segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (38)

Minha trajetória na carreira Acadêmica na Escola Paulista de Medicina (EPM) – Parte 4

A inédita experiência vivenciada no trabalho de campo na Favela Cidade Leonor (2)

Algumas áreas da favela dispunham de água encanada comunitária, mas nenhuma delas possuía rede de esgoto ou cisternas, os dejetos eram despejados diretamente no córrego, que veio a ser transformado em uma verdadeira fossa séptica a céu aberto (Figuras 6-7-8).


Figura 6- Vista aérea dos barracos margeando o córrego da Água Espraiada.


Figura 7- Visão do córrego da Água Espraiada repleto de lixo e alguns moradores, adultos e crianças nas suas imediações.


Figura 8- Visão do córrego da Água Espraiada e dos barracos erguidos às suas margens, servindo como uma verdadeira cloaca a céu aberto.


 Frequentemente podia-se observar crianças moradoras do local brincando nas águas do córrego (Figuras 9-10-11).




Figuras 9-10-11- Crianças moradoras da favela brincando dentro e às margens do córrego.


Uma vez conhecida a área de potencial futura atuação fui apresentado pelo Sr. Armando Borges aos dirigentes da Associação dos Favelados da Cidade Leonor. Fomos então recebidos por uma Comissão de moradores da comunidade para expor nosso plano de trabalho, que consistia em proporcionar assistência à saúde para a população pediátrica local, visando fundamentalmente contemplar ações assistenciais básicas tendo como retaguarda técnico-científica o Hospital São Paulo. Nossa proposta foi inteiramente acolhida pela comunidade e em seguida passamos a operacionalizar nossas atividades. Para executar nosso projeto contávamos com uma equipe constituída pelos nossos Pos-Graduandos e também envolvemos os próprios moradores da comunidade, em especial o sr. Henrique, líder político local, a sra. Magnólia, que era atendente de enfermagem, e o sr. Tuta, morador local que se voluntariou para participar do projeto. Inicialmente, tratamos de aproveitar a extraordinária experiência de trabalho de campo que eu havia obtido no Parque Indígena do Xingu, o que significava divulgar por toda a comunidade a existência do novo serviço de saúde totalmente gratuito. Para este fim, delimitamos geograficamente a área de abrangência da nossa atuação e juntamente com sr. Henrique visitei casa por casa para anunciar nossos serviços e convidar a população pediátrica a fazer uso dos mesmos. Em pouquíssimo tempo passamos a atender uma enorme clientela de crianças que 2 vezes por semana vinham ao barracão da Associação em busca de atenção à saúde (Figuras 13-14-15-16-17).


Figura 13- Nossa equipe de trabalho com os moradores locais: da esquerda para a direita Tuta, Magnólia e Henrique, com algumas crianças da comunidade.


Figura 14- A sede da Associação dos Favelados aonde funcionava nosso ambulatório.



Figura 15- Magnólia e eu revisando as fichas dos nossos pacientes.


 
Figura 16- Tuta após ser devidamente instruído tornou-se responsável por obter as medidas antropométricas dos nossos pacientes.


Figura 17- Dra. Márcia Kallas e a atendente Magnólia em atividade assistencial. 

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (37)

Minha trajetória na carreira Acadêmica na Escola Paulista de Medicina (EPM) – Parte 4

A inédita experiência vivenciada no trabalho de campo na Favela Cidade Leonor (1)

A partir das pesquisas realizadas nesta localidade resultou a descrição da Enteropatia Ambiental, a qual se tornou universalmente reconhecida na comunidade científica. 

Desde o início das atividades na nossa especialidade, nos anos 1970, o problema mais grave de saúde pública nos países chamados subdesenvolvidos, aí incluído o Brasil e praticamente todos os países da América Latina, em maior ou menor extensão, dizia respeito ao terrível binômio Diarreia-Desnutrição, responsável pelas altíssimas taxas de mortalidade infantil, bem como naquelas crianças menores de 5 anos. Tanto no nosso Ambulatório quanto na nossa Enfermaria de Pediatria do Hospital São Paulo, aonde eram internados os casos mais graves, a imensa maioria dos pacientes por nós atendidos, lactentes menores de 1 ano idade, apresentava queixa de diarreia crônica sempre acompanhada de algum grau de desnutrição, inclusive marasmo era bastante frequente ser observado. Por maiores que fossem nossos esforços para tratar adequadamente estes pacientes, esbarrávamos a miúde em um obstáculo praticamente intransponível, a persistência da diarreia associada à desnutrição. Naquela ocasião, por coincidência, começavam a surgir na literatura médica as primeiras publicações descrevendo as intolerâncias alimentares, em especial as intolerâncias aos carboidratos da dieta, mais especificamente a intolerância à lactose, que cursavam com diarreia crônica. Estas intolerâncias eram mais prevalentes em lactentes e crianças de baixa idade e acarretavam também agravo nutricional de variável intensidade, mas geralmente ocorriam em famílias de baixo poder econômico vivendo em condições desprovidas de saneamento básico e ausência de água potável. Todas estas particularidades eram idênticas a aquelas vistas em nossos pacientes, o que nos dava uma perspectiva de oferecer um tratamento dietético apropriado para superar o problema. Quando os pacientes encontravam-se internados conseguíamos debelar o processo diarreico e dar alta hospitalar com a prescrição de uma dieta especialmente por nós elaborada, a denominada Fórmula de Frango, composta por uma mistura de carne de frango, óleo de milho, glicose, polivitamínicos e Cálcio, visto que ainda não existiam no mercado brasileiro as fórmulas especiais atualmente disponíveis. Esta dieta era prescrita no momento da alta e os pacientes eram encaminhados para nosso Ambulatório de ex-internados, totalmente assintomáticos, para acompanhamento clínico da recuperação nutricional. Porém, para nossa surpresa, porque não dizer frustração, eles retornavam a miúde com a mesma queixa anterior, ou seja, diarreia associada a desnutrição. Diante desta nua e crua realidade decidimos por uma completa mudança de atitude, pois como não era possível obter o sucesso desejado pela forma que vínhamos atuando, em um número significativo de pacientes, invertemos a situação, em vez de continuarmos atendendo no nosso Ambulatório, fui ao encontro aonde eles viviam, teria que conhecer com riqueza de detalhes as condições de vida da nossa clientela. Era preciso travar contato direto com suas dificuldades, seus anseios, seus usos e costumes, enfim tínhamos que aprender uma nova forma de nos relacionar com nossos pacientes, era preciso mudar a velha atitude contemplativa, aonde o Serviço de Saúde funcionava como centro de referência para acolher a clientela. Tornava-se fundamental, portanto, conhecer o habitat natural dos nossos pacientes para melhor entender toda sua problemática de vida; mudávamos, assim, um conceito tradicional da Medicina, iríamos passar a oferecer aos pacientes o que poderia ser o melhor para eles dentro das suas realidades de vida e das condições do seu meio ambiente. 

De fato no início de 1981 esta oportunidade se ofereceu por inteiro. Como a maioria dos nossos pacientes era proveniente da zona sul de São Paulo, e vivia em condições precárias, com alto grau de insalubridade ambiental, em um encontro casual com o Sub-Prefeito da Vila Mariana, sr. Armando Borges de quem era um antigo amigo, comentei a nossa constante frustração quanto aos insucessos terapêuticos em relação aos nossos pacientes. Ele comentou sobre a existência de uma grande favela localizada próxima ao aeroporto de Congonhas denominada Cidade Leonor que poderia vir a ser um campo avançado de trabalho caso viesse a ser do meu interesse. Fui então com ele conhecer o local para avaliar a possibilidade de efetivamente desenvolver ali as atividades de campo que havíamos imaginado. A favela Cidade Leonor foi erguida às margens do córrego da Água Espraiada na década de 1940, em uma área da municipalidade denominada de fundo de vale, tem uma extensão aproximada de 3 km, desde a rua Califórnia até a rua Pedro Bueno, aonde atualmente está construída a Avenida Roberto Marinho, no bairro de Santa Catarina. O córrego da Água Espraiada nasce na região do ABCD paulista e percorre uma longa distância até desaguar no rio Pinheiros na região do Brooklin, entre as pontes do Morumbi e a Estaiada (Figuras 1-2).


Figura 1- Visão aérea de uma parte da favela, aonde se visualizam os barracos e o córrego da Água Espraiada.


Figura 2- Foto aérea obtida desde a favela avistando uma das cabeceiras da pista do aeroporto de Congonhas.

A favela Cidade Leonor é constituída pela construção de barracos erguidos em ambas as margens do córrego e se estendem ao longo do mesmo, constituindo contornos irregulares que chegam a se expandir lateralmente por cerca de 50 metros das suas margens. Seus limites, no entanto, são contidos pela existência de casas residenciais construídas em áreas urbanizadas providas de saneamento básico. O tamanho dos barracos é variável, medindo cerca de 3x4 metros, em sua maioria são construídos de madeira ou em alvenaria proveniente de restos de construção, pelos próprios moradores. O teto é geralmente coberto com telhas Brasilit, o chão, em algumas casas é cimentado, mas na maioria delas é de terra batida. Usualmente o interior do barraco é dividido em 2 cômodos e, para tal, os moradores costumam utilizar algum mobiliário (Figuras 3-4-5).


Figura 3- Vista aérea da região da Vila Santa Catarina aonde a favela cidade Leonor está implantada.


Figura 4- Vista aérea panorâmica da favela cidade Leonor e sua conexão com a região urbanizada.


Figura 5- Vista aérea mais detalhada do conglomerado de barracos e o contato direto com a área urbanizada.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (36)

Minha trajetória na carreira Acadêmica na Escola Paulista de Medicina (EPM) - Parte 3


Em setembro de 2007, em Toronto, fiz parte de um grupo de trabalho, envolvendo experts de diversos países da Europa, Estados Unidos, Japão e América Latina (eu fui o representante), denominado “A Global Evidence-Based Consensus on the Definition of Gastroesophageal Reflux disease in the Pediatric Population”, que se estendeu até dezembro quando nos reunimos em dezembro de 2007, em  Londres, para finalizarmos o documento que foi inicialmente apresentado no III World Congress of Pediatric Gatroenterology, Hepatology and Nutrition, em 2008, em Foz do Iguaçu e posteriormente publicado na revista American Journal of Gastroenterology (2009; 104:1278-95) (Figuras 30-31-32).

Figura 30- Participantes do Grupo de Trabalho em Toronto, da esquerda para a direita: Eric Hassal (Canadá), Yvan Vandeplas (Bélgia), Benjamin Gold (EUA), Sybele Kolettzko, Phillip Sherman (Canadá), eu, Suichiro Kato (Japão), Susan Orenstein (EUA) e Colin Rudolph (EUA).
 
Figura 31- Membros do Grupo de Trabalho em plena atividade.

Figura 32- Membros do Grupo de trabalho na reunião de Londres.

Em Portugal dei palestras em Lisboa e no Porto, na Espanha em Madri e Huelva (Figuras 33-34-35-36-37).


Figuras 33-34- Acima uma palestra no evento em Lisboa, em 1994; abaixo, no coquetel do evento com Fábia, Francisco Penna e Luciano Peret.




Figuras 35-36- Minha participação do curso de Mestrado Internacional na Universidade Internacional de Andalucia, em La Rábida, em 1996. Acima uma das minhas palestras, lá estive por toda uma semana; abaixo, o grupo de alunos do curso, todos eles da américa latina, que lá permaneceram durante 3 meses.



Figura 37- Participação no Congresso da LASPGHAN em Madri, em 2003, organizado na Sociedade de Médicos local, em um anfiteatro preservado desde sua construção há alguns séculos, inclusive mantida intacta a sala aonde Ramon e Cajal fizeram seus trabalhos de pesquisa sobre os neurônios.
 
Esta vivência internacional foi um fator que também passou a atrair cada vez mais interessados em vir fazer a especialização na nossa Disciplina. De fato, à medida que nosso prestigio foi progressivamente se expandindo para além das fronteiras nacionais, médicos dos mais variados países da América Latina, tais como, Argentina, Paraguai, Bolívia, Venezuela, Colômbia, Guatemala República Dominicana, também postularam a realizar o programa de especialização na nossa Disciplina. A vinda constante destes médicos latino-americanos para se especializar em nossa Disciplina foi o corolário do reconhecimento internacional do nosso grupo (Figuras 38-39-40).



Figura 38- Eu, Fábia e Jorge Palácios um especializando nosso da Guatemala.



Figura 39- Julio de Manueles nosso Especializando de Salamanca, Espanha.


Figura 40- Em primeiro plano Juan Jorge nosso Especializando da República Dominicana.

Vale ressaltar que nossa Disciplina não ficou restrita apenas a 2 docentes, Jamal e eu, pois, com o passar dos anos o corpo docente foi se ampliando com a contratação de novos colegas que vieram a trazer suas contribuições pessoais e científicas, colaborando para oxigenar nosso ambiente de trabalho com o entusiasmo inerente da juventude tornando nosso grupo cada vez mais respeitado e reconhecido pela excelência da qualidade científica (Para mais informações consultar corpo docente da Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica da EPM/UNIFESP).