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segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Esofagite Eosinofílica: manejo dietético e nutricional (Resumo do Work Report of the American Academy of Alergy, Asthma and Immunology) (parte 2)

J Allergy Clin Immunol Pract 2017;5:312-24

Ulysses Fagundes Neto

Implementação da terapia da dieta de eliminação

Passo #1: Avaliação do estado nutricional

É de suma importância rastrear os potenciais riscos nutricionais antes de se iniciar a implementação da prescrição dietética. Por esta razão, a avaliação inicial do profissional da saúde deve, portanto, incluir a obtenção e a interpretação dos dados das medidas antropométricas prévias, incluindo a análise da curva de crescimento e do peso, utilizando-se uma tabela de referência confiável (Gráficos de crescimento e peso da OMS para lactentes, crianças pré-escolares, escolares e adolescentes), história dietética, história médica prévia, exame clínico detalhado, e, quando necessário a realização de exames laboratoriais.

Passo #2: Eliminação dos antígenos alimentares

A leitura dos rótulos dos produtos alimentares industrializados é de fundamental importância para garantir a efetiva eliminação da dieta dos alimentos considerados alergenos.

Nos Estados Unidos, os principais alimentos considerados alergênicos que devem fazer parte inicialmente da dieta de eliminação empírica são: leite animal, soja, trigo, ovo, peixe e frutos do mar, frutas oleaginosas e amendoim. Por outro lado, na Europa, além destes alimentos devem ser acrescentados os seguintes: tremoço, aipo, sésamo e mostarda.

Muito embora ainda não tenham sido determinados os níveis limiares de exposição aos alergenos que possam vir a desencadear a EEo, os pacientes devem ter o conhecimento do risco potencial de exposição a certos alergenos por contato cruzado no ambiente doméstico ou quando fazem as refeições em ambiente externo. O uso de utensílios compartilhados, condimentos, superfícies cortantes, equipamentos de cozinha ou aparelhos de cozinha podem ser fatores involuntários de exposição a fontes de alergenos, bem como as áreas de serviço dos alimentos devido aos riscos de que venham a respingar nos alimentos da dieta.

Outro aspecto de importância na alimentação diz respeito a garantia de que os alimentos que venham a ser substituídos o sejam por outros que preencham as necessidades nutricionais dos pacientes sem provocar quaisquer prejuízos indesejáveis (Tabela 3).
 
Tabela 3 - Nutrientes em alimentos comumente eliminados  durante a terapia de eliminação dietética.

Passo #3: Individualizar o cardápio para atender as necessidades nutricionais na dieta de eliminação

O planejamento da adequação nutricional com os alimentos da dieta de eliminação deve ser o principal objetivo de aconselhamento alimentar o qual deve ser alcançado por meio da incorporação de quantidades suficientes dos alimentos substitutos (Tabela 2). Todo alimento fornece um grupo específico de nutrientes (Tabela 3), e, quando estes são eliminados da dieta devem ser substituídos por alimentos nutricionalmente enriquecidos. Desde que bem tolerados alimentos enriquecidos, tais como, carnes, grãos integrais e/ou cereais fortificados no desjejum, vegetais verdes/amarelos e sementes podem ser acrescidos na dieta para reforçar a ingestão de nutrientes. Os requerimentos nutricionais de cada paciente devem ser determinados e devem ser direcionados para alcançar um equilíbrio nutricional apropriado, incluindo neste caso o estímulo para que seja ingerida uma extensa variedade de alimentos (Tabelas 4 e 5).

Tabela 4- Tipo e volume dos alimentos incluidos na dieta das crianças.

Tabela 5-Tipo e volume dos alimentos incluidos na dieta dos adultos. 

A reintrodução dos alimentos: a vida depois da dieta de eliminação inicial

No caso da utilização da terapia da dieta de eliminação comprovar-se exitosa, ou seja, resultar em remissão clínica e histológica da EEo, é aconselhável optar-se pela reintrodução sequencial dos alimentos, um de cada vez, quando aqueles alimentos eliminados forem acrescentados novamente à dieta do paciente. É recomendável nesta reintrodução adicionar um alimento ou grupo de alimentos de cada vez mantendo uma constante vigilância para detectar uma possível ocorrência do surgimento de sintomas de recidiva. O objetivo maior desta reintrodução sequencial de alimentos reside na possibilidade de determinar qual ou quais alimentos são os verdadeiros deflagradores da EEo. Embora, como até o presente momento as recomendações de reintrodução dos alimentos ainda não tenham sido padronizadas, deve ser considerada a possibilidade da realização de biópsias esofágicas seriadas após cada reintrodução como parte do manejo dos pacientes com EEo, posto que o surgimento dos sintomas isoladamente ou a realização da endoscopia sem a obtenção da biópsia não podem ser consideradas como uma medida acurada da atividade da enfermidade. O procedimento acima mencionado permite identificar com maior grau de certeza o alimento ou alimentos desencadeadores da EEo e, por isso, possibilita a manutenção na dieta outros alimentos não ofensores e elimina apenas aqueles que provaram ser os desencadeadores, o que provê potencialmente um melhor desfecho nutricional.

Baseados em estudos retrospectivos é reconhecido que leite, ovo, trigo, e soja são os alimentos mais provavelmente responsabilizados pela deflagração da recidiva da EEo, e, portanto, deve-se considerar que a reintrodução destes alimentos se dê em estágios mais tardios dos ensaios dietéticos. No caso do surgimento de recidiva, quando for possível identificar o agente provocador da mesma, o alimento causador do problema deve ser retirado da dieta por um tempo prolongado ou mesmo definitivamente.

Vale a pena enfatizar que embora a realização de biópsias seriadas do esôfago seja o único caminho para se ter a certeza que um determinado alimento é ou não o deflagrador da EEo, na maioria das vezes este tipo de intervenção não é possível ser executada na prática médica diária ou mesmo pode não ser desejável. No presente momento, nos casos em que as endoscopias não possam ser rotineiramente realizadas a única ferramenta validada para avaliar a resposta ao tratamento clínico é a Pediatric Eosinophilic Esophagitis Symptom Score versão 2.0 (J Allergy Clin Immunol 2015;135:1519-28.e8). Este questionário obtém de forma efetiva os sintomas relatados pelos pais das crianças com idades que variam de 2 a 18 anos.

Conclusões

A terapia dietética de eliminação tem sido demonstrada eficiente para induzir a remissão da enfermidade na maioria dos pacientes com EEo. Ela também oferece uma potencial efetividade para o tratamento da EEo a longo prazo. Entretanto, dietas de eliminação não são isentas de risco e podem ter um impacto negativo sobre o estado nutricional, o prazer pela comida e o bem-estar geral do paciente e sua qualidade de vida. Seguindo-se uma orientação adequada e uma monitoração vigilante, os potenciais impactos negativos serão minimizados de tal forma que os pacientes poderão se beneficiar desta opção sem a necessidade de auxílio medicamentoso.

Nota de Ulysses Fagundes Neto: na minha experiência clínica tratando pacientes com EEo das mais variadas idades, desde pré-escolares até mesmo idosos, tenho sempre optado como tratamento inicial a associação da terapia de eliminação dos 6 alimentos associada ao uso de uma droga inibidora da bomba de próton e budesonida por pelo menos 3 meses. Devo afirmar que tenho obtido remissão total, clínica e histológica, em 100% dos casos, e, a partir desta etapa passo a diminuir a dose da budesonida até a sua eliminação completa, e, ao mesmo tempo proponho o início gradual e sequencial da reintrodução dos alimentos retirados da dieta.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

A história da realização de um Pós-Doutorado na Cornell University, Nova Iorque (6)

Resultados

Exame Clínico
Considerando-se os 336 exames clínicos realizados não foram evidenciados sinais de desnutrição protéico-calórica grave. Manifestações de desnutrição protéico-calórica leve foram observadas em apenas 3 crianças. Uma delas apresentava dermatite seborréica e as outras duas, estomatite angular.

Intercorrências independentes do estado nutricional foram caracterizadas em algumas ocasiões, tais como: conjuntivite purulenta em 3 crianças, escabiose em 2 e prolapso retal em 1. Quadro agudo de malária foi diagnosticado em 6 crianças.

Esplenomegalia foi o achado propedêutico mais freqüente na população estudada. Em 185 (55%) dos exames clínicos realizados encontrou-se baço palpável, cuja distribuição de acordo com o índice esplênico está disposta na Tabela 1.
Tabela 1- Valores dos índices esplênicos detectados ao exame clínico das crianças índias estudadas.

Avaliação do Estado Nutricional
Os resultados da avaliação do estado nutricional das crianças em cada ano do projeto de pesquisa estão disponíveis na Tabela 2. A análise dos resultados do estudo antropométrico realizado em cada etapa do trabalho de campo permitiu afirmar que a prevalência de desnutrição protéico-calórica entre as crianças índias da região do Alto Xingu, supostamente menores de 5 anos de idade, é baixa.
Tabela 2- Avaliação do estado nutricional das crianças índias em cada ano do estudo.

A aplicação do índice peso-estatura revelou que 96,1% em 1974, 95,5% em 1975 e 96,1% em 1976 das crianças foram classificadas como Eutróficas (Figuras 1 & 2).


Figuras 1 & 2- Aspectos físicos das crianças índias estudadas, denotando um nítido padrão de eutrofia em diferentes idades.

Os poucos casos de desnutrição protéico-calórica em nenhum dos anos do estudo superou a taxa de 5,0%, e todos eles encontravam-se de intensidade leve.

Análises laboratoriais
1- Sangue
Foram realizadas as determinações do Hematócrito, cujos valores variaram de 25% a 40% apresentando a média de 33,4%.

Eletroforese das proteínas séricas foi realizada em 104 crianças em 1974, e os valores das proteínas totais variaram de 5,2g% a 8,3g%, com valor médio de 7,1g%. A fração Albumina apresentou valores que variaram de 2,6g% a 4,2g%, e o valor médio foi de 3,4g%. Em 1975 foi realizada eletroforese das proteínas em 48 crianças, e os valores totais variaram de 5,5g% a 8,2g%, com média de 7,3g%; a fração Albumina variou de 2,8g%a 4,4g%, e a média foi de 3,5g% (Tabela 3).
Tabela 3- Valores médios e respectivos desvios-padrão das dosagens das proteínas séricas das crianças índias estudadas.

2- Fezes
Foram realizados exames de fezes para pesquisa de helmintos e protozoários em 40 crianças. Em apenas 8 delas a pesquisa resultou negativa enquanto que nas outras 32 (80%) foram detectados parasitas intestinais cuja distribuição encontra-se discriminada nas Tabelas 4 & 5.

Tabela 4- Prevalência de helmintos encontrados nas fezews das crianças índias estudadas.

Tabela 5- Prevalência de protozoários identificados nas fezes das crianças índias estudadas.

Conclusões

A elaboração prévia de um detalhado programa de ação para ser desenvolvido no campo deve ser o ponto de partida de qualquer projeto de pesquisa para que, na prática, sua execução possa alcançar o êxito desejado. Especificamente, no caso do presente trabalho de campo que visava estudar o maior número possível de crianças, a escolha da época do ano teve uma função estratégica do mais alto valor, pois devido ser o mês de julho período de seca, as condições climáticas facilitaram as atividades práticas da equipe de saúde, tanto no que se refere a vinda das tribos ao Posto Leonardo quanto ao próprio deslocamento da equipe de saúde às aldeias, seja por via fluvial e/ou terrestre (Figura 3).

Figura 3- Uma visão do rio Xingu durante um deslocamento da equipe de saúde por via fluvial.

Durante o período das chuvas (outubro a abril) estas atividades estariam altamente prejudicadas, posto que usualmente chove torrencialmente todos os dias e, por esta razão, os deslocamentos seriam quase que impraticáveis (Figura 4).

Figura 4- Visão da trilha que liga o Posto Leonardo a uma aldeia em uma época de chuvas na região.

Os vários deslocamentos realizados pela equipe de saúde dentro do PIX, em visita às aldeias, possibilitaram o levantamento de toda a população infantil que potencialmente poderia ser incluída no estudo, e, em cada ano, pelo menos dois deslocamentos internos foram realizados. As aldeias mais próximas e de acesso fácil (Iaualapiti e Camaiura) foram visitadas todos os anos. Deslocamentos mais longos, a partir do Posto Leonardo, foram realizados para visitar outras aldeias, tais como, Cuicuro, Matipu, Nafuqua.

Em resumo, o trabalho assim desenvolvido possibilitou a elaboração de um estudo transversal de avaliação do estado nutricional das crianças representado por cortes anuais, e, ao mesmo tempo, propiciou o estudo longitudinal que permitiu determinar o ritmo de crescimento das crianças índias.
Os inquéritos nutricionais que se destinam a estudar uma determinada comunidade baseiam-se, via de regra, na escolha de uma amostra populacional. Uma vez respeitados os critérios científicos para a constituição da amostragem, os resultados podem ser, de forma válida, extrapolados para a população em questão.

Em se tratando de populações indígenas, defronta-se desde o início, com o obstáculo decorrente do pequeno número de indivíduos pertencentes a estas comunidades. Este é o caso específico das inúmeras comunidades indígenas brasileiras, sobre as quais escassas informações, de real valor científico, a respeito das suas condições nutricionais, encontram-se disponíveis na literatura. A necessidade de se conhecer aspectos mais detalhados em relação ao estado nutricional destes grupamentos populacionais nativos remanescentes torna-se prioritário, pois, se em passado não muito remoto contavam-se aos milhões e chegavam a ocupar parcela significativa do território brasileiro, na atualidade encontram-se reduzidos a alguns parcos núcleos residuais empurrados para um nítido e dramático processo de diminuição populacional (Tabela 6).


Tabela 6- Variação da população indígena do PIX desde 1963, início da constituição do parque, até mais recentemente, demonstrando um significativo aumento da mesma a partir da proteção oferecida contra as frentes de ocupação da nossa sociedade.

Para superar a barreira da possível falta de uma amostragem populacional significativa decidiu-se incluir no estudo o maior número de crianças que potencialmente se encontravam dentro dos critérios de inclusão previamente estabelecidos. O objetivo foi plenamente alcançado, visto que foi estudada a quase totalidade das crianças da região do Alto Xingu com idade estimada igual ou inferior a 5 anos.

Inúmeros ensinamentos práticos puderam ser obtidos desta civilização chamada de cultura primitiva, os quais merecem ser comentados. A prática, em escala universal, do aleitamento natural exclusivo e por tempo prolongado, representa, sem dúvida alguma, um dos principais fatores para contribuir com o estado de eutrofia vigente entre as crianças índias, apesar dos múltiplos problemas de ordem ambiental, tais como a malária e a parasitose intestinal endêmicas. Outro aspecto a ser ressaltado é a utilização racional e equilibrada dos recursos naturais, o qual é de suma importância para a manutenção de um estado nutricional adequado. No Alto Xingu, a dieta, apesar de ser monótona, proporciona quantidades suficientes de proteínas e gorduras de altas qualidades, fornecidas pelo peixe que é abundante na região (Figuras 5 & 6), a mandioca como fonte de carboidrato e as frutas silvestres como fonte de vitaminas, em especial o piqui, este último altamente rico em vitamina A (Figura 7).

Figura 5- Peixes sendo assados diretamente sobre a fogueira.

Figura 6- Beiju da mandioca sendo assado para depois ser ingerido juntamente com o peixe.

Figura 7- Crianças índias Uaura observando cestas de piqui que são estocadas submersas nas águas do lago próximas à aldeia, e, cujo fruto é consumido de acordo com a necessidade individual.
Na sociedade indígena a disponibilidade de alimentos é universal, posto que não existe extratificação sócio-econômica, não há valores pecuniários e todos os indivíduos de uma determinada aldeia têm os mesmos deveres e direitos, os quais são norteados por critérios de convivência que foram acordados entre eles e que se consagraram pela prática, para possibilitar a perpetuação da espécie ao longo dos muitos séculos de existência na área.
Este trabalho foi apresentado sob a forma de tese de Doutorado ao Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina, em abril de 1977, tendo sido aprovado com nota 10,0 (Dez) pelos 5 examinadores de reconhecida competência científica, oriundos das mais prestigiosas universidades brasileiras. Posteriormente, versões simplificadas e abordando aspectos diversos deste trabalho foram publicadas nas seguintes revistas científicas: 1- American Journal of Clinical Nutrition 34:2220-2235,1981 “Observations of the Alto Xingu with special reference to nutritional evaluation in children” sendo autores: Fagundes-Neto U., Baruzzi RG., Wehba J., Silvestrini WS., Morais MB & Cainelli M. 2- Jornal de Pediatria 50:179-82,1981 “Avaliação nutricional das crianças índias do Alto Xingu” sendo autores: Fagundes-Neto U., Baruzzi RG., Wehba J., Silvestrini WS., Morais MB & Cainelli M.
A pergunta que permanece no ar e que não quer calar é saber se este estado de coisas ainda persiste nesta comunidade, posto que este trabalho foi realizado há mais de 30 anos? Alguma resposta pode ser dada de imediato, porque este trabalho com a mesma metodologia seguiu-se até 1980, e as condições nutricionais das crianças índias permaneceram praticamente inalteradas (Tabela 7).


Tabela 7- Evolução da avaliação do estado nutricional das crianças índias ao longo dos anos desde 1974 até 1980.

E depois? Outro trabalho realizado já no século XXI, utilizando a mesma metodologia e incorporando a impedância bioelétrica foi realizado, mas os resultados ficarão para outro momento, agora é chegado o tempo de Nova Iorque.
No próximo encontro estaremos em Nova Iorque, mais precisamente em Long Island no North Shore University Hospital para começar uma nova aventura de vida e profissional, enveredando-me pelos mágicos caminhos da investigação experimental.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

A história da realização de um Pós-Doutorado na Cornell University, Nova Iorque (5)

O Trabalho de Campo
Diante das peculiaridades da população do Alto Xingu, posto que seus habitantes aí vivem nas condições mais próximas possíveis daquelas vigentes na época do Descobrimento, foi elaborado um projeto de pesquisa com os seguintes objetivos:

1- Avaliar o estado nutricional das crianças índias; 2- Determinação do Hematócrito e 3- Prevalência de parasitoses intestinais.
Casuística

O trabalho de campo desenvolveu-se sempre na primeira quinzena do mês de julho durante três anos consecutivos, a saber: 1974-75-76. A época do ano foi fixada no mês de julho porque as condições climáticas nesta época do ano são bastante favoráveis à execução do projeto de pesquisa. O período de seca, que já se faz prolongado, o que costuma ocorrer desde o mês de março com o fim do período das chuvas, facilita a mobilidade no interior do PIX, tanto no que se refere ao deslocamento dos índios desde suas aldeias até o Posto Leonardo, como do próprio grupo médico em direção às aldeias. Nestas circunstâncias, o acesso às aldeias utilizando-se os meios de transporte disponíveis na região, seja o terrestre ou fluvial, encontram-se bastante favorecidos (Figuras 1-2-3-4 & 5).
Figura 1- Equipe médica se deslocando de barco no rio Xingu para trabalhar numa aldeia indígena. No primeiro plano estou eu, ao meu lado Prof. Mauro Morais, na ocasião ainda estudante de medicina, e mais atrás Prof. Baruzzi.


Figura 2- Desembarque da equipe médica em uma praia do rio Xingu para iniciar a caminhada em direção a uma aldeia.

Figura 3- Caminhada pela trilha aberta na mata tendo à frente Prof. Wagner Silvestrini.

Figura 4- Uma parada na trilha para uma foto.

Figura 5- Equipe médica atravessando uma pinguela.

Ao final deste período haviam sido avaliadas 175 crianças, 97 do sexo masculino, com idade estimada igual ou inferior a 5 anos, pertencentes às tribos indígenas do Alto Xingu.

A avaliação da idade limite para inclusão na avaliação do estado nutricional foi realizada por meio do exame clínico da criança e do exame da arcada dentária, este último executado por odontólogo. Uma vez estabelecida a população a ser incluída no estudo não mais se utilizou a variável idade.

Tratou-se sempre, em cada ano do trabalho de campo, de incluir o maior número possível de crianças de cada tribo pertencente ao grupo etário pré-determinado. Para tanto, não somente foi solicitado o comparecimento dos índios ao Posto Leonardo (Figuras 6 & 7), como também a equipe médica realizou diversos deslocamentos até as aldeias (Figura 8). Em cada etapa do trabalho procurou-se não apenas incluir as crianças já avaliadas no ano anterior, mas também, aquelas nascidas nos 12 meses precedentes, bem como todas as crianças maiores de 1 ano e menores de 5 anos que, por quaisquer razões, não haviam sido examinadas no ano precedente. Tal procedimento possibilitou estabelecer uma análise transversal, correspondente a cada ano, identificando, em cada etapa do trabalho, um grupo de crianças que não havia sido incluído no ano ou nos anos precedentes. Ao mesmo tempo, tornou possível obter, ao final do estudo, uma avaliação longitudinal de um grupo de crianças.

Figura 6- Acampamento dos índios no Posto Leonardo.

Figura 7- Acampamento dos índios no Posto Leonardo à noite, aquecidos pelas fogueiras.

Estudo Transversal
1974 – 79 crianças, 43 do sexo masculino; 1975 – 45 crianças, 27 do sexo masculino; 1976 – 51 crianças, 27 do sexo masculino.

Total: 175 crianças.

Estudo Longitudinal
3 anos consecutivos: 53 crianças, 26 do sexo masculino; 2 anos consecutivos: 46 crianças, 26 do sexo masculino; 2 anos alternados: 9 crianças, 7 do sexo masculino.

Total: 108 crianças.

Métodos

1- Identificação da criança

Foi feita levando-se em conta a aldeia em que residia, a oca em que morava, os nomes do pai e da mãe e também foi criado um número de registro gral, sua origem tribal, o nome que recebia da mãe e do pai. Para maior facilidade de identificação posterior a ficha incluía uma fotografia da criança, a qual era obtida no momento em que ela era incluída no estudo.

2- Exame Físico

Toda criança foi submetida a detalhado exame físico visando detectar anormalidades clínicas, e em especial, algum sinal ou sinais que denotassem carências nutricionais específicas ou não (Figura 8).

Figura 8- Exame físico de uma criança indígena no trabalho de campo.

Considerando-se que malária é endêmica na região, especial atenção foi dada para os achados de esplenomegalia, por meio da determinação do índice esplênico.

3- Medidas Antropométricas

Foram obtidos os valores do Peso, Estatura, Perímetro Cefálico, Perímetro Torácico e Prega Cutânea (Figuras 9 -10-11-12 & 13).
Figura 9- Determinação do peso.

Figura 10- Determinação da estatura.

Figura 11- Determinação do perímetro cefálico.

Figura 12- Determinação do perímetro torácico.

Figura 13- Determinação da prega cutânea.

4- Sangue

Foram obtidas amostras de sangue para a realização do Hematócrito.

5- Fezes

Amostras de fezes foram coletadas para pesquisa de protozoários e helmintos.

Parque Indígena do Xingu (PIX)
O PIX foi criado em 1961, pelo governo federal, tendo por finalidade a preservação da população indígena ali localizada, bem como sua cultura, prestando-lhe assistência e defendendo-a de contatos prematuros e nocivos com as frentes de ocupação da nossa sociedade. Naquela ocasião a direção do PIX foi entregue aos irmãos Villas Boas (Cláudio e Orlando), os quais haviam chegado à região em 1946 como membros da expedição Roncador-Xingu. Esta expedição tinha, entre outros, o objetivo estratégico de interiorização do Brasil para preservar nossa soberania na região Amazônica.

O PIX está localizado no extremo norte do Estado de Mato Grosso e abrange uma área retangular de aproximadamente 20.000 km2 (extensão territorial do tamanho da Bélgica), numa zona de transição entre o Planalto Central e a Amazônia, acompanhando o rio Xingu desde suas cabeceiras até a divisa com o Estado do Pará (Figura 14).

Figura 14- Mapa do Parque Indígena do Xingu.

Trata-se de uma região plana e a vegetação encontra-se nos limites da floresta equatorial do vale amazônico, que predomina à medida em que se aproxima do norte, e dos campos e cerrados que são encontrados ao sul, alternando-se com as florestas de galeria que acompanham o curso dos rios e as margens dos numerosos lagos (Figuras 15 & 16).

Figura 15- Vista aérea do PIX, destacando-se o rio Xingu e uma aldeia na sua proximidade.

Figura 16- Vista aérea da aldeia Coicuro próxima de um dos mais lindos lagos da região.

As dificuldades de acesso à região, decorrentes da existência de uma série de quedas d’água que se estendem da cachoeira de Von Martius para o norte, no curso médio do rio Xingu, e da existência do vasto e inóspito chapadão mato-grossense, ao sul, permitiram que esta área permanecesse indevassada até o final do século XIX.

Escavações realizadas na área por arqueólogos, na década de 1960, possibilitaram o encontro de vestígios que levam a crer que a ocupação do Alto Xingu remonta há séculos, entretanto, os primeiros relatos sobre os índios da região foram feitos por Steinen, que a visitou em duas expedições nos anos de 1884 e 87. Pela descrição por ele realizada, verifica-se que a área do Alto Xingu era habitada, naquela ocasião, pelas mesmas tribos que aí vivem nos dias atuais, a saber: Auiti, Uaurá, Calapalo, Camaiurá (Figura 17), Cuicuro, Iaualapiti, Meinaco, Matipu-Nafuqua e Trumai.

Figura 17- Vista aérea da aldeia Camaiurá e a lagoa do Ipavu.

A radicação secular na mesma área e a grande facilidade de mobilidade interna fez com que as relações intertribais ocupassem um plano de destaque na vida do índio. Este relacionamento tornou-se tão importante que, praticamente, o único traço de distinção entre as tribos é a língua. Na região estão presentes os representantes de três das quatro principais famílias lingüísticas indígenas do Brasil, a saber: Tupi, Aruaque e Caribe. Porém, apesar desta diferença de línguas as tribos aí localizadas possuem uma organização política, social e cultural idênticas, caracterizadas pelas crenças, ritos cerimoniais e festas, ritmo de vida e ciclo de atividades bastante semelhantes e integradas, constituindo o que o antropólogo Galvão, em 1953, denominou “cultura Xinguana” ou “área cultural do Alto Xingu”.

Assim sendo, o estado de considerável isolamento e a longa ocupação de uma mesma área geográfica, com relativa proximidade entre as aldeias, contribuíram para um grande entrelaçamento entre as tribos do Alto Xingu, sob um ponto de vista social e cultural, embora, na realidade, representem nações totalmente independentes.

No próximo encontro descreverei os resultados da pesquisa e discutirei alguns aspectos que me parecem relevantes a respeito desta civilização.