mais diversas maneiras de sociedades existentes, a totalidade das crianças era amamentada ao seio materno, de forma exclusiva e prolongada. Ainda nos dias atuais, naquelas poucas comunidades restantes chamadas de "cultura primitiva", como por exemplo é o caso de algumas nações indígenas existentes em nosso país (Figuras 1-2-3-4), as quais vivem em condições muito semelhantes a aquelas encontradas pelos descobridores portugueses, a prática da amamentação é universal.


Figura 1- Parque Indígena do Xingu: Índios de uma aldeia do Alto Xingu anunciando uma festa comunitária.


Figura 2- Parque Indígena do Xingu: Mãe e filho no primeiro banho da manhã no rio Xingu.



Figura 3- Parque Indígena do Xingu; criança índia em aleitamento natural, prática universal nesta sociedade.

Figura 4- Minha primeira experiência de trabalho no Parque Indígena do Xingu em dezembro de 1970.
Entretanto, as enormes transfigurações sócio-político-econômicas e culturais ocorridas em decorrência do desenvolvimento tecnológico industrial nas sociedades denominadas "civilizadas" ou "modernas", com as mulheres cada vez mais competindo pela ocupação de espaço dentro do mercado de trabalho, associadas ao crescimento e consolidação das indústrias produtoras de alimentos infantis, a partir do início do século 20, contribuiram decisivamente para o declínio da prática do aleitamento natural. Diferentes tipos de leite de outros mamíferos, mais frequentemente o Leite de Vaca, inicialmente in natura, e, posteriormente, sob a forma de Fórmulas Lácteas processadas com a intenção de se aproximar ao máximo da composição do Leite Humano, encontram-se, já há muitos anos, amplamente disponíveis no mercado. Concomitantemente a essa modificação do comportamento das sociedades "modernas" passou-se também a conviver com um novo fenômeno, como efeito colateral, ou seja, o surgimento cada vez mais frequente da Alergia Alimentar, especialmente Alergia às Proteínas do Leite de Vaca e suas mais variadas formas de manifestação clínica. Por outro lado, na busca de se encontrar substitutos do Leite de Vaca, para o tratamento dos casos com sintomas de Alergia, passaram a ser desenvolvidas fórmulas a partir da Proteína Vegetal da Soja, introduzidas já desde 1929, as quais pretensamente se imaginava não teriam capacidade alergênica, e que a experiência prática demonstrou ser exatamente o contrário.

Rubin, nos EUA, em 1940, publicou suas observações sobre 4 pacientes, com idades compreendidas entre 4 e 7 semanas, que foram alimentados com Leite de Vaca, os quais apresentaram diarréia sanguinolenta e cólicas intensas, denominando-as como portadoras da "Síndrome do Sangramento Intestinal devido a Alergia às Proteínas do Leite de Vaca". Mortimer, nos EUA, em 1959, por sua vez descreveu o caso de um lactente de 3 mêses, que se encontrava em aleitamento misto, possuia história de alergia familiar fortemente positiva, e que desenvolveu quadro clínico de eczema e asma. Foi tratado com Fórmula de Soja em substituição à Fórmula Láctea durante 2 mêses, período no qual apresentou vômitos frequentes e reinício das crises asmáticas, manifestações que desapareceram com a introdução de uma Fórmula à Base de Hidrolisado Protéico. Halpin e cols., nos EUA, em 1977, documentaram a primeira descrição de Colite Alérgica em 4 lactentes com idades entre 2 e 4 mêses, os quais apresentavam diarréia sanguinolenta, perda de pêso e vômitos com o emprego de Fórmula de Soja com diagnóstico prévio de Alergia às Proteínas do Leite de Vaca. Nos 4 pacientes foi realizado desencadeamento com Fórmula de Soja e os sintomas reapareceram, sendo que anteriormente os sintomas haviam regredido com o uso de uma Fórmula à Base de Hidrolisado Protéico.

Lake e cols., nos EUA, em 1982, descreveram 6 lactentes, amamentados exclusivamente com Leite Materno, que apresentaram diarréia sanguinolenta no primeiro mês de vida, tendo sido descartadas causas infecciosas. Foi constatado, nesta ocasião, que proteínas estranhas, potencialmente alergênicas, podem ser veiculadas pelo Leite Materno, e que os sintomas regridem quando o suposto alergeno é retirado da dieta da mãe. Além disso, Sherman e Cox, nos EUA, em 1982, levantaram a possibilidade de sensibilização intra-útero às Proteínas do Leite de Vaca, ao descrever o caso de um recém-nascido que apresentou diarréia sanguinolenta algumas horas após o nascimento ao receber Leite de Vaca a partir de 8 horas de vida. As manifestações clínicas persistiram ao se introduzir Fórmula de Soja, e somente regrediram com o uso de Fórmula à Base de Hidrolisado Protéico.

No nosso próximo encontro continuaremos a discutir Colite Alérgica, suas manifestações clínicas e o diagnóstico.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Colite Alérgica: Manifestações Clínicas, Diagnóstico e Tratamento (2)

Composição do Leite Humano e do Leite produzido por outros Mamíferos

O leite é uma emulsão constituída por 20% de material sólido e 80% de água. Trata-se de uma solução coloidal de glóbulos de gordura (micela) que se encontram no interior de um fluido aquoso (Figuras 1 & 2). Cada glóbulo de gordura é circundado por uma membrana constituída por fosfolípides e proteínas; estas substâncias, denominadas emulsificantes, mantêm os glóbulos separados individualmente evitando que estes se juntem para formar grânulos sólidos de gordura e também agem como protetores dos próprios glóbulos de gordura da ação das enzimas digestivas de gorduras presentes na fração líquida do leite. As vitaminas lipossolúveis A, D, E e K encontram-se presentes no interior da porção gordurosa do leite. É importante assinalar que o leite humano contem uma enzima denominada lipase, a qual quebra a gordura transformando-a em pequenos glóbulos, os quais são mais facilmente digeridos.


Figura 1- Duas amostras de leite humano obtidas em diferentes momentos da lactação: à esquerda leite inicial "aguado" com baixo teor de gordura e à direita leite tardio cremoso com alto teor de gordura.

Figura 2- Representação esquemática de uma micela.

As maiores estruturas químicas presentes na porção líquida do leite são formadas por micelas de caseína; estas se constituem em milhares de moléculas de proteínas ligadas entre si com o auxílio de partículas em escala nanométrica de fosfato de cálcio. Estas micelas desempenham importantes papeis, mas a mais notória é impedir que as mesmas formem agregados sólidos. A camada mais externa das micelas é constituída por um tipo de proteína denominada kappa-caseina, a qual se encontra na porção exterior do corpo da micela no interior do fluido que a circunda. Estas moléculas de kappa-caseina possuem carga elétrica negativa e, portanto, se auto-repelem, fenômeno que mantém as micelas individualmente separadas, evitando assim que em condições normais, sejam formados grumos sólidos, preservando-as em uma suspensão coloidal estável no fluido em que estão imersas.

O leite contem ainda uma grande série de outras proteínas além da caseína, as quais são mais solúveis em água e não formam grandes estruturas químicas. Como estas proteínas permanecem suspensas no soro do leite quando a caseína forma coágulos, elas passaram a ser denominadas em conjunto de proteínas do soro.

Tanto os glóbulos de gordura quanto as pequenas micelas de caseína, as quais têm tamanho suficiente para defletir a luz, contribuem para a coloração branca do leite.

O carboidrato do leite, a lactose, confere um sabor levemente adocicado. A lactose é um dissacarídeo constituído pelos seguintes monossacarídeos: glicose e galactose (Figura 3). Na natureza, a lactose é praticamente encontrada apenas no leite, porém é também encontrada em baixíssimas concentrações em algumas plantas.


Figura 3- Representação simplificada da molécula da Lactose e consequente hidrólise dando resultado aos monossacarídeos Glicose e Galactose.

O leite humano contem 1,1g% de proteínas, 4,2g% de gorduras, 7,0g% de carboidratos e 0,2g% de minerais oferecendo 72 kcal/100ml (Tabela 1).


O principal carboidrato do leite humano é a lactose, porém vários outros oligossacarídeos semelhantes à lactose foram identificados em pequenas concentrações. A fração de gordura contem triglicerídeos específicos, tais como ácidos oléico e palmítico, assim como significativas quantidades de lipídeos com ligações trans, os quais são benéficos à saúde. Dentre eles destacam-se os ácidos vacênico e linoléico, os quais correspondem a cerca de 6% da gordura total. As principais proteínas são a beta-caseina, alfa-lactoalbumina, lactoferrina, IgA secretora, lisosimas e a soro-albumina. Compostos nitrogenados não protéicos que incluem uréia, ácido úrico, creatina, creatinina, amino-ácidos e nucleotídeos correspondem a aproximadamente 25% do conteúdo de nitrogênio. Foi demonstrado também que o leite humano fornece uma substância que é um neuro-transmissor (endocannabinoide) com ação tranqüilizante.

O Leite de Vaca contém cerca de 4 gramas de proteína por 100 mL (Tabela 2) enquanto que o Leite Humano contém cerca de 1,1 gramas de proteína por 100 mL.

Entretanto, as diferenças entre estes 2 tipos de leite não residem apenas nas concentrações das frações protéicas, posto que, no Leite de Vaca a proporção Caseína:Soroalbumina é de 80:20, enquanto que no Leite Humano esta proporção é de 40:60, uma vantagem inequívoca para o Leite Humano pela maior facilidade de sua digestão, visto que a Caseína (Peso Molecular entre 11.000 e 24.000 daltons) é a porção protéica não solúvel presente no leite. Além disso, dentre as proteínas da fração solúvel do Leite de Vaca estão presentes aquelas que potencialmente são as mais alergênicas, a saber: beta-lactoglobulina (maior fração do soro lácteo bovino e maior capacidade antigênica, Peso Molecular de 20.000 daltons), alfa-lactoalbumina (Peso Molecular 14.000 daltons), soroalbumina bovina (Peso Molecular 69.000 daltons) além da própria caseína. O Leite Humano, por sua vez, não contém beta-lactoglobulina.

Fórmulas de Soja

As Fórmulas de Soja também possuem fortes propriedades alergênicas tanto in vitro quanto in vivo. Ademais, cêrca de 10 a 30% das crianças com comprovada sensibilidade ao Leite de Vaca também apresentam alergia cruzada às proteínas da Soja. Alguns autores atestam que alergia às proteínas da Soja pode ocorrer em até 66% dos pacientes com manifestações de Colite Alérgica às proteínas do Leite de Vaca.

Frequência da Colite Alérgica
Admite-se de uma maneira geral que Alergia Alimentar afeta entre 7 a 8% da população pediátrica, e que Alergia ao Leite de Vaca é a manifestação mais frequente presente em cêrca de 2 a 3% das crianças. Colite Alérgica representa cêrca de 20% dos casos de Alergia Alimentar, mas tudo indica que estes percentuais vem aumentando de forma considerável.
Na nossa experiência pessoal (Fagundes Neto e cols. - J. Pediatria 64:306-10,1988) ao analisar 55 lactentes com idade média de 3,9 mêses, durante um período de 5 anos, os quais apresentavam Alergia às proteínas do Leite de Vaca e da Soja, 20% deles revelaram ser portadores de Colite Alérgica.
Mecanismos de Reação Alérgica
As reações de hipersensibilidade podem ser tanto mediadas pela imunoglobulina E (IgE), como, por exemplo, aquelas que apresentam manifestação imediata a alimentos com surgimento de urticária (Figura 4) e/ou choque anafilático;

Figura 4- Urticária gigante com formação de pápulas características de reação mediada por IgE (Hipersensibilidade Imediata).
quanto as não mediadas pela IgE, as quais se caracterizam por apresentar manifestações tardias mediadas por linfócitos T (Hipersensibilidade retardada tipo IV), ou ainda com a formação de imunecomplexos causando vasculite (reação de Arthus, Hipersensibilidadae tipo III, reação de antígeno-anticorpo com excesso de antígeno, formação de imunecomplexos que se depositam nos vasos sanguíneos causando vasculite), como é o caso da Colite Alérgica (Figuras 5 & 6)


Figura 5- Lesão eczematosa retro-auricular em paciente portador de Colite Alérgica (reação imunológica do tipo III - reação de Arthus).


Figura 6- Lesão perianal (proctite) com formação de plicoma e fístula reto-perineal em paciente com Colite Alérgica (reação imunológica do tipo III - reação de Arthus).

É importante ressaltar que o mecanismo imunológico envolvido na gênese da Colite Alérgica não é mediado pela IgE. Por este motivo, os testes de rastreamento diagnóstico para Alergia, tanto cutâneos quanto sorológicos, que são disponíveis para investigar potencial alergia provocada pelo mecanismo de hipersensibilidade imediata, não se aplicam ao diagnóstico de Colite Alérgica. Isto porque, como anteriormente mencionado, o mecanismo imunológico envolvido neste tipo de alergia é o da Reação de Arthus, e, até o presente momento não existe nenhum teste cutâneo ou sorológico disponível para este fim.

No nosso próximo encontro seguiremos a discussão dos aspectos clínicos mais relevantes da Colite Alérgica.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Colite Alérgica: Manifestações Clínicas, Diagnóstico e Tratamento (1)

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

Diretor Médico do Instituto de Gastroenterologia Pediátrica de São Paulo (IGastroped) 


Introdução

Admite-se que Alergia Alimentar (AA) afeta entre 7 a 8% da população pediátrica, e que Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV) é a manifestação mais comum presente em cerca de 2 a 3% das crianças sendo que sangramento retal é uma queixa bastante freqüente nos lactentes de tenra idade, especialmente dentro dos 3 primeiros meses de vida. Diarréia, vômitos, ganho ponderal insuficiente, irritabilidade intensa, em particular durante o momento da amamentação são as manifestações associadas ao sangramento retal. Muitas vezes como primeira opção para substituir a fórmula láctea é prescrita fórmula de soja, porém, infelizmente as Fórmulas de Soja também possuem fortes propriedades alergênicas tanto in vitro quanto in vivo, posto que entre 30 a 50% dos pacientes com APLV apresentam uma reação cruzada com a proteína da soja. Ou seja, verifica-se que já mesmo no primeiro contato com a proteína da soja persistem os sintomas iniciais da alergia. Por outro lado, em alguns casos, ocorre uma remissão completa da sintomatologia, a qual dura de 2 a 7 dias, quando de novo as manifestações clínicas reaparecem. Este período de tempo é o intervalo necessário para que haja a respectiva sensibilização pela nova proteína da dieta e o ressurgimento dos sintomas. Alguns autores atestam que alergia às proteínas da Soja pode ocorrer em até 66% dos pacientes com manifestações de Colite Alérgica às proteínas do Leite de Vaca.

Vale enfatizar que lactentes em aleitamento natural exclusivo também podem apresentar sintomas similares porque o leite de vaca e outras proteínas da dieta podem estar presentes na composição do leite materno. A realização de retoscopia com a obtenção de fragmentos retais para análise histopatológica são extremamente úteis para o estabelecimento do diagnóstico da colite induzida por AA. Vale lembrar que Colite é um termo genérico empregado para designar processos inflamatórios, que podem representar diferentes etiologias, que afetam o intestino grosso provocando lesões microscópicas características, associadas ou não a alterações macroscópicas. Sua manifestação clinica mais evidente é a ocorrência de cólicas juntamente com sangramento vivo nas fezes, geralmente sob a forma de diarréia sanguinolenta, porém em algumas ocasiões o sangramento pode, também, ser oculto (portanto, não visível a olho nu). Entretanto, além de outras possíveis alterações morfológicas observadas na mucosa retal, a presença de infiltrado eosinofílico, sugere fortemente a suspeita diagnóstica de Colite Alérgica. O desaparecimento dos sinais e sintomas em concomitância com a retirada do suposto alergeno ou alergenos da dieta e a restituição integral da morfologia da mucosa retal, preenche de forma completa os critérios para o diagnóstico definitivo de Colite Alérgica.

Classificação das ColitesColite, na infância, abrange um grupo heterogêneo de etiologias, a saber: 1- Alergia Alimentar; 2- Infecção Bacteriana (Salmonella, Shigella, Escherichia coli enteroinvasra, Escherichia coli entero-hemorrágica); 3- Infecção Parasitária (Entamoeba histolytica {amebíase}); 4- Doença Inflamatória Intestinal (Doença de Crohn, Colite Ulcerativa, Colite Indeterminada); 5- Colite Auto-imune
Colite Alérgica é uma condição clínica caracterizada por alterações inflamatórias microscópicas e/ou macroscópicas no cólon e reto como consequência de reações imunológicas devido à ingestão de proteínas estranhas, que são denominadas para efeito clínico de alergenos. Deve-se sempre ter como conceito fundamental que Alergia se desenvolve a partir de uma reação imunológica e que diz respeito ao envolvimento de alguma proteína, e, no caso de AA, este componente protéico está presente na dieta da criança. Vale ressaltar que Colite Alérgica é uma enfermidade que afeta essencialmente o lactente no seu primeiro ano de vida, mais preferentemente nos primeiros 6 meses de idade, muito embora excepcionalmente haja relatos de casos em crianças maiores. Trata-se de uma enfermidade de caráter temporário com resolução espontânea ao final do primeiro ou segundo anos de vida.

Colite Alérgica representa cerca de 20% dos casos de AA, mas tudo indica que este percentual vem aumentando de forma considerável. Na nossa experiência pessoal ao analisarmos 55 lactentes com idade média de 3,9 meses, durante um período de 5 anos, os quais apresentavam APLV e da Soja, 20% deles revelaram ser portadores de Colite Alérgica (Fagunders-Neto e cols. Rev Paul Med 1987;105:166-71). Portanto, APLV constitui-se na principal causa de sangramento retal nos lactentes. Muito embora colite por infecção bacteriana ou protozoária possa provocar sangramento retal trata-se de uma etiologia rara neste período da vida em condições ambientais higiênicas apropriadas. Fissura anal frequentemente é também causa de sangramento retal, porém a característica do sangramento nesta condição clínica difere totalmente da colite. O sangramento característico da fissura anal é um fio de linha de sangue rutilante que recobre as fezes, posto que a fissura é uma lesão anal praticamente externa, enquanto que no sangramento devido à colite o sangue é visto misturado às fezes (Figuras 1 - 2 & 3).
Figura 1- Paciente portador de Colite Alérgica apresentando sangue vivo misturado às fezes diarréicas.


Figura 2- Visualização endoscópica da mucosa colônica evidenciando ulcerações macroscópicas, sangramento espontâneo e engurgitamento vascular.

Figura 3- Microfotografia de material de biópsia retal evidenciando lesões histopatológicas características de Colite: solução de continuidade do epitélio colônico, aumento acentuado do infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria, com presença aumentada de eosinófilos, glândulas crípticas com diminuição de células produtoras de muco, e presença de abcesso críptico com infiltrado de neutrófilos.
Colite Ulcerativa e Doença de Crohn podem ocorrer em períodos precoces da vida, mas este é um tipo extremamente raro de apresentação.
Alergenos Alimentares
Os alergenos alimentares são, em geral, proteínas pequenas com Peso Molecular entre 10.000 e 40.000 daltons (unidade de medida do peso das moléculas protéicas). Podem ser glico-proteínas ou proteínas ácido-resistentes, portanto, resistem à ação do ácido clorídrico gástrico, a desnaturação térmica e enzimática. Além disso, sua arquitetura molecular pode também conferir estabilidade antigênica in vivo.

Leite de vaca, fórmulas lácteas infantis, fórmulas de soja são as fontes de proteínas mais frequentemente envolvidas na etiologia da Colite Alérgica, porém outros alimentos também podem desencadeá-la, tais como: leites de outros mamíferos (jumenta, égua e cabra), trigo, ovos, milho, peixe, frutos do mar, nozes e amêndoas, amendoim, carne de frango etc. Além disso, quaisquer outros alimentos que tenham alguma fração protéica em sua composição, podem, potencialmente, provocar alergia.

Quanto ao Leite Humano é de fundamental importância ressaltar que como se trata de um produto da secreção da glândula mamária da mulher, ele é Espécie-Específico (foi especialmente desenhado para não causar qualquer problema ao lactente), portanto, não apresenta qualquer componente potencialmente alergênico. Entretanto, substâncias protéicas, potencialmente alergênicas, ingeridas pela mulher que esteja no período de amamentação podem ser transferidas ao lactente, e, em caso do mesmo ser susceptível de alergia, vir a apresentar sintomas de AA. Como o leite humano possui inúmeros fatores de proteção da mucosa intestinal, as manifestações clínicas de alergia costumam ser mais atenuadas do que naqueles lactentes que recebem aleitamento artificial, por meio de fórmulas lácteas ou de soja, o que pode se tornar um fator maior de dificuldade diagnóstica.

No nosso próximo encontro continuarei a discutir em detalhes os aspectos mais relevantes da Colite Alérgica.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Refluxo Gastroesofágico e Doença do Refluxo Gastroesofágico: como estabelecer o diagnóstico diferencial (8)

Tratamento cirúrgico da Doença do Refluxo Gastro-Esofágico (DRGE)

Deve-se sempre ter em conta que o tratamento cirúrgico bem como o tratamento medicamentoso não atuam diretamente sobre a causa do problema, ou seja, a hipotonia (relaxamento) do esfíncter esofágico inferior. O tratamento medicamentoso não restaura os mecanismos de barreira anti-refluxo e, em geral, é necessário seu emprego por longos períodos de tempo. Uma proporção significativa de crianças apresenta um volume considerável de refluxo, tornando, nestes casos, ineficazes os medicamentos inibidores da bomba de proton (ácido clorídrico). De qualquer forma o tratamento cirúrgico deve ser considerado como uma escolha excepcional, posto que ele não é isento de complicações importantes ou mesmo apresentar insucesso em eliminar o refluxo. Preferencialmente, para ser indicado um possível tratamento cirúrgico devem ser levadas em consideração as seguintes condições: 1- presença de recidiva crônica da DRG, na existência ou ausência de esofagite por refluxo, ou seja, quando o paciente ao longo de 3 anos de seguimento ainda necessitou receber tratamento à base dos inibidores de bomba de hidrogênio durante mais de 50% do tempo; 2- quando a resposta ao tratamento com inibidores da bomba de próton se mostra ineficaz; 3- quando o paciente não adere de forma adequada ao tratamento medicamentoso, e, portanto, volta a apresentar sintomas da DRG.

A técnica cirúrgica clássica é a fundoplicatura de Nissen, que se baseia em construir plicaturas na mucosa/sub-mucosa gástrica abaixo do esfíncter esofágico inferior com a intenção de melhorar sua função pelo aumento da barreira anti-refluxo. Tem sido demonstrado que este procedimento reduz a frequência dos relaxamentos transitórios do esfíncter esofágico inferior e, também, aparentemente produz um discreto aumento do tonus do esfínter esofágico inferior. O procedimento cirúrgico pode ser realizado por laparoscopia sendo, portanto, considerado minimamente invasivo e, além disso, tem-se obtido sucesso em cêrca de aproxidamente 90% dos casos quando realizado por profissionais experientes. Entretanto, pode apresentar complicações importantes, tais como, disfagia, incapacidade de eructação, diarréia e distensão abdominal gasosa. Nos casos de recidiva dos sintomas de refluxo a repetição do procedimento pode ser um grande desafio técnico em virtude da possível formação de aderências como efeito colateral da primeira intervenção.

Recentemente, um grupo de cirurgia pediátrica do Hospital La Paz (Madri, Espanha) publicou sua experiência sobre os casos que fracassaram a uma primeira operação e que necessitaram ser submetidos a reoperação para o tratamento da DRG (Aguilar R e cols., Cir Pediatr; 21:92-5, 2008). Foi realizada uma revisão restrospectiva de 1992 a 2006. Neste período 19 (7,5%) dos 252 pacientes necessitaram uma reoperação. O período médio de tempo entre a primeira e a segunda fundoplicatura foi 1,6 anos (variação de 1 mês a 5,5 anos). As razões do fracasso da primeira cirurgia foram: 8 casos de ocorrência de hérnia do hiato esofágico, 4 de incompetência da sutura, 2 de deiscência da sutura e em 5 casos não se pode estabelecer a causa do fracasso da primeira cirurgia. Não houve nenhuma morte entre estes pacientes. Após um período médio de 5,3 anos de seguimento 17 (89,4%) dos 19 pacientes permanecem assintomáticos e não necessitam qualquer outra intervenção terapêutica.

Muito recentemente um novo procedimento considerado minimamente invasivo foi proposto para realizar a fundoplicatura de Nissen. Trata-se da gastroplicatura por via endoscópica denominada EndoClinch. Um grupo inglês, liderado por um renomado profissional da área, Mike Thomson, publicou sua experiência no Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition no número de fevereiro de 2008, utilizando esta técnica que foi inicialmente proposta para pacientes adultos por Swain, em 1999. Seus resultados iniciais revelaram-se bastante promissores, posto que esta técnica mostrou ser um procedimento seguro e, que ao mesmo tempo, foi capaz de proporcionar melhor qualidade de vida aos seus pacientes, embora o período de avaliação pós-cirúrgica ainda seja curto, não superior a 3 anos. Ocorreu uma significativa diminuição na frequência e intensidade da queimação retro-esternal, vômitos e regurgitação em 56% dos pacientes durante este período de seguimento, sem que os mesmos tivessem a necessiade de receber tratamento medicamentoso associado. Nos outros pacientes bom controle dos sintomas foi obtido com redução significativa da dose dos inibidores da bomba de próton, os quais previamente à cirurgia não se mostravam eficazes para combater os sintomas do refluxo.

No nosso próximo encontro iniciaremos a discussão a respeito das manifestações clínicas, dos métodos diagnósticos e das opções de tratamento da Colite Alérgica.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Refluxo Gastroesofágico e Doença do Refluxo Gastroesofágico: como estabelecer o diagnóstico diferencial (7)

Tratamento Medicamentoso da Doença do Refluxo Gastroesfágico

Nos EUA cerca de 44% da população refere sofrer de queimação retro-esternal pelo menos uma vez por mês, e, destes aproximadamente 20% apresenta a mesma queixa semanalmente. Muito embora as estimativas variem, dados recentes permitem afirmar que entre 50-70% da população geral que sofre da DRG não apresenta evidências macroscópicas de esofagite à endoscopia. A despeito disto estes pacientes referem sintomas similares em intensidade e frequência a aqueles que apresentam esofagite por refluxo. Consequentemente, eles também sofrem um impacto negativo na sua qualidade de vida.

Tanto em indivíduos sadios como nos pacientes que sofrem da DRG o relaxamento transitório do esfíncter esofágico inferior (EEI) é isoladamente o mecanismo mais comum que acarreta a ocorrência do refluxo gastroesofágico. Os relaxamentos transitórios do EEI podem ser definidos como espontâneos, abruptos, prolongados ou completos. Estes relaxamentos constituem-se no mecanismo fisiológico pelo qual o ar deglutido pode ser expelido via retrógrada pela eructação. A distensão gástrica, a qual dentro das circunstâncias fisiológicas provocada pela alimentação, representa o estímulo mais importante para deflagrar o relaxamento esfincteriano. Embora possa ocorrer refluxo fisiológico em indivíduos sadios, a existência de refluxo prolongado ou excessivo pode provocar grave lesão na mucosa esofágica. A esofagite pode progredir desde uma lesão microscópica até a forma mais intensa como a esofagite erosiva, a qual se caracteriza por erosões e úlceras na mucosa esofágica. Aproximadamente entre 30-50% dos pacientes que buscam tratamento dos sintomas da DRG apresentam evidência endoscópica de esofagite erosiva. Ainda que o alívio dos sintomas e a cicatrização das lesões possam ocorrer em curto prazo de tempo, devido a um tratamento adequadamente instituido, a esofagite erosiva é uma afecção crônica potencialmente recidivante e que requer terapêutica de manutenção na maioria dos pacientes. Cerca de até 80% dos pacientes sofrem recaida das lesões esofágicas nos próximos 6 meses subsequentes à suspensão do tratamento.

A DRG representa um grande desafio para ser tratada porque se constitui em uma entidade clínica que não apresenta marcadores objetivos nos quais se possam basear para estabelecer o diagnóstico e avaliar o tratamento. Ainda que a patogênese da esofagite seja resultante do refluxo do conteudo gástrico (particularmente ácido clorídrico e pepsina) para o esôfago, a maioria dos pacientes não desenvolve esofagite erosiva e/ou suas complicações. Além disso, como algum grau de exposição ao conteudo gástrico pode ser considerado normal e bem tolerado, os sintomas do refluxo parecem ser mais o resultado de uma anormalidade quantitativa do que qualitativa. Deve-se agregar, também, que outros fatores externos entram em jogo para corroborar com as manifestações clínicas, tais como, problemas que envolvem o sistema nervoso central, co-morbidades psico-sociais, tipo de dieta, os quais tem sido demonstrados influenciar tanto no grau de intensidade quanto nos momentos do aparecimento dos sintomas.

A DRG resulta da exposição anormal da mucosa esofágica ao material refluido do estômago. A DRG afeta cerca de 20% da população adulta do mundo ocidental e representa o maior risco para o desenvolvimento de estenose péptica do esôfago (estreitamento da luz do esôfago devido a exposição ácida gástrica), sangramentos, esôfago de Barret e adenocarcinoma do esôfago. De fato, a manutenção do pH gástrico acima de 4 é considerado como o fator mais importante para se prognosticar a taxa de cicatrização da esofagite por refluxo, e, consequentemente, prevenir suas potenciais complicações. Além disso, uma adequada supressão do ácido pode ser especialmente útil para confirmar uma relação direta causa-efeito entre refluxo e os vários possiveis sintomas extra-esofágicos da DRG, tais como, dor no tórax, asma, sinusite crônica e laringite crônica. Há nítidas evidências proporcionadas pela pHmetria de 24 horas que existe uma relação direta entre o grau e a duração da exposição ácida no esôfago e a intensidade da lesão da mucosa esofágica. A proporção de tempo dentro das 24 horas do dia com pH intra-esofágico abaixo de 4 está diretamente relacionada com a progressão dos achados endoscópicos, os quais podem variar desde ausência de esofagite até para a existência das formas mais graves. Além disso, aceita-se que pH 4 é o valor limítrofe inferior para discriminar entre refluxo normal e patológico. Por outro lado, a cicatrização da lesão da mucossa esofágica está diretamente relacionada com a duração da supressão da acidez intra-gástrica com a manutenção do seu pH acima de 4.

Atualmente, os medicamentos considerados como os inibidores da bomba de proton (Hidrogênio) (IBP) representam a principal arma terapêutica disponível para combater os sintomas da DRG, independentemente da existência ou não de esofagite por refluxo. De acordo com os manuais de conduta norte-americanos e europeus os IBP são considerados o meio mais eficaz para garantir um alívio rápido dos sintomas e para a cicatrização da esofagite. Os IBP são mais eficazes para inibir a secreção ácida gástrica porque atuam inibindo a via final comum da secreção ácida, ou seja atuam sobre a enzima H+/K+ ATPase, a qual está localizada na membrana canalicular secretora da célula parietal gástrica, que é a responsavel pela produção do ácido clorídrico. A maior eficácia dos IBP quando comparados com os antagonistas do H+, como é o caso da ranitidina, no controle da secreção ácida, é atribuida à sua ação direta inibindo o efeito secretor das células parietais gástricas. Além disso, a ação dos IBP tem efeito mais prolongado porque eles formam uma ligação covalente com a enzima H+/K+ ATPase, neutralizando sua ação. Os IBP uma vez absorvidos para a corrente sanguínea mantem-se relativamente estáveis em pH superiores a 3, sendo ativados apenas nos tecidos aonde o pH encontra-se abaixo de 3.

O primeiro agente IBP disponivel no mercado foi o Omeprazol, e, depois dele vários outros medicamentos de composição química similar vieram a ser lançados e também já se encontram disponiveis, a saber: Lansoprazol, Pantoprazol, Esomeprazol e Rabeprazol. Há na literatura médica inúmeros ensaios clínicos comparando a eficácia destes medicamentos entre si com resultados bastante variáveis quanto às conclusões, dependendo do desenho do estudo proposto, do tempo de uso, das doses utilizadas e do número de tomadas ao dia. De qualquer forma, os resultados são sempre altamente positivos com todos eles e a escolha de um determinado IBP vai depender essencialmente da experiência e da confiança pessoal do profissional médico com um determinado medicamento na sua prática clínica diária.

No nosso próximo encontro iremos discutir o tratamento cirúrgico da DRG.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Refluxo Gastroesofágico e Doença do Refluxo Gastroesofágico: como estabelecer o diagnóstico diferencial (6)

Conduta no Refluxo Gastroesofágico Fisiológico (RGF)

Como já foi anteriormente mencionado a ocorrência de regurgitação no primeiro ano de vida, em especial nos primeiros 4 mêses de existência, é bastante elevada devido à imaturidade dos mecanismos anti-refluxo. As principais barreiras anti-refluxo podem ser divididas para efeito didático em 2 grupos:

1- Ações que facilitam o escoamento do alimento deglutido:
  • Peristaltismo do esôfago

  • Força da gravidade

  • Esvaziamento gástrico


2- Fatores anatômicos:
  • Esfínter esofágico inferior (EEI)

  • Ângulo formado entre a junção do esôfago com o estômago
A partir do processo de maturação destes mecanismos em especial do EEI, o qual funciona como a mais importante válvula de barreira anti-refluxo, passa a ocorrer uma acentuada queda na incidência dos episódios de regurgitação para aproximadamente 1% em torno dos 12 aos 15 mêses de idade.
Tranquilizar os pais
Apesar do RGF ser praticamente desprovido de complicações de maior importância, a ocorrência de episódios frequentes de regurgitação, geralmente associada a crises de irritabilidade, choro persistente e distúrbios do sono, gera alto grau de ansiedade nos pais. Cêrca de 70% dos pais buscam atenção médica porque consideram a regurgitação um problema grave e tem a expectativa de que uma possível intervenção terapêutica venha solucionar o problema. Nestes casos é importante tranquilizar os pais explicando-lhes a natureza fisiológica do processo e ao mesmo tempo dar-lhes a segurança de que estes episódios de regurgitação tendem a diminuir ao longo do primeiro ano de vida.
Manejo Dietético
Além das considerações acima referidas a utilização de fórmulas lácteas espessadas tem trazido bons resultados para minorar os sintomas do RGF. O espessamento das fórmulas infantis vem sendo recomendado desde o início dos anos 50 como primeiro passo no tratamento do RGF. No passado, o emprego de fórmula láctea de rotina espessada com cereal mostrou-se capaz de reduzir as regurgitações nos lactentes com RGF, porém, quando amido de cereal é adicionado à fórmula láctea nas quantidades habitualmente empregadas (1 colher das de sopa para cada 30 ml de fórmula), o perfil dos nutrientes da mistura resultante desvia-se acentuadamente das recomendações nutricionais para o primeiro ano de vida. Atualmente é sabido que lactentes, mesmo nos primeiros meses de vida, são capazes de digerir pequenas quantidades de amido. Demonstrou-se que nos 3 primeiros meses de vida os lactentes podem digerir satisfatoriamente quantidades de amido "in natura" da ordem de 10 a 25 gramas por dia, ou seja, 5,5 a 6,0 gramas por kg de peso corporal por dia, porque a amilase salivar e a glicoamilase duodenal podem compensar a deficiência fisiológica da amilase pancreática.
Vale enfatizar que embora a prática do espessamento das fórmulas lácteas seja útil para reduzir o RGF, ela resulta em uma elevada densidade calórica às custas de calorias fornecidas por carboidratos, com uma consequente diminuição percentual das calorias fornecidas pelas gorduras. Fórmulas lácteas "anti-regurgitação", comercialmente disponíveis, evitam estes desequilíbrios de nutrientes. Considerando-se que o volume, osmolaridade, densidade calórica e digestibilidade da fórmula láctea, todos em conjunto podem influenciar para atenuar o RGF, as modificações dietéticas constituem-se no "medicamento" não farmacológico mais comum e eficaz anti-regurgitação.
Em passado recente (Fagundes Neto e cols. Rev. Paul. Pediatria, vol. 19, 2001) avaliaram a eficácia de uma fórmula láctea pré-espessada na redução dos sintomas associados ao RGF em lactentes bem como a manutenção de um ganho ponderal adequado. Tratou-se de uma investigação clínica multicêntrica envolvendo 54 lactentes entre 22 e 140 dias (Média 74,1 dias) atendidos em consultórios pediátricos de diferentes regiões do Brasil. A seleção dos pacientes baseou-se na história clínica sugestiva de RGF. Todos os lactentes estavam sendo alimentados exclusivamente com fórmulas lácteas de rotina e apresentavam queixa de 5 ou mais episódios de regurgitação por dia. Durante 2 semanas os lactentes receberam uma fórmula pré-espessada à base de leite de vaca, na qual 30% do teor de lactose foi substituído por amido de arroz. Os pais foram instruidos para registrar o número das regurgitações por dia, bem como a presença ou ausência de outros sintomas, tais como, irritabilidade, distúrbios do sono, recusa alimentar, flatulência, diarréia ou constipação. O número médio de regurgitações revelou um decréscimo significativo e o ganho ponderal médio foi de 31,9 gramas por dia durante as 2 semanas de estudo. Também foram observadas diminuições significativas na ocorrência de irritabilidade, distúrbios do sono e flatulência. Em conclusão, o presente estudo revelou que sintomas de RGF podem ser significantemente atenuados mediante o uso de fórmula pré-espessada, a qual também assegurou adequado ganho ponderal. Vale a pena referir que outros estudos com desenho clínico similar ao nosso encontram-se disponíveis na literatura médica internacional, realizados tanto nos EUA como na Europa, os quais reafirmam os resultados por nós obtidos (Vanderhoof e cols. Clin Pediatr 2003;42:483-95, Vandenplas e cols. Acta Pediatr 1998;87:462-8).
Recentemente, em 2007, um estudo realizado em Taiwan (Nutrition 23:23-8) , teve por objetivo comparar o efeito de uma fórmula láctea espessada com cereal em relação ao tratamento postural sobre a regurgitação, ganho ponderal e esvaziamento gástrico em lactentes. A investigação envolveu lactentes alimentados exclusivamente com fórmulas lácteas, com idades que variaram de 2 a 6 mêses, que apresentavam regurgitações e/ou vômitos por pelo menos 3 vezes ao dia. Os lactentes foram distribuidos ao acaso em 2 grupos para serem submetidos às seguintes intervenções durante 8 semanas, a saber: 1- fórmula espessada com cereal e 2- colocados em posição erecta após as mamadas durante 90 minutos. Cintilografia com Tecnécio 99m diluido em leite foi realizada antes e após o período de intervenção para avaliar o tempo de esvaziamento gástrico. Houve uma diferença significativa na diminuição da frequência das regurgitações favorecendo os lactentes do grupo 1 em relação aos lactentes do grupo 2. Não houve diferenças significativas entre os grupos quanto ao tempo de esvaziamento gástrico, porém os lactentes do grupo 1 apresentaram ganho ponderal significativamente maior que seus pares do grupo 2. Os autores concluiram, neste estudo, que o emprego de fórmulas lácteas espessadas são mais eficazes no controle da regurgitação do que o manejo postural. Além disso, também constataram que o uso de fórmula láctea espessada com cereal proporcionou maior ganho ponderal e de comprimento em comparação com lactentes que receberam fórmula láctea de rotina associada a manejo postural.
No nosso próximo encontro iremos discutir o tratamento medicamentoso da Doença do Refluxo Gastroesofágico.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Refluxo Gastroesofágico e Doença do Refluxo Gastroesofágico: como estabelecer o diagnóstico diferencial (5)

Métodos Diagnósticos da Doença do Refluxo Gastro-Esofágico

No que se refere aos testes funcionais do esôfago disponíveis para o diagnóstico do Refluxo Gastroesofágico (RG), houve, nestes últimos anos, grandes avanços tecnológicos. No presente, podemos dividir os testes existentes em diretos e indiretos, a saber:

Métodos Diretos
1- Radiologia contrastada com Bário; 2- Cintilografia Gastroesofágica com Tecnécio; 3- Monitoração prolongada do pH intraesofágico (pHmetria de 24 horas convencional); 4- Impedância Intraluminal Esofágica de Multicanais; 5- Sistema BRAVO de monitoração do pH esofágico

Métodos Indiretos
1- Manometria esofágica; 2- Manometria de Alta Resolução
  • Radiologia Contrastada - trata-se de um teste tradicional que oferece baixa eficácia para a caracterização do RG, porém ainda é um exame necessário porque pode evidenciar algumas anomalias anatômicas do trato digestivo, tais como hérnia de hiato, estenose hipertrófica do piloro, vício de rotação do intestino delgado, as quais podem ser causa dos sintomas de refluxo.
  • Cintilografia com Tecnécio - trata-se da ingestão de uma solução aquosa contendo o rádio-isótopo e seu trajeto é acompanhado por uma gama câmara (Figura 1). Também apresenta baixa sensibilidade, mas tem as vantagens de poder caracterizar refluxo alcalino e se realizada captação tardia (após 12 horas da ingestão) pode também detectar a presença do rádio-isótopo no pulmão, naqueles casos em que se suspeita de aspiração do material refluido.

    Figura 1- Estudo cintilográfico com Tecnécio mostrando nos tempos de 1 a 4 estômago repleto com a solução contendo o radio-isótopo e nas outras imagens a evidência de refluxo gastroesofágico até o terço médio do esôfago.
  • pHmetria de 24 horas - este teste foi, durante muito tempo, considerado o "padrão ouro" para o diagnóstico de RG, além de caracterizar refluxo oculto na existência de esofagite por refluxo, detectar RG naqueles pacientes com sintomas extra-esofágicos e também para a avaliação do tatamento da DRG. Trata-se da monitoração do pH esofágico através da colocação de um eletrodo 5 cm acima do esfíncter esofágico inferior, o qual é conectado com um equipamento que registra as variações do pH esofágico durante 24 horas correlacionando-as com as diferentes atividades do paciente. Ao cabo das 24 horas o eletrodo é retirado e os registros detectados pelo equipamento são analisados em um computador através de um software específico. São estudados vários parâmetros relacionados à existência ou não da DRG, tais como: a- número de epísódios de refluxo ácido com pH abaixo de 4; b- número de episódios de refluxo com tempo superior a 5 minutos; c- porcentagem de tempo com refluxo; d- duração do episódio mais longo de refluxo. Portanto, permite estabelecer uma correlação entre o aparecimento do refluxo e o início dos sintomas através da seguinte fórmula: Índice de sintomas= sintoma relacionado ao refluxo/número total de sintomas (Figuras 2-3).
    Figura 2- Exame de pHmetria com a colocação do eletrodo no esôfago e a determinação de pH 2.3 no mostrador do equipamento de medida do pH.

Figura 3- Traçado do estudo da pHmetria de 24 horas correlacionando os valores do pH obtidos com a posição do paciente (supine) e as refeições (meal), e os respectivos horários do dia.

Entretanto, mais recentemente com a introdução de novas tecnologias, as quais serão em seguida abordadas, verificou-se que o conceito de "padrão ouro" já não se aplica mais à pHmetria de 24 horas porque foram caracterizadas várias limitações deste método, tanto no que diz respeito a resultados falso positivos (especificidade) quanto a resultados falso negativos (sensibilidade).
  • Impedância Intraluminal de Múltiplos Canais - Esta técnica foi introduzida em 1991 para monitorar o movimento do "bolo" alimentar no interior do trato gastrointestinal. A técnica se baseia na mensuração da impedância elétrica entre uma série de eletrodos colocados próximos entre si ao longo da extensão do esôfago conectados com uma sonda (Figura 4). A impedância a ser mensurada depende do conteúdo esofágico em contato com os eletrodos. Por exemplo, o ar possui uma alta impedância, enquanto que o líquido ingerido ou refluido possui baixa impedância. A presença de múltiplos eletrodos ao longo da extensão do esôfago permite detectar as alterações temporais-espaciais da impedância, possibilitando, assim, diferenciar se o líquido ou ar foi deglutido ou refluído (Figuras 5-6-7). Vários estudos de validação desta técnica tem confirmado elevada sensibilidade e acurácia na detecção do refluxo, bem como acompanhar o movimento do "bolo" alimentar intraesofágico. O refluxo de líquido ou gás é detectado por uma diminuição progressiva da impedância no sentido oral iniciando-se esta diminuição no eletrodo colocado na posição mais distal do esôfago (imediatamente acima do Esfínter esofágico inferior). Vale salientar que o "bolo" alimentar também pode ser seguido ao longo dos segmentos adjacentes da impedância. A entrada do "bolo" alimentar em cada segmento da impedância reflete em uma queda de 50% do seu valor, enquanto que um incremento de 50% sobre o seu valor basal, se correlaciona com a saída do "bolo" alimentar deste determinado segmento.
    Figura 5- Colocação correta dos múltiplos eletrodos para o estudo da impedância esofágica e do eletrodo de medida do pH 5 cm acima do esfíncter esofágico inferior (LES).
Figura 6- Um episódio de deglutição detectado pelo sistema de impedância (seta descendente) com diminuição do pH abaixo de 4 (alimento ácido).
Figura 7- Epsódio de refluxo gastroesofágico detectado pelo sistema de impedância (seta ascendente) e pela pHmetria.
  • Impedância Intraluminal de Múltiplos Canais combinada com a pHmetria de 24 horas - Este procedimento de monitoração do esôfago possibilita a detecção de ambos os tipos de refluxo, ácido e não ácido, porque identifica o movimento de fluído retrógrado para o interior do esôfago. Desta forma esta combinação de monitoração permite a detecção do refluxo independentemente do valor do pH do material refluido. Esta metodologia de investigação tem sido demonstrada ser a de mais alta sensibilidade para a detecção dos episódios de refluxo, posto que permite detectar também os refluxos não ácidos (alcalinos ou fracamente ácidos) e, assim, elimina os resultados falso negativos. A adição da medida do pH faz-se necessária para a caracterização do refluxo ácido. Recentemente foi estabelecido um consenso entre experts da área para definir a nomenclatura dos padrões de refluxo detectados pela combinação dos métodos impedância-pHmetria. O refluxo é considerado ácido quando o pH esofágico for inferior a 4; quando o pH esofágico baixa de uma unidade mas ainda se mantém acima de 4 e abaixo de 7 o refluxo é denominado fracamente ácido; o termo refluxo alcalino é reservado para os episódios de refluxo cujo pH esofágico seja superior a 7 (Figuras 8-9-10-11).

    Figura 8- Detecção de refluxo gastroesofágico ácido (A).
Figura 9- Detecção de um episódio fracamente ácido (B).


Figura 10 - Detecção de um episódio de refluxo gastroesofágico não ácido (C).

Figura 11- Episódio de refluxo gastroesofágico não ácido associado à tosse (cough). Este episódio ocorreu após a deglutição.
  • Sistema BRAVO de monitoração do pH - trata-se de um novo sistema "wireless" de monitoração do pH esofágico, e que possui as seguintes vantagens: 1- por ser "wireless" elimina o incômodo e o estigma social da presença de um catéter nasal; 2- a monitoração esofágica se extende por 48 horas o que permite uma avaliação mais realística; 3- como se trata de uma cápsula controlada por telemetria é colocada por via oral por meio da endoscopia, localizando-a 6 cm acima do esfíncter esofágico inferior; 4- como pode permanecer por 48 horas tem a possibilidade de detectar a existência de refluxo que por ventura não tenha sido detectado nas primeiras 24 horas, e isto pode ocorrer em até 30% dos casos; 5- causa menor impacto sobre as atividades normais diárias, o que lhe confere uma característica mais fisiológica de avaliação.
Por outro lado não são apenas vantagens que esta nova técnica oferece. Há também alguns efeitos colaterais que podem ocorrer devido à presença da cápsula aderida à parede do esôfago, tais como: 1- falha na aderência à parede do esôfago; 2- dor torácica que em algumas ocasiões obriga a retirada da cápsula; 3- sensação da presença de um corpo extranho no esôfago.
Dentre os Métodos Indiretos, atualmente, tem sido dado grande valor à Manometria de Alta-Resolução, porém esta técnica é extremamente dispendiosa e se encontra praticamente disponível apenas para estudos de investigação clínica.
No nosso próximo encontro iremos discutir os tratamentos do Refluxo Gastroesofágico Fisiológico e da Doença do Refluxo Gastroesofágico.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Refluxo Gastroesofágico e Doença do Refluxo Gastroesofágico: como estabelecer o diagnóstico diferencial (4)

Complicações da Doença do Refluxo gastro-Esofágico

Neste capítulo abordaremos as principais complicações da Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRG) (vide figura 1 para visualizar o aspecto normal da mucosa do esôfago).
Figura 1- Visualização endoscópica da mucosa do esôfago de aspecto normal.

A mais frequente complicação da DRG é sem dúvida a Esofagite de Refluxo (ER), ou seja, a inflamação da mucosa do esôfago causada pela presença constante de material ácido proveniente do estômago e que leva à sensação de queimação retro-esternal. Esta inflamação pode apresentar diferentes nuances de intensidade, as quais dependem de uma série de circunstâncias, tais como, frequência e tempo de duração dos episódios de refluxo, tempo de existência dos sintomas e mesmo da sensibilidade da mucosa do esôfago à exposição ácida (o que é uma variação individual). A evidência mais direta da existência da ER se dá por meio da realização da endoscopia digestiva alta, posto que durante a execução deste procedimento o examinador, já pode de imediato, identificar através do equipamento óptico as mais diversas graduações de intensidade do processo inflamatório, o qual se caracteriza pela presença de erosões na mucosa esofágica (vide figuras 2 e 3). Há, porém, um debate entre os diferentes especialistas da área quanto à necessidade ou não da realização do exame histológico obtido por biópsia para se estabelecer o diagnóstico de certeza da ER.
Figura 2- Visualização endoscópica da mucosa do esôfago evidenciando esofagite de moderada intensidade.
Nos adultos, a frequência e a intensidade dos sintomas da DRG apresentam, de uma maneira geral, boa correlação com a gravidade da lesão esofágica. Na Pediatria, em um estudo realizado no Canadá, em 2006, no qual foram avaliadas 127 crianças e adolescentes de 1 a 17 anos de idade que sofriam da DRG, e que foram submetidos à avaliação endoscópica, a prevalência e a intensidade de anorexia e/ou recusa alimentar foi significantemente maior naqueles que apresentavam ER em relação a aqueles que não apresentavam lesão da mucosa esofágica. Por outro lado, estudo realizado nos EUA, em 2005, em lactentes (portanto, em crianças menores de 1 ano de idade) as manifestações sintomáticas não foram suficientemente válidas para se prognosticar a existência de ER. Desta forma, o que se pode afirmar, no presente estágio dos conhecimentos, é que não é possivel prognosticar com maior grau de acurácia a intensidade da lesão da mucosa esofágica em pacientes pediátricos quando apenas nos baseamos nos sintomas.


Figura 3- Visualização endoscópica da mucosa do esôfago evidenciando esofagite de intensa gravidade.
Em uma minoria dos casos a DRG pode acarretar uma diminuição do lúmen do esôfago (estreitamento do conduto esofágico), a qual se denomina Estenose Esofágica (vide figura 4). Este estreitamento, que se dá por edema e pela substituição de tecido esofágico por tecido fibroso (portanto inelástico) impede, em um estágio inicial, a passagem de alimentos sólidos causando disfagia persistente. Disfagia progressiva pode levar inclusive à dificuldade de deglutir líquidos o que sem dúvida é um sinal de alarme e que deve ser cuidado com urgência. De qualquer forma, o estreitamento esofágico provocado pela DRG deve ser distinguido de outras possíveis causas, tais como por exemplo, ingestão de soluções cáusticas, ou mesmo, uma outra doença recentemente descrita denominada Esofagite Eosinofílica. Portanto, nestes casos impõe-se a realização de endoscopia com estudo histológico da mucosa do esôfago, obtida por biópsia, para se determinar a causa do estreitamento.

Figura 4- Visualização endoscópica da mucosa do esôfago que revela um evidente estreitamento da sua luz (estenose esofágica).

Outra possível complicação da ER é o que se denomina esôfago de Barret (vide figura 5). Embora esta complicação seja muito menos frequente em pacientes pediátricos em relação ao que se observa em pacientes adultos, ela soe ocorrer em crianças e adolescentes. Por exemplo, em um estudo realizado no Canadá, em 2007, metaplasia esofágica (presença de células de outro órgão na mucosa esofágica; neste caso presença de células características do estômago ou intestino delgado) foi observada em 10% das crianças que sofriam da DRG grave, e, em metade delas ocorreu a presença de células caliciformes (estas células, que são produtoras de muco, o qual recobre a superfície da mucosa intestinal para lhe conferir proteção contra as agressões do meio ambiente, são típicas da mucosa do intestino), portanto, tipicamente do intestino delgado, o que caracteriza de forma inconteste a existência de esôfago de Barret. É de fundamental importância frisar que esôfago de Barret é uma lesão pré-cancerosa, e, portanto, deve ser tratada com total atenção.


Figura 5- Visualização endoscópica da mucosa do esôfago evidencaindo a existência de esôfago de Barret (lesão pré-cancerosa).
No nosso próximo encontro iremos abordar os mais recentes e avançados métodos diagnósticos do Refluxo Gastroesofágico.