segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Esofagite Eosinofílica: manejo dietético e nutricional (Resumo do Work Report of the American Academy of Alergy, Asthma and Immunology) (parte 2)

J Allergy Clin Immunol Pract 2017;5:312-24

Ulysses Fagundes Neto

Implementação da terapia da dieta de eliminação

Passo #1: Avaliação do estado nutricional

É de suma importância rastrear os potenciais riscos nutricionais antes de se iniciar a implementação da prescrição dietética. Por esta razão, a avaliação inicial do profissional da saúde deve, portanto, incluir a obtenção e a interpretação dos dados das medidas antropométricas prévias, incluindo a análise da curva de crescimento e do peso, utilizando-se uma tabela de referência confiável (Gráficos de crescimento e peso da OMS para lactentes, crianças pré-escolares, escolares e adolescentes), história dietética, história médica prévia, exame clínico detalhado, e, quando necessário a realização de exames laboratoriais.

Passo #2: Eliminação dos antígenos alimentares

A leitura dos rótulos dos produtos alimentares industrializados é de fundamental importância para garantir a efetiva eliminação da dieta dos alimentos considerados alergenos.

Nos Estados Unidos, os principais alimentos considerados alergênicos que devem fazer parte inicialmente da dieta de eliminação empírica são: leite animal, soja, trigo, ovo, peixe e frutos do mar, frutas oleaginosas e amendoim. Por outro lado, na Europa, além destes alimentos devem ser acrescentados os seguintes: tremoço, aipo, sésamo e mostarda.

Muito embora ainda não tenham sido determinados os níveis limiares de exposição aos alergenos que possam vir a desencadear a EEo, os pacientes devem ter o conhecimento do risco potencial de exposição a certos alergenos por contato cruzado no ambiente doméstico ou quando fazem as refeições em ambiente externo. O uso de utensílios compartilhados, condimentos, superfícies cortantes, equipamentos de cozinha ou aparelhos de cozinha podem ser fatores involuntários de exposição a fontes de alergenos, bem como as áreas de serviço dos alimentos devido aos riscos de que venham a respingar nos alimentos da dieta.

Outro aspecto de importância na alimentação diz respeito a garantia de que os alimentos que venham a ser substituídos o sejam por outros que preencham as necessidades nutricionais dos pacientes sem provocar quaisquer prejuízos indesejáveis (Tabela 3).
 
Tabela 3 - Nutrientes em alimentos comumente eliminados  durante a terapia de eliminação dietética.

Passo #3: Individualizar o cardápio para atender as necessidades nutricionais na dieta de eliminação

O planejamento da adequação nutricional com os alimentos da dieta de eliminação deve ser o principal objetivo de aconselhamento alimentar o qual deve ser alcançado por meio da incorporação de quantidades suficientes dos alimentos substitutos (Tabela 2). Todo alimento fornece um grupo específico de nutrientes (Tabela 3), e, quando estes são eliminados da dieta devem ser substituídos por alimentos nutricionalmente enriquecidos. Desde que bem tolerados alimentos enriquecidos, tais como, carnes, grãos integrais e/ou cereais fortificados no desjejum, vegetais verdes/amarelos e sementes podem ser acrescidos na dieta para reforçar a ingestão de nutrientes. Os requerimentos nutricionais de cada paciente devem ser determinados e devem ser direcionados para alcançar um equilíbrio nutricional apropriado, incluindo neste caso o estímulo para que seja ingerida uma extensa variedade de alimentos (Tabelas 4 e 5).

Tabela 4- Tipo e volume dos alimentos incluidos na dieta das crianças.

Tabela 5-Tipo e volume dos alimentos incluidos na dieta dos adultos. 

A reintrodução dos alimentos: a vida depois da dieta de eliminação inicial

No caso da utilização da terapia da dieta de eliminação comprovar-se exitosa, ou seja, resultar em remissão clínica e histológica da EEo, é aconselhável optar-se pela reintrodução sequencial dos alimentos, um de cada vez, quando aqueles alimentos eliminados forem acrescentados novamente à dieta do paciente. É recomendável nesta reintrodução adicionar um alimento ou grupo de alimentos de cada vez mantendo uma constante vigilância para detectar uma possível ocorrência do surgimento de sintomas de recidiva. O objetivo maior desta reintrodução sequencial de alimentos reside na possibilidade de determinar qual ou quais alimentos são os verdadeiros deflagradores da EEo. Embora, como até o presente momento as recomendações de reintrodução dos alimentos ainda não tenham sido padronizadas, deve ser considerada a possibilidade da realização de biópsias esofágicas seriadas após cada reintrodução como parte do manejo dos pacientes com EEo, posto que o surgimento dos sintomas isoladamente ou a realização da endoscopia sem a obtenção da biópsia não podem ser consideradas como uma medida acurada da atividade da enfermidade. O procedimento acima mencionado permite identificar com maior grau de certeza o alimento ou alimentos desencadeadores da EEo e, por isso, possibilita a manutenção na dieta outros alimentos não ofensores e elimina apenas aqueles que provaram ser os desencadeadores, o que provê potencialmente um melhor desfecho nutricional.

Baseados em estudos retrospectivos é reconhecido que leite, ovo, trigo, e soja são os alimentos mais provavelmente responsabilizados pela deflagração da recidiva da EEo, e, portanto, deve-se considerar que a reintrodução destes alimentos se dê em estágios mais tardios dos ensaios dietéticos. No caso do surgimento de recidiva, quando for possível identificar o agente provocador da mesma, o alimento causador do problema deve ser retirado da dieta por um tempo prolongado ou mesmo definitivamente.

Vale a pena enfatizar que embora a realização de biópsias seriadas do esôfago seja o único caminho para se ter a certeza que um determinado alimento é ou não o deflagrador da EEo, na maioria das vezes este tipo de intervenção não é possível ser executada na prática médica diária ou mesmo pode não ser desejável. No presente momento, nos casos em que as endoscopias não possam ser rotineiramente realizadas a única ferramenta validada para avaliar a resposta ao tratamento clínico é a Pediatric Eosinophilic Esophagitis Symptom Score versão 2.0 (J Allergy Clin Immunol 2015;135:1519-28.e8). Este questionário obtém de forma efetiva os sintomas relatados pelos pais das crianças com idades que variam de 2 a 18 anos.

Conclusões

A terapia dietética de eliminação tem sido demonstrada eficiente para induzir a remissão da enfermidade na maioria dos pacientes com EEo. Ela também oferece uma potencial efetividade para o tratamento da EEo a longo prazo. Entretanto, dietas de eliminação não são isentas de risco e podem ter um impacto negativo sobre o estado nutricional, o prazer pela comida e o bem-estar geral do paciente e sua qualidade de vida. Seguindo-se uma orientação adequada e uma monitoração vigilante, os potenciais impactos negativos serão minimizados de tal forma que os pacientes poderão se beneficiar desta opção sem a necessidade de auxílio medicamentoso.

Nota de Ulysses Fagundes Neto: na minha experiência clínica tratando pacientes com EEo das mais variadas idades, desde pré-escolares até mesmo idosos, tenho sempre optado como tratamento inicial a associação da terapia de eliminação dos 6 alimentos associada ao uso de uma droga inibidora da bomba de próton e budesonida por pelo menos 3 meses. Devo afirmar que tenho obtido remissão total, clínica e histológica, em 100% dos casos, e, a partir desta etapa passo a diminuir a dose da budesonida até a sua eliminação completa, e, ao mesmo tempo proponho o início gradual e sequencial da reintrodução dos alimentos retirados da dieta.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Esofagite Eosinofílica: manejo dietético e nutricional (Resumo do Work Report of the American Academy of Alergy, Asthma and Immunology)

J Allergy Clin Immunol Pract 2017;5:312-24

Ulysses Fagundes Neto

Introdução

Esofagite Eosinofílica (EEo) trata-se de uma enfermidade crônica/antígeno-imune mediada caracterizada clinicamente por sintomas relacionados à disfunção esofágica e histologicamente por inflamação predominantemente eosinofílica (Figuras 1 e 2).


Figura 1- Imagens endoscópicas das lesões observadas na EEo: 1- à esquerda, presença de traqueização do esôfago com formação de arcos concêntricos; 2- à direita, erosão esofágica, presença de sulcos e placas esbranquiçadas.


Figura 2- Aspecto microcópico da mucosa esofágica na EEo evidenciando intenso infiltrado eosinofílico na mucosa (esquerda) e formação de abcessos eosinofílicos (direita).

O tratamento da EEo tem por objetivos a resolução dos sintomas e o desaparecimento da inflamação eosinofílica, a manutenção da remissão da enfermidade para prevenir suas principais complicações, ou seja, a estenose e/ou fibrose esofágica, a prevenção e a correção de possíveis deficiências nutricionais, prevenção das complicações relacionadas ao tratamento e a manutenção da qualidade de vida (Qol).

O tratamento dietético à base da eliminação de determinados alimentos da dieta tem demonstrado ser eficaz para alcançar ambas as remissões, clínica e histológica, em crianças e adultos, e também para oferecer uma remissão a longo prazo desprovida do risco dos efeitos colaterais relacionados às medicações.

Entretanto, a terapia dietética apresenta uma série de desafios, posto que não há testes laboratoriais que permitam identificar os potenciais deflagradores alimentares, porém, sua implementação torna-se viável ao seguir determinados guias dietéticos. Para poder contornar essas dificuldades este Work Group tem por objetivo salientar os potenciais desafios para se colocar em prática a terapia dietética eleita para o manejo da EEo, bem como oferecer guias para sua efetiva implementação pelos profissionais de saúde que cuidam das crianças e adultos portadores da EEo.

Opções de tratamento dietético

No caso de se eleger uma terapia dietética, é recomendado ao médico decidir se irá utilizar uma dieta de eliminação contra um determinado alvo ou então empírica, ou mesmo o emprego de uma dieta elementar, para o êxito da terapia na EEo.

Dieta Elementar

A dieta elementar (DE) consiste em uma fórmula baseada em amino-ácidos livres desprovida de proteínas intactas ou mesmo peptídeos, e tem sido demonstrada eficaz para levar a remissão dos sintomas da EEo na maioria dos casos. Na Tabela 1 estão listadas as DEs disponíveis no mercado e seus respectivos fabricantes. Vale salientar que estas fórmulas a despeito do seu alto grau de eficácia apresentam como óbice pelo menos 2 aspectos que precisam ser considerados, a saber: 1- a baixa palatabilidade, e 2- seu alto custo. Para contornar a baixa palatabilidade é possível adicionar algum sabor, como por exemplo, extrato de baunilha. Entretanto, antes de se optar pela utilização da DE é necessário adequá-la para atender as necessidades individuais de energia, proteínas, vitaminas e minerais (Tabelas 1 e 2).


O uso da DE por tempo prolongado é muito difícil de ser mantida, e, portanto, não é a melhor escolha como uma terapia crônica. A DE pode ser de grande utilidade como uma terapia inicial para estimular os pacientes a entrar em remissão da enfermidade e, posteriormente, ser seguida da introdução de novos alimentos. Vale enfatizar que na maioria das vezes para se poder alcançar as necessidades nutricionais pelo uso da DE é necessário lançar mão da alimentação via naso-jejunal ou gastrostomia.

Dieta de eliminação empírica

A eliminação empírica dos principais alergenos da dieta sem a necessidade de se realizar quaisquer testes laboratoriais, tais como o prick test, patch test ou mesmo a determinação da IgE sérica específica contra determinados alergenos, representa outra estratégia de tratamento dietético. Kagalwalla e cols. (2011) realizaram estudo retrospectivo em crianças baseado na dieta de eliminação empírica de 6 alimentos, a saber: leite e derivados, soja, ovo, trigo, peixe e frutos do mar, e os frutos oleaginosos. Os autores relataram remissão histológica em 74% dos casos. Durante a investigação os autores encontraram, por meio de um processo de reintrodução sequencial dos alimentos acompanhados de repetidos estudos da histologia esofágica após cada introdução de um determinado alimento, a recidiva das lesões nos seguintes percentuais, a saber: leite 74%, trigo 26%, ovo 17%, soja 10% e amendoim 6%.
    
Dieta de eliminação baseada em teste dirigido

A dieta de eliminação baseada em teste dirigido é guiada por uma combinação de resultados advindos dos skin prick test, patch test e IgE específico contra determinados alergenos. É importante enfatizar que ainda que estes testes resultem positivos não são suficientes para caracterizar o diagnóstico dos alimentos que deflagram a EEo.

Uma importante ressalva deve ser feita com relação aos testes de atopia alimentar, pois estes testes não foram padronizados e nem tampouco validados em pacientes com EEo, fato este que requer investigações futuras. Deve-se salientar que a ocorrência de testes positivos não significa necessariamente que estes possíveis alimentos com positividade sejam os responsáveis pela deflagração da EEo. Além disso, Van Rhijn e cols. não encontraram uma associação entre determinados alimentos identificados por estes testes e a exacerbação da enfermidade. Por esta razão o único caminho de certeza para se saber que um determinado alimento é um fator desencadeante da EEo é por meio da remissão dos sintomas e da normalização histológica do esôfago quando este alimento suspeito é retirado da dieta, seguido de recidiva dos sintomas e das alterações histológicas quando este mesmo alimento é reintroduzido na dieta.

Entretanto, tanto a utilização da dieta empírica de eliminação dos alimentos quanto a dieta de eliminação baseada em teste dirigido apresentam uma vantagem sobre o uso da DE pois ao se eliminar os alimentos específicos que provocam os sintomas, possibilita-se que todos os outros alimentos não causadores das lesões esofágicas sejam oferecidos aos pacientes.

Desafios da terapia de eliminação dos alimentos

Qualquer que seja a escolha da dieta de eliminação, a terapia dietética requer uma rigorosa vigilância posto que os pacientes com EEo podem se encontrar em alto risco nutricional, tanto antes de se iniciar a terapia dietética quanto após a subsequente remoção dos múltiplos alimentos da dieta. Mukkada e cols. avaliaram 200 crianças com idade média de 34 meses (variação de 14 a 113 meses) com EEo e encontraram que 16,5% deles apresentavam transtornos alimentares importantes, incluindo recusa alimentar, baixa ingestão de variedade e volume, pouca aceitação de novos alimentos, rechaço dos alimentos e padrões inconsistentes de alimentação.

Por outro lado, em adultos os sintomas mais frequentes dizem respeito à dificuldade para ingerir alimentos sólidos, sendo o principal deles a impactação esofágica o que obriga a retirada endoscópica do alimento impactado, complicação que pode ocorrer em até 50% dos pacientes. Outros sintomas menos frequentes que dificultam a ingestão alimentar devem-se a queixas, tais como, dor torácica retro- esternal, queimação torácica e dor abdominal.

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Kombucha: um probiótico que pode ser produzido de forma artesanal


Walkyria Maria Fagundes1, Ygor Lopes1
Ulysses Fagundes Neto

Neste texto optamos por tratar de um tema extremamente interessante e atual, a Kombucha. Esta novidade, aprendemos durante nossa viagem de especialização1 recentemente realizada à Espanha, mais precisamente no setor de pesquisa e desenvolvimento do restaurante Nerua Guggenheim Bilbao*, no País Basco.  No presente momento, conseguimos desenvolver três tipos com diferentes sabores de Kombucha e já estamos fazendo testes com outras variedades.

Figura 1- Parte da produção da UI Cuisine.

No entanto uma pergunta inicial se impõe, afinal, o que é e de onde veio a Kombucha? É uma bebida probiótica, originalmente derivada de chás e infusões, levemente doce e ácida, gerada pela transformação do açúcar em ácido acético, processo de fermentação, por uma simbiose (SCOBY) de bactéria e levedura.  Os primeiros registros da Kombucha são por volta de 220 AC, na Ásia. Entretanto, apenas por volta de 414 DC, o físico Kombu levou a bebida ao Japão, com o objetivo de prevenir problemas do sistema digestivo do imperador Inkyo.

O que é SCOBY (Symbiotic Culture of Bacteria and Yeast)? Trata-se de uma estrutura multicelular, que no caso é formada por acetobactérias, gluconacetobacterias e leveduras (Saccharomyces e Zaygosaccharomyces), as quais possuem uma relação de benefício mútuo.  A levedura desenvolve uma reação química entre sacarose (açúcar comum) e água gerando gás carbônico e álcool. A bactéria, por sua vez, utiliza esses produtos para produzir oxigênio e ácido acético.

Figura 2- Esquema prático da produção do SCOBY

Quais são as vantagens de beber Kombucha

Além de ser uma bebida desintoxicante e energizante, ela é supostamente considerada eficaz como coadjuvante no tratamento de diversas síndromes que afetam os seres humanos. Por outro lado, não há, até o presente momento, comprovações científicas definitivas a respeito desta potencial eficácia para todas as situações propostas, porém sabe-se que não existem quaisquer contraindicações ao seu uso, nem tão pouco há descrições da ocorrência de efeitos colaterais indesejáveis. Ainda assim, admite-se que os probióticos apresentam benefícios para uma série de situações clínicas que envolvem o trato digestivo.

Como fazer uma Kombucha

Primeiramente é necessário ter uma Kombucha inicial, o que chamamos de starter ou mother. Hoje em dia é muito fácil encontrar uma, há quem venda pela internet ou quem não se incomoda em doar.  O meio mais rápido de desenvolvimento da Kombucha é o chá preto ou vermelho, pois ambos possuem um tanino mais desenvolvido que catalisa as reações do SCOBY, ou seja, é sempre aconselhável começar por uma dessas opções. Como foi dito anteriormente, a sacarose é um dos elementos indispensáveis para o processo químico. Tendo em vista que o chá não possui açúcar, é necessário adicioná-lo (120gr para cada litro de solução). Uma vez que o chá esteja pronto, adoçado e à temperatura ambiente (não pode passar de 35°C, caso contrário o starter pode morrer), adiciona-se o SCOBY (100g para cada litro, sendo 50g da estrutura multicelular e 50g de líquido já fermentado). Agora, é só cobrir o recipiente com um pano para que esteja protegido e permita a passagem de oxigênio. Deve-se deixar incubando à temperatura ambiente por alguns dias (de 7 a 10 dias) até alcançar o ponto de acidez desejado.  Nesta ocasião, separa-se a estrutura multicelular e uma porção do líquido fermentado (o que veria a ser o starter de uma próxima Kombucha) e, quanto ao líquido restante há duas alternativas possíveis, a saber: 1) pasteurizar aquecendo-o; e 2) engarrafá-lo sem pasteurizar e guardá-lo no refrigerador. Nesse último caso, a reação da levedura continuará lentamente, mas por falta de oxigênio a bactéria não consumirá o álcool e o gás carbônico, ou seja, obter-se-á uma bebida levemente alcoólica (de 0,5% a 1,0%) e gasosa.

Figura 3- Etapas esquemáticas da produção da Kombucha

Problemas que podem ocorrer

1- A bebida está muito doce: nesse caso, faltou tempo de fermentação. Da próxima vez prolongue este processo. A fermentação é mais rápida em dias quentes e mais lenta em dias frios.

2- A bebida está muito ácida: nesse caso, ocorreu um excesso de fermentação. Da próxima vez deixe menos tempo.

3- O SCOBY afundou: em alguns casos isso pode acontecer, porém, usualmente depois de algum tempo ele sobe e flutua, ou então, um novo SCOBY se desenvolve. Caso nenhuma das duas opções acontecer, provavelmente seu starter estava morto e não tem mais utilidade, portanto deve ser desprezado.

Conclusões

Do acima exposto se depreende que desenvolver um probiótico doméstico é extremamente fácil e barato. Desta forma seguindo esta conduta poder-se-á ter no domicílio por tempo prolongado um probiótico sem a necessidade de se despender gastos na compra de probióticos produzidos e vendidos pela indústria farmacêutica.

PS- Para maiores informações sobre este tema e quaisquer outros relacionados à gastronomia consulte o site abaixo


quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Doença Celíaca, Alergia ao Trigo e Síndrome da Intolerância ao Trigo (parte 2)

               Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

Alergia ao Trigo

Um segundo transtorno bem conhecido relacionado à ingestão de glúten em crianças e adultos é a alergia ao trigo, também identificado pela denominação de “Asma do Padeiro”. O trigo é de fato um alérgeno alimentar bastante comum e nos indivíduos predispostos pode induzir uma resposta alérgica tipicamente por um fenômeno IgE mediado, uma reação de hipersensibilidade imediata. Nas crianças pré-escolares e escolares, as reações IgE mediadas pelo trigo podem incluir sintomas gastrointestinais, tais como: náuseas, vômitos, dor abdominal e diarreia. Entretanto, diferentemente do que ocorre na DC o surgimento dos sintomas é geralmente mais rápido, dentro de minutos ou horas após a ingestão do trigo, e pode também incluir envolvimento de órgãos extra-intestinais, tais como a pele (com sintomas de eritema, prurido, urticária) e o sistema respiratório (com sintomas que incluem tosse, sibilos e rinorreia). Anticorpos IgE específicos para o trigo surgem dentro dos dois primeiros anos de vida, mas diferentemente da DC, que é um transtorno permanente, a maioria das crianças a médio e/ou longo prazo, virão a tolerar o trigo, muito embora a alergia possa persistir até a adolescência em uma ínfima minoria de pacientes. Para se estabelecer o diagnóstico de alergia ao trigo é necessária a obtenção de uma detalhada história clínica associada a investigações laboratoriais, e, em muitos casos, é até mesmo necessária a realização de um teste de provocação oral com o trigo. 

Síndrome de Intolerância ao Trigo

A Síndrome da Intolerância ao Trigo (SIT) também reconhecida como a “Sensibilidade ao Glúten sem Doença Celíaca” (SGSDC) refere-se aos indivíduos que relatam sintomas digestivos e/ou extra intestinais, os quais desaparecem quando o trigo é eliminado da dieta. Estes indivíduos apresentam recidiva dos sintomas quando o trigo é reintroduzido, não apresentam atrofia vilositária da mucosa duodenal, e nos quais foram descartadas DC e AL.

Ellis e Linaker, em 1978, publicaram o caso de uma paciente que se queixava de diarreia e dor abdominal intermitente. A investigação laboratorial não mostrou anormalidades à biópsia do intestino delgado, mas apesar de não ter sido caracterizada a DC, ela foi submetida a uma dieta isenta de glúten, a qual levou ao desaparecimento dos sintomas. Esse foi, ao que tudo indica, o primeiro caso cientificamente reconhecido de SGSDC.

Seguindo-se a essa observação, Cooper e cols., na Suécia, em 1988, publicaram esta síndrome envolvendo 8 mulheres adultas, que sofriam de dor abdominal e diarreia crônica. As investigações laboratoriais excluíram DC, porém, ainda assim, elas foram submetidas a uma dieta isenta de glúten. As pacientes apresentaram uma melhora clínica dramática com o uso da dieta isenta de glúten, e ao serem desafiadas com glúten ocorreu retorno dos sintomas. Biópsias de jejuno realizadas nessas pacientes evidenciaram pequenas, porém significantes alterações na celularidade, que regrediram com a utilização da dieta isenta de glúten. Nenhuma outra alteração imunológica ou clínica que sugerisse DC foi encontrada.

Desde então, a SGSDC permaneceu no esquecimento, e, somente foi “redescoberta” em 2010, por Sapone e cols. Estes autores caracterizaram-na pela presença de sintomas intestinais e extra intestinais relacionados com a ingestão de alimentos contendo glúten em indivíduos que não sofriam de DC ou AT. Sapone e cols., realizaram biópsia de intestino delgado em pacientes com SGSDC e demonstraram mínimas alterações da mucosa jejunal (Marsh 0-1), enquanto que nos celíacos ocorreu atrofia vilositária subtotal e hiperplasia críptica. A partir deste novo relato da SGSDC, rapidamente um número cada vez maior de artigos passaram a ser publicados, por inúmeros grupos independentes, confirmando que a SGSDC deveria ser definitivamente incluída no espectro dos transtornos relacionados ao glúten. A SGSDC é uma entidade clínica na qual os sintomas são desencadeados pela ingestão do glúten, na ausência de anticorpos celíacos específicos e da clássica atrofia vilositária do intestino delgado observada na DC, com condição variável do HLA e possível positividade da primeira geração de anticorpos antigliadina IgG (AGA) (56,4%). Por outro lado, a prevalência de IgA AGA nos pacientes com SGSDC tem se revelado muito baixa (7,7%). É importante salientar que os melhores marcadores sorológicos (anticorpo antitransglutaminase e antiendomisio) para DC têm sempre se revelado negativos nos pacientes com SGSDC. Entretanto, os mais diversos aspectos da epidemiologia, fisiopatologia, espectro clínico e tratamento da SGSDC ainda permanecem obscuros. Vale ressaltar que até o presente momento não se tem conhecimento dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos na gênese desta entidade e nem tampouco encontra-se disponível um marcador bioquímico que possibilite caracterizar seu diagnóstico laboratorial. Os esclarecimentos destes aspectos até o momento não elucidados deverão ser alcançados através de investigações clínicas e laboratoriais utilizando metodologia científica reconhecidamente válida, através de estudos multicêntricos e prospectivos envolvendo a SGSDC. O diagnóstico deste transtorno nutricional se estabelece por meio do teste de provocação que preferentemente deve ser realizado pela técnica duplo-cego, placebo-controlada, o que na prática clínica torna-se extremamente difícil de ser aplicada.

A manifestação clássica da SGSDC é uma combinação de sintomas similares aos observados na Síndrome do Intestino Irritável (SII) incluindo dor abdominal, flatulência, alterações do hábito intestinal (diarreia ou constipação), e manifestações sistêmicas tais como, confusão mental, cefaleia, cansaço, dores musculares e nas articulações, dermatite, depressão e anemia. Quando os pacientes são atendidos em uma clínica especializada, muitos deles espontaneamente relatam uma relação causal entre a ingestão de alimentos contendo glúten e o agravamento dos sintomas. Nas crianças, a SGSDC manifesta-se tipicamente por meio de sintomas gastrointestinais, tais como, dor abdominal e diarreia crônica; manifestações extra intestinais parecem ser menos frequentes nas crianças, e nestas últimas o sintoma mais comum tem sido cansaço.
Vasquez-Roque e cols., em 2013, demonstraram que pacientes não celíacos portadores da SII com predominância da variante diarreia, podem desenvolver sintomas gastrointestinais após a ingestão de glúten. Estes pacientes ao receberem uma dieta contendo glúten apresentaram maior número de evacuações por dia, particularmente aqueles cujo genótipo era HLA-DQ2 e/ou DQ8. A dieta contendo glúten mostrou-se associada com um aumento da permeabilidade do intestino delgado e uma significativa diminuição na expressão da zonula ocludens 1 da mucosa colônica. Estes efeitos foram significativamente maiores nos pacientes HLA-DQ2 e DQ8 positivos. Por outro lado, pacientes que receberam dieta contendo glúten versus aqueles que receberam dieta isenta de glúten, não apresentaram alterações significativas sobre o trânsito gastrointestinal ou na morfologia do intestino delgado. Os autores concluíram que o glúten provoca ruptura da barreira de permeabilidade intestinal nos pacientes com SII com diarreia, particularmente naqueles HLA-DQ2 e DQ8 positivos. As alterações na barreira de permeabilidade intestinal permitiram oferecer explanações mecânicas a respeito das observações de que a retirada do glúten da dieta pode provocar alivio dos sintomas nos pacientes portadores de SII com diarreia.

Por outro lado, Biesiekierski e cols., em 2013, investigando pacientes portadores de SII com diarreia demonstraram que as alterações do hábito intestinal se deviam principalmente à presença de carboidratos fermentáveis não absorvíveis na dieta. Ao eliminar essas substâncias, porém, ainda que mantivessem ingerindo alimentos contendo glúten ocorria um alívio dos sintomas digestivos. Esses autores passaram a utilizar a sigla FODMAPs (fermentable oligosaccharides, disaccharides, monossaccharides and polyols), que significa carboidratos fermentáveis não absorvíveis, em especial os frutanos. Frutanos são polímeros da frutose sintetizados a partir da sacarose e que ocorrem na natureza no mundo vegetal em inúmeros alimentos comumente utilizados na dieta ocidental. Essas substâncias não são digeridas e consequentemente não são absorvidas pelo trato digestivo do ser humano. Alcançam o intestino grosso e aí são fermentadas pelas bactérias da flora colônica, sendo transformadas em ácidos graxos voláteis de cadeia média e curta (acético, butírico e propiônico) com alto poder osmótico, bem como acarretando a produção de gases (Metano, Dióxido de Carbono e Hidrogênio). A presença destas substâncias no lúmen intestinal provoca flatulência, dor abdominal e diarreia, em especial nos pacientes portadores de SII (Figura 4).

Figura 4- Representação esquemática das manifestações clínicas.

O trigo é a maior fonte dietética de frutano, e este, além do glúten, é um aspecto que deve ser levado em consideração como mais um fator potencial causador de sintomas, posto que o trigo está presente em praticamente todas as refeições tradicionais do mundo ocidental, tais como: pães, cereais, macarrão, bolos, biscoitos e etc. Vale salientar que, além do trigo os frutanos estão presentes em inúmeros outros alimentos de uso comum em nossas dietas, tais como: feijão, feijão branco, grão de bico, ervilha, lentilha, banana, cebola, alho, repolho, alho poró e etc.  Por esta razão, Biesiekierski e cols. propõem que nos pacientes portadores de SII com diarreia e intolerantes aos frutanos seja utilizada uma dieta restritiva destes alimentos (Figura 5).

Figura 5- Representação esquemática da má absorção de frutose. 

Recentemente, o grupo australiano liderado por Halmos e cols., em 2014, ao realizar um ensaio clínico controlado e randomizado demonstraram que reduzindo a ingestão de carboidratos de cadeia curta, que são de muito baixa absorção e/ou oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis (Fermentable oligosaccharides, monosaccharides and polyolsFODMAPS) reduziram significativamente a intensidade dos principais sintomas nos pacientes portadores da SII (Figura 6).


Figura 6- Paciente portadora da SIT antes e após a retirada dos FODMAPs da dieta.
  
A hipótese de que a redução da ingestão dos FODMAPS pode aliviar os sintomas digestivos nos pacientes portadores da SII baseia-se na observação clínica de que uma proporção significativa de pacientes não tolera a ingestão de carboidratos de cadeia curta. Estes carboidratos não são totalmente absorvidos no intestino delgado devido a um deficiente processo de hidrólise (lactose-lactase), excesso de frutose em relação a glicose, ou difusão passiva (alguns monossacarídeos e os polióis). Vale ressaltar que além destes carboidratos, os Frutanos tipo inulina não são absorvidos no intestino delgado e sim fermentados no intestino grosso pela flora bacteriana, e acarretam os seguintes efeitos, a saber: a) sobrecarga osmótica; b) aumento da produção de ácidos graxos de cadeia curta, H2, CO2 e metano pela microflora colônica; c) alteração da motilidade, pois aceleram o trânsito intestinal.

Infelizmente, devido à falta de parâmetros diagnósticos objetivos torna-se difícil conhecer a verdadeira prevalência da SIT. Utilizando-se critérios um tanto quanto subjetivos admite-se que a prevalência da SIT alcança 13% no Reino Unido, 7,3% na Austrália e 0,6% nos Estados Unidos.

Atualmente, a inexistência de marcadores biológicos dificulta sobremaneira estabelecer os critérios diagnósticos da SIT, muito embora como anteriormente referido a presença de anticorpos anti-gliadina estejam presentes com maior frequência neste grupo de pacientes do que em controles sadios, porém sem outras alterações laboratoriais concomitantes. É importante assinalar que o diagnóstico da SIT somente pode ser estabelecido após uma detalhada investigação clínica e laboratorial ter sido consistente para descartar DC.

O tratamento baseia-se fundamentalmente na eliminação do trigo da dieta, porém, a maioria dos pacientes responde de forma altamente positiva quanto ao alívio dos sintomas quando são submetidos a uma dieta com baixo teor dos FODMAPS (Tabela 3).


  
Conclusões

O espectro dos transtornos relacionados ao “glúten” atualmente engloba a DC, a AL e também a recém-chegada SIT.

A DC acha-se muito distante de ser uma enfermidade estática como se pensava ser há 20 ou 30 anos. Atualmente, está se tornando um campo extremamente excitante com novos fluxos de conhecimento, a saber: o papel da genética está sendo melhor compreendido, fatores ambientais, em especial a microbiota, estão sendo revelados, novas propostas de tratamento alternativo estão sendo buscadas e, até mesmo, já há alguma luz no horizonte quanto à perspectiva de cura.

O interesse global na SIT tem se revelado explosivo como pode ser constatado pela pletora das publicações científicas de revisões, editoriais, e a florescente opinião de experts, ao mesmo tempo em que há um enorme interesse na imprensa leiga, sem precedentes, que tem causado uma maciça onda em todo o mundo ocidental dos seguidores das dietas isentas de glúten. Apesar da existência da SIT ser inquestionável, muito trabalho ainda deve ser trilhado para se obter um melhor conhecimento e mais profunda compreensão científica desta entidade. Principalmente a busca de marcadores biológicos precisa ser desvendada, para que se possa ter um diagnóstico de certeza mais confiável em breve futuro. Estamos, portanto, vivendo momentos de muita excitação e muito mais estará por vir!!! 

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Doença Celíaca, Alergia ao Trigo e Síndrome da Intolerância ao Trigo (parte 1)

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

Introdução

Desde a primeira descrição da Doença Celíaca (DC) realizada por Samuel Gee, em 1888, e posteriormente com “a descoberta miraculosa” de que o pão é o responsável por esta entidade clínica, em seguida à Segunda Guerra Mundial na Europa, por Dicke, em 1950, tem havido um crescimento exponencial do conhecimento a respeito da DC. Entretanto, quando se pensou que já se havia esgotado todo o arsenal de conhecimentos a respeito da DC, novos desafios têm surgido com relação às suas formas de apresentação e de manifestação. Isto porque estas expressões clínicas têm sofrido significantes modificações ao longo dos anos, desde casos que se apresentam com sintomas gastrointestinais floridos, desnutrição e atrofia das vilosidades do duodeno à biópsia, como até mesmo situações cada vez mais frequentes, cujos casos se apesentam com manifestações extra intestinais, sutis ou sintomas leves.  Conjuntamente com essas modificações, surgiu, há alguns anos, de forma inesperada, uma nova entidade paralela, a qual vem pouco a pouco ganhando terreno, a assim chamada Sensibilidade ao Glúten sem Doença Celíaca (SGSDC).  É praticamente consenso universal que esta é uma denominação impropria, porque na verdade ela deve ser referida como a Síndrome da Intolerância ao Trigo (SIT), posto que o papel do glúten em todos os tais casos, está longe de ser demonstrado, e o possível envolvimento de um componente imunológico associado, sugerido pelo termo “sensibilidade”, até o presente momento, não foi encontrado. Finalmente, o trigo também pode ser um fator agressor por meio de alergia IgE mediada, cuja ocorrência necessita ser avaliada e descartada em casos suspeitos. Desta forma, o clínico na sua prática diária está, portanto, sendo constantemente desafiado para a tarefa de discriminar quais pacientes necessitam ser avaliados para uma ou para outra dessas entidades clínicas, bem como definir qual a melhor conduta a ser tomada. 

Doença Celíaca

A DC trata-se de uma enfermidade autoimune desencadeada pela ingestão de glúten, que é o maior estoque proteico do trigo, centeio e cevada, em indivíduos com predisposição genética para tal, ou seja, aqueles que apresentam o complexo genético HLA (Antígeno de Histocompatibilidade Leucocitária) classe II com genótipos definidos por DQ2 e DQ8, que levam à inflamação da mucosa do intestino delgado. Vale referir que este complexo genético está presente em cerca de 40% a 50% da população geral, mas somente 3% a 5% deste universo desenvolve a DC.

O glúten é um complexo proteico heterogêneo.  As frações do glúten que são tóxicas para os celíacos constituem-se em uma mistura de proteínas solúveis em álcool denominadas gliadinas. As gliadinas são ricas em resíduos de glutamina e prolina, as quais mesmo no intestino humano sadio não são totalmente digeridas. Como resultado os peptídeos intactos da gliadina permanecem no lúmen intestinal e alguma porção deles atravessa a barreira de permeabilidade intestinal. Estes fragmentos entram em contato com a enzima intracelular denominada transglutaminase tecidual, a qual deamida estes fragmentos, acarretando uma modificação na sua forma e aumentando sua carga negativa. Os peptídeos modificados são então capturados pelas moléculas de HLA DQ2 e/ou DQ8, as quais são expressas na superfície das células apresentadoras de antígeno, existentes na lâmina própria da mucosa do intestino delgado, e são apresentados às células T CD4+ que desencadeiam uma cascata de reações envolvendo ambas as imunidades, inatas e adaptativas, resultando como última etapa a lesão da mucosa do intestino delgado.

Uma grande variedade de apresentações clínicas tem sido descritas na DC, as quais incluem as “típicas”, “atípicas”, “silentes” e “potenciais”. A forma típica consiste no aparecimento de sintomas gastrointestinais enquanto que a forma atípica é caracterizada por sintomas predominantemente extra-digestivos (Tabela 1).




A forma silente da DC envolve pacientes assintomáticos com sorologia positiva e inflamação da mucosa duodenal obtida por biópsia, e, finalmente, a forma potencial da DC inclui pacientes com sorologia positiva, os quais podem ou não apresentar sintomas, mas não mostram inflamação intestinal à biópsia.

Vale ressaltar que a apresentação típica se mostrou como a mais prevalente no início e meados do Século XX, porém, parece ter ocorrido uma dramática modificação a partir dos anos 1980, com um desvio da forma clássica com sintomas predominantemente gastrointestinais, para maiores prevalências de apresentações atípicas e assintomáticas. Além disso, tem sido demonstrado que, em geral, as manifestações da DC têm se tornado mais leves e o agravo do ritmo do crescimento menos frequente. A razão para este desvio anda é incerto, mas pode ser em parte devido ao aumento do conhecimento da DC, o que tem resultado em sua detecção mais precocemente, e também pela realização com maior frequência de rastreamento em indivíduos de alto risco para DC (Tabela 2).


Quanto ao diagnóstico da DC, atualmente está universalmente recomendada a realização da sorologia do anticorpo anti-transglutaminase IgA (aTG) e a determinação da IgA sérica como primeira linha de rastreamento laboratorial, posto que esta enzima é altamente sensível. A determinação da IgA sérica torna-se necessária para garantir que o paciente é capaz de produzir a aTGIgA, posto que pacientes celíacos apresentam taxas mais elevadas de deficiência de IgA sérica do que a população em geral (2%) e, portanto, poderão apresentar resultados falsamente negativos para a determinação da aTGIgA. Caso esta circunstância ocorra deve-se determinar a aTGIgG e a DGPIgG, posto que ambos anticorpos podem ser marcadores úteis para a DC. Finalmente, para a certeza diagnóstica impõem-se a realização da biópsia do intestino delgado, preferentemente por obtenção de fragmentos ao nível do bulbo duodenal, por meio da Endoscopia Digestiva Alta (Figuras 1 e 2).

Figura 1- Lesão característica da DC: atrofia vilositária subtotal, transformação culboidal dos enterócitos e hipertrofia das glândulas crípticas.

Figura 2- Aspecto morfológico da mucosa do intestino delgado normal: vilosidades digitiformes, enterócitos cilíndricos com núcleo em posição basal e glândulas crípticas normais. Relação vilosidade/cripta 5:1.

As lesões características da DC são classificadas de acordo com os critérios propostos por Marsh, como está demonstrado na representação esquemática abaixo (Figura 3).

Figura 3- Representação esquemática dos critérios de Marsh.