Mostrando postagens com marcador Baixa Estatura. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Baixa Estatura. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Prevalência de Má Absorção à Frutose utilizando o teste do Hidrogênio no ar expirado (1)

Adriana Chebar Lozinsky*, Cristiane Boé*, Ricardo Palmero**, Ulysses Fagundes-Neto***

*Residente de 4º ano da Disciplina de Gastroenterologia do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo (EPM-UNIFESP).
** Biomédico da Disciplina de Gastroenterologia do Departamento de Pediatria EPM-UNIFESP.
 ***Doutor em Gastroenterologia e Pediatria pela EPM-UNIFESP, Professor Titular da Disciplina de Gastroenterologia do Departamento de Pediatria da EPM-UNIFESP.

Introdução

A frutose é um carboidrato monossacarídeo encontrado na natureza em sua maior parte como constituinte da sacarose. Tem sido cada vez mais utilizada na dieta ocidental na forma de adoçante em produtos industrializados, por ser alternativa mais barata que a sacarose. Sua presença é comumente observada em refrigerantes, doces e principalmente em sucos de frutas naturais e artificiais (1). A frutose é transportada através do epitélio intestinal por um mecanismo facilitador denominado GLUT 5 (transportador facilitador de hexose), o qual apresenta alta afinidade pela frutose, que carrega este monossacarídeo através da membrana apical do enterócito (2). Este mecanismo possui capacidade limitada de absorção deste carboidrato.  A frutose pode também ser absorvida quando ingerida em associação com a glicose, sendo então arrastada pelo mecanismo da draga do solvente, pelas junções firmes dos enterócitos (3). Entretanto, quando a concentração da frutose em um determinado alimento encontra-se em excesso em relação àquela da glicose, condição esta muito frequentemente verificada em sucos de frutas, principalmente nos sabores maçã, uva e pêra, alguns indivíduos podem desenvolver má absorção à frutose (4-5). Estes indivíduos apresentam sintomas que incluem flatulência, diarréia, dor e distensão abdominal. Para se estabelecer o diagnóstico da má absorção/intolerância à frutose a anamnese deve incluir uma detalhada história dietética associada à investigação laboratorial que pode ser realizada por meio do teste do hidrogênio no ar expirado, o qual é realizado após ingestão de sobrecarga de frutose (6). Nesta circunstância, o monossacarídeo não absorvido no intestino delgado, é fermentado pelas bactérias colônicas resultando na produção de gases como metano, dióxido de carbono e hidrogênio, além de ácidos graxos voláteis de cadeia curta, tais como ácido acético, butírico e propiônico. O hidrogênio, por sua vez, atravessa a mucosa colônica, passa para a circulação sistêmica e, finalmente, é eliminado pela expiração. A confirmação diagnóstica se complementa quando ocorre alívio dos sintomas depois da retirada da frutose da dieta.
O objetivo do presente estudo é descrever a prevalência de má absorção à frutose utilizando o teste do hidrogênio no ar expirado em pacientes com transtornos digestivos e/ou nutricionais.

Casuística e Métodos

A)      Pacientes

Foram investigados 43 pacientes de forma consecutiva, de ambos os sexos, atendidos no ambulatório de Gastroenterologia Pediátrica da EPM-UNIFESP, com queixa de transtornos digestivos e/ou nutricionais, tais como: dor abdominal crônica e recorrente, diarréia, vômitos e baixo ganho pôndero-estatural, no período compreendido de setembro de 2010 a fevereiro de 2012.

 Todos os pacientes foram submetidos ao Teste do Hidrogênio (H2) no ar expirado com sobrecarga oral dos seguintes carboidratos, a saber: glicose, frutose, lactose e lactulose, como parte rotineira da investigação da função digestivo-absortiva.

Além destes testes outros exames laboratoriais pertinentes para cada caso específico foram realizados.

B)      Teste do Hidrogênio no ar expirado com sobrecarga oral de carboidrato

B.1) Procedimento

Os testes foram realizados individualmente para cada carboidrato e em dias subsequentes.

Para a realização do teste os pacientes foram mantidos em jejum de 8 horas, sendo permitida a ingestão de pequenas quantidades de água; para os lactentes o período mínimo de jejum foi de 6 horas. Os testes foram realizados pela manhã, após o jejum noturno e lavagem bucal com antisséptico apropriado.

Os carboidratos foram administrados por via oral em solução aquosa a 10%, nas seguintes doses: Lactose 2g∕Kg (máximo 25g), Glicose 1g∕Kg, (máximo 12g), Frutose 1g/Kg (máximo 12g) e Lactulose 20g.

As amostras de ar expirado foram obtidas em jejum e a cada 15 minutos de intervalo de tempo durante a primeira hora e a cada 30 minutos de intervalo de tempo por 1 hora adicional, após a ingestão da solução contendo o respectivo carboidrato, totalizando 2 horas para cada exame.

B.2) Critérios de avaliação diagnóstica

No caso dos testes terem sido realizados com sobrecarga de frutose, glicose e lactose, considerou-se má absorção quando ocorreu incremento >20 partes por milhão (ppm) de H2 em relação ao jejum; considerou-se intolerância, caso durante o exame e∕ou até 8 horas após o mesmo, o paciente viesse a apresentar distensão abdominal, dor abdominal, diarréia e/ou vômito.

Por outro lado, no caso do teste realizado com sobrecarga de lactulose considerou-se sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado quando houvesse incremento >20 ppm de H2 no ar expirado em relação ao jejum, nos primeiros 60 minutos após a ingestão do carboidrato.

C)      Definições

Os diagnósticos clínicos dos transtornos funcionais foram caracterizados de acordo com os critérios de Roma III (7), a saber:

1-         Síndrome do intestino irrtitável (SII)

Desconforto abdominal ou dor, pelo menos um episódio por semana com duração de 2 meses anterior ao diagnóstico, associados a 2 ou mais dos seguintes sintomas:

- alívio com a evacuação;
- início do quadro associado à mudança na frequência das evacuações;
- início do quadro associado à mudança no formato das fezes;
- nenhuma evidência da coexistência de processo inflamatório, neoplásico, anatômico ou metabólico que pudesse explicar os sintomas.

2-         Dor abdominal funcional (DAF)

Dor abdominal caracterizada por ao menos um episódio por semana ou de forma contínua com duração de 2 meses anterior ao diagnóstico, cuja manifestação não apresentasse qualquer evidência de coexistência de processo inflamatório, neoplásico, anatômico ou metabólico que pudesse explicar os sintomas.

3-         Baixa estatura (BE)

O diagnóstico clínico de baixa-estatura foi caracterizado quando a estatura para a idade encontrava-se abaixo de -2 desvios padrões, utilizando-se como referência o z-score (8).

4-         Doença celíaca (DC)

O diagnóstico de doença celíaca foi caracterizado segundo os critérios da ESPGHAN (9).
Foi obtido consentimento formal dos pais dos pacientes para a realização dos testes diagnósticos.

O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da EPM/UNIFESP.

Referências:
1- Mishkin D, Sabrauskas L, Yalovsky M et al. Fructose and sorbitol malabsorption in ambulatory patients with functional dyspepsia: comparison with lactose maldigestion/malabsorption. Dig Dis Sci 1997; 42; 2591-8.
2- Jones HF, Butler RN, Brooks DA. Intestinal fructose transport and malabsorption in humans. Am J Physiol Gastrointest Liver Physiol 2011; 300: g202-6.
3- Shi X, Schedl HP, Summers RM et al. Fructose transport mechanisms in humans. Gastroenterology 1997; 113: 1171-9.
4- Lifshtz F, Ament ME, Kleinman RE, Klish W, Lebenthal E, Pearman J et al. Role of juice carbohydrate malabsorption in chronic nonspecific diarrhea in children. J Pediatr 1992; 120: 825-9.
5- Baker SS, Cochrane WJ, Greer FR et al. The use and misuse of fruit juice in Pediatrics. Pediatrics 2001; 107: 1210-13.
6- Duro D, Rising R, Cedillo M, Lifshitz F. Association between infantile colic and carbohydrate malabsorption from fruit juice in infancy. Pediatrics 2002; 109: 797-805.
7- Rasquin A, Di Lorenzo C, Forbes D et al. Childhood functional gastrointestinal disorders: child/adolescent. Gastroenterology 2006; 130: 1527-37.
8- World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Geneve: WHO; 1995.
 9- Husby S, Koletzko S, Korponay-Szabo IR et al. Coeliac disease diagnosis: ESPGHAN 1990 criteria or need a change? Results of a questionnaire. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2012; 54: 15-9.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Doença Celíaca (3)


 Um problema de saúde pública universal (3)


Manifestações Clínicas

A DC pode afetar qualquer grupo etário e determinar uma multiplicidade de manifestações clínicas, isto é, apresenta um amplo espectro de sintomas que podem ser tanto digestivos quanto extra-digestivos, circunstância esta que provavelmente possa explicar um retardo no diagnóstico.

As formas de apresentação da DC são: 1) Clássica: neste caso predominam as manifestações digestivas e a consequente síndrome de má absorção; 2) Atípica ou Monossintomática: atualmente é a forma mais habitual de apresentação. Os sintomas digestivos são escassos ou ausentes com predomínio das manifestações extra-digestivas; 3) Silente ou Assintomática: os pacientes não costumam apresentar quaisquer sintomas, porém, apresentam sorologia positiva e atrofia vilositária na mucosa duodenal. Nesta circunstância, a DC é detectada em estudos populacionais, em familiares de pacientes portadores de DC, em indivíduos de alto risco para DC, ou ainda, naqueles pacientes que foram submetidos à endoscopia digestiva alta por motivos não relacionados à DC, mas que vieram a apresentar atrofia vilositária da mucosa duodenal (Figura 1).

Figura 1- Tipos clínicos propostos para apresentação da DC por Gasbarrini e cols. Dig Dis 2008; 26: 121-27.



A- Gastrointestinais


As manifestações clínicas da DC são extremamente variáveis e dependem muito da idade do paciente. A forma clássica de apresentação da DC nas crianças consiste no surgimento de sinais e sintomas do trato digestivo que se iniciam entre os 6 e 24 meses de vida, depois da introdução do glúten na dieta. Nos quadros típicos os lactentes e pré-escolares apresentam queixa de diarréia crônica, anorexia, distensão abdominal, dor abdominal, ganho ponderal insuficiente ou mais freqüentemente perda de peso, parada do ritmo de crescimento e vômitos (Figuras 2-3-4 & 5).


Figura 2- Paciente com DC no momento do diagnóstico.


Figura 3- Uma das nossas primeiras pacientes com DC. Notar o aspecto extremamente entristecido da menina, além do evidente agravo do estado nutricional.


Figura 4- Nossa paciente evidenciando nítida hipotrofia da musculatura da região glútea e das coxas.



Figura 5- Nossa paciente após alguns meses de dieta isenta de glúten evidenciando nítida recuperação clínica e nutricional.



Desnutrição grave, ou até mesmo caquexia (Figura 6), podem ocorrer nos casos em que o diagnóstico é muito retardado. Alterações do comportamento, em especial irritabilidade intensa, costumam também estar presentes.



Figura 6- Pacientes com DC por ocasião do diagnóstico em franco estado de caquexia.



A forma Clássica de apresentação passou a ser considerada como “a parte visível do iceberg da DC”, tamanho o grau de variabilidade das manifestações clínicas desta enfermidade, que pode ser desde Monossintomática ou mesmo apenas Assintomática (silente ou latente) (Figura 7).

Figura 7- O "iceberg" da DC, ou seja, a porção visível representaria apenas 1/3 dos casos, os 2/3 restantes estariam submersos.


É importante ressaltar que nas crianças maiores, escolares e adolescentes, as manifestações clínicas costumam ser mais sutis, o que pode ser um fator de retardo no diagnóstico. Os sintomas digestivos podem incluir dor abdominal, diarréia, e até mesmo constipação, flatulência e excessiva produção de gás. Cerca de 2 a 8% dos escolares e adolescentes geralmente apresentam baixa estatura e retardo constitucional da puberdade. Ter conhecimento da curva de crescimento pondero-estatural é uma informação da mais alta valia para se poder verificar se ocorreu parada do crescimento ou mesmo diminuição da velocidade do crescimento, a qual resulta em uma mudança para baixo no percentil da curva do crescimento.

Atualmente raramente os pacientes apresentam as manifestações daquilo que se convencionou denominar de “crise celíaca”, a qual era vista com mais freqüência em passado não muito remoto. A “crise celíaca” se caracteriza por diarréia aquosa explosiva, distensão abdominal importante, hipotensão, letargia e desidratação com grave associação de distúrbios eletrolíticos, em especial hipopotassemia. Este tipo de manifestação, de instalação aguda, coloca o paciente em alto risco de vida e tem sido responsável pela causa direta de morte desta enfermidade.



B- Manifestações Extra-intestinais



Muitos pacientes recentemente diagnosticados com DC podem inicialmente se apresentar com sintomas não digestivos.

Há fortes evidências que a Dermatite Herpetiforme representa a manifestação dermatológica da DC (Figura 8), posto que a maioria destes pacientes também apresenta concomitantemente alterações morfológicas da mucosa intestinal compatíveis com a DC, mesmo na ausência de manifestações gastrointestinais. Tanto as lesões de pele quanto a morfologia da mucosa intestinal são reversíveis com a utilização de uma dieta isenta de glúten.


Figura 8



Defeito do Esmalte Dentário envolvendo a dentição definitiva tem sido descrito em cerca de 20% a 70% das crianças com DC, podendo mesmo ser a primeira manifestação da enfermidade (Figura 9); portanto, nestes casos, a suspeita diagnóstica de DC deve ser primariamente levantada pelo dentista.


Figura 9



Artrite envolvendo o esqueleto axial e periférico tem sido relatada em até 25% dos casos de DC; a artrite tem sido descrita como aguda e não erosiva que geralmente cede com a introdução de uma dieta isenta de glúten.

Osteoporose e diminuição da densidade mineral óssea têm sido relatadas em pacientes com DC não tratada, as quais se revertem com o uso de dieta isenta de glúten.

Baixa estatura pode ser uma das formas de apresentação da DC, tendo sido identificada em 8% a 10% dos pacientes.

Anemia por deficiência de ferro, refratária ao tratamento por via oral, é a causa mais freqüente de manifestação não digestiva da DC; cerca de 8% a 11% das causas inexplicadas de anemia ferropriva associadas ou não a deficiência de ácido fólico se devem a DC.

Afecções neurológicas e psiquiátricas incluindo depressão, ansiedade, irritabilidade, neuropatia periférica, ataxia cerebelar, enxaqueca e epilepsia devido a calcificações intracranianas (Figura 10) têm sido descritas em associação à DC.


Figura 10



Na Tabela 1, abaixo, estão discriminadas as principais manifestações extra-intestinais da DC



A) Manifestações que apresentam grande ou moderada evidência de DC


Dermatite herpetiforme

Hipoplasia do esmalte dentário (dentição definitiva)

Osteopenia/Osteoporose

Baixa estatura

Puberdade ratardada

Anemia ferropriva refratária a tratamento oral com ferro



B) Manifestações que apresentam evidência menos intensa

Hepatite

Artrite

Epilepsia com calcificações occipitais





Na Tabela 2, abaixo, estão discriminadas associações que apresentam prevalência aumentada com DC

Diabete tipo 1

Tireoidite autoimune

Síndrome de Down

Síndrome de Turner

Síndrome de Williams

Deficiência seletiva de IgA

Parentesco de primeiro grau