Mostrando postagens com marcador Suco de Frutas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Suco de Frutas. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Prevalência de Má Absorção à Frutose utilizando o teste do Hidrogênio no ar expirado (2)

Resultados

A idade dos 43 pacientes investigados variou de 3 meses a 16 anos, a mediana foi de 2,6 anos, sendo que 24 deles eram do sexo masculino. Neste grupo de pacientes foram estabelecidos os seguintes diagnósticos: SII 16, BE 10, DAF 8, Alergia à proteína do leite de vaca 4 , Intolerância à lactose 3, DC 1 e Giardíase 1.


Má absorção à frutose foi caracterizada em 13 (30,2%) pacientes, sendo que 1 (2,3%) paciente, além de má absorção, também apresentou sintomas de intolerância à frutose dentro das 8 horas após a realização do teste. A Figura 1 exemplifica um teste característico de má absorção à frutose evidenciando pico de elevação do Hidrogênio no ar expirado acima de 20 ppm sobre o valor de jejum e, para comparação dos traçados gráficos, está também representado um teste normal. 


Figura 1: Representação gráfica do teste de sobrecarga oral com frutose evidenciando pico de elevação do Hidrogênio no ar expirado acima de 20 ppm sobre o valor de jejum caracterizando má absorção à frutose   em comparação com teste normal      .

No gráfico 2 estão relacionados os 13 pacientes que apresentaram má absorção à frutose com seus respectivos diagnósticos, a saber: SII 7, DAF 4, BE 1 e DC 1 paciente.

Gráfico 2- Representação gráfica dos diagnósticos dos pacientes que apresentaram má absorção à frutose.

       A análise dos testes com sobrecarga oral utilizando os demais carboidratos (lactose, glicose e lactulose) apresentou os seguintes resultados: em 3 pacientes ocorreu má absorção isolada à lactose e em 1 paciente foi detectado sobrecrescimento bacteriano. Todos os testes com sobrecarga de glicose resultaram normais.

      Nos 4 pacientes (3 com intolerância à lactose e 1 com sobrecrescimento bacteriano) que apresentaram alguma alteração nos testes com outros carboidratos o teste com sobrecarga de frutose foi considerado normal e também não ocorreram sintomas de intolerância.

Discussão

Historicamente sucos de frutas têm sido recomendados pelos Pediatras como uma fonte de vitamina C e uma fonte extra de água para lactentes e pré-escolares, à medida que em suas dietas são incluídos novos alimentos sólidos com sobrecargas renais de solutos mais altas.  Em 1997 os consumidores norte-americanos gastaram cerca de US$ 5 bilhões em sucos de frutas. O consumo médio de suco de frutas nos EUA alcançou o valor de 40 bilhões de litros/ano ou 200 litros/ano por pessoa. As crianças constituiram-se no maior grupo de consumidores, e aquelas menores de 12 anos de idade ingeriram 28% do volume total consumido (10). Embora estes dados não estejam disponíveis no Brasil, pode-se presumir que por similaridade dos hábitos culturais atualmente praticados no mundo ocidental, neste aspecto nutricional, estes valores devem ser bastante próximos. Em passado recente o principal suco utilizado era o de laranja, porém, com a imensa diversificação da indústria alimentícia, suco de outras frutas, tais como uva, maçã e pêra passaram a fazer parte da dieta habitual das crianças brasileiras. A água é o componente predominante nos sucos de frutas, porém, os carboidratos, incluindo sacarose, frutose, glicose e sorbitol constituem-se nos seus principais nutrientes. A concentração de carboidratos nos sucos de frutas varia desde 11g% (0,44 kcal/ml) até cerca de 16g% (0,64 kcal/ml) (5). A sacarose é um dissacarídeo que é hidrolisada em seus componentes monossacarídeos, glicose e frutose, pela ação da sacarase, presente nas microvilosidades dos enterócitos. A glicose é rapidamente absorvida por um processo de transporte ativo, enquanto que a frutose é absorvida por um mecanismo de transporte facilitado que não ocorre contra um gradiente de concentração. Além disso, a frutose pode ser absorvida de forma mais eficiente quando a glicose se encontra presente em concentrações equimolares. No entanto, investigações clínicas têm demonstrado que quando a concentração de frutose excede a de glicose pode ocorrer má absorção da frutose (11 -12). É fato reconhecido que a capacidade absortiva da frutose no intestino delgado é limitada, e que, por outro lado, a adição de glicose facilita a absorção da frutose pelo mecanismo da draga do solvente e por difusão passiva (13). Portanto, alimentos que contém concentrações equimolares de frutose e glicose podem proporcionar melhor absorção deste monossacarídeo do que alimentos em que a concentração da frutose excede a de glicose. Sucos de maçã, pêra e uva apresentam uma concentração de frutose que excede em mais do que o dobro a da glicose, enquanto que no suco de laranja as concentrações de glicose e frutose se equivalem (4). Má absorção à frutose tem sido relatada com crescente frequencia como uma causa a mais para ser agregada nos pacientes que apresentam sintomas gastrointestinais. Estudos prévios que demonstram uma relação causal entre má absorção à frutose e sintomas gastrointestinais foram inicialmente descritos em pacientes adultos. Choi e cols. (14) estudaram 183 pacientes utilizando o teste do hidrogênio no ar expirado com a oferta de 50 gramas de frutose em uma solução aquosa a 33%, e observaram um resultado positivo em 73% deste grupo. Estes pacientes também relataram uma série de sintomas, tais como, dor abdominal, flatulência, flatus e diarréia. Pacientes adultos com SII e má absorção à frutose apresentaram um agravo adicional dos sintomas em comparação com aqueles que apresentaram absorção normal à frutose (15). Estudos recentes com população de adultos demonstraram que um número significativo de pacientes com má absorção à frutose relatou alívio da dor abdominal, flatus, flatulência e diarréia quando foi introduzida uma dieta restrita de frutose (16 -17).

Está bem estabelecido que o teste do hidrogênio no ar expirado apresenta elevada confiabilidade no que diz respeito à sensibilidade e especificidade  (18). No passado acreditava-se que o pulmão fosse um órgão apenas responsável pela respiração, e, portanto, tinha-se o conceito de que somente o oxigênio e o dióxido de carbono pudessem ser dosados no ar expirado. Atualmente, sabe-se que o ar expirado dos pulmões contém mais de 2000 substâncias distintas, e que, além da respiração, os pulmões apresentam uma função adicional, qual seja a excreção de substâncias voláteis, e o hidrogênio é uma delas. É sabido que o ser humano sadio em jejum e em repouso não elimina hidrogênio porque o seu metabolismo não produz este gás, o qual somente é gerado quase que exclusivamente pelo metabolismo anaeróbio exercido pelas bactérias da flora colônica normal. As bactérias anaeróbias têm preferência para metabolizar os carboidratos, os quais são fermentados dando formação a ácidos graxos de cadeia pequena, CO2 e H2. O H2 é produzido no intestino atravessa a parede intestinal cai na circulação sistêmica, é transportado até os pulmões e, finalmente, é eliminado pela respiração como parte do ar expirado. A concentração de H2 pode ser mensurada em partes por milhão no ar expirado por técnica não invasiva com alto índice de precisão (19).
A proporção de má absorção de frutose utilizando-se o teste do hidrogênio no ar expirado é dependente da dose oferecida e este efeito tem sido mais profundamente estudado em adultos do que em crianças. Em adultos sadios 58% a 87% resultaram em teste positivo para má absorção de frutose quando foram oferecidos 50g do carboidrato, 10% a 25% resultaram em teste positivo com dose de 25g, e 0% a 10% com dose de 15g (20). Em crianças sadias o efeito da dose sobre a má absorção da frutose foi demonstrado entre 0,1 e 6 anos de idade; o teste resultou positivo em 100% das crianças quando a dose foi de 2 g/kg/peso, o qual foi reduzido para 40% com a dose de 1 g/kg/peso (21). No presente estudo utilizamos a dose padronizada de 1 g/kg até o máximo de 12 gramas, a qual pode ser considerada relativamente baixa em comparação com o volume potencialmente ingerido na dieta diária, posto que um copo de maçã (200ml) contém aproximadamente 15,5 gramas de frutose (6,8 gramas de glicose e 3 gramas de sacarose) (22). Por esta razão é possível que embora tenhamos detectado má absorção à frutose em 13 dos 43 pacientes, apenas 1 deles apresentou notória intolerância com distensão abdominal e diarréia.

Recentemente, Jones e cols. (23) descreveram a ocorrência de má absorção à frutose em crianças que apresentavam sintomas gastrointestinais, principalmente diarréia e dor abdominal. Jones e cols. enfatizam que o baixo limiar para a absorção da frutose apresenta significativas implicações para o consumo dietético da frutose nas crianças que manifestam queixas gastrointestinais. Os resultados do presente estudo coincidem com os de Jones e cols. posto que a maioria dos 13 pacientes que apresentaram má absorção à frutose, 7 eram portadores de SII com diarréia e 4 com DAF. Vale ressaltar que Gomara e cols. também puderam caracterizar má absorção à frutose em um grupo de pacientes com queixa de dor abdominal recorrente sem causa determinada, os quais evidenciaram alívio da dor abdominal com a utilização de uma dieta de restrição de frutose. Gomara e cols. (24) demonstraram que 11 de 33 pacientes com diagnóstico prévio de DAF apresentaram teste positivo para má absorção à frutose, e, além disso, conseguiram reproduzir os sintomas gastrointestinais de má absorção à frutose em 9 dos 11 pacientes. A restrição da frutose na dieta destes pacientes resultou em evidente alívio dos sintomas durante os 2 meses subsequentes de seguimento dos mesmos. Gomara e cols. enfatizam que a má absorção à frutose pode ser um significativo problema para este grupo de crianças e que o manuseio dietético apropriado torna-se eficaz no alívio dos sintomas gastrointestinais.

Gijsbers e cols. (25) investigaram um grupo de crianças portadoras de DAF utilizando o teste do hidrogênio no ar expirado após sobrecargas com lactose (210 pacientes) e frutose (121 pacientes), e demonstraram a prevalência de má absorção de lactose em 27% e de frutose em 65% dos pacientes, respectivamente. A DAF desapareceu em 24/38 pacientes após a eliminação da lactose da dieta e em 32/49 após a eliminação da frutose da dieta. Um teste de provocação oral aberto foi positivo em 7/23 pacientes com lactose e em 13/31 pacientes com frutose. Vale ressaltar que esta elevada prevalência de má absorção à frutose neste grupo de pacientes pode ser devida a uma excessiva dose de frutose utilizada no teste de sobrecarga, posto que a concentração da solução oferecida aos pacientes foi de 16,7% à dose de 2 gramas/kg de peso, portanto, acima do padrão internacionalmente estabelecido e também daquele utilizado no nosso estudo, a qual foi de 1 grama/kg de peso. Está bem estabelecido que não há uma relação fixa entre má absorção e intolerância a um determinado carboidrato, posto que inúmeras variáveis podem atuar simultaneamente, tais como a dose utilizada, a capacidade individual de digestão/absorção, a relação concentração glicose/frutose e a capacidade de compensação colônica (25).

No caso do paciente portador de DC a má absorção à frutose provavelmente ocorreu em virtude da atrofia vilositária da mucosa do intestino delgado característica desta enfermidade (9).
Em conclusão, no presente estudo foi possível caracterizar má absorção à frutose em 30,2% dos pacientes portadores de variados transtornos digestivos e/ou nutricionais, sendo que 1 deles apresentou intolerância à frutose (2,3%). A SII mostrou-se como a principal causa da elevada prevalência de má absorção à frutose, seguida da DAF; porém, na quase totalidade dos pacientes não houve a correspondente intolerância, e isto provavelmente foi devido a um mecanismo de compensação colônica.

Referências Bibliográficas

10- Agriculture Research Service. Food and Nutrient Intakes by Individuals in the United States by Sex and Age, 1994-96. Washington DC. US Department of Agriculture; 1998. NFS Report n 96-2.
11- Smith MM, Davis M, Chasalow FI, Lifshitz F. Carbohydrate absorption from fruit juice in young children. Pediatrics 1995; 95: 340-44.
12- Nobigot T, Chasalow FI, Lifshitz F. Carbohydrate absorption from one serving of fruit juice in young children: age and carbohydrate composition effects. J Am Coll Nutr 1997; 16:152-58.
13- Riby JE, Fujisaswa T, Kretchmer N. Fructose absorption. Am J Clin Nutr 1993; 58: S748-53.
14- Choi YK, Johlin FC, Summers RW et al. Fructose intolerance: an under-recognized problem. Am J Gastroenterol 2003; 98: 1348-53.
15- Rumissen JJ, Gudmannd-Hoyer E. Functional bowel disease; malabsorption and abdminal distress after ingestion of fructose, sorbitol and fructose-sorbitol mixtures. Gastroenterology 1988; 95: 694-700.
16- Johlin FC, Panther M, Kraft N. Dietary fructose intolerance: diet modification can impact self-rated health and symptom control. Nutr Clin Care 2004; 7: 92-7
17- Ledochowsky M, Widner B, Bair H et al. Fructose and sorbitol reduced diet improves mood and gastrointestinal disturbances in fructose malabsorbers. Scand J Gastroentrol 2000; 35: 1048-52. 
18-
Romagnnuolo J, Schiller D, Bailey RJ. Using breath tests wisely in a gastroenterology practice: na evidence-based reviewof indications and pitfalls in interpretation. Am J Gastroenterology 2002;97:1113-26.
19- Eisenmann A, Amann A, Said M et al. Implemetaiton and interpretation of Hydrogen breath tests. J Breath Res 2008; 2: 1-9.
20- Doma S, Gaddipati K, Fernandez A et al. Results of fructose breath test in healthy controls using different doses of fructose: which dose is best? Am J Gastroenterol 2003; 98: s265-6.
21- Hoekstra JH, Van Kempen AA, Bijl SB et al. Fructose breath Hydrogen tests. Arch Dis Child 1993; 68: 136-8.
22- Hyams JS, Etienne NL, Leichtner AM. Carbohydrate malabsorption following fruit juice ingestion in young children. Pediatrics 1988;82:64-8.
23- Jones HF, Burt E, Dowling K, Davidson G, Brooks D, Butler RN. Effect of age on fructose malabsorption in children presenting with gastrointestinal symptoms. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2011;52:581-84.
24- Gomara RE, Halata MS, Newman LJ, Bostwick HE et al. Fructose intolerance in children presenting with abdominal pain. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2008; 47: 303-8.
25- Gijsbers CFM, Kneepkens CMF, Buller HA. Lactose and frutose malabsorption in children with recurrent abdominal pain: results of double-blinded testing Acta Paediatrica 2012;101:411-15.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Má absorção/intolerância à Frutose: a emergência de um importante transtorno digestivo pouco reconhecido (1)



Introdução

Em 1997 os consumidores norte-americanos gastaram cerca de US$ 5 bilhões em sucos de frutas. O consumo médio de suco de frutas nos EUA alcançou o valor de 40 bilhões de litros/ano ou 200 litros/ano por pessoa. As crianças constituíram o maior grupo de consumidores, e aquelas menores de 12 anos de idade ingeriram 28% do volume total consumido (1). Embora estes dados não estejam disponíveis no Brasil pode-se presumir que por similaridade dos hábitos culturais atualmente praticados no mundo ocidental, neste aspecto nutricional, estes valores devem ser bastante próximos. Em passado recente, no nosso país, o principal suco utilizado era o de laranja, porém, com a imensa diversificação da indústria alimentícia, suco de outras frutas, tais como uva, maçã e pêra passaram a fazer parte da dieta habitual das crianças brasileiras.

Historicamente sucos de frutas têm sido recomendados pelos Pediatras como uma fonte de vitamina C e uma fonte extra de água para lactentes e pré-escolares, à medida que em suas dietas são incluídos novos alimentos sólidos com sobrecargas renais mais altas de solutos. A água é o componente predominante nos sucos de frutas, porém, os carboidratos, incluindo sacarose, frutose, glicose e sorbitol constituem-se nos seus principais nutrientes. A concentração de carboidratos nos sucos de frutas varia desde 11g% (0,44 kcal/ml) até cerca de 16g% (0,64 kcal/ml) (2).

 A sacarose é um dissacarídeo, que após ser ingerida e alcançar o intestino delgado, é hidrolisada em seus componentes monossacarídeos, glicose e frutose pela ação da sacarase presente nas microvilosidades dos enterócitos. A glicose é rapidamente absorvida por um processo de transporte ativo, enquanto que a frutose é absorvida por um mecanismo de transporte facilitado que não ocorre contra um gradiente de concentração.

A frutose é encontrada na natureza em sua maior parte como constituinte da sacarose. Tem sido cada vez mais utilizada na dieta ocidental na forma de adoçante em produtos industrializados, por ser alternativa mais barata que a sacarose. Sua presença é comumente observada em refrigerantes, doces e principalmente em sucos de frutas naturais e artificiais (3). A frutose é transportada através do epitélio intestinal por um mecanismo facilitador denominado GLUT 5 (transportador facilitador de hexose), o qual apresenta alta afinidade pela frutose, que carrega este monossacarídeo através da membrana apical do enterócito (4). Entretanto, sabe-se que este mecanismo possui capacidade limitada de absorção deste carboidrato.  Além disso, a frutose pode ser absorvida de forma mais eficiente quando a glicose se encontra presente em concentrações equimolares. Por outro lado, investigações clínicas têm demonstrado que quando a concentração de frutose excede a de glicose pode ocorrer má absorção da frutose (5-6). Portanto, alimentos que contém concentrações equimolares de frutose e glicose podem proporcionar melhor absorção deste monossacarídeo do que alimentos em que a concentração da frutose excede a de glicose. Sucos de maçã, pêra e uva apresentam uma concentração de frutose que excede em mais do que o dobro a da glicose, enquanto que no suco de laranja as concentrações de glicose e frutose se equivalem (7). Por exemplo, um copo de suco de maçã (200ml) contém aproximadamente 15,5 gramas de frutose (6,8 gramas de glicose e 3 gramas de sacarose) (8) (Tabela 1).


Tabela 1- Concentração dos carboidratos de alguns sucos frequentemente utilizados (g%)
Quando a concentração da frutose em um determinado alimento encontra-se em excesso em relação àquela da glicose alguns indivíduos podem desenvolver má absorção à frutose (2-7). Estes indivíduos apresentam sintomas que incluem flatulência, diarréia, dor e distensão abdominal. Para se estabelecer o diagnóstico da má absorção/intolerância à frutose a anamnese deve incluir uma detalhada história dietética associada à investigação laboratorial que pode ser realizada por meio do teste do hidrogênio no ar expirado, o qual é realizado após ingestão de sobrecarga de frutose (9). Nesta circunstância, o monossacarídeo não absorvido no intestino delgado, é fermentado pelas bactérias colônicas resultando na produção de gases como metano, dióxido de carbono e hidrogênio, além de ácidos graxos voláteis de cadeia curta, tais como ácido acético, butírico e propiônico. O hidrogênio, por sua vez, atravessa a mucosa colônica, passa para a circulação sistêmica e, finalmente, é eliminado pela expiração. A confirmação diagnóstica se complementa quando ocorre alívio dos sintomas depois da retirada da frutose da dieta.

Histórico e Manifestações Clínicas

Estudos prévios que demonstram uma relação causal entre má absorção à frutose e sintomas gastrointestinais foram inicialmente descritos em pacientes adultos. As primeiras descrições de má absorção à frutose datam do final da década de 1970. Anderson e cols.(10), em 1978, publicaram no Acta Medica Scandinavian, 4 pacientes que apresentavam queixa de diarréia crônica e dor abdominal, cujos sintomas desapareceram com a retirada da frutose da dieta dos mesmos. Mais recentemente, também investigando pacientes adultos, Choi e cols. (11), em 2003, publicaram no American Journal of Gastroenterology, uma casuística maior, constituída por 183 pacientes, utilizando o teste do Hidrogênio no ar expirado, nos quais foi caracterizada má absorção/intolerância em 73% dos casos. Estes pacientes relataram uma série de sintomas, tais como, dor abdominal flatulência, flatus e diarréia. Pacientes adultos portadores da síndrome do intestino irritável e má absorção à frutose apresentaram agravo dos sintomas em comparação com aqueles que apresentaram absorção normal à frutose. Estudos recentes com população adulta têm demonstrado que um número significativo de pacientes com má absorção à frutose relatou alívio da dor abdominal, flatus, flatulência e diarréia quando foi introduzida uma dieta restrita de frutose.   

Em Pediatria as primeiras descrições isoladas de má absorção à frutose datam da década de 1980. Em 1984, Kneepkens e cols. (12), na Holanda, publicaram, no Archives of Diseases in Childhood, a ocorrência de má absorção à frutose em 71% das crianças investigadas, cujas idades variaram entre 1 mês e 16 anos, utilizando o teste do Hidrogênio no ar expirado. Dentre as 31 crianças investigadas, 25 não apresentavam queixas gastrointestinais e 6 delas sofriam de transtornos digestivos funcionais. Posteriormente, Lifshitz e cols. (7), em 1992, nos EUA, correlacionam a má absorção de frutose contida em sucos de frutas com sintomas de diarréia crônica inespecífica em crianças em artigo publicado no Pediatrics. Hoesktra e cols. (13), em 1993, publicaram um artigo no Archives of Diseases in Childhood, descrevendo má absorção de frutose em crianças com idade média de 3,5 anos, utilizando o teste do Hidrogênio no ar expirado, cuja sintomatologia de diarréia mostrou-se dependente da dose de frutose na realização do teste. Quando a dose de frutose foi de 1g/kg de peso ocorreu má absorção à frutose em 44% dos pacientes, mas quando a dose foi de 2g/kg de peso a má absorção à frutose ocorreu em 100% dos casos. Este estudo mostra, portanto, uma nítida correlação positiva entre a dose dependente de frutose e o respectivo surgimento da má absorção ao carboidrato. Em 2002, Duro e cols. (9), em artigo publicado no Pediatrics, correlacionam a ocorrência de cólicas em lactentes devido à má absorção de frutose contida em alguns sucos de frutas. Tsampalieros e cols. (14), em 2008, em artigo publicado no Archives of Diseases in Childhood, descrevem uma série de sintomas gastrointestinais, tais como, dor abdominal, diarréia, náuseas e vômitos, em escolares e adolescentes, devido a intolerância à frutose. Referem que estes sintomas desapareceram com a retirada da frutose da dieta destes pacientes. Gomara e cols. (15), em 2008, no JPGN, referem a associação entre dor abdominal crônica e má absorção à frutose, a qual desapareceu após a suspensão da dieta da frutose nestes pacientes.

Recentemente, no XIV Congresso Brasileiro de Gastroenterologia e Nutrição em Pediatria, tivemos a oportunidade de apresentar o trabalho, na sessão de temas livres orais, intitulado “Prevalência de Má Absorção à Frutose utilizando o Teste do Hidrogênio no Ar Expirado em crianças com transtornos digestivos e nutricionais”, cujos autores foram: Adriana C. Lozinsky, Cristiane Boé, Ricardo Palmero e Ulysses Fagundes-Neto, da Disciplina de Gastroenterologia Padiátrica da Escola Paulista de Medicina, UNIFESP e do Instituto de Gastroenterologia Pediátrica de São Paulo (IGASTROPED). Trata-se até aonde meu conhecimento alcança o primeiro trabalho disponível na literatura médica brasileira a respeito deste tema. Foram investigados 43 pacientes de ambos os sexos, com idades que variaram de 3 meses a 16 anos, mediana de 2,6 anos, que apresentavam queixa de transtornos digestivos e/ou nutricionais, utilizando o teste do Hidrogênio no ar expirado com sobrecarga dos seguintes carboidratos: lactose, glicose, frutose e lactulose. Má absorção à frutose foi caracterizada em 13 (30,2%) pacientes, os quais apresentavam os seguintes diagnósticos, a saber: Síndrome do intestino irritável em 7, dor abdominal funcional em 4, baixa estatura em 1 e doença celíaca em 1.

Referências Bibliográficas
1- Agriculture Research Service. Food and Nutrient Intakes by Individuals in the United States by Sex and Age, 1994-96. Washington DC. US Department of Agriculture; 1998. NFS Report n 96-2.
2- Baker SS, Cochrane WJ, Greer FR et al. The use and misuse of fruit juice in Pediatrics. Pediatrics 2001; 107: 1210-13.
 3- Mishkin D, Sabrauskas L, Yalovsky M et al. Fructose and sorbitol malabsorption in ambulatory patients with functional dyspepsia: comparison with lactose maldigestion/malabsorption. Dig Dis Sci 1997; 42; 2591-8.
 4- Jones HF, Butler RN, Brooks DA. Intestinal fructose transport and malabsorption in humans. Am J Physiol Gastrointest Liver Physiol 2011; 300: g202-6.
5- Smith MM, Davis M, Chasalow FI, Lifshitz F. Carbohydrate absorption from fruit juice in young children. Pediatrics 1995; 95: 340-44.
6- Nobigot T, Chasalow FI, Lifshitz F. Carbohydrate absorption from one serving of fruit juice in young children: age and carbohydrate composition effects. J Am Coll Nutr 1997; 16:152-58.
7- Lifshtz F, Ament ME, Kleinman RE, Klish W, Lebenthal E, Pearman J et al. Role of juice carbohydrate malabsorption in chronic nonspecific diarrhea in children. J Pediatr 1992; 120: 825-9.
8- Hyams JS, Etienne NL, Leichtner AM. Carbohydrate malabsorption following fruit juice ingestion in young children. Pediatrics 1988;82:64-8.
9- Duro D, Rising R, Cedillo M, Lifshitz F. Association between infantile colic and carbohydrate malabsorption from fruit juice in infancy. Pediatrics 2002; 109: 797-805.
10- Anderson DEH, Nygren A. Four cases of long-standing diarrhea and colic pain cured by fructose-free diet. Acta med Scand 1978;203:87-92.
11- Choi YK, Johlin FC, Summers RW et al. Fructose intolerance: an under-recognized problem. Am J Gastroenterol 2003; 98: 1348-53.
12- Kneepkens CMF, Vonk RJ, Fernandes J. Incomplete intestinal absorption of fructose. Arch Dis Child 1984;59:735-8.
13- Hoekstra JH, Van Kempen AA, Bijl SB et al. Fructose breath Hydrogen tests. Arch Dis Child 1993; 68: 136-8.
14- Tsampalieros A, Beauchamp J, Boland M. Dietary fructose intolerance in children and adolescents. Arch Dis Child 2008;93:1078.
15- Gomara RE, Halata MS, Newman LJ, Bostwick HE et al. Fructose intolerance in children presenting with abdominal pain. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2008; 47: 303-8.