Mostrando postagens com marcador Alergia à Proteina da Soja. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Alergia à Proteina da Soja. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 15 de maio de 2018

Alergia Alimentar: novos conhecimentos sobre um problema de elevada prevalência (Parte 2)

Ulysses Fagundes Neto

Este artigo baseia-se em uma revisão sobre Alergia Alimentarpublicada no J Allergy Clin Immunol 2018; 141:41-58, escrito porScott H. Sicherer e Hugh A. Sampson.



Diagnóstico

É muito importante ter-se em mente uma boa compreensão dos transtornos clínicos e seus respectivos sintomas a respeito das AAs para se poder alcançar um diagnostico apropriado. Os guias clássicos de conduta classificam as reações adversas aos alimentos, imunologicamente mediadas, de acordo com os presumíveis mecanismos fisiopatológicos primários, muito embora eles possam apresentar algumas variações. AAs são definidas diferentemente de outras reações adversas aos alimentos porque elas envolvem uma resposta imunológica. Portanto, reações adversas à alimentos, tais como, intolerância (intolerância à lactose), ou tóxicas (envenenamento alimentar), ou farmacológicas (cafeína), não se caracterizam como AAs. Em geral, no que concerne às AAs, existem mecanismos fisiopatológicos IgE-mediados, não-IgE mediados (mediados por células) ou mistos (IgE-mediados e mediados por células).      

Determinar se a causa presumível dos sintomas é atribuível à AA, e a qual alimento ou a quais alimentos, trata-se de uma tarefa altamente desafiadora e, deve-se também considerar que determinadas reações/sintomas podem ser equivocadamente confundidas com AA. Por exemplo, o envenenamento pela ingestão da toxina escombroide, a qual se encontra presente na carne apodrecida de peixe, cuja toxina desencadeia sintomas similares à liberação de histamina, ou respostas neurológicas, tal como a que ocorre na síndrome auriculotemporal, causada por alimentos que deflagram salivação excessiva e também resultam em vaso dilatação reflexa da face, ou a rinite gustatória, causada por alimentos picantes que resultam em rinorreia, todas estas reações podem mimetizar manifestações equivalentes a AA. É também notório que asma e rinite crônicas não devem ser tipicamente atribuíveis a reações alérgicas induzidas por alimentos. Inúmeras vezes certos alimentos são excluídos da dieta das crianças que sofrem de dermatite atópica, sem que haja uma clara indicação para tal, em virtude de uma falsa suspeição de que determinados alimentos tenham contribuído para o surgimento da lesão cutânea. Nestas circunstâncias tal conduta que pode causar consequências nefastas do ponto de vista nutricional, social e possivelmente imunológico para o paciente, o que se torna um fator negativo para uma abordagem diagnóstica criteriosa. Indiscutivelmente, alimentos podem ser reais deflagradores de AA, mas muitos outros deflagradores adicionais existem, incluindo irritantes, infecções e alergenos ambientais.

Indiscutivelmente o “teste” elementar mais importante para o diagnóstico da AA, está fundamentalmente baseado na história clínica. Para se estabelecer o diagnóstico, a história clínica deve ser avaliada no contexto acerca do conhecimento da epidemiologia e das manifestações clínicas da AA, e, deve-se também levar em consideração a compreensão de que transtornos que apresentam manifestações clínicas similares podem ser confundidos com AA. Por exemplo, consideremos uma criança de 3 anos de idade que apresenta queixa de urticária generalizada que foi deflagrada 15 minutos após a ingestão de amendoim. Caso nós tenhamos o devido conhecimento de que esta criança tem rotineiramente tolerado a ingestão de grandes quantidades de amendoim, que ela não é atópica, e que apresenta, no momento do exame, sintomas típicos de uma infecção viral e que a urticária vem persistindo há 7 dias, nós deveremos concluir que os sintomas não estão relacionados com a ingestão de amendoim, mas ao contrário, muito provavelmente a urticária está relacionada à infecção viral. Por outro lado, caso a história clínica permita saber que a criança apresentou dermatite atópica, e, também, alergia ao ovo anteriormente à ingestão do amendoim, e que esta foi sua primeira ingestão e que a urticaria foi tratada com anti-histamínicos e não cedeu, nós já deveremos estar altamente convencidos da existência de alergia ao amendoim. Essas conclusões estão baseadas na compreensão das probabilidades anteriores, tendo por princípio os riscos epidemiológicos e os detalhes da história clínica relatada; no primeiro caso, testes laboratoriais são desnecessários de serem realizados, enquanto que no último caso, estes testes devem provavelmente ser confirmatórios para alergia ao amendoim. Alguma informação diagnóstica adicional deve ser obtida pela seleção apropriada e respectiva interpretação dos testes, tais como, Prick-test, mensuração de IgE específica e/ou teste de provocação oral, os quais devem ser interpretados dentro do contexto da epidemiologia, fisiopatologia e história clínica associadas com os cenários clínicos criteriosamente considerados (Figura 3).
 Figura 3- Critérios de abordagem diagnóstica da AA.


Para uma melhor avaliação crítica da abordagem diagnóstica da AA, a tabela abaixo discrimina os dados mais confiáveis e as possíveis falhas concernentes ao diagnóstico de AA (Tabela 1). 




Manuseio das AA e recomendações educacionais
A Tabela 2, traz uma série de recomendações educacionais quanto ao manuseio e prevenção da AA.



A Figura 4 especifica as células envolvidas nos processos de dessensibilização, remissão e tolerância das AAs.

FIG 4. Cells involved in desensitization, remission, and tolerance. There are overlaps between the states of desensitization and sustained unresponsiveness (remission); thus far, there are no distinctive biomarkers to show which state starts at which time period. Mast cells and basophils play a role in desensitization. Direct in vivo evidence has been demonstrated in murine models, and human findings suggest comparable associations. Similarly, ‘‘remission’’ and ‘‘tolerance’’ are overlapping, and thus far, there are no clear biomarkers. Tolerogenic DCs, Treg cells, Breg cells, and effector cell/Treg and Breg cell ratios are present during remission and long-term tolerance. Distinct mechanisms responsible for the immune response shifting from a state of remission into long-term tolerance are not known. cAMP, Cyclic AMP; CTLA-4, cytotoxic T lymphocyte–associated protein 4; LAP, latency-associated peptide; PD-1, programmed cell death 1.

Conclusões

Está bem estabelecido que a prevalência de AA é alta, alcançando até 10% da população pediátrica, e, inclusive tem aumentado nas ultimas décadas. Inúmeros fatores de risco genéticos e ambientais têm sido identificados. Análises detalhadas quanto a via da sensibilização, a caracterização do alergeno e a resposta imunológica, fornecem maiores facilidades para o diagnóstico e o tratamento. O diagnóstico depende de uma combinação de conhecimentos quanto a epidemiologia e a fisiopatologia associados com a história clínica fornecida pelo paciente e os resultados dos testes laboratoriais. Entretanto, vale ressaltar que ainda é desconhecida a completa compreensão da causa do aumento da prevalência da AA, assim como é necessário desenvolver melhores abordagens diagnósticas e, também maximizar a segurança e a qualidade de vida do paciente durante o manuseio da AA. Torna-se também tarefa essencial a busca incessante de novas e melhores opções terapêuticas.

quinta-feira, 10 de maio de 2018

Alergia Alimentar: novos conhecimentos sobre um problema de elevada prevalência (Parte 1)


Ulysses Fagundes Neto

Este artigo baseia-se em uma revisão sobre Alergia Alimentar publicada no J Allergy Clin Immunol 2018; 141:41-58, escrito por Scott H. Sicherer e Hugh A. Sampson.


Introdução
Atualmente, encontram-se disponíveis dados demonstrativos de que a Alergia Alimentar (AA) tem apresentado um aumento significativo na sua prevalência nas últimas três décadas, e que são mais comuns em crianças em comparação com adultos. Sabe-se também que a lista de alergenos alimentares, embora esta não seja muito ampla, tem provocado sérios agravos para a saúde dos pacientes portadores de AA. Os principais alérgenos universalmente reconhecidos, entre outros menos comuns, são os seguintes, a saber: amendoim, frutos oleaginosos, peixes e frutos do mar, ovo, leite, trigo, soja e algumas sementes. Fatores de riscos genéticos, epigenéticos e ambientais têm sido elucidados de uma forma cada vez mais frequente, possibilitando a potencial elaboração de condições para aumentar as ações de prevenção, bem como a promoção de estratégias de tratamento tendo como alvo os indivíduos sob tais riscos. Investigações detalhadas a respeito da fisiopatologia das AAs têm revelado uma complexa interação da barreira epitelial, da resposta da imunidade da mucosa e, também sistêmica, a rota da exposição ao alergeno e o microbioma do hospedeiro, entre outros fatores que acabam por resultar em alergia ou tolerância. O diagnóstico da AA baseia-se acima de tudo na história clínica, testes de sensibilidade e testes de provocação oral.

Curso Natural da AA
O curso natural da AA na infância tem sido intensamente investigado e pode-se afirmar que algumas AAs são de duração transitória e apresentam um alto grau de resolução nas crianças, como por exemplo: leite (>50% entre 5 e 10 anos), ovo (>50% entre 2 e 9 anos), trigo (>50% aos 7 anos) e soja (>45% aos 6 anos) e uma continua tendência para a resolução ao alcançar a adolescência.  Por outro lado, algumas AAs apresentam uma característica típica de persistirem ou apresentarem uma baixa taxa de resolução na infância, tais como, ao amendoim (aproximadamente 20% aos 4 anos), aos frutos oleaginosos (aproximadamente 10%) e às sementes, peixes e frutos do mar, as quais também devem ser consideradas persistentes.

Teoria hipotética da AA

Várias hipóteses têm sido levantadas para explicar o aumento global da prevalência da AA. Atualmente, a hipótese da dupla exposição alergênica tem sido a mais aceita, a qual sugere que a sensibilização alérgica a um determinado alimento ocorre através da sensibilização cutânea em baixas doses, enquanto que o consumo precoce de alimento proteico induz tolerância oral. Essa hipótese foi desenvolvida após a publicação de estudos que demonstraram uma forte associação entre exposição alimentar, eczema e surgimento de AA (Figuras 1 e 2).
FIG 1. Integration of the vitamin D deficiency, hygiene, and dual-allergen exposure hypotheses. Sufficient levels of vitamin D, a diverse microbiota, and oral allergen exposure support the development of tolerance. Conversely, allergic sensitization is promoted through cutaneous exposure, reduced diversity of the microbiota, and vitamin D deficiency. Diminished microbial diversity and vitamin D deficiency are thought to interrupt the regulatory mechanisms of oral tolerance, with the latter also contributing to decreased epidermal barrier function. GI, Gastrointestinal; T-reg, regulatory T cells.

FIG 2. Interactions between the microbiota and innate and adaptive immune systems in tolerance induction within the mucosa. The gut microbiota has been shown to interact with the mucosal immune system at many levels to support the induction of tolerance. Microbially derived metabolites induce inflammasome activation in ECs, leading to release of IL-18 and antimicrobial peptide (AMP) secretion, thereby strengthening the epithelial barrier. ILC3-derived IL-22 also promotes the epithelial barrier. Macrophage-derived IL-1b promotes GM-CSF release from ILC3s, further promoting IL-10 and retinoic acid secretion by DCs, which are essential for induction of Breg and Treg cells. Mucosal DCs can be influenced directly by microbially associated metabolites, such as short-chain fatty acids (SCFAs) and histamine, which polarize cytokine production through G protein–coupled receptor (G-PCR) signaling. Bacterially derived ligands can directly activate DC pattern recognition receptors, in particular Toll-like receptor 2 (TLR2), also promoting IL-10 and retinoic acid secretion. Mucosal macrophages secrete large amounts of IL-10, thereby contributing to the tolerance state. In addition to the influence of immunoregulatory factors released by microbiota-exposed innate immune cells, on Breg and Treg polarization, the microbiota can also have direct effects on both Breg and Treg cells. Metabolites, such as SCFAs and histamine, promote polarization of these regulatory cells, and activation of Toll-like receptor 9 supports expansion of IL-101 Breg cells. cAMP, Cyclic AMP; CTLA4, cytotoxic T lymphocyte–associated protein 4; PD-1, programmed cell death 1.


Patogênese

Avanços significativos nos níveis dos conhecimentos básicos, translacionais e pesquisas clínicas, têm proporcionado novas visões nos mecanismos imunológicos causadores de AA e, portanto, proporcionam também novas sugestões terapêuticas e estratégias preventivas. O mecanismo comum que acarreta a alergia de vários alimentos baseia-se na quebra da tolerância clínica e imunológica ao alimento ingerido, a qual resulta em transtornos das reações IgE-mediadas e não-IgE mediadas, tais como: Esofagite Eosinofílica, Síndrome da Enterocolite induzida por proteína alimentar e Proctocolite induzida por proteína alimentar. A sensibilização para alergenos alimentares pode ocorrer através do trato gastrointestinal, da pele e, menos comumente, do trato respiratório, presumivelmente em conjunção com uma falha e/ou inflamação da função da barreira de permeabilidade.  A indução e a manutenção da tolerância aos antígenos alimentares requerem uma geração ativa de células T reguladoras para antígenos alimentares específicos, as quais são possivelmente influenciadas pelo microbioma residente do hospedeiro. 


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Alergia Alimentar na infância e suas manifestações digestivas: uma enfermidade emergente no mundo atual (8)

Critérios Diagnósticos

História Clínica e Testes de Provocação

A História Clínica continua a ser o principal pilar para estabelecer o diagnóstico de AA, em especial nos pacientes menores de 6 meses de idade, posto que até esta idade a imensa maioria dos lactentes recebe apenas um tipo de alimento, seja leite de vaca ou de outro animal, fórmula láctea ou de soja. Por esta razão, torna-se mais fácil estabelecer uma relação direta causa-efeito, devido à monotonia da dieta ofertada ao lactente, diferentemente daquelas situações em que o paciente de maior idade já recebe uma dieta bastante diversificada. Vale salientar que mesmo lactentes em aleitamento natural exclusivo, embora raramente, também podem apresentar manifestações clínicas de AA devido à passagem de antígenos alimentares via leite materno. Por outro lado, naquelas crianças maiores, que já recebem uma dieta com grande diversidade de alimentos, inúmeras outras variáveis passam a entrar em jogo, o que vai dificultar sobremaneira estabelecer a qual ou a quais alimentos o paciente apresenta Alergia. A confecção de diários alimentares costuma ser útil, principalmente quando a dieta do paciente é bastante diversificada e, também, quando o problema se torna crônico.
Do ponto de vista diagnóstico é interessante tentar categorizar a afecção alérgica pelo órgão alvo predominantemente atingido e pelo mecanismo de resposta imunológica observado. Reações mediadas por IgE costumam surgir rapidamente, enquanto que as não mediadas por IgE tornam-se evidentes apenas algumas horas ou dias após a ingestão do alergeno.
Atualmente há um consenso internacional de que o Padrão Ouro (“Gold Standard”) para o diagnóstico de AA é o teste de Provocação Duplo-Cego Controlado com Placebo (PDCCP). Entretanto, há também uma aceitação geral de que na imensa maioria das vezes a realização do teste de PDCCP é praticamente inviável, em especial quanto menor for a idade do paciente. Diante da notória dificuldade de se realizar rotineiramente o teste PDCCP, tem sido também preconizada a realização de testes de provocação abertos ou simples-cegos no rastreamento de possíveis alergenos alimentares. Para aumentar a acurácia dos testes de provocação, o alimento ou os alimentos supostamente provocadores de Alergia devem ser retirados da dieta do paciente por um período de 7 a 14 dias antes da realização do teste de provocação. Vale lembrar que alguns pacientes podem sofrer de Alergia a múltiplos alimentos e, então, nestes casos é recomendável submetê-los a uma dieta à base de hidrolisado protéico extensivamente hidrolisado por um período de 4 a 6 semanas antes de serem iniciados os testes de provocação (36).


Testes Diagnósticos

Para as afecções mediadas por IgE, os testes cutâneos (“prick tests”) se constituem em um rápido e sensível método de rastreamento para alimentos específicos. Testes negativos essencialmente confirmam a ausência de reação alérgica mediada por IgE (acurácia preditiva negativa superior a 95%). Em geral, respostas negativas aos testes cutâneos são extremamente úteis para excluir Alergias Alimentares mediadas por IgE, e, por outro lado, testes cutâneos positivos, na maioria das vezes, sugerem a existência de AA, embora sua especificidade (taxa de falso positivos) não seja tão elevada quanto a sensibilidade. Idealmente, ao se obter uma resposta positiva do teste cutâneo deve-se considerar confirmatório o diagnóstico de AA quando este vier associado a uma história clínica altamente sugestiva de reação alérgica ao alimento em questão (37).

É importante assinalar que até o presente momento não se dispõe de nenhum teste cutâneo que seja confiável para o diagnóstico de AA NÃO mediada por IgE.
O teste sorológico qualitativo denominado “Radioallergosorbent test” (RAST) fornece evidências sugestivas de AA mediadas por IgE, porém este método tem a tendência de vir a ser progressivamente substituído por outros que são quantitativos, como por exemplo o CAP System FEIA, os quais tem demonstrado experimentalmente serem mais eficientes quanto aos seus valores preditivos (38).

No caso específico das manifestações das hipersensibilidades gastrointestinais uma variedade de outros testes laboratoriais podem ser extremamente úteis. Por exemplo, cerca de 50% dos pacientes portadores de Esofagite Eosinofílica e de Gastroenteropatia Eosinofílica apresentam eosinofilia periférica e podem também sofrer de anemia por perda de sangue nas fezes e diminuição nos níveis das proteínas séricas, em especial a albumina. A Endoscopia e/ou Colonoscopia com a realização das respectivas biópsias se constituem em excelentes testes diagnósticos complementares, muitas vezes evidenciando aspectos bastante característicos das lesões causadas pelos alergenos alimentares.
Os Esquemas 1 e 2, extraídos de Philippe Eigenmann e por mim modificados, ilustram uma sugestão, quanto à realização dos testes de provocação, para os passos diagnósticos das Alergias Alimentares mediadas por IgE e as não mediadas por IgE (39).

 

Tratamento

O tratamento da AA baseia-se estritamente na eliminação do alergeno da dieta do paciente. Enquanto o paciente estiver recebendo uma dieta baseada em apenas um determinado alimento, como geralmente ocorre com os lactentes menores de 6 meses, seja fórmula láctea ou fórmula de soja, torna-se facilmente identificável qual a proteína que deve ser retirada da dieta. Entretanto, quando a dieta do paciente passa a ser mais variada já tendo ocorrido a introdução de outros alimentos a identificação do alergeno pode ser uma tarefa extremamente difícil de ser exercida com sucesso. Portanto, quanto mais diversificada for a dieta de um paciente que se suspeita ser portador de AA mais trabalhoso será identificar um ou mais agentes alergênicos. Por esta razão, estrategicamente, deve-se sempre restringir ao máximo o número e a variedade dos alimentos empregados na dieta do paciente, porém, é imperioso que se tome todo o cuidado para não provocar alguma deficiência nutricional.
 Lactente em Aleitamento Artificial

Nesta circunstância o paciente deve receber única e exclusivamente uma dieta hipoalergênica, ou seja, uma fórmula à base de hidrolisado protéico extensivamente hidrolisado durante um período não inferior a 12 semanas, podendo inclusive prolongar-se até o final do primeiro ano de vida dependendo do critério do médico assistente. É esperado que as manifestações clínicas desapareçam dentro das próximas 48 horas depois da introdução da fórmula hipoalergênica. Caso os sintomas persistam ou reapareçam dentro de alguns dias após a introdução da fórmula hipoalergênica, deve-se suspeitar de intolerância à fórmula à base de hidrolisado protéico. Apesar das proteínas serem extensivamente hidrolisadas nas fórmulas à base de hidrolisados protéicos disponíveis no mercado ainda assim apresentam em sua composição pequenas frações peptídicas que podem desenvolver estímulo antigênico. Tem sido nossa experiência pessoal, aliada à experiência internacional, que cerca de 10 a 15% dos pacientes podem desenvolver intolerância às fórmulas à base de hidrolisado protéico. Ao se suspeitar ou mesmo se caracterizar a ocorrência de intolerância à fórmula à base de hidrolisado protéico, deve-se substituí-la para uma fórmula à base de mistura de amino-ácidos, a qual não tem qualquer estímulo antigênico, visto que são desprovidas de frações peptídicas potencialmente alergênicas. Após o sexto mês de vida devem ser introduzidos novos alimentos, porém, sempre tendo-se a devida precaução de evitar a utilização de leite de vaca e derivados, bem como produtos contendo soja. A introdução desses novos alimentos deve ser feita de forma gradual para que se possa ter uma observação criteriosa da sua tolerabilidade por parte do paciente. Como esta enfermidade tem caráter transitório, no final do primeiro ano de vida pode-se realizar um teste de desencadeamento com fórmula láctea. O desencadeamento deve ser realizado com supervisão médica, posto que, embora muito raramente, pode ocorrer choque anafilático caso o paciente ainda seja alérgico ao leite de vaca.

Lactente em Aleitamento Natural
Como já foi referido anteriormente o leite humano pode ser veículo de transporte de proteínas estranhas, potencialmente alergênicas, e desta forma, indiretamente, provocar manifestações de AA. Entretanto, é de fundamental importância que NÃO seja suspenso o Aleitamento Materno, e SIM tratar de eliminar da dieta da mãe o suposto alergeno. Inicialmente deve-se eliminar o leite de vaca e seus derivados, bem como a soja e todos os produtos industrializados que contenham esta substância. Além destes alimentos deve-se também propor a eliminação da dieta da mãe dos seguintes outros alimentos: amendoim, frutos secos (castanhas, nozes e avelã), frutos do mar, peixe e ovo. Após a eliminação destes alimentos a sintomatologia deve regredir significativamente, ou mesmo desaparecer dentro das próximas 48 horas. Caso a sintomatologia persista deve-se pensar que outros alimentos, além dos anteriormente referidos, também podem estar envolvidos como causa da alergia. Nem sempre é fácil detectar qual ou quais outros alimentos podem estar perpetuando as manifestações clínicas, porém, deve-se buscar à exaustação o possível alergeno por meio da elaboração de diários da alimentação da mãe, na tentativa de se estabelecer uma relação causa-efeito.
Prevenção da Alergia Alimentar
  
Um grupo de “experts” da seção de Pediatria da Academia Européia de Alergologia e Imunologia Clínica recentemente publicou as recomendações para prevenir as doenças alérgicas em lactentes e pré-escolares, as quais abaixo estão transcritas (40):

O aleitamento natural exclusivo é altamente recomendado para todos os lactentes independentemente da sua hereditariedade quanto à Alergia. As seguintes observações baseadas em evidências devem ser levadas em consideração:

1-   A adoção de um regime dietético para a prevenção de Alergia, nos lactentes de alto risco (antecedentes hereditários de Alergia nos pais e/ou irmãos), particularmente em relação à AA (Alergia ao Leite de Vaca) e Eczema (atópico ou não atópico) mostra-se altamente eficiente. O regime dietético de maior eficácia é o aleitamento natural exclusivo por pelo menos 6 meses; porém, no caso de não ser possível a prática do aleitamento natural, a introdução de fórmula com documentada hipoalergenicidade, por pelo menos 4 meses, combinada com a restrição da introdução de alimentos sólidos e leite de vaca durante o mesmo período, é altamente recomendada.

2- Não há evidências conclusivas documentadas de que qualquer exclusão dietética na mãe durante a gravidez ou no período de lactação apresenta efeito protetor sobre o lactente.
3- Não há qualquer evidência quanto a um possível efeito preventivo no que diz respeito a imposições de restrições dietéticas após os 6 meses de vida. Além disso, há insuficiente evidência para que se faça qualquer recomendação quanto às estratégias para a dieta do desmame.
Conclusão

AA trata-se de uma entidade clínica cada vez mais prevalente afetando indivíduos de todas as faixas etárias, mas especialmente as crianças nos 2-3 primeiros anos de vida.

APLV é a enfermidade mais prevalente apresenta caráter temporário e tem remissão espontânea. AA pode envolver os mais diversos mecanismos das reações imunológicas, o que lhe confere uma sintomatologia extremamente diversificada e que pode dificultar o diagnóstico pela falta de testes suficientemente específicos para tal. O método diagnóstico para a maioria das Alergias Alimentares universalmente mais aceito é o da provocação em ensaio duplo-cego, o qual na prática, nem sempre é exeqüível. O tratamento da AA se dá pela retirada da dieta do paciente do suposto ou confirmado alergeno.

Referências Bibliográficas

36. Bock, S. A. e cols., J Allergy Clin Immunol 1988; 82: 86-97.

37. Sampson, H. A. e cols., J Allergy Clin Immunol 1984; 74: 6-33.

38. Bousquet, J e cols., J Allergy Clin Immunol 1990; 82: 1039-43.

39. Eigenmann, P. e cols., Pediatr Allergy Immunol 2008; 19: 276-8.

40. Sampson, H. e cols., Pediatr Allergy Immunol 2008; 19: 1-4.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Alergia Alimentar na infância e suas manifestações digestivas: uma enfermidade emergente no mundo atual (7)

Enteropatia Alérgica Pós- Enterite

O quadro clínico dessa síndrome em muito se assemelha à anterior, a diferença fundamental reside no fato de as manifestações clínicas surgirem em um lactente, até aquele momento sem qualquer sintomatologia suspeita de AA, após um episódio de gastroenterite aguda por algum agente enteropatogênico capaz de provocar uma lesão importante na mucosa do intestino delgado levando à ruptura da barreira de permeabilidade intestinal (Figuras 19-36-37-38 e 39), proporcionando, assim, a penetração maciça das proteínas heterólogas da dieta, potencialmente alergênicas.
 


Figura 36- Material de biópsia de intestino delgado à microscopia óptica comum, grande aumento, mostrando nichos de Escherichia coli enteropatogênica firmemente aderidas à superfície mucosa do intestino delgado provocando intensa atrofia vilositária.


Figura 37- Material de biópsia do intestino delgado à microscopia óptica comum, corte semi-fino, evidenciando nichos de Escherichia coli aderidas à superfície epitelial do intestino delgado.


Figura 38- Material de biópsia do intestino delgado à microscopia eletrônica mostrando o início da lesão provocada por cêpa de Escherichia coli sobre as microvilosidades, levando a distorsão e alongamento das mesmas.


Figura 39- Material de biópsia do intestino delgado à microscopia eletrônica evidenciando a típica lesão em pedestal provocada por cêpa de Escherichia coli enteropatogênica. Notar que há total destruição das microvilosidades.



Em pacientes susceptíveis de Alergia, pode-se instalar um quadro clínico de perpetuação da diarréia (diarréia persistente) associada à síndrome de má absorção com perda de peso e parada do ritmo de crescimento (Figuras 40-41 e 42).


Figura 40- Gráfico do crescimento pondero-estatural da paciente portadora de AA pós gastroenterite. Notar a significativa perda de peso e completa parada do rítmo de crescimento.






Figuras 41 e 42- Paciente portadora de AA (a mesma do gráfico acima) evidenciando grave desnutrição devido à síndrome de má absorção por ocasião do diagnóstico de AA.


Os principais agentes enteropagênicos potencialmente causadores deste tipo de lesão da mucosa do intestino delgado são as cepas enteropatogênicas de Escherichia coli e o Rotavirus. As Alergias Alimentares podem ser a múltiplos alimentos, e igualmente à situação acima descrita, a duração da AA é transitória, e após a introdução de tratamento dietético apropriado ocorre completa recuperação clínica e nutricional (Figuras 43 e 44).



Figura 43- Gráfico de crescimento da paciente acima após a introdução de dietoterapia apropriada; notar a significativa recuperação pondero-estatural, mas ao mesmo tempo a ocorrência de AA múltipla por tempo prolongado.



Figura 44- Paciente em fase de total recuperação clínica e nutricional.



Outro agente bacteriano patogênico para o ser humano que deve ser considerado como potencial causador de AA devido às suas propriedades de invasão da mucosa gástrica é o Helicobacter pylori (Figuras 45 e 46). Como é do conhecimento geral, a prevalência da infecção por esta bactéria é extremamente elevada em ambientes desprovidos de saneamento ambiental, com alto grau de confinamento e íntimo contacto físico interpessoal, o que pode se tornar em fator altamente propício para a deflagração de AA nos indivíduos susceptíveis.



Figura 45- Esquema de lesão da mucosa gástrica provocada pelo Helicobacter pylori.





Figura 46- Esquema de proposta de provocação de AA devido a infecção pelo Helicobacter pylori.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Alergia Alimentar na infância e suas manifestações digestivas: uma enfermidade emergente no mundo atual (5)

Papel do Colostro

Como foi anteriormente mencionado, recém-nascidos e lactentes nos primeiros meses de vida são desprovidos de muitos dos fatores fisiológicos de proteção oferecidos pela barreira de permeabilidade intestinal para enfrentar o meio ambiente da vida extra-uterina. Afortunadamente, a “natureza” ofereceu um excelente substituto para proteger o lactente vulnerável durante este período crítico da existência. Este substituto, o leite humano, contém inúmeros fatores que compensam de sobra a imaturidade do organismo do lactente, e, ao mesmo tempo, estimula a maturidade do intestino para tornar-se funcionalmente independente. Tem sido largamente demonstrado que a ingestão do colostro favorece a maturação dos enterócitos, aumenta a capacidade absortiva e também acelera o desenvolvimento da barreira de permeabilidade. Além disso, o colostro tem uma ação potencializadora na produção das enzimas das microvilosidades, possui um fator de crescimento da mucosa, favorece a colonização intestinal por lactobacilos bífidos e acidófilos, oferece lactoferrina, e, mais ainda, contém uma alta concentração de IgA secretora, a qual vai proporcionar uma proteção passiva para a superfície intestinal ao longo do processo natural de maturação do intestino do lactente (25).


 Alergenos Alimentares

A diversidade alimentar do ser humano nas mais variadas culturas é vastíssima, mas, na verdade apenas um número relativamente pequeno de alimentos é responsável pela ocorrência das Alergias Alimentares no nosso universo.


A sensibilização pelos alergenos alimentares pode acontecer basicamente de 2 formas, a saber:


1- Trato Gastrointestinal, considerada tradicional ou Classe 1 de AA;


2- Inalação, denominada de AA Classe 2 (26).

Os alergenos Classe 1 mais freqüentemente descritos como causadores de AA nas crianças são o leite, soja, ovo, e, nos EUA, o amendoim, enquanto que nos adultos os alergenos alimentares que mais comumente causam reações alérgicas são o amendoim, castanhas, peixes e frutos do mar.


A maioria dos alergenos alimentares Classe 1 são glicoproteínas solúveis em água com peso molecular que varia entre 10 e 70 kilodaltons, e são razoavelmente estáveis ao aquecimento, desnaturação ácida e ação das proteases.


Por outro lado, é importante ressaltar que proteínas vegetais têm sido cada vez mais caracterizadas como alergenos alimentares e cujas composições aparentemente se assemelham à dos alergenos animais. A maioria dos alergenos de origem vegetal, descritos até o presente, podem ser enquadrados em 2 grandes grupos, de acordo com suas funções na própria planta, a saber:


1- Proteínas de Defesa (incluídas as denominadas proteínas PR ou “proteínas relacionadas à patogenicidade”), as quais estão envolvidas em mecanismos de auto-proteção contra pragas, vírus e parasitas. Estas proteínas também são produzidas como respostas às agressões ambientais e conseqüentemente podem estar presentes em quantidades variáveis dentro de uma mesma espécie de fruta ou vegetal. As profilinas, que tem um papel fundamental na regulação da polimerização dos filamentos de actina e correspondem à maior porção dos alergenos Classe 2, são altamente preservadas em todo o reino vegetal e freqüentemente apresentam uma reação cruzada entre o pólen e o alimento. Os pacientes com freqüência tornam-se sensibilizados ao pólen inalado e, em virtude das reatividades cruzadas com as profilinas das frutas ou vegetais, apresentam sintomas orais e faríngeos após a ingestão da fruta crua ou do vegetal, o que é denominado de AA ao pólen ou Síndrome Alérgica Oral.


2- Proteínas de Estocagem, as quais se encontram acumuladas principalmente nas sementes maduras, e que são mobilizadas durante a germinação como fonte de Nitrogênio (amino-ácidos) e cadeias de Carbono para o embrião e a nova planta, nos momentos iniciais do desenvolvimento da mesma. Neste grupo estão incluídas as superfamílias das prolaminas e das cupinas.


A superfamília das prolaminas inclui as proteínas majoritárias das farinhas de trigo (asma do padeiro), cevada e centeio, e a albumina 2S das leguminosas, frutos secos e especiarias. A superfamília das cupinas agrupa as proteínas tipo germinas, leguminas e vicilinas. Germinas alergênicas têm sido caracterizadas na laranja, pimenta e trigo. As leguminas são alergenos proeminentes no amendoim, soja e frutos secos (castanha do Pará e avelã). As vicilinas estão presentes nos frutos secos e em sementes como o sésamo.

Manifestações Clínicas das Alergias no Trato Digestivo

As hipersensibilidades alimentares, como já anteriormente referidas, são deflagradas em indivíduos geneticamente susceptíveis, presumivelmente quando fracassa o desenvolvimento natural da tolerância oral ou quando este mecanismo sofre algum agravo importante. As reações alérgicas mediadas por IgE surgem quando anticorpos IgE alimentos-específicos residindo nos mastócitos e basófilos entram em contacto e se ligam aos alergenos alimentares circulantes e ativam as células para a liberação de potentes mediadores químicos e citoquinas. Na Tabela 2 estão discriminadas as afecções digestivas causadas por AA até o presente momento conhecidas e seus respectivos mecanismos imunológicos de ação (27).


Síndrome Alérgica Oral

Esta afecção é causada por uma grande variedade de proteínas de plantas que apresentam reação cruzada com alergenos dispersos no meio ambiente, especialmente os polens liberados pelas seguintes plantas: Ambrosia, Bétula e Artemísia. Indivíduos alérgicos a Ambrosia podem apresentar alergia a melão e banana, aqueles que são alérgicos a grama podem desenvolver sintomas ao ingerir tomate cru, e indivíduos alérgicos ao pólen da Bétula podem deflagrar sintomas depois da ingestão de alimentos crus tais como cenouras, maçãs, peras e kiwi. Tendo em vista que os alergenos responsáveis por essas reações são facilmente destruídos pelo calor e pelos ácidos gástricos, na maioria dos pacientes, as manifestações de alergia permanecem circunscritas às mucosas orais e faríngeas (28).

Anafilaxia
Gastrointestinal

Esta é uma manifestação que se apresenta tipicamente de forma aguda com náuseas, dor abdominal em cólica e vômitos; pode ocorrer também o surgimento, em forma concomitante, de manifestações sintomáticas em outro órgão alvo.

Constipação

Muito embora desde longa data haja referência da associação de constipação e APLV, mais recentemente Iacono e cols. em 1995, na Itália, trouxeram este tema de volta à literatura médica. Foram avaliadas 27 crianças menores de 3 anos que sofriam de constipação crônica funcional, as quais foram submetidas a uma dieta de exclusão de leite de vaca e derivados durante 1 mês. Neste período de tempo observou-se que houve aumento no número das evacuações, que estas ocorriam sem dor, houve eliminação de fezes pastosas, e, também, ocorreu cura das fissuras anais em 78% dos casos (21/27). O teste de desencadeamento realizado nas 21 crianças resultou positivo, ou seja, as crianças voltaram a sofrer de constipação, em média 48 horas após a reintrodução do leite de vaca. Ao ser novamente retirado o leite de vaca da dieta destas crianças houve total normalização das evacuações. Posteriormente, em 1998, Iacono e cols., estudaram 65 crianças menores de 6 anos de idade que sofriam de constipação crônica funcional e que não responderam ao tratamento com laxantes. Foram realizados dois testes de desencadeamento duplo-cego e 68% (44/65) dos pacientes revelaram-se alérgicos ao leite de vaca, apresentando normalização das evacuações quando submetidos à dieta isenta de leite de vaca e derivados (29-30).
Em 2001, Daher e cols., em São Paulo, investigaram 25 crianças com idades que variaram de 3 meses a 11 anos que sofriam de constipação funcional e constataram que em 7 (28%) delas a constipação se resolveu quando o leite de vaca foi retirado da dieta por um período de 4 semanas, e, reapareceu dentro das primeiras 48-72 horas após a reintrodução do leite de vaca na dieta. Níveis elevados de IgE foram observados em 5 delas e que regrediram com a dieta de eliminação. Desta forma, alergia ao leite de vaca deve ser considerada naqueles casos de constipação refratários aos tratamentos habituais, muito embora o mecanismo fisiopatológico ainda não esteja definitivamente elucidado (31).

Gastrite Hemorrágica

Trata-se de manifestação clínica bastante incomum e até 2003 tinham sido descritos apenas 10 casos na literatura médica. Entretanto, em 2003, Machado e cols., em São Paulo, descreveram mais 2 casos de gastrite hemorrágica, em crianças de 2 anos de idade que apresentavam desde os 2 meses hematêmese, vômitos e desnutrição. Submetidos à endoscopia digestiva alta observou-se em ambos os pacientes pangastrite erosiva hemorrágica e a biópsia gástrica revelou gastrite aguda ulcerada com intenso infiltrado eosinofílico (24,1 eosinófilos/campo de grande aumento). A biópsia duodenal evidenciou atrofia vilositária sub-total e a biópsia retal colite inespecífica. Após a eliminação de leite de vaca e derivados da dieta houve total regressão da sintomatologia e recuperação do estado nutricional (32).


Referências Bibliográficas

25. Renz, H. e cols., Acta Paediatr Scand 1991; 80: 149-54.

26. Venter, C. e cols., Allergy 2007; 63: 354-59.

27. Sampson, H.A., J Allergy Clin Immunol 1999; 103: 981-89.

28. Sampson, H. e cols., J Allergy Clin Immunol 2004; 113: 805-19

29. Iacono, G. e cols., J Pediatr 1995; 126: 34-39.

30. Iacono, G. e cols., N Engl J Med 1998; 339: 1100-4.

31. Daher, S. e cols., Pediatr Allergy Immunol 2001; 12: 339-42.

32. Kawakami, E. e cols., Jornal de Pediatria 2003; 79: 80-1.

No nosso próximo encontro seguirei a apresentar mais aspectos de interesse deste fascinante tema.



sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Alergia Alimentar na infância e suas manifestações digestivas: uma enfermidade emergente no mundo atual (4)

Conceito da Barreira de Permeabilidade Intestinal (continuação)


Em situações patológicas, como por exemplo, nas infecções entéricas por determinados agentes enteropatogênicos, a função seletiva destes poros intercelulares pode estar seriamente comprometida, e, portanto, passar a dar lugar para a penetração maciça de antígenos e levar ao surgimento de alergias alimentares (Figuras 18 e 19).


Figura 18 - Material de biópsia de intestino delgado em microscopia óptica comum em grande aumento, corte semi-fino, mostrando colônias de Escherichia coli enteropatogênica firmemente aderidas à superfície mucosa provocando intensas alterações morfológicas no epitélio intestinal.

Figura 19- Esquema gráfico da sequência fisiopatológica da provocação de AA devido à infecção por Escherichia coli enteropatogênica.
Figura 20- Representação esquemática da barreira da mucosa intestinal.

Além do sistema imunológico, a barreira de permeabilidade intestinal é também formada pelas próprias células epiteliais. Caso, por alguma razão, antígenos ou fragmentos de antígenos potencialmente alergênicos consigam aderir à superfície luminal dos enterócitos, estes serão interiorizados ao citoplasma por um mecanismo de endocitose (reverso da fagocitose); já agora no interior do citoplasma serão atacados e devidamente digeridos pelos lisosomas produzidos pelo aparelho de Golgi, perdendo, assim, sua capacidade de estímulo antigênico. Finalmente serão eliminados da célula no espaço baso lateral por um processo de exocitose (Figuras 21-22 e 23) (23).


Figura 21- Representação esquemática dos mecanismos celulares de proteção da mucosa intestinal.

Figura 22- Representação esquemática do processo de degradação antigênica intracelular.


Figura 23- Material de biópsia do intestino delgado em microscopia eletrônica mostrando a formação de um corpo multivesicular, produto da ação degradativa lisosomal.

Entretanto, a imaturidade no desenvolvimento de vários destes componentes da barreira intestinal e do sistema imunológico nos lactentes reduz de forma significativa sua eficiência, tornando a mucosa entérica suscetível para a penetração de antígenos potencialmente alergênicos (proteínas do leite de vaca e da soja, por exemplo) (Figuras 24 e 25). Sabe-se que a atividade enzimática no período neonatal é sub-ótima, e o sistema da IgA secretora não se encontra totalmente maduro antes dos 4 anos de idade. Conseqüentemente, o estado de imaturidade da barreira mucosa joga um papel importante na prevalência de infecções entéricas e AA observadas nos primeiros anos de vida (24).


Figura 24- Representação esquemática da imaturidade da barreira mucosa no recém-nascido.


Figura 25- Material de biópsia do intestino delgado em microscopia eletrônica mostrando na figura superior duas células intestinais adjacentes submetidas à perfusão com o marcador macromolecular Horseradish peroxidase representado pela imagem enegrecida confinada à região das microvilosidades (V), L mostra o lumen intestinal. Observar o espaço intercelular (seta) totalmente preservado e a mitocôndria (M) intacta. Na figura inferior resultante da perfusão com sais biliares secundários observa-se que o marcador macromolecular provoca uma ruptura no poro intercelular e a imagem enegrecida estende-se ao longo de todo o espaço intercelular (seta). No detalhe podem ser observadas alterações importantes nas organelas com inchaço e degeneração da mitocôndria (M) e do aparelho de Golgi (G).

Referências Bibliográficas

23. Teichberg, S. e cols., Pediatr Res 1983; 17: 381-389.

24. Lifshitz, F., Excerpta Medica 1984; 131-40.