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quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

O CDC (Centers for Disease Control and Prevention – Centros de Controle e Prevenção de Doenças) atualizou e encurtou o período recomendado de isolamento e quarentena para a população geral

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada Instituição Americana publicou em 27 de dezembro de 2021, uma importante recomendação, que a seguir passo a transcrever na integra. O texto abaixo é atribuído ao Diretor do CDC.

Tendo em vista os conhecimentos atuais a respeito da Covid-!9 e da variante Omicron, o CDC decidiu encurtar o tempo recomendado de isolamento para o público. Os pacientes portadores de Covid-19 devem se isolar durante 5 dias, e, caso estejam assintomáticos ou com sintomas mínimos (sem febre durante 24horas), seguindo por mais cinco dias com uso de máscara, quando na presença de outras pessoas, para minimizar o risco de contaminá-las. Esta alteração foi motivada pela ciência que demonstrou que a maioria da transmissão dos casos de Covid-19 ocorre em período precoce do curso da doença, geralmente no primeiro ou segundo dia antes do surgimento dos sintomas, e nos dois ou três dias após a deflagração da enfermidade.

Além disso, o CDC está atualizando a recomendação do período de quarentena para qualquer pessoa do público em geral que se encontra exposta ao Covid-19. Para aquelas pessoas que não estão vacinadas, ou que foram vacinas a mais de seis meses da sua segunda dose da vacina mRNA, e que ainda não receberam o reforço. O CDC recomenda agora quarentena de 5 dias seguido por uso restrito de máscara por 5 dias adicionais. Alternativamente, caso a quarentena de 5 dias não seja possível, torna-se imperativo que uma pessoa exposta ao vírus use uma máscara devidamente ajustada ao rosto, durante todo o tempo que estiver reunida com outras pessoas, durante 10 dias após a exposição. As pessoas que tenham recebido a dose de reforço não necessitam seguir uma quarentena após a exposição ao Covid-19, mas devem utilizar a máscara nos próximos 10 dias subsequentes a exposição. Para todas as pessoas que foram expostas ao Covid-!9, a melhor prática deve também incluir um teste para a Covid-19 no 50 dia após a exposição. Caso os sintomas apareçam, as pessoas devem imediatamente submeter-se a quarentena, até que um teste negativo confirme que os sintomas não sejam atribuídos ao Covid-19.

O isolamento deve se relacionar ao comportamento após a confirmação da infecção. O isolamento durante 5 dias acompanhado pelo uso de uma máscara firmemente ajustada diminuirá o risco de disseminação do vírus para outras pessoas. Entende-se por quarentena o período após a exposição ao vírus, ou contato íntimo com alguém que sabidamente contraiu o Covid-19. Ambas as atualizações emergem porque a variante Omicron continua a se disseminar por toda a parte nos Estados Unidos da América, e reflete o conhecimento científico atual sobre quando e por quanto tempo uma pessoa é infectante na sua forma mais contagiosa.     

Dados da África do Sul e do Reino Unido, demostram que a eficácia da vacina contra infecção do Covid-19, após duas doses da vacina contendo mRNA é de aproximadamente de 35%. Uma dose de reforço da vacina contra o Covid-19 restaura a eficácia vacinal contra a infecção em 75% dos casos. A vacinação contra a Covid-19 diminui o risco de doença grave, hospitalização e morte. O CDC recomenda fortemente a vacinação para todas as pessoas de 5 anos em diante e, reforços para todos a partir dos 16 anos. A vacinação é o melhor meio para se auto proteger e reduzir o impacto da infecção por Covid-19 em nossas comunidades.      

Informações Complementares

The following is attributable to CDC Director, Dr. Rochelle Walensky:

 

“The Omicron variant is spreading quickly and has the potential to impact all facets of our society. CDC’s updated recommendations for isolation and quarantine balance what we know about the spread of the virus and the protection provided by vaccination and booster doses. These updates ensure people can safely continue their daily lives. Prevention is our best option: get vaccinated, get boosted, wear a mask in public indoor settings in areas of substantial and high community transmission, and take a test before you gather.”

If You Test Positive for COVID-19 (Isolate)

Everyone, regardless of vaccination status.

-      Stay home for 5 days.

-      If you have no symptoms or your symptoms are resolving after 5 days, you can leave your house.

-      Continue to wear a mask around others for 5 additional days.

-      If you have a fever, continue to stay home until your fever resolves.

If You Were Exposed to Someone with COVID-19 (Quarantine)

If you:

-      Have been boosted

OR

-      Completed the primary series of Pfizer or Moderna vaccine within the last 6 months

OR

-      Completed the primary series of J&J vaccine within the last 2 months

- Wear a mask around others for 10 days.

- Test on day 5, if possible.

If you develop symptoms get a test and stay home.

If you:

-      Completed the primary series of Pfizer or Moderna vaccine over 6 months ago and are not boosted

OR

-      Completed the primary series of J&J over 2 months ago and are not boosted

OR

-      Are unvaccinated

- Stay home for 5 days. After that continue to wear a mask around others for 5 additional days.

- If you can’t quarantine you must wear a mask for 10 days.

- Test on day 5 if possible.

If you develop symptoms get a test and stay home

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U.S. DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICESexternal icon

CDC works 24/7 protecting America’s health, safety and security. Whether disease start at home or abroad, are curable or preventable, chronic or acute, or from human activity or deliberate attack, CDC responds to America’s most pressing health threats. CDC is headquartered in Atlanta and has experts located throughout the United States and the world.

Page last reviewed: December 29, 2021

Content source: Centers for Disease Control and Prevention

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Observação

Devido ao aumento exponencial dos casos da variante Omicron da Covid-19, uma publicação do dia 10 de janeiro de 2022, embora tendo levado em consideração uma amostragem de casos bastante reduzida, propõe um aumento da quarentena para 9 dias nos indivíduos vacinados conforme descrito na tabela abaixo.

 

 

 UM APELO AO BOM SENSO

A vacinação tem se revelado de forma insofismável, como a forma mais eficaz para diminuir os efeitos indesejáveis da pandemia no Brasil e em outras partes do mundo, diminuindo a gravidade dos casos, internações hospitalares e mortes, em todas as faixas etárias.

VACINE-SE E VACINE SEUS FILHOS DE 5 A 11 ANOS!!!


quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Escolhendo com sabedoria para o enfrentamento da COVID-19: 10 recomendações, baseadas em evidências, para pacientes e médicos

 

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista Nature Medicine publicou em formato de correspondência, em 05 de julho de 2021, um importante artigo intitulado “Choosing wisely for COVID-19: ten evidence-based recommendations for patients and physicians”. Este artigo teve por iniciativa a criação de uma Força Tarefa constituída por 18 membros (lista deles ao final deste artigo), criada em abril de 2021, composta por experts pertencentes aos mais variados campos da Medicina, a saber: saúde pública, epidemiologia, clínica geral, cuidados primários, doenças infecciosas, virologia, medicina interna, pneumologia, pediatria, oncologia, economia da saúde, pesquisa clínica e política da saúde. A Força Tarefa, também incluiu representantes dos pacientes e da sociedade civil para assegurar que às suas visões e vozes fossem dadas as devidas importâncias. Conselheiros da Força Tarefa foram incluídos a partir dos líderes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e representantes sêniores dos governos. Os membros da Força Tarefa empreenderam a realização de duas rodadas de discussão utilizando o processo Delphi modificado, para atribuir escores às recomendações, e votaram para suas inclusões usando os seguintes critérios: evidências para apoiar a recomendação, o alcance das recomendações que têm sido colocadas em prática, a clareza das recomendações, a viabilidade da sua mensuração e a relevância para a situação presente.

A Força Tarefa elaborou 10 recomendações com as devidas explicações (Table 1), a saber: as 5 primeiras recomendações são dirigidas especificamente para o público em geral, enquanto que as 5 remanescentes são direcionadas para os profissionais da saúde diretamente envolvidos nos cuidados dos pacientes com COVID-19.

As recomendações finais estão relacionadas com os seguintes aspectos (Table 1): práticas de prevenção para diminuir os riscos de ser infectado (1 e 2); medidas que devem ser tomadas caso alguém apresente sintomas ou tenha sido diagnosticado com COVID-19 (3 e 4); vacinação (5); uso criterioso de medicamentos (6, 7 e 8) e investigações no manejo da COVID-19 (9); sistemas de saúde e políticas de saúde (10).

As recomendações da Força Tarefa para a prevenção, cuidado e controle da COVID-19 incluíram as melhores evidências disponíveis no presente momento, e enfatizaram práticas que são comuns,  ineficazes, de baixo valor ou prejudiciais na resposta à COVID-19 em diversos países. Todas as recomendações estão baseadas em evidências robustas e podem melhorar os desfechos do controle da pandemia de forma universal.

A nossa lista de consenso de recomendações para o controle da COVID-19, apresenta inúmeras implicações. Em primeiro lugar, ela fornece um guia de conduta para o público em geral, baseando-se em medidas simples que podem diminuir o risco de contrair a COVID-19, ou seja, enfatizamos a importância do uso apropriado de máscaras faciais, evitar locais com aglomeração de pessoas e o estímulo de ventilação adequada em ambientes fechados, tudo isto baseado na compreensão crescente a respeito da transmissão da COVID-19. Em segundo lugar, esta lista de consenso fornece um guia prático para os pacientes sobre o que eles devem fazer quando surgem os sintomas ou são testados positivamente para a COVID-19, incluindo o reconhecimento de sintomas e sinais que justifiquem atenção médica. A orientação para os pacientes é importante, levando-se em consideração que os sistemas de cuidados de saúde devem também adotar um mecanismo  de triagem hospitalar no qual os pacientes com enfermidade leve a moderada não necessitam ser internados, posto que os preciosos leitos hospitalares devem ser reservados para os pacientes com enfermidades mais graves. Em terceiro lugar, a lista de consenso fornece claras recomendações para o público em geral a respeito da vacinação, posto que as vacinas fornecem o passo mais importante para o controle da pandemia. Em quarto lugar, a lista de consenso estimula os médicos para utilizarem tratamentos levando-se em consideração os conhecimentos baseados em evidências, cujas decisões devem otimizar os recursos disponíveis e evitar desperdícios. Ao disseminar essas recomendações, nós estamos também desencorajando a prática clínica defensiva pelos médicos os quais temem litígios ou críticas caso eles não tratem os pacientes com terapêuticas não aprovadas. A iniciativa da Força Tarefa apresenta alguns pontos fortes, e, também limitações. Todas as recomendações aqui apresentadas possuem alta qualidade de evidências para dar suporte a elas. Entretanto, os dados a respeito da COVID-19 estão rapidamente evoluindo e é possível que estas recomendações possam vir a ser alteradas caso novas evidências tornem-se disponíveis. A Força Tarefa reitera que estas recomendações estão em um contexto específico, e que algumas delas (uso de máscara facial e distanciamento físico) podem ser extremamente relevantes naqueles cenários cuja transmissão comunitária é largamente disseminada, e que ao mesmo tempo tenham acesso limitado à vacinação. Globalmente, o acesso à vacinação é altamente iníquo, e em diversas partes do globo é pouco provável haver vacinação adequada para suas populações nos próximos dois anos. Em resumo, a iniciativa da Força Tarefa identificou 10 recomendações chave para o controle da COVID-19 por meio de um processo de desenvolvimento sistemático com a participação de um grupo multidisciplinar de experts. A adoção e a implementação desta lista de recomendações, proporcionarão a  aplicação de medidas baseadas em evidências de políticas e práticas no manejo da pandemia da COVID-19, nas diversas partes do globo terrestre. Mais importante ainda, esta lista de recomendações enfatiza o papel basilar que a medicina baseada em evidência tem a oferecer, mesmo durante uma pandemia com extrema variabilidade.





segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Síndrome Inflamatória Multisistêmica associada ao COVID-19 em Pediatria: apresentação de Pancreatite Aguda

 

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A revista JPGN de novembro de 2020, publicou um importante artigo de autoria de Stevens J e cols., intitulada “COVID-19 associated multisystem Imflammatory Syndrome in Children Presenting as Acute Pancreatitis” que a seguir passo a abordar seus aspectos de maior relevância.

Introdução

Crianças portadoras de COVID-19 em geral apresentam sintomas majoritariamente gastrointestinais em relação à síndrome respiratória grave, a qual é tipicamente observada em adultos. Recentemente, médicos na Europa e nos EUA têm comprovado um aumento na incidência de sintomas da Doença de Kawasaki (DK) associados com a COVID-19, o que os levou à descrição de uma síndrome caracterizada por inflamação multisistêmica e disfunção orgânica denominada Síndrome Inflamatória Multisistêmica em Pediatria (SIMP). Sabe-se que sintomas gastrointestinais são frequentes na apresentação da SIMP, porém, Pancreatite Aguda (PA) não havia sido descrita em crianças. Neste trabalho é descrito pela primeira vez, o caso de uma criança que apresentou PA como manifestação inicial da SIMP.

Relato de Caso

Menina afro-americana e obesa, 10 anos de idade, apresentou história de asma moderada quando foi atendida no serviço de emergência nos dias iniciais de  abril de 2020. Os sintomas tiveram início 5 dias antes da admissão, caracterizados por dor abdominal difusa, seguidos por episódios diários de febre de 39º a 40ºC, diarreia líquida sem sangue, vômitos não biliosos e anorexia. Outros sintomas referidos incluíam congestão da conjuntiva, edema palpebral, edema das mãos e dos pés e cansaço extremo. A paciente não apresentava queixa respiratória.  Vale ressaltar que ela não havia identificado contato com pessoas enfermas. Nos últimos dias de fevereiro e nos dias iniciais de março, a paciente viajou desde sua cidade natal Atlanta, Georgia,  para Nova York, Nova Jersey e California, todas essas áreas que sabidamente apresentam aumento das taxas de infecção por COVID-19 (Figura 1).


Após o retorno das viagens a paciente permaneceu em sua casa, porém, seus pais trabalharam de forma intermitente em áreas externas.

No momento da primeira consulta, ela apresentava febre, taquicardia e hipertensão. A paciente referia dor no abdome superior com irradiação para o dorso e quadrante inferior direito. Foi estabelecido diagnóstico de PA baseado nos sintomas apresentados, elevação da lipase sérica e alteração na tomografia computadorizada do abdome. Nesta ocasião a paciente foi internada para receber tratamento específico.

Algumas horas após a internação a paciente desenvolveu desconforto respiratório associado a agravamento renal agudo e hipotensão. Nesta ocasião, ela foi transferida com urgência para Unidade de Terapia Intensiva (UTI) posto que a disfunção envolveu múltiplos órgãos. A radiografia de tórax revelou edema pulmonar e derrame pleural moderado; a ecocardiografia mostrou depressão da função biventricular e hipertensão pulmonar moderada (Tabela 1).


A paciente necessitou oxigenioterapia por meio de cânula nasal de alto fluxo 40 l/min, epinefrina e Milrinona. Houve persistência da diarreia e a paciente desenvolveu hipoalbuminemia severa que requereu reposição intravenosa. Os episódios de febre persistiram e uma extensiva investigação para o processo infeccioso e reumatológico mostraram-se negativos, incluindo os testes RT-PRC para COVID-19, em duas amostras independentes de swab nasofaringeo. Considerando-se que as manifestações para DK se revelaram incompletas, a paciente foi tratada com imunoglobulina intravenosa e doses elevadas de aspirina. A despeito de uma resposta inicialmente favorável com o uso da imunoglobulina, os episódios de febre retornaram, e, então, ela recebeu uma segunda dose de imunoglobulina 2 dias mais tarde. Após esta segunda dose de imunoglobulina, a paciente permaneceu afebril, houve melhora da função cardíaca, normalização renal e regressão total do edema. O suporte respiratório foi desativado e os marcadores séricos inflamatórios, transaminases, albumina e lipase normalizaram-se. A paciente recebeu alta com doses baixas de aspirina e no seguimento clínico, verificou-se que o teste sorológico IgG para COVID-19 mostrou-se positivo.     

Discussão

Este é o primeiro caso documentado de PA em Pediatria devido ao COVID-19. A apresentação com febre, marcadores séricos inflamatórios elevados e envolvimento orgânico multisistêmico após a infecção por SARs-Cov-2 revela uma situação inédita. Por outro lado, foram relatados três casos de PA em pacientes adultos associados ao COVID-19, todos eles com testes positivos por meio do RT-PCR.  

As manifestações clínicas da paciente mostraram-se muito semelhantes a aquelas recentemente relatadas em um grupo de crianças italianas portadoras de DK-simile grave e infecção pelo SARs-Cov-2. Os pacientes italianos apresentavam idades mais avançadas do que a esperada para a DK, com aspectos da DK incompletos incluindo elevados marcadores inflamatórios, linfocitopenia, trombocitopenia, manifestações respiratórias, gastrointestinais, disfunção cardíaca e choque.  Deste grupo de 10 pacientes italianos, somente duas revelaram-se positivas para o Sars-Cov-2 pelo teste PCR, enquanto as outras 8 revelaram IgG positivo. Esses resultados reforçam a sugestão de que a SIMP é um achado tardio da doença provocado pelo COVID-19 devido uma resposta imunológica retardada em seguida a uma infecção primária assintomática ou leve.

A associação entre PA e Sars-Cov-2 não está perfeitamente esclarecida. Alguns mecanismos potenciais de lesão são possíveis, posto que infecções virais incluindo a família dos coronavírus são responsáveis por 10% das PA’s idiopáticas. A enzima conversora de angiotensina 2 é um receptor humano para os coronavírus e se expressa intensamente nos tecidos epiteliais incluindo o pâncreas. Desta forma, admite-se que a invasão direta do vírus que possui efeito citopático tenha sido uma causa potencial da injuria pancreática.

Meus Comentários

Como é do conhecimento geral, no âmbito do conjunto das pessoas que utilizam a razão e que creem na importância dos conhecimentos científicos, a despeito da tremenda e nefasta campanha dos militantes do negacionismo, a pandemia da COVID-19, que assola o mundo há 1 ano com efeitos devastadores, particularmente nos indivíduos de idade mais avançada (acima dos 60 anos) associados a comorbidades, vêm causando enormes preocupações quanto ao risco de serem contaminadas e, consequentemente, virem a apresentar quadros graves da enfermidade com alto risco de morte. Sabe-se também que os indivíduos mais jovens, especialmente as crianças, mesmo quando infectados, em geral, são assintomáticos ou paucissintomáticos, não necessitando, portanto, maiores cuidados assistenciais. Entretanto, na faixa etária pediátrica passou-se a descrever, nos mais diversos centros médicos de inúmeros países, um quadro clínico, embora não frequente, de manifestações similares às observadas na Síndrome de Kawasaki, com desfechos sombrios em algumas circunstâncias. Estas manifestações clínicas tardias da infecção pelo COVID-19 recebeu a denominação de Síndrome Multisistêmica Inflamatória em Pediatria devido ao seu aspecto diversificado afetando aleatoriamente os mais variados órgãos, tais como rins, coração, pulmões, fígado, intestino, pâncreas e a pele das crianças pré-adolescentes e adolescentes. Por esta razão, ainda que não seja frequente a prevalência desta nova síndrome, os cuidados de prevenção da infecção pelo COVID-19 também devem se estender de forma rigorosa para a população infantil. Vale enfatizar que a VACINAÇÃO é fundamental para controlar a disseminação do vírus.  

Referências Bibliográficas

1)   Stevens JP e cols. JPGN 2020 ;71: 669-71.

2)   Verdoni L e cols. Lancet 2020;395: 1771-8.

3)   Dong Y e cols. Pediatrics 2020;145: 202-5.

4)   Sun D e cols. World J Pediatr 2020;16: 251-9.

 

                

      

       

 

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Sistema Imunológico Humano: uma revisão atualizada

Prof. Ulysses Fagundes Neto

Introdução

Tendo em vista a presente pandemia do Sars-cov-2 que nos assola há 9 meses, e que se mostra resistente com altos números de morbidade e letalidade, nas mais distintas regiões do Brasil, e, considerando-se o papel primordial do nosso sistema imunológico no seu combate, vale a pena revisarmos a interação do agente agressor com nosso sistema de defesa. Tem sido amplamente divulgado que a resposta do nosso organismo ao Sars-cov-2 tem profundas implicações no sistema imunológico, e, portanto, uma atualização básica do sistema imunológico humano, torna-se essencial, ainda que fugindo ao escopo primordial deste meio de comunicação, isto é, a Gastroenterologia e a Nutrição.

O sistema imunológico trata-se de uma complexa rede de diferentes elementos que interagem entre si. Quando um agente patogênico invade nosso organismo, imediatamente é desencadeada uma resposta imunológica inata. Enquanto muitas infecções podem ser devidamente resolvidas por meio do sistema imunológico inato, os seres humanos também possuem um sistema adicional de defesa, a imunidade adaptativa, a qual se adapta para nos proteger contra invasores específicos. A seguir, passaremos a abordar ambos os componentes do nosso sistema imunológico.

Imunidade Inata

A primeira linha do mecanismo de defesa, contra microrganismos estranhos aos seres humanos, é mediada pelo sistema imunológico inato. As células chave envolvidas no processo inflamatório incluem neutrófilos, macrófagos, células dendríticas e células natural killers (NK). Estas células utilizam mecanismos similares de reconhecimento de proteínas celulares para identificar células estranhas e removê-las do nosso organismo (Figura 1).


Proteínas de reconhecimento padrão (PRP) representam os componentes essenciais da imunidade inata. Neutrófilos e macrófagos possuem receptores proteicos nas suas membranas celulares que reconhecem determinados padrões de células estranhas, e não somente as reconhecem como estranhas, como também as diferenciam das células hospedeiras durante a sua eliminação. Como exemplos de padrões moleculares associados aos patógenos estão as endotoxinas bacterianas das bactérias Gram negativas, peptídeoglicans, ácido lipoteicoico e a dupla banda de RNA viral (Figura 2).

Um dos exemplos mais importantes e bem estudados dos PRPs é o sistema complemento, que se constitui em uma série de peptídeos circulantes que desempenham um papel crucial na imunidade inata do hospedeiro. Um componente fundamental desse sistema, a proteína C1, reconhece anticorpos ligados às proteínas microbianas e inicia um evento em cadeia, conhecido como a cascata do complemento. O resultado desta atividade é a produção do C3B, que provoca a quimiotaxia e a fagocitose da bactéria que culmina na formação de um complexo de ataque à membrana.  

Os principais componentes do sistema imunológico inato são: neutrófilos, macrófagos e células NK.  Os neutrófilos são direcionados para os locais da inflamação ou infecção, pelas citocinas, tais como as proteínas IL-8 e C3B. Os macrófagos também apresentam uma função similar, porém, eles respondem de uma forma um pouco mais lenta do que os neutrófilos. As células NK contém receptores proteicos similares, os quais são utilizados para diferenciar as células dos hospedeiros e das infectantes. Uma vez feito o reconhecimento, as células NK induzem a apoptose. As células NK são especialmente importantes na proteção contra células virais e tumorais. Outros componentes importantes do sistema imunológico inato são os eosinófilos, basófilos e mastócitos. 

Uma característica importante do sistema imunológico inato é que ele não dispõe de células de memória ou respostas aprendidas contra antígenos específicos. O sistema imunológico inato apresenta uma característica genérica e inespecífica à inflamação. Diferentemente do sistema imunológico adaptativo que possui uma sintonia fina e se auto modifica para combater uma infecção específica, durante um longo período, o sistema imunológico inato é desenhado para apresentar respostas imediatas. É importante ressaltar que o sistema imunológico inato representa o processo preliminar necessário para gerar o sistema imunológico adaptativo.

Imunidade Adaptativa

O sistema imunológico adaptativo, diferentemente do inato, trata-se de um mecanismo mais refinado e programado da defesa do hospedeiro. A resposta elaborada da imunidade adaptativa ocorre a longo prazo em comparação com a resposta instantânea e generalizada do sistema imunológico inato. Existem dois tipos de respostas imunológicas adaptativas, a saber: imunidade humoral e imunidade mediada por células, que a seguir serão descritas.

Imunidade Humoral

A imunidade humoral (IH) é organizada pelas células B que secretam anticorpos para a proteção do organismo contra microrganismos estranhos de forma imediata, e, também de longo prazo. O evento crucial envolve receptores nas células B que se ligam a um antígeno. Esta ligação provoca a ativação e a diferenciação em células mais especializadas. As células B consistem em um receptor que é constituído por cadeias de imunoglobulinas leves e pesadas, e um correceptor de células B, o qual é necessário para uma ligação eficaz ao antígeno. A ligação de antígenos a múltiplos receptores das células B, provoca uma serie de fosforilações intracelulares via a rota IP3 e diacil glicerol, sinalização intracelular, a qual resulta na translocação de fatores de transcrição para o núcleo e ativação das células B.

Desta forma as células B podem se ligar a antígenos timo-dependentes e timo-independentes. Os clássicos exemplos de antígenos timo-independentes são os polissacarídeos nos organismos capsulares, tais como, H influenza e S pneumonia, que acarreta a organização da nossa resposta sorológica de anticorpos. Este mecanismo é também a base para as vacinações dos polissacarídeos não conjugados. Essas cápsulas contêm açúcar e não são apropriados para uma resposta mais robusta às vacinas mediadas por células T. Entretanto, as células B são as candidatas ideais para responder a estes patógenos estranhos.

O antígeno timo-dependente provoca uma especialização das células B que as fazem assumir papéis mais específicos. A ligação destes antígenos ativa as células T-helper. Estas células T em sequência ativam as células B para secretarem tipos específicos de anticorpos. Por exemplo, nos centros germinais do tecido linfoide secundário, a ligação de células B carreiam antígeno para a célula Th2 e seu respectivo correceptor, provoca a liberação de IL-4 e IL-5, as quais sinalizam para as células B para secretarem IgE. Anticorpos IgE tem o poder de proteger contra infestações helmínticas e enfermidades atópicas.

No interior dos centros germinativos do tecido linfoide, cada célula B é desafiada para a realização de tarefas essenciais para sobreviver e proliferar. Estas tarefas incluem competir com outras células B pela ligação com antígenos, o processamento de antígenos, e a apresentação deles para as células T-helper, recebendo sinalizações estimulantes de correceptores, e, então finalmente, se especializando. Células B altamente especializadas e diferenciadas podem também circular no plasma como célula B de memória, onde elas têm a lembrança dos antígenos com os quais interagiram no passado e, desta forma, passar à produção de anticorpos.

As células B também desempenham um papel crucial na imunidade inata, e, como anteriormente abordado, o sistema complemento é um componente chave da imunidade inata. O antígeno ligado a regiões Fab dos anticorpos IgG apresentam uma ligação cruzada com as regiões Fc dos anticorpos. Essencialmente o anticorpo funciona como uma ponte para o complemento e o antígeno. Uma vez que a ponte é construída, o complemento pode solicitar o recrutamento de neutrófilos e posteriormente ocorre a fagocitose do microrganismo.

Imunidade Celular

A imunidade celular é um vigoroso sistema de mecanismos de defesa do hospedeiro, e que foi desenhada para combater microrganismos intracelulares, tais como vírus e micobactérias, bem como células tumorais. Este mesmo sistema também é “o culpado” por estar envolvido em muitas condições autoimunes. As células T são os condutores primários da imunidade mediada por células. Embora existam diversos tipos de células T, as células CD4 e CD8 expressas pelos linfócitos T citotóxicos são importantes na avaliação da imunidade dos pacientes (Figura 3).

As células CD8+ são células citotóxicas que possuem mecanismos citotóxicos contra células infectadas, com as quais após ocorrer a ligação, causam uma fusão e liberação de grânulos que acarretam dano celular. As células CD8+ também expressam ligações Fas que se ligam a receptores CD-95 das células infectadas. Estas ligações acarretam a apoptose. As células CD8+ têm capacidade própria de eliminar células infectadas por vírus e células tumorais por meio de apoptose ou do envolvimento de células NK. As células CD8+ necessitam ser ativadas pela via de apresentação de antígeno através das células MHC-1. Considerando-se que todas as células nucleadas expressam células MHC-1, CD8+ são ideais para a eliminação de células que podem ser infectadas por vírus, posto que quaisquer células podem apresentar antígenos para as células CD8+. Entretanto, antes que as células CD8+ possam adquirir essa capacidade, elas necessitam ser ativadas no tecido linfoide com o auxílio das células CD4+ e das células T apresentadoras de antígenos.

As células CD4+ são as células T-helper e são ativadas nos linfonódios quando as células dendríticas capturam antígenos estranhos e os apresentam às células T. A ligação das células T receptoras com essas células apresentadoras de antígenos devem ser acompanhadas com um sinal de ligação com as células CD-40L sobre as células CD+4 para que o efeito esperado venha a ocorrer.

A interação das células CD4+ com o antígeno determina o destino destas células T. Citocinas e mensageiros celulares conduzem essa diferenciação. Por meio de eventos na imunidade inata, IL-12 e interferon Gama são produzidos, os quais induzem a conversão das células CD+4 em células Th1. Estas células, por sua vez, secretam uma maior quantidade de IL-12 e interferon gama, as quais promovem um intercâmbio de classe das células B que passam a secretar IgG e, também, ativam os macrófagos. Os macrófagos são ativados pela liberação de IL-12 e interferon gama desde as células Th-1. Em outras palavras, estes mecanismos tornam-se um ciclo auto regulado. Células CD+4 virgens se convertem em células Th-1 pela ação de determinadas citocinas. Células Th-1 passam a secretar citocinas de forma autônoma, as quais se preparam para uma resposta imunológica robusta, que resultam em uma condição pró-inflamatória que desempenha um papel essencial na erradicação do vírus.

A imunidade mediada por células também demonstra possuir o fenômeno de células de memória. Interações com antígenos induzem alterações nas superfícies moleculares e intracelulares que permitem às células T adquirir uma resposta mais rápida e especializada quando exposta ao mesmo antígeno. Em outras palavras, as células T têm lembrança dos antígenos que elas combateram e sabem exatamente como derrotá-los caso se apresentem novamente. Este mecanismo forma a base da imunidade perene, e, é o racional que está por trás de como as vacinas funcionam.     

Conclusões

Como se pode depreender da leitura deste artigo, possuímos um robusto e diversificado sistema imunológico de defesa para garantir a proteção do nosso organismo. Apesar desta imensa rede de defesa o Covid-19 tem conseguido vencer esta fantástica barreira e causar um enorme desastre sanitário com vários milhões de mortes em todo o globo terrestre, até o presente momento. Enquanto uma vacinação segura e disponível em larga escala não se apresenta, resta-nos prevenir a infecção por meios físicos, ou seja, distanciamento social, uso de máscaras e álcool nas mãos, até que o imunizante possa mitigar esta pandemia, que tanto mal tem causado à população mundial.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

SARS-COVID-19 também causa infecção gastrointestinal


Prof Dr Ulysses Fagundes Neto



O número de maio de 2020 da tradicional revista Gastroenterology, traz um artigo altamente impactante intitulado “Evidence for Gastrointestinal Infection of SARS-CoV-2” de autoria de Fei Xiao e cols., que abaixo passo a resumir.
 
Introdução

Recentemente foi publicado pela revista New England Journal of Medicine (2), o relato de um caso a respeito da detecção na amostra de fezes do RNA do SARS-CoV-2, e que traz à luz a possibilidade de a transmissão da infecção gastrointestinal ocorrer pela via fecal-oral. Foi comprovado que o SARS-CoV-2 utiliza a enzima de conversão da angiotensina (ECA)2 como um receptor para a penetração viral. O RNA mensageiro do ECA2 encontra-se altamente representado e estabilizado pelo transportador do aminoácido neutro BoAT1 no sistema gastrointestinal, que funciona como um provedor de pré requisito para a infecção do SARS-CoV-2. Com a intenção de investigar com maiores detalhes o significado clínico do RNA do SARS-CoV-2 nas fezes, os autores examinaram o RNA viral nas fezes de 71 pacientes com infecção por SARS-CoV-2 durante suas hospitalizações. O RNA viral e a proteína do núcleo do capsídeo viral foram examinados nos tecidos de um dos pacientes.

Métodos

A partir de 01 a 14 de fevereiro de 2020, amostras clínicas, incluindo soro e swabs orofaríngeos e nasofaringeos, urina, fezes e tecidos de 73 pacientes hospitalizados, infectados com SARS-CoV-2, foram obtidos de acordo com as guias de conduta determinados pela “ China Disease Control and Prevention” e testados para o RNA do SARS-CoV-2 utilizando o padrão estabelecido pelo “Chinese Center for Disease Control and Prevention” para o ensaio quantitativo da reação de polimerase em cadeia. Amostras teciduais do esôfago, estômago, duodeno e reto foram obtidas de um paciente por meio da endoscopia digestiva.  A coloração histológica bem como o receptor viral ECA2 e a coloração do núcleo do capsídeo viral foram realizadas de acordo com os métodos tradicionais. As imagens de coloração fluorescente foram obtidas utilizando-se um microscópio confocal de varredura a laser e que estão demonstradas na Figura 1.

 
Figura 1- Imagens histológicas com coloração pela imunofluorescência dos tecidos gastrointestinais. São mostradas imagens do esôfago, estômago, duodeno e reto. A barra da escala das imagens histológicas representa 100 um e a barra da escala das imagens de imunofluorescência representam 20 um.

Resultados

Neste período de estudo entre os 73 pacientes hospitalizados com infecção pelo SARS-CoV-2, 39 (53,42%), incluindo 25 homens e 14 mulheres, testaram positivo para o RNA do SARS-CoV-2 nas fezes. As idades dos pacientes que apresentaram resultados positivos nas fezes para o RNA do SARS-CoV-2 variaram de 10 meses a 78 anos. A duração da positividade nas fezes desses pacientes variou de 1 a 12 dias. Vale ressaltar que 17 (23,29%) pacientes continuaram a ter resultados positivos nas fezes, após terem negativado os resultados das amostras respiratórias. A endoscopia digestiva realizada em um paciente não evidenciou, pela coloração da hematoxilina-eosina, alterações significativas na mucosa epitelial do esôfago, estômago, duodeno e reto. Infiltrado linfocitário ocasional foi observado no epitélio escamoso esofágico. Na lâmina própria do duodeno e reto foram observadas intensa infiltração de plasmócitos e linfócitos associadas a edema intersticial.

É importante salientar que houve a caracterização positiva do receptor viral ECA2 no citoplasma das células epiteliais gastrointestinais. O ECA2 raramente se expressou no epitélio esofágico, porém, mostrou-se abundantemente presente nos cílios do epitélio glandular. A coloração da proteína do núcleo do capsídeo viral foi visualizada no citoplasma das células epiteliais glandulares do estômago, duodeno e reto, mas não no epitélio esofágico. 

Discussão

Este artigo proporciona franca evidência da infecção gastrointestinal causada pelo SARS-CoV-2 e sua possível via de transmissão fecal-oral. Considerando-se que os vírus se disseminam de células infectadas a células não infectadas, as células alvo vírus-específicas ou órgãos são determinantes como vias de transmissão viral. O receptor responsável pela mediação da entrada do vírus na célula do hospedeiro é o primeiro passo na infecção viral. Os dados da imunofluorescência demostraram que a proteína ECA2, a qual foi comprovada ser um receptor celular para SARS-CoV-2, está altamente expressa nas células glandulares do estômago, duodeno e reto corroborando a entrada do SARS-CoV-2 no interior das células dos hospedeiros. A coloração do ECA2 foi raramente vista na mucosa esofágica, provavelmente porque o epitélio esofágico é majoritariamente composto por células epiteliais escamosas, que apresentam uma menor expressão para o ECA2 do que as células epiteliais glandulares. A detecção do RNA do SARS-CoV-2 e a coloração intracelular do núcleo do capsídeo proteico viral nos epitélios gástrico, duodenal e retal, demostram que o SARS-CoV-2 infecta essas células epiteliais glandulares gastrointestinais. Embora o RNA viral tenha sido também detectado no tecido mucoso esofágico, a ausência da coloração do núcleo proteico do capsídeo viral na mucosa esofágica indica a baixa carga de infecção viral da mucosa esofágica.   
     
Após a penetração viral, vírus RNA-específico e proteínas são sintetizadas no citoplasma para a reprodução de novos virions, os quais podem ser liberados para o trato gastrointestinal. A contínua detecção positiva do RNA viral nas fezes sugere que os virions infeciosos são secretados pelas células gastrointestinais infectadas pelo vírus. Recentemente, os presentes autores, assim como outros, isolaram o SARS-CoV-2 das fezes confirmando a liberação de virions infecciosos para o trato gastrointestinal. Desta forma, vale ressaltar que a transmissão fecal-oral poderia ser uma via adicional para a dispersão viral. Portanto, a prevenção da transmissão fecal-oral deve ser levada em consideração para o controle da propagação do vírus.

Os resultados do presente estudo, enfatizam a importância clínica de testar o RNA viral nas fezes pela técnica do PCR, porque os virions infecciosos liberados no trato gastrointestinal podem ser monitorados por este teste.  De acordo com as atuais guias de conduta chinesas para a alta hospitalar dos pacientes, por medidas de precaução contra a transmissão do SARS-CoV-2, é necessário que os pacientes tenham realizado pelo menos dois testes respiratórios sequenciais negativos coletados com uma diferença de pelo menos 24 horas entre eles. Entretanto, como em mais de 20% dos pacientes com SARS-CoV-2 foi observado que o resultado do teste do RNA viral permaneceu positivo nas fezes dos pacientes, mesmo após os resultados para o RNA viral no trato respiratório tivessem se tornado negativos, este fato indica que a infecção viral gastrointestinal, e sua potencial transmissão fecal-oral, pode perdurar mesmo após o desaparecimento viral do trato respiratório. Por esta razão, recomenda-se fortemente a realização do teste fecal de forma rotineira nos pacientes com SARS-CoV-2, e que precauções quanto a transmissibilidade do vírus, nos pacientes hospitalizados, seja continuada no caso de os testes fecais resultarem positivos.          

Meus Comentários

A incidência de manifestações clínicas menos comuns, tais como, diarreia, vômitos e desconforto abdominal, antes de ocorrerem as típicas manifestações respiratórias, têm sido descritas, as quais variam significativamente entre as diferentes populações estudadas, em especial no período inicial da instalação da infecção.

A despeito do comprometimento das vias respiratórias, já sobejamente conhecido, este trabalho chama a atenção para mais um aspecto de enorme importância, qual seja não somente a presença do RNA viral ao longo do trato digestivo, mas principalmente, a possibilidade de haver a transmissão do vírus pela via fecal-oral.

Esta nova evidência vem a trazer uma grande preocupação para as nossas comunidades desprovidas de saneamento básico, as quais abrangem cerca de 50% delas no nosso país, posto que a transmissão fecal-oral vem a se constituir em mais uma via de propagação do vírus, e que poderá ter consequências catastróficas para as parcelas socialmente vulneráveis da nossa população.

Referências Bibliográficas

1.   Fei Xiao e cols. Gastroenterology 2020; 158:1831-33.
2.   Holshue ML e cols. N Engl J Med 2020;382:929-36.
3.   Zhuo P e cols. Nature 2020; 579:270-73.
4.   Yan R e cols. Science 2020; 367:1444-48.