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quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

A realização do 7° World Congress of Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition, em Buenos Aires de 4 a 7 de dezembro de 2024, representou a definitiva consolidação deste evento universal, com sua segunda passagem pela América Latina

  

As expectativas de que este tipo de evento fosse vingar eram extremamente otimistas, visto que as 4 Sociedades Internacionais (Norte-Americana, Europeia, Latino-Americana e Pan-Asiática), foram ao longo dos anos estreitando laços cada vez mais sólidos entre elas, porém, algumas dúvidas pairavam entre os colegas de todos os continentes. Estas suspeitas se baseavam principalmente pelas enormes distâncias entre os locais de realização dos eventos, o que, sem dúvida alguma, envolvia elevados custos para a execução logística da sede do evento, passagens aéreas de longas distâncias dispendiosas, hospedagens, entre outras potenciais dificuldades que poderiam causar o fracasso do evento. Felizmente, porém, todos os obstáculos que se antepuseram e que poderiam afetar o sucesso dos eventos foram superados, desde o primeiro deles, que foi realizado em Boston em 2000, e, na sequência Paris 2004, Foz do Iguaçu 2008, Taipe 2012, Toronto 2016, e Kopenhagen 2020. Para nós latinos, o sucesso da segunda passagem do evento pelo nosso continente, agora em Buenos Aires, nos daria a prova cabal de que este tipo de evento estaria definitivamente consolidado. De fato, graças ao extraordinário labor da diretoria da LASPGHAN sob a presidência de José Spolidoro, e do Comitê Organizador sob o comando de Marina Orsi e Daniel D’Agostino, obteve-se um estrondoso êxito de público e de qualidade científica, com a presença de mais de 2500 inscritos dos mais variados países, com a participação dos mais reconhecidos experts em nível internacional nas diferentes áreas que abrangem o nosso campo do saber. As imagens abaixo expostas atestam de forma inequívoca o sucesso do evento portenho.




Cerimônia inaugural do Congresso, homenagem a Harland Winter, presidente do primeiro Congresso Mundial, Boston 2000, e Marina Orsi.


Marina Orsi a coordenadora e grande batalhadora pela organização do Congresso Mundial

 


Palestra de Carlo Di Lorenzo sobre Transtornos do Eixo Cérebro Trato Digestivo


Palestra sobre Esofagite Eosinofílica

Também, foi para mim, o prazer de reviver a longa e árdua caminhada, desde os primeiros passos da nossa LASPGHAN, a partir da sua fundação em 1975, da qual sou cofundador, vivenciando as inúmeras incertezas, se conseguiríamos levar adiante aquele ambicioso projeto proposto pelo nosso grande mestre Horácio Toccalino, que mesmo enfermo de uma doença incurável, manteve-se totalmente devotado, até seus últimos dias, para que nossa sociedade vicejasse, desde que seguíssemos fielmente a concretude da proposta dos seus Postulados.    

Postulados emitidos em novembro de 1975, redigidos em manuscrito a mim direcionados: 1- seguir o modelo argentino da especialidade; 2- Martins Campos divulgando nossa sociedade na Europa; 3- os argentinos e você (eu) fazendo o mesmo nos EUA, especialmente com os amigos Nichols e Torres-Pinedo; 4- realizar os encontros da sociedade periodicamente quando deva corresponder à data proposta; 5- publicar regularmente e de boa qualidade nos Arquivos de Gastroenterologia. Caso cumpramos estes postulados ninguém será capaz de frear os Latino-americanos. Querido Ulysses, novamente obrigado pela sua carta, mas necessito muitas outras cartas falando a respeito dos 5 postulados. Eu as espero!!! 





Uma oportuna revisão histórica da criação do Congresso Mundial

Para que possamos chegar a agosto de 2008 é necessário retroceder no tempo mais de duas décadas. Na verdade, tudo começou em 1994 e da forma mais improvável que se possa imaginar. Naquele ano realizava-se o XI Congresso Latino-Americano de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição em Pediatria em Caracas, Venezuela, e eu, excepcionalmente, havia decidido não participar do mesmo porque, por várias razões, não queria me ausentar de São Paulo naquele momento. Entretanto, o presidente do Congresso, um grande amigo de longa data, Dr. Hans Rommer, me telefonou dizendo que minha presença era imprescindível, ele contava com a minha participação ativa, inclusive conseguiria pagar minha hospedagem. Ao chegar, como sempre, o encontro com outros colegas e amigos da América Latina me encheram de alegria e num arroubo de entusiasmo lancei a ideia de organizar o próximo Congresso em 1996, em São Paulo, que foi aprovada pela assembleia geral. Por uma coincidência do destino o XII Congresso Latino-Americano de 1996, em São Paulo, serviu de trampolim para a criação dos Congressos Mundiais da nossa especialidade, e, consequentemente o de Iguaçu 2008.

A Federação Internacional de Gastroenterologia organiza periodicamente a cada 4 anos um Congresso Mundial da especialidade, naquela época era costume deixar reservado um pequeno espaço na grade do programa para a realização de um fórum de Gastroenterologia Pediátrica. Neste evento que foi realizado em Los Angeles, em 1994, eu havia sido convidado para dar duas palestras, convite que aceitei, para lá viajei com todas as despesas pagas pelo evento. Em lá chegando fui informado que em Houston, na semana seguinte ao término do Congresso de Los Angeles, seria realizada a quarta edição do Congresso combinado entre as congêneres Norte Americana (NASPGHAN) e Europeia de Gastroenterologia Pediátrica (ESPGHAN). Na verdade, estas duas sociedades pediátricas realizavam anualmente seus congressos, de forma independente, cada uma em seu respectivo continente há vários anos, mas a cada quatro anos passaram a realizar este congresso conjunto, alternando, de forma sequencial, o continente. Como neste ano tocava a organização do evento à NASPGHAN, Houston, foi a sede escolhida. Considerando que eu estava há apenas algumas horas de voo entre Los Angeles e Houston, as coincidências das datas (término de um e início do outro congresso) e meu enorme interesse na organização do Congresso Latino-Americano de 1996, em São Paulo, decidi por conta e risco ir para Houston. Sim, digo enorme interesse porque como no referido evento estariam reunidos em um mesmo local os mais prestigiosos profissionais de ambas as sociedades NASPGHAN e ESPGHAN, eu teria a rara oportunidade de manter contato pessoal diretamente com a nata da nossa especialidade, não somente com os expoentes cientificamente reconhecidos, como também com os dirigentes de ambas as sociedades. Teria eu, portanto, a possibilidade de convidar pessoalmente os palestrantes para o Congresso de São Paulo, contatar os dirigentes para organizar um futuro evento incluindo também a LASPGHAN, e, ao mesmo tempo, desfrutar a parte científica do evento assistindo as palestras e as apresentações dos trabalhos nas sessões de temas livres. Após esta viagem incorporei um desafio na minha carreira acadêmica, a organização de um Congresso Mundial.

Durante o Congresso Latino-Americano de 1996 fiz um profundo trabalho de prospecção para convidar, dentre os mais cientificamente reconhecidos, alguns palestrantes de ambas as sociedades. Sem desprezar, no entanto, o lado político da ideia da instituição de um potencial Congresso Mundial em breve futuro, tratei também de convidar os atuais presidentes de ambas as sociedades, bem como aqueles que tinham alguma simpatia pela minha causa e possuíam alguma capacidade de influenciar positivamente na consecução do meu projeto. Uma vez formulados os referidos convites houve positiva adesão aos mesmos por parte da maioria dos convidados.

Em 1995, para confirmar a presença de alguns palestrantes europeus viajei a Jerusalém, Israel, para participar do Congresso da ESPGHAN, principalmente para travar contato com o novo presidente da ESPGHAN, que havia sido recentemente eleito, Dr Samy Cadranel.



 Cadranel está radicado em Bruxelas, Bélgica, mas é marroquino de nacionalidade, e, por suas raízes de origem, conhecia muito bem nossa realidade. Ele mostrou-se, desde logo, totalmente sensível aos meus apelos pela realização de um evento de conotação mais abrangente, na verdade o Congresso Mundial. Cadranel de imediato aceitou meu convite para participar do XII Congresso Latino-Americano, e se comprometeu a defender a minha causa no continente europeu.

Chegamos a julho de 1996 e à realidade do XII Congresso Latino-Americano. Conforme o esperado o evento revestiu-se de um completo êxito, tanto no que diz respeito aos aspectos científicos quanto às negociações para a criação de um futuro Congresso Mundial. Do ponto de vista científico, a satisfação foi enorme posto que a maioria dos convidados internacionais, europeus e norte-americanos, esteve presente. Dentro das minhas expectativas o intercâmbio profissional e social entre eles e nossos colegas latino-americanos revelou-se altamente positivo. Quanto às negociações para a criação do Congresso Mundial, como aqui estiveram presentes o presidente da ESPGHAN e alguns expoentes da NASPGHAN, houve um avanço significativo, principalmente pela firme disposição de Cadranel em levar adiante junto aos seus pares europeus esta iniciativa, a qual lhe parecia altamente meritória. Da parte dos membros da NASPGHAN também houve boa aceitação, porém, uma decisão final para o SIM ou para o NÃO seria tomada no ano seguinte, em 1997, no Congresso Anual da ESPGHAN que seria realizado em Tessalônica, Grécia.

Em maio de 1997 realizava-se em Tessalônica o Congresso da ESPGAHN, o que para mim tratava-se de uma enorme expectativa porque estava seguro de que naquele evento haveria uma tomada definitiva de posição, para o SIM ou para o NÃO, quanto à disposição dos meus colegas europeus e norte-americanos de realmente se comprometerem com a realização do Congresso Mundial. A viagem à Grécia vinha, portanto, envolvida em um misto de otimismo e apreensão, otimismo porque durante o resto do ano após o Congresso Latino-Americano continuei batalhando pela realização do Congresso Mundial. Como parte deste trabalho tive a oportunidade de me reunir pessoalmente, mais de uma vez, com Dr. Ronald Sokol, presidente da NASPGHAN, em minha residência em São Paulo, para expor-lhe a importância da criação de um evento que englobasse todo o universo de especialistas radicados ao redor do globo sem quaisquer exceções. Sokol mostrou-se bastante sensibilizado com a ideia e se comprometeu a levar esta proposta para seus pares da NASPGHAN, o que me trazia um certo conforto, porque Cadranel já havia obtido o aval dos seus pares da ESPGHAN.

Ao chegar a Tessalônica fui imediatamente em busca de Cadranel para auscultar a atmosfera vigente quanto ao real apoio dos colegas europeus à nossa proposta. Cadranel me garantiu que não haveria maiores problemas, a criação do evento Congresso Mundial por parte dos europeus era algo absolutamente resolvido, restava discutir com os norte-americanos, cujo presidente da NASPGHAN, Sokol estava presente. Sokol trazia uma decisão favorável da sua sociedade, porém, seria necessário ter um acordo final do novo presidente eleito da NASPGHAN, Dr. Harland Winter. Após inúmeros contatos telefônicos trocados entre Sokol e Winter, finalmente havia sido dado o voto definitivamente a favor da criação do evento Congresso Mundial. Como Winter era o presidente eleito e estaria à frente da sua sociedade por ocasião da realização do evento, a proposta definitiva da sede seria Boston, porque era lá que Winter vivia e trabalhava. Finalmente, o sonho transformou-se em uma adorável realidade, tinha mais é que comemorar o êxito desta conquista (só eu sabia dentre todos eles o tamanho da grandeza que esta vitória representava para mim e para a nossa Sociedade), e levantar um brinde ao meu mestre Toccalino, pois a partir daquele instante nossa Sociedade estava definitivamente inserida no cenário mundial da Gastroenterologia Pediátrica, conforme ele propugnava em um dos seus postulados.



Membros do Comitê Organizador do I World Congress of Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition, reunidos em Toronto, Canadá em 1998. Da esquerda para a direita: Ron Sokol (Denver, NASPGHAN), Samy Cadranel (Bélgica, NASPGHAN), eu (LASPGHAN), Yuichiro Yamashiro (Japão, APPSPGHAN) e Harland Winter (Boston, NASPGHAN).

 Ainda em Tessalônica, tive mais uma alvissareira informação, soube da existência oficial de uma Sociedade de Gastroenterologia Pediátrica Asiática, a Asiatic and Pan Pacific Society of Pediatric Gastroenterology and Nutrition (APPSPGHN), que também desejava apoiar a criação e participar ativamente do evento Congresso Mundial.

Finalmente, uma vez definidos todos os aspectos políticos e administrativos para a realização do I World Congress of Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition, foi criado um comitê com representantes de cada uma das sociedades congêneres e marcada a primeira reunião deste comitê para o ano seguinte, em outubro de 1998, durante a realização do Congresso Anual da NASPGHAN em Toronto, Canadá. Nesta reunião ficaram então definitivamente acertadas todas as questões logísticas para a efetiva realização do I World Congress of Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition, Boston, em agosto de 2000.

Finalmente, após os longos anos de intensos trabalhos, desde que Foz do Iguaçu foi eleita a sede do Congresso Mundial, em março de 2003, pelos associados da LASPGHAN e posteriormente aprovada, em fevereiro de 2004, em reunião presencial do conselho da FISPGHAN, em Paris, era chegado, agora em agosto de 2008, o tão aguardado momento da sua materialização.



 




August 17, 2008.

Speech: Opening Ceremony

Dear Colleagues and Friends – Ladies and Gentlemen

In this historical evening an old dream of the pioneer mentors and founders of the Latin American Society, Horácio Toccalino and Martins Campos, is becoming reality. At this moment, I am quite sure that their spirits, wherever they may be, are here with us and will be guiding and illuminating all of us to make this the most successful World Congress ever.

I would like to thank my FISPGHAN colleagues for the unconditional support that they have given to our team to organize this event. Along these last 5 years, we have been working in a very friendly atmosphere in several face-to-face meetings in many different countries in almost all of the continents. Moreover, there have been two previous visits of FISPGHAN delegations to Iguassu to supervise and approve the venue of the World Congress.

I would also like to acknowledge my colleagues of the Host Executive Committee and the Scientific Committee for their deep commitment to the organization of the event. Over these last 4 years we had several face-to-face meetings in our headquarters in São Paulo in my beloved Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo and in many other countries always taking advantage of the presence of the majority of our members in scientific meetings in Latin America, North America and Europe.

A special mention to the sponsors from the pharmaceutical industry, particularly our diamond sponsors, for their financial contribution that has been of enormous importance to having make this event possible.

I would also like to express my gratitude to Mr. Julio Urban from Idealiza, our operational organizer, Mrs. Danielle Boukai from Blumar our official travel agency, and a very special acknowledgement to Drs. Carlos Garcia and Ulysses Fagundes for their tireless endeavor with an outstanding competence in the infrastructure organization of the World Congress.

My dearest delegates we are very pleased to welcome you and your families. Attendees came from 87 countries around the world to participate in this meeting with more than 2,300 persons. We are very proud of these numbers. On the other hand, we are quite aware about the difficulties you suffered to reach Iguassu. I want to apologize for all the possible inconveniences you may have gone through along your way to get here. However, I do hope you will be rewarded by an outstanding scientific program, a very friendly atmosphere for social relationships, taking advantage of a splendored panorama that nature of this region of Brazil offers to the visitors and the numerous possibilities of a delightful time for leisure.

I would like to encourage delegates and their relatives to enjoy every single moment of the stay with us and return safely back home with unforgettable memories of having participated in a magnificent event.

Finally, I earnestly wish you to enjoy the flavor of the Brazilian hospitality.

Thank you.

Ulysses Fagundes-Neto

President, Host Executive Committee, World Congress of Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition 3

 

 



A cerimônia de abertura do congresso teve a participação do grupo musical Meninos do Morumbi, que nos proporcionou momentos de grande alegria entusiasmando a audiência de forma espetacular.

 






 De volta a Buenos Aires...

Foi, especialmente para mim, um prazer enorme e mesmo emocionante reencontrar antigos amigos de longa data, que com eles viajei inesquecíveis jornadas em passado distante, e, mesmo aqueles com quem continuo viajando. Reencontrei também inúmeros ex-pós-graduandos a quem tive a felicidade e o prazer de orientar na nossa especialidade, que estão espalhados pelos mais diversos centros do nosso país, bem como outros ex-pós-graduandos latino-americanos que vieram se especializar conosco, atualmente exercendo a profissão em seus países de origem.



Com meu querido amigo Eduardo Cueto Rua desde 1973, quando fizemos nosso treinamento na especialidade no Policlínico Alejandro Posadas em Buenos Aires sob a orientação de Horácio Toccalino.


Nosso grupo de especialização em 1973, da esquerda para a direita: Luis Guimarey, Jorge Donatone, Eduardo Cueto Rua, Eu e Negro Rodriguez


Colegas da Gastropediatria da EPM


Com ex-pos-graduandas da Gastropediatria da EPM.


José Spolidoro e Carlo Di Lorenzo


Jon Vanderhoof e Harland Winter

Time Brasil

Bem-vinda Brisbane 2028!!!

 

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Diagnóstico e manejo da Esofagite Eosinofílica nas crianças: uma atualização da Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição em Pediatria

 


Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista JPGN publicou um artigo de revisão, em julho de 2024, intitulado “Diagnosis and management of eosinophilic esophagitis in children: An update from the European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN)”, de Jorge Amil-Dias e cols., que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

  1. Introdução

Esofagite Eosinofílica (EEo) trata-se de uma enfermidade inflamatória crônica do esôfago caracterizada por sintomas de disfunção esofágica, e por infiltração predominantemente eosinofílica no epitélio escamoso do esôfago, detectável histologicamente. Esta enfermidade é provocada por mecanismos imunológicos, mais comumente deflagrada por antígenos alimentares, que causam ampla diversidade de sintomas, tais como disfagia e até mesmo impactação alimentar, e fracasso do crescimento. EEo foi originalmente descrita em adultos em 1993, e sua associação com resposta à modificação dietética, foi relatada em uma coorte pediátrica em 1995, o que permitiu sua identificação como uma entidade distinta do refluxo gastroesofágico.

As primeiras normas de conduta coordenadas para estabelecer os critérios diagnósticos e o tratamento da EEo foram publicadas em 2007 e subsequentemente revisadas, refinando definições e recomendações com normas mais precisas baseadas em evidências, em pacientes pediátricos e adultos. A ESPGHAN publicou a sua primeira norma de conduta em 2014, contendo recomendações para o diagnóstico e o manejo da EEo em crianças. Considerando-se que as pesquisas básicas, translacionais e clínicas sobre a EEo tenham, desde então, aumentado de forma intensa, o que levou ao rápido envolvimento da compreensão dos mecanismos fisiopatológicos da enfermidade e as respostas terapêuticas, a atualização das normais de conduta da EEo em pediatria tornaram-se necessárias. Enquanto originalmente alguns pacientes que eram portadores de eosinofilia esofágica, e, que apresentavam regressão da mesma durante o tratamento com inibidores da bomba de próton, fossem considerados apresentar um diagnóstico alternativo de refluxo gastresofágico, atualmente tais pacientes devem ser diagnosticados como portadores da EEo. Algumas das recentes normas de conduta publicadas têm envolvidos ambos, pacientes adultos e pediátricos. Entretanto, é nosso sentimento que como os pacientes pediátricos apresentam aspectos clínicos específicos, tais como, fenótipo predominantemente inflamatório e o potencial benefício de utilização de diferentes protocolos diagnósticos e de tratamento, este grupo de pacientes que merece uma abordagem e discussão individuais. Alterações no algoritmo diagnóstico, abordagem dietética no tratamento e manejo específico das estenoses esofágicas nos pacientes pediátricos, representam apenas alguns aspectos da norma de conduta original da ESPGHAN, que justificam a presente revisão.

  1. Métodos

Foi constituído um grupo de gastropediatras que se dedicam ao estudo da EEo, e que realizou extensa revisão da literatura que resultou na proposta de afirmações e recomendações a respeito de 28 questões relevantes sobre a EEo, as quais fazem parte desta revisão.

A tabela 1 (mantido o idioma original, em inglês) aborda as diferentes perguntas, as afirmações e as recomendações.

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

A Tabela 2 explicita as principais diferenças entre a proposta atual e a norma de conduta de 2014 (mantido o idioma original, em inglês).

Tabela 2

Tabela 2

 

A Figura 1 traz a proposta de manejo e monitoração da EEo (mantido o idioma original, em inglês).

Figura 1

Figura 1

  1. Conclusões

A EEo pode causar um profundo impacto na qualidade de vida e na saúde mental das crianças afetadas bem como em suas famílias. Este profundo impacto inclui comportamento alimentar, dificuldades sociais, ansiedade, problemas do sono, depressão e problemas escolares. Os rápidos avanços no conhecimento a cerca dos fatores de risco da EEo, da endoscopia, como mais importante método diagnóstico, e os 3 pilares da primeira linha de tratamento, e, novas terapias no horizonte da EEo pediátrica, necessitam a reavaliação das propostas prévias e suas respectivas recomendações.

Referências Bibliográficas

  • Attwood SEA e cols. – Dig Dis Sci 1993;38:109-116
  • Dellon ES e cols. – Gastroenterology 2018;155:1022-1033
  • Dhar A e cols. – Gut 2022;71:1459-1487
  • Oliva S e cols. – JPGN 2022;75:325-333

terça-feira, 21 de novembro de 2023

A caracterização da Esofagite Eosinofílica em lactentes e pré-escolares

 

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista JPGN publicou o artigo intitulado Characterization of Eosinophilic Esophagitis in Infants and Toddlers”, de Suzanna Hirsch e cols, em julho de 2023, que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

 

INTRODUÇÃO

A Esofagite Eosinofílica (EEo) trata-se de uma enfermidade crônica imune-mediada caracterizada por eosinofilia esofágica e sintomas de disfunção esofágica. As manifestações clínicas da EEo são bastante variadas e são diferentes entre as crianças maiores e os adultos. As clássicas apresentações da EEo nos adultos e nas crianças maiores incluem disfagia ou impactação alimentar, enquanto nas crianças de menor idade podem se apresentar com dor abdominal, vômitos ou dificuldades na alimentação. Além disso, os pacientes menores podem apresentar sintomas extra intestinais, tais como: tosse, sibilos, ou ronquidão, embora a relação causal entre EEo e doença respiratória permaneça incerta. Há uma crescente produção de pesquisas relacionadas à EEo nas crianças, entretanto os estudos existentes incluem poucos lactentes e pré-escolares com idades menores de 2 anos, e poucos estudos têm investigado especificamente as manifestações clínicas e o tratamento da EEo neste grupo pediátrico.

Os objetivos do presente estudo foram os seguintes, a saber:

1)   Caracterizar as apresentações gastrointestinais e respiratórias da EEo nas crianças menores de 2 anos de idade e,

2)   Avaliar a resposta clínica e histológica no tratamento dessas crianças.

 

MÉTODOS

Foi realizada uma análise retrospectiva nas crianças menores de 2 anos de idade diagnosticadas como portadoras de EEo. A EEo foi definida pela presença de ≥ 15 eosinófilos por campo de grande aumento em pelo menos 1 biópsia esofágica. Os dados dos pacientes foram revisados levando-se em consideração os seguintes dados: idade, sexo, sintomas presentes, comorbidades, emprego passado e presente de supressão ácida, histórico dietético e restrições, e estudo vídeo fluoroscópico para a deglutição e avaliação de aspiração. Os achados endoscópicos mais salientes tais como: edema, exsudatos, sulcos, anéis, estenose e erosões ou úlceras foram pesquisados. Os achados histológicos foram analisados incluindo a contagem de eosinófilos em todos os níveis esofágicos.

DESFECHOS

Os arquivos dos pacientes foram revisados levando-se em consideração as endoscopias de seguimento, os resultados foram anotados e os pacientes foram classificados como segue:

1)   Remição da EEo, contagem de eosinófilos <15 ou

2)   Persistência da EEo, pico >15.

Os tratamentos da EEo em cada momento das endoscopias foram anotados e estes incluíam o uso de inibidor de bomba de próton (IBP), esteroides ingeridos e restrições dietéticas. A maioria dos pacientes recebeu uma combinação de tratamentos.

Considerando-se os tratamentos recebidos, no momento de cada endoscopia, os pacientes foram considerados como Respondedores ou Não Respondedores a cada combinação dos tratamentos. Respondedores (definido como pico de eosinófilos <15) foram os pacientes que alcançaram remição histológica e Não Respondedores (definido como pico de eosinófilos >15) foram os pacientes que mantiveram mais de 15 eosinófilos por campo de grande aumento.

RESULTADOS

Características dos pacientes

Foram identificadas 42 crianças menores de 2 anos de idade no momento do diagnóstico da EEo, cujas características clínicas estão demonstradas na Tabela 1.

  Tabela 1- Características demográficas dos pacientes ao ingressar no estudo

A idade média dos pacientes foi de 1,3±0,4 anos, e o mais jovem tinha 5 meses. O sintoma mais frequentemente apresentado foi dificuldade na alimentação (67%), a qual foi caracterizada por engasgo ou tosse durante a alimentação (60%) ou dificuldade na progressão dos alimentos sólidos (43%). Nenhum paciente apresentou relato de impactação alimentar.

Índice Endoscópico  

O índice endoscópico mostrou-se anormal em 30 pacientes (71%) e normal em 12 pacientes (29%). As anormalidades incluíram edema da mucosa (20/42 – 48%), sulcos (20/42 – 48%), exsudatos (17/42 – 41%) e erosões (1/42 – 1%). Não foram identificados anéis ou estenoses. Do ponto de vista histológico o pico médio de eosinófilos foi de 50pcga com a variação de 30 a 100pcga (Figura 1).

Figura 1- Alterações nas contagens dos eosinófilos no momento inicial e na primeira biópsia de seguimento.

Resposta Sintomática

Todos os pacientes apresentaram melhoria clínica em pelo menos 1 sintoma no primeiro seguimento. Houve uma significante redução de todos os sintomas durante o seguimento em comparação com os dados iniciais (Figura 2).

Figura 2- Porcentagem de pacientes com sintomas pré e pós-tratamento.

Seguimento longitudinal 

O número de respondedores e não respondedores para cada tratamento ou combinação de tratamentos e endoscopias de seguimento estão demonstrados na Figura 3.

Figura 3- Proporção de pacientes que alcançou remissão histológica após o tratamento.

 

Houve um significativo efeito positivo no tipo de tratamento em relação à resposta histológica e as melhores respostas observadas foram as combinações dieta/esteroides ou dieta/inibidor de bomba de próton e a pior resposta observada foi o uso isolado com inibidor de bomba de próton.

CONCLUSÕES  

Em resumo, este estudo demonstra que lactentes e pré-escolares portadores de EEo são mais frequentemente do sexo masculino, com forte história pessoal e familiar de atopia, e frequentemente apresentam dificuldades alimentares, vômitos ou sintomas respiratórios. EEo neste grupo etário pode mimetizar outros diagnósticos gastrointestinais frequentes, tais como refluxo, alergia à proteína do leite ou aspiração. Enquanto a maioria dos pacientes demonstrou melhoria clínica com os tratamentos padrões, utilizando-se uma combinação de dieta/esteroide ou dieta/IBP, sendo estes os mais efetivos, a lesão endoscópica é considerável e as respostas histológicas não podem ser mantidas a longo prazo. Futuras pesquisas prospectivas serão de grande utilidade para avaliar os desfechos terapêuticos e o curso da enfermidade neste grupo etário de crianças mais jovens.

MEUS COMENTÁRIOS

Este é um dos primeiros estudos que definem os aspectos clínicos e endoscópicos da EEo em lactentes e pré-escolares, e, ao mesmo tempo, avalia a resposta ao tratamento neste grupo etário de pacientes. Considerando que os sintomas são inespecíficos neste grupo etário, é importante compreender suas mais frequentes manifestações clínicas, e manter um alto índice de suspeição para a EEo quando estes sintomas estão presentes. Diferentemente dos pacientes maiores, nos quais as apresentações clássicas incluem disfagia e impactação dos alimentos, os mais frequentes sintomas nestes pacientes mais jovens são dificuldades na alimentação, vômitos, tosse e sibilos. Vale ressaltar que estes pacientes geralmente não têm agravo do seu estado nutricional, na grande maioria dos casos.

Outro aspecto que chamou a atenção neste estudo é que a avaliação endoscópica se revelou aparentemente normal em 29% dos pacientes, o que salienta a necessidade de incluir na rotina a análise histológica.

Os tratamentos dietéticos costumam variar intensamente, tanto quanto as alterações das fórmulas e quanto as restrições de alimentos sólidos. No presente estudo 40% dos pacientes foram tratados apenas com restrição dietética, enquanto 71% deles que foi tratado com uma combinação de restrição dietética e IBP ou esteroides apresentou remissão histológica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1)   Suzanna Hirsch e cols. JPGN 2023; 77:86-92.

2)   Lyles JL e cols. J Allergy Clin Immunol 2021;147:244-54.

3)   KeLes MN e cols. Dysphagia 2023;38:474-82.

4)   Witmer CP e cols. JPGN 2018;67:610-5.