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quinta-feira, 10 de agosto de 2023

A expressão do Transportador de Recaptação da Serotonina na Síndrome do Intestino Irritável é modulada pela microbiota intestinal por meio dos mastócitos-prostaglandina E2

 

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista Gastroenterology publicou o artigo intitulado “Mucosal Serotonin Reuptake Transporter Expression in Irritable Bowel Syndrome is Modulated by Gut Microbiota via Mast Cell-Prostaglandin E2”, de Jun Gao e cols, em junho de 2022, que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

INTRODUÇÃO

A serotonina (5-HT) é uma molécula chave parácrina e neurócrina presente no trato digestivo, no qual desempenha papel essencial na regulação da motilidade, secreção, vasodilatação, nocicepção e inflamação. O aumento dos níveis plasmáticos pós prandiais da 5-HT nos pacientes com Síndrome do Intestino Irritável (SII) com predominância de diarreia (SII-D), e com alívio significativo dos sintomas sob tratamento com antagonistas do receptor 5-HT sugere que a atividade diminuída da regulação da 5-HT pode contribuir para a fisiopatologia da SII-D. A maior quantidade intestinal da 5-HT é sintetizada pelas células enterocromafins por meio da enzima triptofano hidrolase1 e liberada como resposta a estímulos mecânicos e químicos no lúmen intestinal. O esgotamento da produção da 5-HT repousa quase que exclusivamente no transporte intracelular pelo transportador seletivo de recaptação da serotonina (TRS) o qual se expressa em todas as células epiteliais intestinais. A principal enzima responsável pela degradação da 5-HT nos tecidos colônicos é a monoaminaoxidase A, que é codificada pelo gene MAOA. A diminuição da expressão do TRS no trato digestivo de pacientes com SII pode contribuir para o aumento do nível de 5-HT no cólon dos pacientes com SII-D. Além disso, camundongos desprovidos desse transportador apresentam diarreia aquosa com aumento da motilidade colônica e hipersensibilidade visceral. Todas essas observações dão suporte à tese de que a captação diminuída de 5-HT pelas células epiteliais, e que, portanto, resultam em um aumento da 5-HT no cólon, podem desempenhar um papel importante na fisiopatogenia da SII-D.

Os Mastócitos são ativados por estímulos externos e liberam efetores que podem causar sintomas da SII-D. Medicamentos que possuem propriedades estabilizadores sobre os mastócitos, ao que tudo indica causam alívio da dor e da diarreia na SII-D. Nós demonstramos que a administração intracolônica de sobrenadantes da mucosa colônica de pacientes com SII-D induz hipersensibilidade visceral em ratos por meio da síntese aumentada e respectiva liberação da Prostaglandina E2 (PGE2) desde os mastócitos, os quais por sua vez ativam os neurônios dos gânglios dorsais. No presente trabalho foi investigado se o TRS é modulado pela microbiota intestinal via mastócitos-PGE2.

MÉTODOS

Pacientes

Foram recrutados 14 pacientes portadores de SII-D e 14 indivíduos sadios que serviram como controle. Foram realizadas infusões intracolônicas em camundongos com o sobrenadante fecal dos indivíduos com SII-D e com os controles sadios. O papel dos mastócitos foi estudado em camundongos com deficiência de mastócitos. Organoides colônicos ou mastócitos foram utilizados para experimentos in vitro, a expressão do TRS foi mensurada pela reação quantitativa da polimerase em cadeia. Respostas visceromotoras devido à distensão coloretal e trânsito colônicos foram avaliadas.

RESULTADOS  

A infusão intracolônica do sobrenadante fecal dos indivíduos com SII-D nos camundongos causou aumento da 5-HT na mucosa, em comparação com aquela observada nos controles sadios, acompanhada por uma redução de 50% na expressão do TRS. O tratamento in vitro com lipopólissacarídeo (LPS) provocou aumento da enzima oxigenase-2 e liberação de PGE-2 nos mastócitos dos camundongos. A infusão intracolônica do sobrenadante fecal dos pacientes com SII-D nos camundongos reduziu o tempo de trânsito colônico, aumentou o conteúdo fecal de água e aumentou a resposta visceromotora à distensão colorretal.

CONCLUSÃO

O TRS está presente nas células epiteliais do intestino e diminui a ação da 5-HT no trato digestivo. Inúmeras investigações têm associado níveis diminuídos do TRS intestinal com aumento do teor de 5-HT e exacerbação dos sintomas nos pacientes com SII-D. Uma diminuição significativa da expressão do TRS tem sido descrita em espécimes de biópsia colônica nos pacientes com SII-D. O presente estudo demonstrou que o lipopólissacarídeo fecal agindo em concomitância com a tripsina nos pacientes com SII-D, estimulou os mastócitos da mucosa intestinal na liberação da PEG-2, a qual provoca uma diminuição do TRS na mucosa colônica, que por sua vez, resulta no aumento da 5-HT. O presente trabalho apresenta algumas observações interessantes, a saber:

1)   Fornece evidencia de que lipopólissacarídeo fecal atuando em conjunto com a tripsina nos pacientes com SII-D, estimula os mastócitos da mucosa para a liberação de PEG-2, a qual acarreta um decréscimo da produção do TRS, e que resulta, portanto, no aumento da concentração do 5-HT na mucosa. Esse fenômeno pode contribuir para a ocorrência de diarreia e dor abdominal, as quais são frequentes nos pacientes com SII-D;

2)   As infusões intracolônicas nos camundongos com os sobrenadantes dos espécimes de biópsias dos pacientes com SII-D provocou um considerável aumento das respostas viscero motoras devido à distensão colorretal, a qual mostrou-se associada com aumento significativo da PEG-2, histamina e triptcase na mucosa colônica.   

Finalmente, os autores propõem o seguinte modelo de trabalho para explicar o mecanismo responsável pela diminuição da expressão da TRS na mucosa nos indivíduos com SII-D. O material fecal no colón dos pacientes com SII-D contém quantidades aumentadas do lipopolissacarideo e outras substâncias bioativas, como por exemplo, tripsina. No interior da lâmina própria, o lipopolissacarídeo age em combinação com a tripsina, que por sua vez aumenta a síntese de PEG-2, a qual é liberada pelos mastócitos ativados. A PEG-2 age sobre os receptores das células epiteliais provocando uma diminuição da expressão do TRS, e, consequentemente acarretando um aumento da disponibilidade da 5-HT na mucosa. Esse aumento da 5-HT na mucosa deflagra um aumento da motilidade, secreção intestinal e hipersensibilidade visceral nos pacientes com SII-D (Figura1).





Abaixo segue o esquema fisiopatológico da gênese da SII-D:

Referências Bibliográficas

1-   Jun Gao e cols. – Gastroenterology 2022;162:1962-74

2-   Qiqi Z e cols. – Gastroenterology 2022;162:1833-34

3-   Wang F e cols. – J Physiol 2017;595:79-91

4-   Cao YN  e cols. – World J Gastroenterol 2018;24:338-350

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Doença Celíaca: Um artigo sobre a posição da ESPGHAN no manejo e evolução clínica das crianças e adolescentes (Parte 2)


Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

O artigo intitulado “ESPGHAN position paper on management and follow-up of children and adolescents with celiac disease”, que foi publicado no Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, em setembro de 2022, foi realizado por um grupo de 34 experts pertencentes à  ESPGHAN Special Interest Group on Celiac Disease encabeçado por ML Mearin do Willen Alexander Children´s Hospital, Leiden University Medical Centre, Leiden, the Netherlands, teve por objetivo reunir as evidências atuais e oferecer recomendações consensuais a respeito do manejo e da evolução clínica da Doença Celíaca (DC). Este grupo formulou 10 perguntas consideradas de essencial importância para os cuidados dos pacientes portadores da DC a longo prazo. Foi realizada uma pesquisa na literatura médica de janeiro de 2010 a março de 2020, na PubMed e na Medline. As publicações mais relevantes foram identificadas e os trabalhos potencialmente elegíveis foram avaliados. As afirmações e as recomendações foram detalhadas e discutidas pelos coautores. As recomendações foram, em seguida, submetidas a votação. Foi considerada concordância geral quando o nível de aceitação atingiu pelo menos 85% dos autores.

Considerando a longa extensão deste trabalho de 74 páginas decidi, neste segundo resumo, selecionar a pergunta de número 3, pois foi aquela que me pareceu de maior interesse geral para os profissionais da Saúde.

3 – Qual deve ser a frequência do seguimento dos pacientes e o que deve ser avaliado?

A literatura atual não fornece evidências sólidas a respeito da frequência ótima de seguimento dos pacientes. A despeito da falta de estudos de relevante qualidade, recomenda-se que a primeira visita de seguimento deva ser agendada entre 3 e 6 meses após o diagnóstico da DC. Entretanto, caso haja fácil acesso ao serviço médico, na medida da necessidade, o agendamento mais precoce pode também ser realizado, principalmente no que diz respeito a fornecer à família maiores conhecimentos sobre a DC, preocupações e dificuldades com a implantação da dieta isenta de glúten, e, mais importante ainda, caso os sintomas persistam ou se agravem, a despeito da suposta aderência restrita à dieta isenta de glúten, ou se as manifestações clínicas (por exemplo desnutrição) ou anormalidades laboratoriais, no momento do diagnóstico, requeiram seguimento precoce. Visitas de seguimento posteriores podem ser agendadas com intervalo de 6 a 12 meses.

Pacientes pediátricos que sem mantém em restrita dieta isenta de glúten, usualmente demonstram rápida resolução dos sintomas gastrointestinais relacionados a DC, tais como: flatulência, diarreia, dor abdominal, perda de peso, assim como em relação às manifestações extra intestinais, tais como, anemia, retardo da puberdade, estomatite. Seguimentos clínicos inconsistentes ou mesmo ausentes estão associados com pobre aderência dietética.

A normalização da sorologia é amplamente utilizada durante o seguimento, como um sinal indireto da recuperação da mucosa intestinal, sendo considerada como valor preditivo altamente positivo e/ou negativo. A redução significativa dos níveis do anticorpo anti-transglutaminase (ATG-IgA) é alcançada após cerca de 3 meses do início da dieta isenta de glúten, quando avaliada utilizando-se o mesmo ensaio laboratorial. Alguns estudos comprovaram que os níveis do ATG-IgA permaneceram 1x acima do nível superior da normalidade em 83,8%, e, acima de 10x em 26,6% das crianças avaliadas após 3 meses do início da dieta isenta de glúten. A total normalização de ambos os níveis de ATG-IgA e a recuperação da lesão histopatológica podem levar mais de 2 anos, particularmente nos casos de lesões graves do intestino delgado, com elevados níveis de ATG-IgA no momento do diagnóstico.

A saúde óssea pode estar comprometida nos pacientes com DC, e, nas crianças a doença óssea na maioria das vezes é assintomática e está associada com uma diminuição do ritmo de crescimento e da qualidade óssea. Diferentemente do que é observado em adultos, a DC em crianças não parece estar associada com aumento do risco de fraturas. Uma redução da densidade mineral óssea pode estar presente no momento do diagnóstico da DC em crianças e adolescentes. Ainda que um seguimento de longa duração possa ser necessário para assegurar a recuperação apropriada da densidade mineral óssea na maioria dos casos, um ano após o uso da dieta isenta de glúten restrita é suficiente para a restauração da massa óssea. Portanto, testes rotineiros da densidade mineral óssea não são necessários. Quando houver perda óssea identificada, testes da densidade óssea seriados devem ser realizados a cada 1 ou 2 anos, até sua normalização.          

Nos casos pouco frequentes de deficiência de vitamina D, no momento do diagnóstico da DC, sua correção deve ser proposta para otimizar a saúde óssea. O fígado é um local comum de manifestações extra intestinais da DC, usualmente apresentando níveis elevados das aminotransferases. A função hepática de ser monitorada durante o seguimento, caso estas enzimas estejam alteradas ao diagnóstico. Considerando-se que as crianças com DC podem apresentar deficiências de micronutrientes, investigações dos níveis de ferro, folato e vitamina B12 são relevantes no momento do diagnóstico, e, caso mostrem-se anormais, estes micronutrientes devem ser monitorados até a normalização, seja apenas utilizando-se a dieta isenta de glúten ou a respectiva suplementação nos casos de anemia e da diminuição dos depósitos de ferro.

O risco de doença autoimune da tireoide encontra-se aumentado nos pacientes com DC, porém, com base nos conhecimentos atuais não há evidências para o aconselhamento de monitorar os níveis de tiroxina e TSH durante o processo de acompanhamento dos pacientes.

Referências Bibliográficas  

1-   Mearin ML et al – JPGN  2022; 75:369-386

2-   Snyder J et al – Pediatrics 2016; 138:e20153147

3-   Deora V et al – JPGN 2017; 65:185-9

4-   Ludvigsson JF et al – Gut 2017; 67:1410-24

 

Meus Comentários

A análise detalhada deste excelente artigo deixa explicitamente estabelecida a fundamental importância de se estabelecer um seguimento clínico rigoroso para garantir o controle da DC visto que até o presente momento não há, no horizonte de médio prazo, a possibilidade de se propor a cura definitiva desta enfermidade. Todos sabemos das enormes dificuldades que se apresentam para se conseguir uma adesão restrita à dieta isenta de glúten nos pacientes pediátricos de forma permanente, posto que, inúmeros fatores, sejam eles biopsicossociais ou mesmo de outras índoles, atuam de forma ativa para contrariar o objetivo final. Por esta razão, é necessário que os pacientes e seus familiares recebam uma atenção constante por parte dos profissionais da saúde envolvidos no tratamento dos pacientes, acompanhando o ritmo de crescimento e/ou outras possíveis manifestações clínicas suspeitas de transgressões alimentares, as quais podem ser voluntárias e/ou involuntárias. Neste sentido, o controle laboratorial periódico por meio da determinação do anticorpo anti-transglutaminase se constitui em um excelente marcador do sucesso do tratamento.      

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado (SIBO) associado a sintomas ou entidades clínicas que não apresentam evidências de má digestão/má absorção


Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista Gastroenterology publicou um artigo de revisão, em julho de 2022, intitulado “Small Intestinal Bacterial Overgrowth – Pathophysiology and Its Implications for Definition Management”, de Bushyhead D.  e cols, que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

Este número da Gastroenterology publicou um artigo de revisão sobre as diversas situações clínicas relacionadas com o Sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado (SIBO). Há uma interessante descrição dos fatores reguladores do intestino sobre a microbiota, a qual está representada na Figura 1.

Figura 1

Figura 1

Há também a descrição da prevalência da SIBO em diversos países, publicada na Tabela 1.

Tabela 1

Tabela 1

A Tabela 2 descreve os diversos transtornos clínicos relacionados à SIBO.

Tabela 2

Tabela 2

A Tabela 3 relaciona a fisiopatologia dos sintomas e os achados clínicos na SIBO.

Tabela 3

Tabela 3

A Tabela 4 descreve os testes diagnósticos para SIBO, e, a Tabela 5 propõe uma nova terminologia para se analisar o microbioma intestinal

Tabela 4

Tabela 4

Tabela 5

Tabela 5

Dentre as diversas situações que podem envolver o surgimento da SIBO decidi me ater a um transtorno funcional bastante frequente na atividade clínica diária, a Síndrome do Intestino Irritável (SII), que ainda necessita ter muitos aspectos esclarecidos, e, um deles é a inter-relação SII-SIBO que a seguir abordo em detalhe.

Sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado (SIBO) associado a sintomas ou entidades clínicas que não apresentam evidências de má digestão/má absorção

Sabe-se que SIBO pode causar diarreia na ausência de outros aspectos clínicos de má digestão e/ou má absorção (esteatorréia, desnutrição, deficiências de vitaminas e nutrientes) desde a metade do século 20, com especial prevalência entre os indivíduos idosos. Esta hipótese é plausível e se apoia em vários fatores. Em primeiro lugar, os fatores de risco para SIBO (hipocloridria, dismotilidade intestinal e resposta imunológica prejudicada) tem sido descrita neste grupo populacional. Em segundo lugar, inúmeros mecanismos podem ser levados em consideração para explicar a patogênese da diarreia devido à SIBO, e, a maior parte deles gira ao redor das interações microbiota-sais biliares, mesmo porque, efeitos diretos do microbioma alterado sobre o sistema neuromuscular entérico devem ser levados em consideração.

Uma das maiores alegações controvertidas relativas à SIBO tem sido sua relação com a Síndrome do Intestino Irritável (SII). Qual a possível relação entre SIBO e SII, embora seu nexo seja duvidoso? Tem sido demonstrado que pacientes portadores de SII, ao realizar o teste do Hidrogênio no ar expirado após sobrecarga com Lactulose, estes testes revelaram-se positivos de forma mais prevalente do que em controles sadios. Além disso, comprovou-se a ocorrência da normalização dos testes e o desaparecimento dos sintomas após a realização de um ciclo terapêutico com antibioticoterapia. A eficácia da Rifaximina como atenuante dos sintomas na SII tem sido considerada uma evidência que dá suporte para esta associação SIBO e SII.

Uma ruptura na fisiologia dos sais biliares tem sido considerada para explicar casos de diarreia sem causas conhecidas, bem como, na SII com diarreia. Embora a diarreia relacionada aos sais biliares tenha sido considerada decorrente de problemas da não reabsorção dos sais biliares pelo transportador ileal dos sais biliares, interações entre a microbiota e os sais biliares também têm sido levadas em consideração. Alterações na composição da microbiota fecal, que provavelmente refletem a microbiota colônica, têm sido descritas em associação com alterações da fisiologia dos sais biliares em pacientes com SII-diarreia, porém saber se tais alterações seriam primárias ou secundárias, necessita a realização de investigações mais detalhadas.

Alterações nos padrões motores do intestino delgado poderiam também fornecer alguma base para o conhecimento da interrelação SIBO e SII. Embora ainda pouco explorada nos anos mais recentes, existem evidências que caracterizam uma dismotilidade intestinal na SII, porém essa hipótese ainda requer confirmação. Presume-se que a microbiota presente no intestino delgado em pacientes com SII poderia afetar o sistema neuromuscular entérico, e, por isso ser a responsável pela dismotilidade, posto que a SIBO tem sido sugerida ocorrer em um subtipo de SII, a SII pós-gastroenterite.

SIBO tem ido proposto responsável por impactar um outro fenômeno que poderia ser relevante para a SII, isto é, o envolvimento desde a barreira intestinal juntamente com o sistema imunológico associado ao intestino, e, pela via do eixo microbiota-intestino-cérebro, alcançar o sistema nervoso central, e, desta maneira, tornar-se um hospedeiro de tal cenário, simulando um “transtorno autoimune”.

Diante dos conhecimentos até então disponíveis na literatura, admite-se, portanto, que a interrelação SII-SIBO permanece controvertida, e este debate tem gerado muito calor na literatura da gastroenterologia; somente após ser conhecida uma definição acurada a respeito do que venha a ser um microbioma normal do intestino delgado, se tornará possível a geração de luz sobre tão importante tema para os clínicos, pesquisadores e pacientes.


Referências Bibliográficas

  • Bushyhead D. & Quigley E. – Gastroenterology 2022;163:593-607
  • Pimentel M et al. – Am J Gastroenterol 2003;98:412-19
  • Pyleris E. et al. – Dig Dis Sci 2012;57:1321-29
  • Yu D. et al, – Gut 2011;160:334-340

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Manejo farmacológico da Síndrome do Intestino Irritável com Diarreia: normas de conduta recomendadas pela Associação Americana de Gastroenterologia (AGA)

 

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista Gastroenterology publicou um artigo sobre normas de conduta na Síndrome do Intestino Irritável com Diarreia, em julho de 2022, intitulado “AGA Clinical Pratice Guideline on the Pharmacological Management of Irritable Bowel Syndrome with Diarrhea”, de Lembo A.  e cols, que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

Introdução

A Síndrome do Intestino Irritável (SII) trata-se de um frequente transtorno da interação trato digestivo-cérebro, com uma prevalência global entre os indivíduos adultos variando de 4,1% a 10,1%. A SII afeta os indivíduos independentemente da raça ou sexo, mas, é mais comum nas mulheres e indivíduos mais jovens. Embora não seja um transtorno que apresente risco de vida, ela está associada com prejuízos significativos à qualidade de vida, além de também causar elevadas taxas de problemas psicológicos e altos custos econômicos.

A SII-D é um dos principais subtipos de SII, estimada entre 30 e 40% dos casos. O diagnóstico de confirmação da SII-D pode ser estabelecido levando-se em consideração a história clínica e o exame físico do paciente, de acordo com os Critérios de Roma IV. A presença de sintomas de alarme, tais como, início das manifestações após os 50 anos de idade, sangramento retal não atribuível a hemorroidas ou fissura anal, perda de peso não intencional, anemia ferropriva, diarreia noturna e história familiar de câncer colón, Doença Inflamatória Intestinal ou Doença Celíaca, requer investigações mais especificas para cada paciente.

Objetivos

Desde a primeira revisão técnica publicada pela AGA a respeito da SII-D, em 2014, novos tratamentos farmacológicos tornaram-se disponíveis e novas evidências têm sido acumuladas a respeito dos tratamentos estabelecidos. O propósito da presente norma de conduta é proporcionar recomendações baseadas em evidências no manejo farmacológico dos pacientes com SII-D, com base em uma síntese sistemática e abrangente da literatura. Além disso, foram também incluídas as recomendações para as seguintes 3 classes de agentes farmacoterapêuticos para SII-D, a saber: antidepressivos tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação da serotonina e antiespasmódicos.

Recomendações

Um sumário de todas as recomendações, está disponível na Tabela 1. As descrições dos estudos incluídos estão fornecidas nas Tabelas 4 e 5, e, uma visão geral dos efeitos relativos e absolutos para os desfechos clínicos, está disponível na Tabela 6.




1-   ELUXADOLINE

Trata-se de um opioide minimamente absorvível aprovado pelo FDA na dose 100mg 2x/dia, pode ter a dose reduzida a 75mg por dia, naqueles pacientes que são incapazes de tolerar a dose maior. Esta droga é contraindicada nos pacientes que foram submetidos a extração da vesícula biliar ou naqueles que têm o hábito de beber mais do que 3 doses de bebidas alcoólicas por dia.

 

Efeitos Adversos mais comuns são: constipação (8%), náusea (7%) e dor abdominal (7%). Vale ressaltar que este medicamento apresentou melhor eficácia nos pacientes que apresentaram predominância de diarreia intensa, do que naqueles que apresentaram predominantemente dor abdominal severa. 

2-   RIFAXIMIN

Trata-se de um antibiótico administrado por via oral, não absorvível e de amplo espectro com atividade contra bactérias aeróbicas e  anaeróbicas Gram positivas e Gram negativas. Esta droga foi aprovada pelo FDA na dose de 550mg, 3x/dia, durante 14 dias. Os pacientes que apresentarem recidivas dos sintomas, podem ser novamente tratados com esse medicamento, com a mesma dosagem. Uma grande proporção de pacientes com SII-D alcançaram níveis adequados de alívio da dor abdominal, em comparação com aqueles que receberam placebo (56.6% versus 42,2%) e, também, melhor nível de qualidade de vida (38,7% versus 29,7).

Os efeitos adversos mais frequentes foram náusea, infecção das vias áreas superiores, infecção do trato urinário e nasofaringite.

3-   ALOSETRON

É um antagonista seletivo do 5-HT3 cujo mecanismo de ação tudo indica ser mediado central e perifericamente. A dose inicial recomendada é de 0,5mg 2x/dia, porém, caso ocorra constipação a dose pode ser diminuída para 0,5mg 1x/dia.

Os efeitos adversos mais frequentes são constipação e colite isquêmica. Obs.: Uso restrito para mulheres com quadro severo de SII-D.

4-   LOPERAMIDE

É um opioide sintético periférico que inibe o peristaltismo e a atividade antissecretória, prolonga o tempo de trânsito intestinal, com penetração limitada na barreira hematoencefálica. Esse medicamento foi aprovado pelo FDA para o tratamento de pacientes com diarreia aguda, crônica e do viajante. A dose inicial recomendada é de 2mg 2x/dia, porém, pode chegar até a dose máxima de 4mg 2x/dia.

 

5-   Antidepressivos tricíclicos - Amitriptilina

Tem sido utilizada para tratar os sintomas de SII-D, devido suas ações periféricas e centrais (isto é, supraespinhal e espinal), as quais podem afetar a motilidade, a secreção e o sensorial. Considerando a definição dos Critérios de Roma IV sobre os transtornos da interação do trato digestivo-cérebro, tendo como base que os antidepressivos tricíclicos apresentam efeitos fisiológicos independentes dos efeitos sobre o humor, esses agentes foram novamente rotulados como neuro moduladores do trato digestivo-cérebro. A dose destes medicamentos pode variar de 10mg a até 150mg por dia, porém, a maioria dos estudos tem utilizado a dose de 50mg/dia. Esses medicamentos mostraram-se associados com importante resposta de adequado alívio do humor e da dor abdominal.

Os efeitos adversos podem causar boca seca, sedação e constipação.

 

6-   Inibidores da recaptação seletiva da serotonina - Fluoxetina, Paroxetina e Citalopram

Esses medicamentos estão aprovados para o tratamento de  transtornos do humor tais como, ansiedade e depressão, mas também são usados para o tratamento de condições clínicas de dor crônica. Esses medicamentos inibem seletivamente o 5-HT3 nas terminações nervosas pré-sinápticas, o que resulta em um aumento da concentração sináptica do 5-HT3. O uso desses medicamentos na SII-D tem sido de considerável interesse porque a SII-D é considerada um transtorno trato digestivo-cérebro, pois esses medicamentos possuem efeitos de mediação central, aumentam a motilidade gástrica e intestinal, embora eles não possuam um impacto maior sobre a sensação visceral. Doses: Fluoxetina 20mg, Paroxetina 10mg, Citalopram 20mg.  

 

7-   Antiespasmódicos

São frequentemente utilizados na prática clínica para reduzir a dor abdominal da SII-D. Admite-se que os antiespasmódicos têm a capacidade de aliviar os sintomas da SII pela diminuição da contração do músculo liso e possivelmente da hipersensibilidade visceral. Os antiespasmódicos incluem uma vasta quantidade de medicamentos que têm sido utilizados clinicamente durante muitos anos e são consagrados pelo tempo de uso.      

 

Meus Comentários

Uma contínua necessidade, ainda não alcançada nos ensaios clínicos a respeito da SII, é a inexistência de um marcador biológico que possa incorporar os diferentes mecanismos fisiopatológicos da SII-D, ou ainda, que pudesse dar com credibilidade a resposta ao tratamento prescrito, posto que, a SII-D apresenta diferentes mecanismos predominantes de ação como, por exemplo, normalização do hábito intestinal e analgesia visceral. Tratamentos comportamentais e modificações dietéticas têm mostrado efeitos benéficos nos pacientes com SII-D, e devem ser levados em consideração com base em cada indivíduo, posto que, eles podem ser utilizados conjuntamente com terapias farmacológicas. Esta norma de conduta representa um importante auxílio para a utilização de novos agentes farmacoterapêuticos recomendados no manejo da SII-D. Vale a pena ressaltar, que a relação médico-paciente é de primordial importância nos cuidados dos pacientes portadores de SII-D e, ao mesmo tempo, deve-se levar em consideração as preferências do paciente, segundo critérios pessoais, na escolha da terapia mais acertada.

Referências Bibliográficas

1-   Lembo A. e cols -  Gastroenterology 2022; 163:137-151.

2-   Palsson OS e cols. – Gastroenterlogy 2020; 158:1262.

3-   Sperber AD e cols, - Gastroenterology 2021; 160:99-114.

4-   Smalley W e cols. – Gastroenterology 2021; 160:99-114.       

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Síndrome do Intestino Irritável (SII) com predominância de Diarreia: protocolo de avaliação clínica e laboratorial



Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

Introdução

A revista Gastroenterology em seu exemplar de setembro de 2019, publicou as recomendações oficiais da American Gastroenterology Association (AGA) a respeito de um protocolo de avaliação laboratorial da diarreia funcional e da Síndrome do Intestino Irritável (SII-D) com predominância de diarreia. O foco deste protocolo tem por objetivo auxiliar os clínicos na escolha mais apropriada dos testes laboratoriais com o propósito de excluir outras hipóteses diagnósticas quando a suspeita principal, trata-se de diarreia funcional ou a SII-D. Estas orientações se aplicam na avaliação de pacientes imunologicamente competentes portadores de diarreia aquosa com pelo menos quatro semanas de duração. Estas orientações, portanto, visam excluir aqueles pacientes que apresentam diarreia sanguinolenta, diarreia com sinais de má absorção de gorduras, manifestações clínicas com sinais de alarme, tais como, parada do ritmo do crescimento, perda de peso, anemia e hipoalbuminemia, aqueles pacientes com história familiar de doença inflamatória intestinal, doença celíaca e aqueles que tenham viajado para regiões especificamente reconhecidas pela elevada prevalência de microrganismos enteropatogênicos (Tabelas 1 e 2).




Recomendações 

1-   Calprotectina e Lactoferrina fecal: esses testes têm sido propostos como marcadores para condições inflamatórias, tais como Doença Inflamatória Intestinal (DII). Inúmeros estudos têm utilizado a calprotectina fecal com diferentes limiares de valores normais para identificar pacientes com DII. Baseando-se em uma revisão dos dados disponíveis, tudo indica que o uso da calprotectina fecal com um limiar de 50ug/g oferece o melhor desempenho. Dentre os estudos que utilizam esse limiar, o conjunto da sensibilidade para DII foi de 0,81 e o conjunto da especificidade foi de 0,87. O risco de viés e a imprecisão estatística influenciaram a decisão para considerar o uso da calprotectina fecal como uma evidência de baixa qualidade, ou seja, a confiança desta estimativa é limitada. Em outras palavras, o verdadeiro efeito pode ser substancialmente diferente do que a eficácia estimada.
Da mesma maneira, a lactoferrina fecal tem sido estudada como um marcador para DII. Utilizando-se os dados dos estudos disponíveis, levando-se em consideração os limiares dos valores normais entre 4,0 a 7,25ug/g o conjunto da sensibilidade para DII foi 0,79 e o conjunto da especificidade 0,93. O risco de viés, a significativa heterogeneidade, e a imprecisão estatística influenciaram a determinação da decisão para considerar o uso da lactoferrina fecal como uma evidência de baixa qualidade, ou seja, a confiança desta estimativa é limitada. Em outras palavras, o verdadeiro efeito pode ser substancialmente diferente do que a eficácia estimada.

A baixa qualidade das evidências para apoiar o uso destes testes é composta pela pequena probabilidade de que um teste positivo deveria indicar o início de uma avaliação confirmatória posterior, levando a um diagnóstico mais precoce de DII, comparado aos 10% de probabilidade de que indivíduos não portadores de DII, poderiam ser desnecessariamente expostos a testes confirmatórios mais detalhados.  

2-   Hemossedimentação e/ou Proteína C Reativa: nos pacientes portadores de diarreia crônica a AGA se manifesta contra o uso desses marcadores como rastreadores para DII. Ambos os testes têm sido avaliados em populações com diarreia para identificar pacientes com DII. Nos estudos utilizando-se o valor de 5-6mg/l como limiar para o nível da PCR, o conjunto da sensibilidade foi de 0,73 e o conjunto da especificidade foi de 0,78. Estudos similares utilizando o limiar de valores de 10-15mm/h para hemossedimentação resultaram em estimativas baixas para a acurácia diagnóstica da DII. Entretanto, naquelas situações em que os testes fecais de lactoferrina ou calprotectina, não se encontraram disponíveis, o uso da PCR deve ser considerado, por ser uma opção razoável para o rastreamento da DII. 

3-   Teste para Giardia: de uma maneira geral a infestação por Giardia é uma causa frequente de diarreia aquosa que pode ser prontamente tratada. Teste diagnósticos modernos para Giardia apresentam características de bom desempenho, sendo que vários estudos têm demonstrado sensibilidade e especificidade acima de 95%. Os testes melhor avaliados utilizam tanto a detecção dos antígenos da Giardia como a reação da polimerase em cadeia. Considerando-se que os tratamentos para Giardia são extremamente eficazes esses testes devem ser utilizados para a avaliação da diarreia crônica líquida.

4-   Pesquisa de parasitas nas fezes: naqueles pacientes que apresentam diarreia crônica e que não referem viagens recentes ou imigração para áreas de alto risco, a AGA sugere que não se faça estudo parasitológico fecal.

5-   Teste para Doença Celíaca: aqueles pacientes que apresentam diarreia crônica, a AGA recomenda fortemente que se realizem testes para pesquisa de Doença Celíaca (DC) por meio do anticorpo antitransglutaminase IgA. A DC é uma importante causa de diarreia crônica e também de outras manifestações clínicas. Naqueles pacientes que apresentam diarreia crônica e que não sofrem de deficiência de IgA, a determinação do anticorpo antitransglutaminase IgA, representa uma estratégia altamente eficiente na determinação da existência da DC. Entretanto, apesar da alta especificidade deste teste, acima de 90%, a realização da biópsia duodenal para confirmar a DC faz-se necessária. É importante enfatizar, que a prescrição de uma dieta isenta de glúten só deve ser proposta após a confirmação da DC por meio da biópsia duodenal.  

Resumo     

Estas recomendações práticas para avaliação da diarreia funcional e da SII-D com intuito de excluir outros diagnósticos, foram propostos para reduzir as diversidades de conduta na prática clínica, e, ao mesmo tempo, promover cuidados de alta qualidade neste grupamento populacional. As presentes evidências apoiam o emprego da calprotectina fecal e da lactoferrina fecal, a pesquisa fecal de Giardia nos pacientes que apresentam diarreia crônica. O painel se mostra contrário ao uso de testes sanguíneos como o PCR e a hemossedimentação para rastrear a DII. Nossa evidência recomenda fortemente a pesquisa da DC por meio do anticorpo antitransglutaminase IgA. Uma ferramenta para apoiar a decisão clínica está incluída na figura abaixo para guiar a avaliação dos pacientes com diarreia liquida crônica (Figura 1 e Tabela 3).


  

Meus comentários
      
A SII trata-se de um transtorno digestivo funcional, e, segundo os critérios de Roma IV, pode se manifestar clinicamente por 3 formas distintas, a saber: diarreia, constipação e mista (diarreia alternada com constipação). Tendo em vista a inexistência de qualquer teste laboratorial que possibilite estabelecer o diagnóstico de certeza, este diagnóstico acaba sendo estabelecido por exclusão.

Historicamente a primeira descrição da SII-D foi feita por Murray Davidson, na década de 1960, nos Estados Unidos, sob a denominação de Diarreia Crônica Inespecífica. Posteriormente, esta entidade clínica foi confirmada por Horácio Toccalino, na década de 1970, na Argentina, sob a denominação de Diarreia Fermentativa. No nosso meio tive a primazia de descrever a SII-D, na década de 1980 (Fagundes Neto U e cols – Síndrome do colon irritável e diarreia na infância: diagnóstico e evolução - Jornal de Pediatria 58;366-70,1985), avaliando um grupo de crianças portadoras de diarreia crônica, cuja investigação laboratorial revelou-se normal para os testes de avaliação da função digestivo-absortiva disponíveis à época. Um dado clínico que despertou a atenção foi o fato de os pacientes não apresentarem qualquer agravo do estado nutricional para peso e estatura, a despeito da queixa de diarreia crônica, informações que analisadas em conjunto excluíam anormalidades nos processos digestivo-absortivos.

Como é do conhecimento geral a diarreia crônica apresenta um amplo espectro de diagnóstico diferencial envolvendo inúmeras enfermidades que são devidas a lesões orgânicas, a saber: infecções, doença celíaca, intolerância à lactose, intolerância à frutose, doença inflamatória intestinal, síndrome do sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado (sigla em inglês SIBO – small intestinal bacterial overgrowth) (Figura 2), colite microscópica entre outras. Levando-se em consideração que estas enfermidades orgânicas em algumas circunstâncias podem apresentar manifestações clínicas que venham se sobrepor à SII-D, torna-se crucial a realização de uma abordagem clínico-laboratorial para que elas possam ser descartadas, e, desta forma, permitir, por exclusão, selar o diagnóstico da SII-D com ampla margem de segurança.


Figura 2- Teste de sobrecarga com lactulose evidenciando pico precoce de elevação do Hidrogênio no ar expirado, o que caracteriza a SIBO.

Vale a pena ressaltar que além dos testes diagnósticos referidos no presente artigo do protocolo da AGA, saliento a necessidade de serem realizados também outros testes de investigação não invasivos. Neste sentido refiro-me aos testes do Hidrogênio no ar expirado com sobrecargas de lactose, frutose e lactulose (investigação de SIBO). A título de informação, em 2013 publicamos na revista Arquivos de Gastroenterologia 50;226-30 o artigo intitulado ”Fructose malabsorption in children with functional digestive disorders” cujos autores são: Lozinsky AC, Boé C, Palmero R e Fagundes-Neto U. Foram estudados 43 pacientes, de forma consecutiva, de ambos os sexos com idades que variaram de 3 meses a 16 anos, mediana 2,6 anos, que apresentavam queixa de transtornos gastrointestinais e/ou nutricionais. Deste grupo, 16 pacientes foram diagnosticados portadores da SII-D, e o teste do Hidrogênio no ar expirado com sobrecarga de frutose mostrou-se alterado em 7 (22,8%) deles (Figuras 3-4 e 5).   


Figura 5- Menina portadora de intolerância à frutose com distensão abdominal após ingestão de grande quantidade de frutose e em condições normais.

Recentemente, 2 biomarcadores tornaram-se potencialmente viáveis, e, ao que tudo indica, poderão vir a ser de utilidade para confirmar o diagnóstico da SII-D, a saber: um anticorpo contra uma neurotoxina (CdtB) produzida por diversas bactérias enteropatogênicas, que interage com a proteína vinculina na mucosa intestinal, mecanismo que é postulado para a lesão do trato gastrointestinal causado pela infecção entérica aguda, o que poderia identificar um grupo de pacientes que apresenta a SII-D pós-infecciosa. Estudos realizados para avaliar o desempenho dos anticorpos anti-neurotoxina e anti-vinculina em pacientes portadores da SII-D mostraram-se significativamente mais elevados do que os verificados em controles sadios, mas não se diferenciaram de pacientes com doença celíaca. Tudo indica que a especificidade destes anticorpos seja razoavelmente boa, com elevado valor preditivo positivo, entretanto, por outro lado, a sensibilidade foi baixa, menor que 50%. Portanto, quando o teste for positivo aumenta a probabilidade de confiança para o diagnóstico da SII-D. Por outro lado, o teste negativo não permite a possibilidade de descartar o diagnóstico da SII-D. Vale ressaltar que estes testes ainda se encontram em fase de experimentação, e, portanto, ainda não se encontram disponíveis para a serem utilizados na prática clínica diária.

Em conclusão, devido a inexistência, até o presente momento, da disponibilidade de biomarcadores que permitam estabelecer o diagnóstico de certeza da SII-D, na ausência de sinais clínicos de alarme, o diagnóstico da SII-D continua sendo de exclusão.
     
Referências Bibliográficas

1-          Smalley W. e cols. - Gastroenterology 2019; 157:851-54.
2-          Carrasco-Labra A. e cols. – Gastroenterology 2019; 157:859-80.