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quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Hiperplasia Nodular Linfóide (Parte I)

Tatiana Furlan Berreta Fornaro & Ulysses Fagundes Neto

Introdução

A Hiperplasia Nodular Linfoide (HNL) do íleo terminal e colo tem sido reconhecida, desde longa data, como uma resposta da mucosa a estímulos inespecíficos, na maioria das vezes infecciosos e, consequentemente, tem sido descrita como um fenômeno fisiopatológico durante a infância. No entanto, mais recentemente, a HNL também tem sido descrita associada a alergia à proteína do leite de vaca (APLV) e à imunodeficiência.

O tecido linfoide distribui-se na lâmina própria da mucosa intestinal, ao longo de todo o tubo digestivo, apresentando maior concentração a partir do íleo terminal, local em que se formam as placas de Peyer. O número e o tamanho das placas de Peyer aumentam progressivamente durante a vida fetal, porém, nos 3 primeiros anos de vida ocorre um crescimento mais rápido. Na puberdade o aumento continua a ocorrer, porém, em menor escala, e após esse período, há um progressivo declínio das placas de Peyer (Figura 1).

  Figura 1- Visão de uma placa de Peyer em microscopia óptica comum, médio aumento, localizada na lâmina própria da mucosa ileal.

Fisiopatologia

A patogênese da HNL é desconhecida, mas está comumente relacionada a precursoras de células plasmáticas, devido a um defeito de maturação durante o desenvolvimento de linfócitos B, a fim de compensar o funcionamento inadequado do tecido linfoide intestinal.

A HNL pode estar associada a infecções por vírus, bactérias, infestações parasitárias (principalmente giardíase) e hipersensibilidade alimentar, assim como pode estar presente nos casos de Doença Inflamatória Intestinal, e também pode ser um fator de intussuscepção intestinal recorrente.

A HNL pode estar presente como causa de sangramento oculto do trato gastrointestinal, acarretando anemia ferropriva refratária a tratamento de reposição de ferro, porém sua prevalência ainda não foi estabelecida. Um estudo realizado por Lee et al, no qual foram investigadas 17 crianças com sangramento retal, estas apresentaram à videolaparoscopia as seguintes causas, a saber: 8 Divertículo de Meckel, 2 duplicações intestinais, 2 HNL, 1 enterite vascular e 4 exames normais.

Manifestações Clínicas

A HNL pode se manifestar clinicamente associada aos seguintes sinais e sintomas: diarreia, diarreia com sangue, sangramento retal, dor abdominal, palidez cutânea e anemia ferropriva resistente ao tratamento de reposição de Ferro.

Colón et al., em 1991, estudaram 147 crianças com diagnóstico de HNL, sendo 58% meninos, com idades que variaram de 3 meses a 16 anos. Neste grupo, 58% (85) dos pacientes apresentavam queixa de dor abdominal recorrente, dentro de um período que variava de 2 a 12 meses, com localização periumbilical, em aperto, sem irradiação, e que não cedia com as evacuações.

A presença de sangue nas fezes foi a segunda causa mais frequente, aparecendo em 32% (47) das crianças, sob distintas formas, tais como, desde laivos de sangue até mesmo sangue vermelho–vivo que podia ser de forma isolada ou às vezes misturados com muco, ao final das evacuações. Vale ressaltar que destas 47 crianças que apresentaram sangue nas fezes, 24 delas não se queixavam de dor abdominal.

Um outro estudo realizado por Penna et al, em 1993, ao investigar 14 crianças, cujas idades variaram entre 8 meses e 12 anos, foram observados os seguintes sintomas: enterorragia em 71,4%, diarreia em 35,7%, distensão abdominal em 14,2% e encoprese em 14,2% delas.

Diagnóstico

A suspeita diagnóstica baseia-se na história clínica dos pacientes e é confirmada por meio da utilização de investigação laboratorial subsidiária, cuja prioridade de realização deve obedecer aos critérios clínicos segundo o discernimento do profissional atuante em cada caso.

Estão disponíveis os seguintes testes diagnósticos: 

Exames laboratoriais:

Hemograma
Velocidade de Hemossedimentação
Ferro sérico
Ferritina sérica
Pesquisa de sangue oculto nas fezes
Pesquisa de parasitas nas fezes

Exame de Imagem:

O teste radiológico indicado é o enema opaco com a utilização da técnica do duplo contraste. Este exame permite visualizar uma falha de enchimento da mucosa colônica, devido à presença de imagens arredondadas e algumas umbilicadas, representadas como áreas hipertransparentes. As lesões podem ser segmentadas ou difusas que chegam a forrar toda a mucosa do colo (Figura 2).

Figura 2- Enema opaco de duplo contraste evidenciando formações umbilicadas com falha de preenchimento do contraste caracterizando os nódulos linfoides hiperplasiados.


Endoscopia Digestiva Alta e Colonoscopia:

A observação visual permite identificar lesões polipóides sésseis, com umbilicação central, diferenciando-as dos pólipos verdadeiros. As lesões caracterizam-se por pequenas tumorações, com áreas centrais pálidas ou com sangramento, cujo diâmetro varia entre 1 e 7 mm (Figuras 3-4).
 
 Figura 3- Visão endoscópica da mucosa ileal evidenciando os nódulos linfoides hiperplasiados.

Figura 4- Visão endoscópica mais detalhada dos nódulos linfoides hiperplasiados.

Cápsula endoscópica: está indicada para avaliação do íleo terminal, nos casos em que o acesso se mostra inacessível pelos aparelhos endoscópicos.

Histopatologia:

A investigação histopatológica em material obtido por biópsia reveste-se na mais importante ferramenta diagnóstica para caracterizar a existência da HNL.

O exame à microscopia óptica comum mostra folículos linfáticos hiperplásicos, com infiltração linfocitária perifolicular, centros germinativos aumentados em tamanho e com intensa atividade mitótica. Há alongamento dos folículos mucosos de células B devido à hiperplasia do centro folicular, e o revestimento intestinal epitelial não mostra alterações (Figuras 5-6).

Figura 5- Visão à microscopia óptica comum em aumento médio de vários nódulos linfoides localizados na lâmina própria da mucosa ileal.
  

Figura 6- Visão à microscopia óptica comum em grande aumento de vários nódulos linfoides localizados na lâmina própria da mucosa ileal.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Colite Alérgica: a evolução clínica de uma enfermidade de caráter transitório com forte evidência de herança genética (parte 1)

Introdução
 
Colite é uma designação genérica para caracterizar processos inflamatórios, de distintas etiologias, que afeta o intestino grosso acarretando lesões microscópicas características, não necessariamente associadas a alterações macroscópicas (1). As principais causas de colite na infância abrangem um grupo heterogêneo de etiologias, a saber: infecciosa, parasitária, alérgica, enfermidade inflamatória e enfermidade auto-imune (2).
 
Alergia alimentar é uma reação adversa aos alimentos mediada por mecanismos imunológicos, IgE mediados ou não. Colite Alérgica, também denominada proctocolite eosinofílica induzida por alimentos (3), é um tipo de alergia que pertence ao grupo de hipersensibilidade alimentar não mediada por IgE. O mecanismo fisiopatológico ainda não foi totalmente identificado, porém, sabe-se que envolve a presença de linfócitos CD8, bem como linfócitos do tipo TH-2 e infiltrado eosinofílico em todas as camadas da mucosa colônica (4). Além disso, a presença de células de memória circulantes reveladas por testes positivos de transformação linfocítica sugere o envolvimento de células T na patogênese desta entidade, associada à secreção de fator de necrose tumoral α pelos linfócitos ativados (5).
 
O começo da enfermidade se dá nos primeiros meses da vida, mais freqüentemente no primeiro semestre, sem provocar agravos de monta sobre o estado nutricional (6), mas em alguns casos devido à sensibilização intra-útero pode ocorrer manifestação clínica dentro das primeiras semanas (7) (Figura 1).

Figura 1- Paciente de 3 meses de idade com quadro de diarreia sanguinolenta e muco nas fezes. 
 
A manifestação clínica mais florida e frequente é a ocorrência de cólicas, de intensidade variável, acompanhada de sangramento retal misturado às fezes, na maioria das vezes sob a forma de diarréia sanguinolenta e eliminação de quantidade significativa de muco (8) (Figura 2). 

Figura 2- Amostra das fezes do paciente evidenciando sangue vivo e muco misturados às fezes.

Por outro lado, em algumas ocasiões o sangramento retal pode não ser macroscopicamente visível. Usualmente, as lesões são circunscritas ao colon distal e a colonoscopia revela mucosa hiperemiada, com a presença de múltiplas pequenas ulcerações com grande fragilidade vascular e sangramento espontâneo à passagem do colonoscópio (9) (Figuras 3 - 4). 
Figura 3- Visão macroscópica da mucosa colônica apresentando inflamação e friabilidade com sangramento espontâneo.

Figura 4- Visão macroscópica da mucosa colônica em maior aumento.

A análise histológica evidencia, na imensa maioria dos casos, infiltração eosinofílica, com mais de 20 esosinófilos por campo de grande aumento, a qual pode atingir todas as camadas da mucosa colônica, inclusive o epitélio superficial, podendo também haver a presença de abscessos crípticos e hiperplasia nodular linfóide (10,11) (Figuras 5 – 6).
 

Figura 5- Amostra de biópsia retal de paciente portador de colite alérgica em microscopia óptica comum, aumento médio, evidenciando aumento do infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria. Eosinófilos em número aumentado na lâmina própria e inclusive permeando a glândula críptica.


Figura 6- Amostra de biópsia retal de paciente portador de colite alérgica, microscopia óptica comum, grande aumento, enfatizando a presença de eosinófilos na lâmina própria e invadindo o epitélio retal. 

Estima-se que fatores genéticos exerçam papel fundamental na expressão desta doença alérgica, posto que uma elevada ocorrência de história de atopia nas famílias de crianças que sofrem de colite eosinofílica têm sido descritas.
 
O presente objetivo é descrever a ocorrência de 5 casos de colite alérgica em lactentes, primos entre si, pertencentes a 2 grupos familiares distintos.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Colite Alérgica: a evolução clínica de uma enfermidade de caráter transitório com forte evidência de herança genética (2)


Resultados


Todos os pacientes, por ocasião da primeira consulta, a despeito da queixa de sangramento retal, encontravam-se em bom estado geral, hidratados, sem aparentar estado de toxemia e sem febre (Quadros 1 e 2).

Quadro 1- Principais características clínicas, nutricionais e laboratoriais dos 3 lactentes pertencentes à Família 1.


Quadro 2- Principais características clínicas, nutricionais e laboratoriais dos 2 lactentes pertencentes à Família 2.


Todos os pacientes foram submetidos ao teste de desencadeamento com fórmula láctea nas idades que variaram de 11 a 18 meses. Nesta ocasião todos os pacientes apresentaram tolerância à fórmula láctea utilizada. O teste foi realizado sob supervisão médica restrita, de acordo com os critérios de Nowak-Wegrzyn e cols. (16), como segue: em um primeiro momento foi oferecida a quantidade de 20 ml da fórmula láctea e aguardado um período de 45 minutos de observação. No caso de não haver  ocorrido qualquer manifestação clínica sugestiva de alergia foi autorizada a oferta da fórmula láctea ad libitum e solicitado aos familiares que mantivessem observação criteriosa quanto à possibilidade do surgimento de reações adversas de longo prazo.  

Após o teste de desencadeamento com fórmula láctea e a respectiva liberação do uso de leite e derivados na dieta, os pacientes foram seguidos clinicamente por um período que variou de 18 (mínimo) a 33 (máximo) meses, em média 26 meses. Durante todo este período de acompanhamento nenhum paciente apresentou quaisquer manifestações clínicas relacionadas a processo inflamatório colônico.

A cultura de fezes e a pesquisa parasitológica nas fezes resultaram negativas em todos os pacientes.

Família 1


VCA – sexo masculino, 6 meses de idade, com história de diarréia com sangue vivo e muco há 20 dias, em aleitamento materno exclusivo. Ambos os pais referiam antecedentes de rinite alérgica. Ao exame físico encontrava-se em bom estado geral com ganho pondero-estatural adequado, Peso= 9615 g e Comprimento= 71 cm, evidenciando lesões eczematosas na face e retro-auriculares, e proctite (fissura anal às 6 horas). A colonoscopia revelou presença de fissuras anais, aspecto de hiperplasia nodular linfóide e ulcerações colônicas, especialmente no colon direito (Figura 1).
Figura 1- Mucosa colônica evidenciando ulceração (A - B e D) e nódulos linfóides (C).

A microscopia revelou processo inflamatório com esboço de granuloma, hiperplasia nodular linfoide e infiltrado eosinofílico com mais de 20 eosinófilos por campo de grande aumento. Foi levantada a suspeita de alergia alimentar e doença inflamatória intestinal pela presença do esboço de granuloma. A mãe foi orientada a realizar dieta de exclusão do leite de vaca e derivados e soja, associada à dieta do desmame isenta de leite de vaca e derivados e soja; o paciente foi medicado com dexametasona durante 4 semanas. Foram realizados os seguintes exames laboratoriais: α1 anti-tripsina fecal: 4,1 mg/g, p-ANCA: não reagente, ASCA: não reagente. A evolução clínica foi favorável com desaparecimento dos sintomas. Aos 8 meses foi suplementado com fórmula à base de hidrolisado protéico extensamente hidrolisado (Alfaré, Nestlé) com boa aceitação. Aos 18 meses foi realizado teste da α1 anti-tripsina fecal: 0,8 mg/g e desencadeamento com fórmula láctea o qual foi bem sucedido.
LBRA – sexo masculino, 4 meses de idade, com história de diarréia há 1 mês e sangramento retal há 3 dias. Recebeu aleitamento materno exclusivo até 40 dias de vida quando passou a receber fórmula láctea inicialmente com boa aceitação. Após 40 dias do uso da fórmula láctea iniciou quadro de diarréia caracterizada por fezes líquidas e aumento no número das evacuações e 3 dias antes da primeira consulta surgiu sangramento retal. Ao exame físico encontrava-se em bom estado geral, Peso= 6855 g e Comprimento= 66 cm, palidez cutânea ++, proctite (fissuras anais às 5 e 7 horas). A colonoscopia demonstrou presença de hiperemia da mucosa com microerosões e sangramento espontâneo à passagem do colonoscópio. A microscopia revelou a existência de colite focal ativa com permeação epitelial por neutrófilos (Figura 2).
 

Figura 2- Microfotografia da mucosa colônica evidenciando erosão do epitélio, aumento do infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria, diminuição do conteúdo de muco das glândulas crípticas e presença de polimorfonucleares no interior da glândula críptica (seta).

Foi considerada a hipótese de colite alérgica e introduzida fórmula à base de mistura de aminoácidos (Neocate, Danone) e dexametasona (4 semanas), o que resultou em desaparecimento dos sintomas. A partir dos 6 meses foi introduzida dieta do desmame isenta de leite de vaca e derivados e soja. Aos 11 meses, como estivesse assintomático e por ter iniciado a recusar a fórmula de aminoácidos foi realizado o desencadeamento com fórmula láctea com sucesso.




FEBP- sexo masculino, 40 dias de vida, com história de cólicas intensas e sangue nas fezes há 5 dias, em aleitamento natural exclusivo. Ao exame físico encontrava-se em bom estado geral, Peso= 4695 g e Comprimento= 55 cm, e proctite (fissura anal às 4 horas). A retoscopia mostrou microulcerações e hiperemia da mucosa retal (Figura 3). A microscopia revelou a presença de infiltrado eosinofílico superior a 20 eosinófilos por campo de grande aumento (Figura 4).

Figura 3- Mucosa colônica friável com sangramento espontâneo à passagem do colonoscópio e microulcerações superficiais.

Figura 4- Microfotografia da mucosa colônica evidenciando infiltrado eosinofílico permeando o epitélio, na lâmina própria e nas glândulas crípticas.

Inicialmente o paciente foi mantido em aleitamento natural exclusivo tendo sido recomendada dieta isenta de leite de vaca e derivados e soja para a mãe. Como a mãe tivesse cometido transgressões à dieta os sintomas de sangramento retal persistiram, e, portanto, aos 3 meses de vida foi espontaneamente suspensa a lactação. A partir desta data foi introduzida fórmula à base de hidrolisado protéico extensivamente hidrolisado (Alfaré, Nestlé) e os sintomas desapareceram totalmente dentro dos próximos 3 dias. A partir dos 6 meses de idade foi introduzida dieta do desmame isenta de leite de vaca e derivados e soja, com boa aceitação e sem quaisquer intercorrências. Aos 12 meses foi realizado teste de provocação com fórmula láctea com sucesso.      


Família 2


STBP- sexo feminino, 5 meses de idade, com história de cólicas intensas e eczema retro-auricular desde os 45 dias de vida. Recebeu aleitamento natural exclusivo até os 3,5 meses e a mãe referia que os sintomas se acentuavam quando ela fazia ingestão de leite de vaca, ovos e chocolate. Ambos os pais com antecedentes alérgicos. Ao exame físico a paciente encontrava-se em bom estado geral, Peso= 6585 g e Comprimento= 63 cm, palidez cutâneo-mucosa ++, Hemoglobina= 8,5 g%. A colonoscopia revelou a presença de hiperemia da mucosa e aspecto de hiperplasia nodular linfóide. A microscopia evidenciou congestão vascular da mucosa e hiperplasia nodular linfóide (Figura 5).

Figura 5- Mucosa colônica evidenciando nódulos linfóides hipereplásicos em grande quantidade.

Inicialmente foi introduzida fórmula à base de hidrolisado protéico e ferroterapia 5 mg/kg/dia; porém como as manifestações clínicas persistissem esta fórmula foi substituída por outra à base de mistura de aminoácidos (Neocate, Danone) com boa aceitação e desaparecimento dos sintomas. Aos 7 meses encontrava-se assintomática, Hemoglobina= 9,5 g% e pesquisa de sangue oculto nas fezes negativa. Aos 12 meses foi introduzida dieta sólida isenta de leite de vaca e derivados e soja com boa aceitação. Aos 18 meses foi realizado teste de provocação com fórmula láctea com boa aceitação.



SVBP- sexo feminino, 3,5 meses de idade, com história de sangramento retal há 20 dias, na vigência de aleitamento natural exclusivo. Ao exame físico apresentava-se em bom estado geral, Peso= 5365 g, Comprimento= 59 cm, palidez cutânea ++, Hemoglobina= 10 g%. A colonoscopia revelou friabilidade da mucosa e microulcerações colônicas. A microscopia evidenciou a existência de colite eosinofílica (mais de 20 eosinófilos por campo de grande aumento). A mãe foi orientada a fazer dieta de exclusão de leite de vaca e derivados, soja, ovos, frutos do mar, frutos oleaginosos, amendoim, tendo havido regressão do sangramento retal. Porém, após a ingestão repetida de côco (doce de côco) ocorreu recidiva do sangramento retal. Nesta ocasião a mãe decidiu suspender o aleitamento natural e, então, foi introduzida fórmula à base de mistura de aminoácidos (Neocate, Danone), dexametasona durante 10 dias e ferroterapia 5 mg/kg/dia. A evolução mostrou-se favorável até os 6 meses quando foi introduzido complemento com dieta sólida à base de mistura de aminoácidos (Neocate semi-solid food, Danone). Entretanto, esta dieta continha óleo de côco e após 8 dias de sua introdução surgiu uma reação eczematosa nos membros superiores e inferiores (Figura 6), a qual foi atribuída à presença de possível fração peptídica de côco nesta formulação dietética.

Figura 6- Foto da mão direita mostrando forte reação eritematosa e edema em virtude da reação alérgica à dieta sólida contendo gordura de côco.

Diante disto, a dieta sólida foi suspensa e as lesões cutâneas desapareceram dentro de uma semana.  Em razão dessa intercorrência a paciente foi mantida exclusivamente com fórmula à base de mistura de aminoácidos até completar 12 meses de idade. Nesta ocasião foi introduzida dieta sólida isenta de leite de vaca e derivados, soja e côco, com boa aceitação. Aos 18 meses foi realizado teste de provocação com fórmula láctea com boa aceitação.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Sub-tipos de células T reguladoras e células T “Helper” em lactentes que apresentam sangramento retal causado por Colite Alérgica

As descrições de Colite Alérgica (CA) publicadas na literatura médica têm aumentado de forma significativa no mundo ocidental, de tal maneira que esta entidade passou a ser uma preocupação prioritária dos clínicos e dos pesquisadores em busca de uma melhor compreensão dos seus possíveis mecanismos fisiopatológicos íntimos de ação. Neste sentido no número de novembro de 2010 do Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition (JPGN 2010;51: 675-77) foi publicado um excelente trabalho realizado em Budapeste, Hungria, liderado por Aron Cseh e cols., utilizando uma metodologia altamente sofisticada de biologia molecular, com objetivo de investigar alguns aspectos imunológicos em um grupo de lactentes acometidos de CA. A seguir transcrevo os aspectos mais relevantes do referido trabalho.

Introdução
Nos países desenvolvidos a CA é uma das causas mais freqüentes de sangramento gastrointestinal (hematoquezia - HQ)) nos lactentes recebendo aleitamento natural. A Colite, tudo leva a crer, se deve a um mecanismo de hipersensibilidade a substâncias alergênicas excretadas pelo leite humano, e é considerada uma forma de alergia alimentar. Este conceito é sustentado pela experiência clínica de que a Colite é curada por meio da eliminação do suposto alergeno da dieta da mãe ou pela introdução de uma fórmula elementar. Atualmente há uma crescente evidência de que uma maturação retardada do sistema imunológico gastrointestinal desempenha um papel crucial no mecanismo fisiopatológico das alergias alimentares. De acordo com a hipótese da higiene (isto é, uma exposição sub-ótima dos indivíduos aos microorganismos do meio ambiente) a imunidade adaptativa encontra-se com sua função alterada nos indivíduos acometidos de alergias alimentares. A prevalência de células efetoras e linfócitos ativados e células T reguladoras encontra-se de fato diminuída em amostras de sangue periférico nas crianças com alergia alimentar. Simultaneamente também ocorrem alterações no número de células que apresentam um desvio de citocinas de TH1 para TH2.

O objetivo do presente estudo foi determinar o fenótipo do subtipo de células CD4+, tais como “ingênuas”/efetoras, a população de linfócitos T reguladores precocemente/tardiamente ativados, e conjuntamente com o envolvimento das citocinas TH1/TH2 na CA.

Pacientes e Métodos
Durante um período de 16 meses, 34 lactentes com sangramento retal (HQ) com idade média de 5 meses, variando de 4 dias a 7,5 meses foram investigados. Após terem sido afastadas infecção e fissuras anais, foi feita a recomendação para que as mães aderissem a uma dieta de eliminação de leite de vaca e ovos. Após 1 mês desta conduta, 11 lactentes que ainda estavam recebendo aleitamento materno persistiram com HQ; deste grupo de lactentes em um deles foi diagnosticada doença de Crohn por meio da colonoscopia. Os 10 lactentes remanescentes que persistiram com sangramento retal foram incluídos no estudo (Figura 1 e Tabela 1).


Nestes pacientes o diagnóstico de CA foi estabelecido levando-se em consideração os seguintes sinais característicos observados na colonoscopia, a saber: hiperplasia modular linfóide ou ulceração aftosa, aumento do número de eosinófilos no espécime da biópsia retal (>6 eosinófilos por campo de maior aumento) e desaparecimento do sangramento retal depois da suspensão do aleitamento materno e introdução de uma fórmula elementar à base de mistura de aminoácidos, sem que houvesse recorrência dos sintomas após um longo período de seguimento (13 à 24 meses).

Amostra de sangue foi obtida no momento do diagnóstico e uma segunda amostra foi coletada quando os sintomas desapareceram. Pesquisa de sangue oculto nas fezes foi realizada para verificar a completa ausência de sangramento retal.

Um grupo controle composto por 10 lactentes sadios, em aleitamento natural, pareados por sexo e idade, com dor abdominal funcional, foi constituído. Amostras de sangue foram obtidas para a realização de exames laboratoriais rotineiros.

Foram quantificados e identificados os seguintes marcadores de superfície celular: CD4, CD25, CD45RO, CD45RA, CD62L, CCR4 e CXCR3. Foram identificados os seguintes subtipos de células T “Helper” (por exemplo, CD4+), tais como linfócitos envolvidos com as citocinas TH1 e TH2 (por exemplo, CXCR3+ e CCR4+, respectivamente), células de memória “ingênuas”/efetoras (por exemplo, CD45RA e CD45RO, respectivamente), marcadores de expressão de ativação precoce e tardio (por exemplo, CD25+ e CD62L+, respectivamente), e linfócitos T reguladores (por exemplo, CD4+FoxP3+). Foram quantificados os níveis séricos de interferon (IFN)-gama e interleucina (IL)-4.

Resultados

Os resultados obtidos estão discriminados na Tabela 2.

A quantificação das células T no momento inicial do estudo revelou-se ser significativamente mais baixo nos lactentes com CA do que nos controles (P=0,03). Da mesma forma a relação CD4+CD5RA+/CD4+CD45RO+ foi maior, e a prevalência de células CD4+CD25+ foi menor nos lactentes com CA do que nos controles (P=0,02 e P=0,01, respectivamente). As relações CD4+CXCR3+/CD4+CXCR4+ e IFN-gama/IL-4 foram menores nos pacientes com CA em comparação com os controles (P=0,02 e P=0,04, respectivamente).

As alterações destes parâmetros também foram testadas após a cura da CA e observou-se que a prevalência das células T reguladoras elevou-se para os níveis de normalidade após a cura (P=0,02).

Discussão

O presente estudo revelou que a CA veio seguida por um número reduzido de células T reguladoras, um aumento da relação das células T “ingênuas”/memória, uma prevalência diminuída da atividade das células T e um desvio dos linfócitos CD4+T em direção às citocinas TH2. Posteriormente, com o desaparecimento dos sinais e sintomas da CA estas alterações também cessaram. Esses achados indicam que uma disfunção imune pode ter contribuído para este transtorno gastrointestinal nos lactentes.

Comentários

Na minha experiência ao longo destes muitos anos de atividade clínica tenho notado uma nítida e significativa mudança nas características de apresentação da alergia alimentar em lactentes. No início dos anos 1980 a maioria dos quadros clínicos por mim atendidos apresentavam-se sob a forma de síndrome de má absorção (Figuras 2 – 3 – 4 – 5 & 6), a qual acarretava perda de peso e parada do ritmo de crescimento, e do ponto de vista da morfologia do intestino delgado podia-se caracterizar atrofia das vilosidades de graus variados, inclusive atrofia vilositária sub-total, como demonstram as figuras abaixo.
Figura 2


Figura 3- Paciente com Alergia Alimentar e Síndrome de Má Absorção (vide Figura 6).

Figura 4- Material de biópsia de intestino delgado evidenciando atrofia vilositária sub-total.

Figura 5

Figura 6- Paciente antes e após o tratamento.

As manifestações de colite eram bem menos freqüentes. Entretanto, nestes últimos tempos tenho observado um nítido predomínio da manifestação de CA, característica esta, aliás, também descrita nos mais variados centros médicos internacionais de pesquisa. Especificamente no que se refere ao presente trabalho minha experiência coincide totalmente com as manifestações clínicas descritas pelos colegas húngaros. Sangramento retal é a manifestação mais óbvia, porém, quadro de irritabilidade intensa, devido a cólicas, durante o próprio ato da amamentação que praticamente impede o lactente de se amamentar com tranqüilidade, sem que ocorra sangramento retal visível a olho nu, e nem tampouco agravo do estado nutricional significativo, é também manifestação bastante freqüente (Figura 7).

Figura 7- Paciente com Colite Alérgica no momento do diagnóstico (vide Figura 14, após tratamento).

Do ponto de vista do estudo colonoscópico, hiperplasia nodular linfóide, úlcera aftosa e friabilidade da mucosa colônica têm sido os achados mais comuns (Figuras 8 – 9 – 10).

Figura 8


Figura 9
Figura 10- Visão da mucosa retal evidenciando friabilidade da mucosa e presença de pequenas ulcerações.

Quanto à análise morfológica podem ser observadas intensas eosinofilias em todas as camadas da mucosa retal (Figuras 11 & 12) e em algumas circunstâncias podem ser detectadas colites francas, inclusive com a presença de leucócitos polimorfonucleares no interior das criptas, caracterizando, desta maneira, verdadeiros abscessos crípticos (Figura 13). Estas por sua vez regridem totalmente com tratamento dietético apropriado (Figuras 14 & 15).

Figura 11

Figura 12- Material de biópsia retal evidenciando intensa eosinofilia em todas as camadas da mucosa.

Figura 13- Material de biópsia retal evidenciando colite e abscesso críptico.

Figura 14- Paciente com Colite Alérgica após a recuperação clínica.

Figura 15- Material de biópsia retal evidenciando recuperação morfológica.

Desde longa data é reconhecida a possibilidade de que alergenos alimentares venham a ser transmitidos pelo leite materno e, assim, nos indivíduos geneticamente susceptíveis de alergia, desencadear as manifestações de alergia alimentar. No presente trabalho os colegas húngaros demonstraram com elegância e precisão uma vasta série de imaturidades imunológicas em seus pacientes, as quais podem ser fatores determinantes da CA e que afortunadamente são deficiências transitórias, posto que com o desenvolvimento do lactente elas tenderam a desaparecer, o que é bem a característica desta doença, posto que ela é temporária, não é, pois, permanente. Por fim vale a pena enfatizar a imperiosa necessidade de se tentar à exaustão preservar o aleitamento natural buscando-se eliminar os principais alergenos da dieta da mãe. Nem sempre é uma tarefa fácil, muito ao contrário, na maioria das vezes reveste-se em árdua luta, um grande esforço do clínico no seu dever de dar apoio e segurança à nutriz, e claro, acima de tudo da própria mãe, que tem que se submeter a inúmeras restrições alimentares e sociais. Mas, ao longo da jornada, quando o sucesso é obtido, tudo se transforma em um doar-se altamente gratificante.