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sábado, 23 de maio de 2015

Constipação Intestinal Funcional na Infância: Manifestações Clínicas, Investigação Laboratorial, Diagnóstico e Tratamento (Parte 3)

Conclusões

As crianças que sofrem de constipação funcional relatam ter uma qualidade de vida prejudicada em relação às queixas físicas e a longa duração dos sintomas. A qualidade de vida relatada pelos pais destas crianças mostra-se ainda mais pessimista do que aquela descrita pelas próprias crianças. Ainda mais importante, aquelas crianças que persistem apresentando sintomas de constipação encontram-se sob o risco de apresentarem comportamento global abaixo do esperado e de sofrer uma deficiente qualidade de vida na infância e mesmo ao atingirem a idade adulta. 

A experiência de vários centros médicos tem demonstrado que somente 50% de todas as crianças com constipação seguidas durante 6 a 12 meses, recuperam-se com sucesso e deixam de necessitar o uso de laxantes. Além disso, cerca de 50% dos pacientes que utilizam laxantes queixam-se de vários efeitos colaterais tais como, dor abdominal, distensão, flatulência, diarreia e náusea. A situação torna-se ainda mais problemática quando a constipação crônica vem acompanhada de escape fecal, porque além do problema da constipação em si, tem-se o agravo do estigma social decorrente do odor extremamente desagradável exalado pelo paciente. É, portanto, sob este ponto de vista que esforços devem ser envidados para curar a constipação de forma definitiva e assim evitar que os efeitos colaterais adversos da constipação funcional crônica prejudiquem de forma significativa a qualidade de vida dos nossos pacientes.

Tabela 1: Critérios diagnósticos Roma III da constipação funcional

Na ausência de patologia orgânica, mais de ≥2 dos seguintes sintomas necessitam ocorrer:

a.Para crianças com desenvolvimento neuropsicomotor <4 anos:="" br="">
1)   ≤2 evacuações por semana
2)   Pelo menos um episódio de escape fecal por semana após haver adquirido o treinamento esfincteriano
3)   História de retenção fecal excessiva
4)   História de dor para evacuar
5)   Presença de bolo fecal no reto
6) História de fezes de grande diâmetro que entopem o vaso sanitário

Outros sintomas também podem estar presentes, tais como: irritabilidade, apetite diminuído e/ou saciedade precoce que desaparece com a evacuação de grande volume fecal.

b) Para crianças com desenvolvimento neuropsicomotor ≥4 anos:

1)   ≤2 evacuações no vaso sanitário por semana
2)  Pelo menos um episódio de escape fecal por semana após haver adquirido o treinamento esfincteriano
3) História de postura de retenção ou comportamento de retenção
4)   História de dor para evacuar
5)   Presença de bolo fecal no reto
6) História de fezes de grande diâmetro que entopem o vaso sanitário

Tabela 2: Diagnósticos diferenciais da constipação nos lactentes, pré-escolares, escolares e adolescentes

- Doença Celíaca
- Hipotireoidismo, Hipercalcemia e Hipocalemia
- Diabete melito  
- Alergia Alimentar
- Drogas: opiáceos, anticolinérgicos, antidepressivos,   quimioterápicos e chumbo
- Intoxicação por vitamina D
- Botulismo
- Fibrose Cística 
- Doença de Hirschsprung
- Acalasia anal
- Inércia colônica
- Má formações anatômicas: anus imperfurado,      estenose anal 
- Tumor pélvico
- Anomalias da coluna vertebral
- Anormalidade da musculatura abdominal
- Pseudoobstrução intestinal
- Múltipla neoplasia endócrina

Tabela 3 – Sinais e sintomas de alarme na constipação

- Constipação de início extremamente precoce na vida (<1 m="" o:p="" s="">
- Eliminação do mecônio >48 horas
- História familiar da Doença de Hirschsprung
- Sangue nas fezes na ausência de fissura anal
- Failure to thrive
- Febre
- Vômitos biliosos
- Anormalidade da tireóide
- Grande distensão abdominal
- Fistula perianal
- Posição anormal do anus
- Ausência dos reflexos anal e cremastérico
- Hipotonia dos músculos dos membros inferiores
- Tufo de pelos na coluna vertebral
- Medo extremo durante a inspeção anal
- Mácula anal
- Ondulação sacral
- Desvio do sulco glúteo

Tabela 4: Dosagem dos laxantes orais e retais mais frequentemente utilizados

Laxantes orais

a)   Osmóticos
- Lactulose (10g/15ml): 1-3ml/kg , 1-2x/d
- PEG 3350 (com eletrólitos): dose de manutenção 0,3-0,8g/kg/d;
- PEG 4000 (sem eletrólitos): dose para impactação fecal 1-1,5g/kg/d (máximo de 7 dias consecutivos)
- Leite de magnésia (400mg/5ml): 1-3ml/kg/d

b)   Estimulantes
- Bisacodil (5mg/comprimido): 3-10 anos, 5mg/d; > 10 anos, 5-10mg/d
- Sena (8,8g/15ml): 2-6 anos, 5ml/d; 6-12 anos, 10ml/d; > 12 anos, 15ml/d.

c) Umedificantes
- Óleo mineral: 1-3ml/kg/d

Laxantes por via retal (enemas)

a)   Bisacodil: 2-10 anos, 5ml/d; >10 anos, 5-10mg/d
b)   Fosfato de sódio: 1-18 anos, 2,5ml/kg/d
c)   Cloreto de sódio: recém nascido 5ml a 10ml/d; >1 ano, 6ml/kg/d
d)   Óleo mineral: 2-11 anos, 30-60ml/d; >11 anos, 60-150ml/d.
             
Referências Bibliográficas

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11. Metaj M, Laroia N et al. Comparison of breast-and-formula-fed normal newborns in time to first stool and urine. J Perinatol 2003;23:624-8.

12. Jung PM. Hirshsprung’s disease: one surgeon’s experience in one institution. J Pediatr Surg 1995;30:646-51.

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18. Pijpers MA, Tabbers MM et al. Currently recommended treatments of childhood constipation are not evidence based: a systematic review on the effect of laxative treatment and dietary measures. Arch Dis Child 2009;94:117-131.

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28. Lembo AJ, Kurtz CB et al. Efficacy of linaclotide for patients with chronic constipation. Gastronterology 2010;138:886-895.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Constipação Intestinal Funcional na Infância: Manifestações Clínicas, Investigação Laboratorial, Diagnóstico e Tratamento (Parte 2)

-Desimpactação 

É do conhecimento geral que o tratamento da constipação torna-se menos eficiente caso a impactação fecal não seja inicialmente tratada. Deve-se utilizar uma associação da história clínica pregressa e o exame físico para estabelecer o diagnóstico da impactação fecal. É importante obter informação sobre a possível existência de escape fecal e buscar a presença de um bolo fecal à palpação da fossa ilíaca esquerda e/ou mesmo por meio do toque retal. A realização da desimpactação fecal previamente ao início do tratamento de manutenção por meio do uso de laxantes orais ou retais é recomendada para aumentar a taxa de sucesso e reduzir o número de episódios de escapes fecais. Há muitos anos já tem sido comprovado que a omissão da realização da desimpactação inicial passando-se diretamente para o uso de laxantes orais resulta em um aumento do número dos episódios de escape fecal. Por outro lado, um ensaio clínico controlado e randomizado recentemente realizado comparando a utilização de enemas diários e Polietilenoglicol (PEG) (1,5g/kg/dia) durante 6 dias consecutivos mostraram-se igualmente eficientes no tratamento da impactação fecal em crianças com constipação funcional (20). Na verdade, quando se comparou o uso do PEG com o enema, o primeiro mostrou-se associado a um maior número de escapes fecais. Considerando-se os dados deste estudo, deve-se dar preferência à utilização de enemas para se obter melhor resultado para debelar a impactação fecal (21).

-Terapia de Manutenção 

Após o curto período da desimpactação está indicado o início da terapia de manutenção para prevenir a formação de um novo bolo fecal. Há diversos laxantes para uso por via oral, e, em algumas ocasiões enemas, que podem ser prescritos, a saber: laxantes osmóticos, tais como a Lactulose e PEG; laxantes estimulantes, tais como bisacodil ou sena, ou umidificadores das fezes, tais como o óleo mineral. Duas revisões sistemáticas avaliaram a eficácia do PEG com ou sem eletrólitos versus placebo no tratamento da constipação crônica em crianças. Embora o PEG com eletrólitos tenha resultado em um alívio significativo da constipação em comparação com o placebo no que diz respeito à diminuição da dor para evacuar e no número de evacuações por semana, ele não apresentou diferenças no número médio de episódios de escape fecal entre os grupos estudados (22). Recentemente foi realizada uma revisão sistemática da literatura envolvendo 5 ensaios clínicos comparando PEG com Lactulose. Dois destes estudos mostraram que a eficácia do PEG foi superior à Lactulose no que diz respeito ao aumento do número de evacuações, enquanto que os outros três estudos não demonstraram diferenças significativas no aumento da frequência das evacuações. Em geral, a Lactulose parece ter provocado mais efeitos colaterais adversos, como por exemplo, dor abdominal, quando comparada ao PEG. Porém, efeitos colaterais intensos são infrequentes quando a Lactulose é usada em doses apropriadas e sob supervisão adequada (23).

O manual de conduta holandês (14) recomenda o emprego de Lactulose como medicamento de primeira escolha para o tratamento da constipação funcional em crianças menores de um ano de idade. Para crianças maiores de um ano de idade, ambos Lactulose e PEG (com ou sem eletrólitos), podem ser indicados como medicamentos de primeira escolha para o tratamento da constipação funcional. Uma das principais razões para se recomendar o uso da Lactulose ao invés do PEG em crianças menores de um ano de idade na Holanda, é o aspecto da segurança, posto que a Lactulose tem sido usada há  muito mais tempo do que o PEG, sem provocar efeitos colaterais graves. A Tabela 4 descreve os laxantes orais e retais mais frequentemente utilizados e suas respectivas doses.

O manual de conduta holandês (14) recomenda que a medicação deva ser gradualmente diminuída somente depois de pelo menos dois meses consecutivos de tratamento, e o paciente deve estar livre dos sinais da constipação. As crianças que estiverem no processo de treinamento do controle esfincteriano devem permanecer recebendo laxantes até que este processo esteja bem estabelecido. Os laxantes não devem ser suspensos abruptamente, mas as doses devem ser gradualmente reduzidas durante um período de alguns meses desde que haja uma resposta positiva quanto à frequência das evacuações e a consistência das fezes. As figuras 3 e 4 mostram dois algoritmos para o diagnóstico e o tratamento da constipação funcional da criança de acordo com o manual de conduta holandês: um para crianças menores de um ano de idade e outro para crianças acima de um ano de idade. 

-Terapia Comportamental 

A terapia comportamental sempre deve vir acompanhada do uso de laxantes por via oral, cujo objetivo é o de reduzir o nível de estresse e, além disso, desenvolver ou restaurar os hábitos intestinais normais por meio de um reforço positivo. Van Dijk e cols., em 2008 (24), publicaram um ensaio clínico randomizado comparando a terapia comportamental realizada por um psicólogo pediátrico (utilizando o processo de aprendizagem para reduzir as reações fóbicas relacionadas com a evacuação, o qual consiste de 5 passos sequenciais, a saber: conhecer – cuidar – poder – desejar – fazer) versus a terapia comportamental com o tratamento convencional realizado por um gastroenterologista pediátrico (educação – diário – treinamento esfincteriano com sistema de premiação), durante 22 semanas e que incluíram 12 visitas. Ambos os grupos foram tratados com o uso de laxantes similares. Embora tenha sido encontrado um aumento estatisticamente significante na frequência das evacuações, bem como uma redução dos escapes fecais em ambos os grupos, não houve diferenças significativas na frequência das evacuações e nem tampouco no número de episódios de escape fecal ao cabo das 22 semanas e 6 meses depois, entre os dois grupos estudados. Além disso, não ocorreram diferenças significativas nas taxas de sucesso entre ambos os grupos. Após 6 meses, o percentual de crianças com problemas comportamentais mostrou-se significantemente mais baixo no grupo que recebeu terapia comportamental comparado com o grupo tratado convencionalmente (11,7% vs 29,2%). O manual de conduta holandês (14), no qual se baseou parcialmente este estudo, recomenda a indicação de tratamento com psicólogos somente naquelas crianças que apresentam graves problemas emocionais. Além disso, a terapia comportamental pode ser de grande valia naquelas crianças cuja terapia com laxantes tenha fracassado.

-Tratamentos Não Farmacológicos 

O tratamento da constipação é de longa duração e as recidivas são frequentes. Portanto, não é surpreendente que os pais das crianças com transtornos funcionais da defecação venham a procurar auxilio de outros profissionais da saúde. O tratamento não farmacológico inclui uma intervenção multidisciplinar, o emprego de pré e pró-bióticos, e medicamentos alternativos (acupuntura, homeopatia, terapia mente e corpo, manipulações músculo-esqueléticas, tais como manipulações osteopráticas e quiropráticas, e terapias espirituais como a Yoga). Vlieger e cols., em 2008 (25), demonstraram que 36,4% das crianças com constipação funcional usaram alguma forma de medicina complementar, tais como acupuntura e homeopatia. Entretanto, não existem na literatura ensaios clínicos controlados e randomizados que avaliem a eficácia de tratamentos multidisciplinares ou quaisquer tratamentos com medicações alternativas, os quais, portanto, não devem ser recomendados.

Algumas hipóteses têm sido postuladas do por que os pró-bióticos possam vir a ter um potencial terapêutico para o tratamento da constipação. Neste sentido tem sido sugerida a existência de uma disbiose na flora intestinal em pacientes com constipação, a qual pode ser regulada depois da ingestão de pró-bióticos. Entretanto, não esta claramente definida se a disbiose é uma manifestação secundária da constipação ou um mero fator contribuinte para a constipação. Por outro lado, os pró-bióticos podem diminuir o pH do intestino grosso, aumentando a peristalse, o que subsequentemente diminui o tempo do trânsito colônico. Uma revisão sistemática incluindo dois ensaios clínicos controlados e randomizados avaliaram os efeitos dos pró-bióticos. Um estudo demonstrou aumento da frequência das evacuações e uma diminuição na frequência da dor abdominal quando se utilizou o pró-biótico Lactobacillus casei rhamnosus em comparação com um placebo. O outro ensaio mostrou que o pró-biótico Lactobacillus casei GG não se revelou eficaz como tratamento coadjuvante da Lactulose. Ambos os ensaios não descreveram quaisquer eventos adversos nos grupos que receberam os pró-bióticos (26).

Pré-bióticos são carboidratos de cadeia curta que alteram a composição ou o metabolismo da microbiota intestinal de uma maneira benéfica. É esperado, portanto, que os pré-bióticos venham a melhorar o estado de saúde de um modo similar ao induzido pelos pró-bióticos, enquanto que, ao mesmo tempo, são mais baratos, oferecem menores riscos de complicação e são mais facilmente incorporáveis à dieta que os pró-bióticos. Em relação aos pré-bióticos há na literatura uma única revisão sistemática de um ensaio clínico randomizado e controlado comparando uma fórmula rotineira com uma fórmula contendo uma mistura de pré-bióticos. Não houve qualquer diferença significativa entre os dois grupos estudados no que se refere à frequência das evacuações por semana após três semanas de estudo, mas, no grupo que recebeu pré-bióticos houve uma pequena melhora no que diz respeito à consistência das fezes, embora este achado não tenha se mostrado estatisticamente significante (18). Tomando-se por base esses dados limitados, o uso rotineiro de pré ou pró-bióticos para o tratamento da constipação na infância não está recomendado no manual de conduta holandês (14). 

-Secretagogos intestinais: Lubiprostone e Linaclotide

Recentemente, dois novos medicamentos têm sido utilizados no tratamento da constipação em pacientes adultos e iniciam a ter alguma experiência em pacientes pediátricos com sucesso. Estes medicamentos estimulam a secreção de fluido e eletrólitos para o lumem do intestino e, desta forma, aceleram o transito colônico e também facilitam a evacuação.


Ambas as drogas secretagogas, lubiprostone e linaclotide, aumentam a secreção intestinal de cloreto pela ativação dos canais da superfície apical dos enterócitos. Para manter a eletroneutralidade o sódio é também secretado para o lumem intestinal por outros transportadores de ion, e desta forma a água é também secretada. A lubiprostoni é um acido graxo bicíclico derivado da prostaglandina E1, a qual tem por ação ativar os canais de cloreto e, também, acelerar o trânsito intestinal e colônico (27). A linaclotide é um aminoácido homólogo a uma enterotoxina termo-estável que causa diarreia através do estimulo da Guanililciclase C, a qual abre os canais de cloreto e produz uma secreção de ions e água para o interior do lumem intestinal (28). 

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Constipação funcional: diagnóstico e tratamento (2)

TRATAMENTO

Os objetivos do tratamento das crianças com constipação devem estar voltados para restaurar o padrão rotineiro das evacuações (fezes pastosas e evacuações indolores), desaparecimento do escape fecal e prevenção de recidivas. Há quatro passos importantes para serem dados durante o processo terapêutico e que devem ser enfatizados, a saber: 1- Educação; 2- Desimpactação; 3-Prevenção da formação do bolo fecal e 4- Acompanhamento clínico.

1- Educação
O tratamento da constipação deve começar pela desmistificação, educação e ao mesmo tempo por uma abordagem não punitiva por parte dos pais e médicos. Deve ser fornecida informação detalhada a respeito da prevalência e dos sintomas, inclusive antevendo a ocorrência de períodos intermitentes de agravos e de alívios da constipação. Esta informação deve também conter uma explicação aos pais e, quando possível, à criança, a respeito da etiologia do escape fecal. O escape fecal ocorre em virtude da produção de fezes amolecidas decorrente e/ou semilíquidas da existência do bolo fecal impactado no reto, o qual provoca a produção de uma secreção serosa pela mucosa retal que arrasta pequenas quantidades de material sólido dos bordos do bolo fecal. Desta forma a criança não consegue reter este material semilíquido e, portanto, este evento não deve ser encarado como um distúrbio comportamental da criança. Uma explanação clara deste processo auxiliará os pais e a criança na melhor compreensão deste sinal tão frustrante, o que deverá ser mais facilmente aceito. Uma revisão sistemática da literatura mostrou que somente 50% de todas as crianças acompanhadas de 6 a 12 meses apresentaram recuperação total do escape fecal e foram “desmamadas” com sucesso do uso de laxantes. Os familiares e a criança devem ser informados deste percentual antes do início do tratamento para se tentar conseguir um aumento da adesão ao mesmo.

Além da educação, aconselhamento dietético também deve ser oferecido, o qual consiste na ingestão rotineira de líquidos e fibras. Não há uma evidência de que a ingestão aumentada de líquidos ou fibras no tratamento da constipação esteja suficientemente confirmada para que se faça a recomendação destes elementos no manejo da constipação funcional. Entretanto, um aumento do consumo de líquidos para alcançar os níveis diários recomendados é essencial. Usualmente, o lactente necessita receber 150 ml/kg/dia de líquidos. Crianças sadias pesando 10 ou mais quilogramas necessitam de 1000 a 1500 ml/dia. A quantidade recomendada da ingestão de fibras para crianças acima de 2 anos deve ser calculada levando-se em consideração a idade em anos, acrescida de 5 g/dia (por exemplo: uma criança de 7 anos de idade deve ingerir 12 g/dia de fibra).

A despeito do fato de que não haja uma evidência definitiva do aumento da atividade física para o alivio da constipação, exercícios físicos devem ser estimulados. Há um consenso sobre a observação clínica de que a falta de atividade física pode ser um fator contribuinte para a constipação. Uma atividade física rotineiramente recomendada consiste em uma hora por dia de exercício de intensidade moderada. Além disso, todas as crianças com idade de desenvolvimento neuropsicomotora correspondente a 4 anos de idade, devem ser instruídas a tentar evacuar no vaso sanitário durante 5 a 10 minutos depois de cada refeição (3x ao dia).

2- Desimpactação
É do conhecimento geral que o tratamento da constipação torna-se menos eficiente caso a impactação fecal não seja inicialmente tratada. Deve-se utilizar uma associação da história clínica pregressa e o exame físico para estabelecer o diagnóstico da impactação fecal – deve-se obter informação sobre possível escape fecal e o achado de bolo fecal à palpação da fossa ilíaca esquerda e/ou mesmo por meio do toque retal. A realização da desimpactação fecal previamente ao início do tratamento de manutenção por meio do uso de laxantes orais ou retais é recomendada para aumentar a taxa de sucesso e reduzir o número de episódios de escapes fecais. Há muitos anos já tem sido comprovado que a omissão da realização da desimpactação inicial passando-se diretamente para o uso de laxantes orais resulta em um aumento do número dos episódios de escape fecal. Por outro lado, um ensaio clínico controlado e randomizado recentemente realizado comparando a utilização de enemas diários e Polietilenoglicol (PEG) (1,5g/kg/dia) durante 6 dias consecutivos mostraram-se igualmente eficientes no tratamento da impactação fecal em crianças com constipação funcional. Na verdade, quando se comparou o uso do PEG com o do enema, o primeiro mostrou-se associado a um maior número de escapes fecais. Considerando-se os dados deste estudo, deve-se dar preferência à utilização de enemas para obter-se melhor resultado para debelar a impactação fecal.

3- Terapia de Manutenção
Após o curto período da desimpactação deve-se iniciar a terapia de manutenção para prevenir a formação de um novo bolo fecal. Há diversos laxantes para uso por via oral, e, em algumas ocasiões enemas, que podem ser prescritos, a saber: laxantes osmóticos, tais como a Lactulose e PEG; laxantes estimulantes, tais como bisacodil ou sena, ou umidificadores das fezes, tais como o óleo mineral. Nós discutiremos as evidências existentes no que dizem respeito aos laxantes mais frequentemente utilizados, Lactulose e PEG. Duas revisões sistemáticas avaliaram a eficácia do PEG com ou sem eletrólitos versus placebo no tratamento da constipação crônica em crianças. Embora o PEG com eletrólitos tenha resultado em um alívio significativo da constipação em comparação com o placebo no que diz respeito à diminuição da dor para evacuar e no número de evacuações por semana, ele não apresentou diferenças no número médio de episódios de escape fecal entre os grupos estudados. Recentemente foi realizada uma revisão sistemática da literatura envolvendo 5 ensaios clínicos comparando PEG com Lactulose. Dois destes estudos mostraram que a eficácia do PEG foi superior à Lactulose no que diz respeito ao aumento no numero de evacuações, enquanto que os outros três estudos não demonstraram diferenças significativas no aumento da frequência das evacuações. Em geral, a Lactulose parece ter provocado mais efeitos colaterais diversos, como por exemplo, dor abdominal, comparado ao PEG. Porém, efeitos colaterais intensos são infrequentes quando a Lactulose é usada em doses apropriadas e sob supervisão adequada.

O manual de conduta holandês recomenda o emprego de Lactulose como medicamento de primeira escolha para o tratamento da constipação funcional em crianças menores de um ano de idade. Para crianças maiores de um ano de idade ambos, Lactulose e PEG (com ou sem eletrólitos), podem ser indicados como medicamentos de primeira escolha para o tratamento da constipação funcional. Uma das principais razões para se recomendar o uso de Lactulose ao invés de PEG em crianças menores de um ano de idade na Holanda, é o aspecto da segurança, posto que a Lactulose tem sido usada durante muito mais anos do que o PEG, sem provocar efeitos colaterais graves. A Tabela 4, abaixo, descreve os laxantes orais e retais mais frequentemente utilizados e suas respectivas doses.

O manual de conduta holandês recomenda que a medicação deva ser somente gradualmente diminuída depois de pelo menos dois meses consecutivos de tratamento e o paciente deve estar livre dos sinais de constipação. As crianças que estiverem no processo de treinamento do controle esfincteriano devem permanecer recebendo laxantes até que este processo esteja bem estabelecido. Os laxantes não devem ser suspensos abruptamente, mas as doses devem ser gradualmente reduzidas durante um período de alguns meses desde que haja uma resposta positiva quanto à frequência das evacuações e a consistência das fezes. As figuras 1 e 2 mostram dois algoritmos para o diagnóstico e o tratamento da constipação funcional da criança de acordo com o manual de conduta holandês: um para crianças menores de um ano de idade e outro para crianças acima de um ano de idade.

Algorítmo 1

Algorítmo 2

No nosso próximo encontro continuarei a abordar o tratamento da Constipação Funcional na infância.