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terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Distúrbios da deglutição: diagnóstico e tratamento (Parte 2)

Ana Catarina Gadelha de Andrade e 
Ulysses Fagundes Neto

Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica – Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo
                          http://www.igastroped.com.br/


Esofagite Eosinofílica (EEo)
O principal sintoma da EEo é a disfagia aguda ou crônica para alimentos sólidos, incluindo até mesmo a impactação alimentar. Outros sintomas incluem dor no peito, sinais de atopia, alergias ambientais e alimentares ou sintomas semelhantes a DRGE.
A suspeita diagnóstica é clínica, porém a confirmação da EEo se dá pela endoscopia digestiva alta e o estudo anatomopatológico da mucosa esofágica.
Os achados endoscópicos incluem edema, eritema e friabilidade da mucosa, sulcos verticais, pápulas brancas, ou exsudatos (microabscessos eosinofílicos), anéis ou esôfago de pequeno calibre. Na Tabela 6 estão apresentadas as principais guias diagnósticas para a EEo.
Tabela 6- Principais guias diagnósticas para EEo.

O tratamento da EEo implica, além do uso de dietas de exclusão, a prescrição de esteróides tópicos, como a fluticasona, budesonida, leucotrienos e inibidores do receptor, o montelucaste, que são comumente usados com graus variados de sucesso. Caso seja necessário realizar a dilatação esofágica, ela deve ser feita com cautela devido ao alto risco de perfuração.
Lesão por Cáustico
A maioria das lesões por cáusticos ocorrem por álcalis decorrentes de ingestão acidental. O tipo de lesão pode levar à estenose esofágica, resultando em sintomas de disfagia. O diagnóstico é estabelecido por estudos radiológicos e endoscopia digestiva alta. O tratamento consiste em dilatação esofágica.
Esofagite Infecciosa (EI)
A EI ocorre mais comumente em pacientes portadores de imunodepressão, como por exemplo, AIDS, quimioterapia e pós-transplante. Candidíase, herpes simples, citomegalovírus ou esofagite associada ao HIV e doença aguda ou crônica do enxerto versus hospedeiro podem apresentar dor torácica, odinofagia e disfagia.
A endoscopia digestiva alta é a chave para a avaliação nos pacientes sintomáticos. O tratamento é direcionado para a etiologia, e a dilatação esofágica pode ser necessária em pacientes com estenose.
Exame Físico
Deve-se realizar a avaliação dos orgãos fonoarticulatórios e da integridade dos pares cranianos envolvidos na deglutição (trigêmio, facial, glossofaríngeo, vago e hipoglosso).
A avaliação pode ser indireta, quando não há oferta de alimento: nesta situação avaliam-se aspectos da mobilidade, tônus, sensibilidade e postura das estruturas que participam da deglutição.
No caso da avaliação direta, quando há oferta de alimento, deve-se oferecer bolos alimentares em diferentes quantidades e consistências, que visam analisar a dinâmica da deglutição, inter-relacionando suas diferentes fases. Deve-se, também, detectar complicações, tais como aspiração ou déficit nutricional (Tabela 7).
Tabela 7- Avaliação fonoaudiológica.

A videofluoroscopia da deglutição e a videoendoscopia da deglutição são os exames mais comumente recomendados para avaliação da disfagia orofaríngea em lactentes e crianças. A investigação de pacientes com disfagia esofágica deve ser baseada na história clínica. Caso a história seja sugestiva de um distúrbio mecânico, a endoscopia digestiva alta ou o esofagograma de bário devem ser solicitados. Por outro lado, quando a história é sugestiva de um distúrbio de motilidade, a manometria é o teste de eleição para o diagnóstico.
Videofluoroscopia da  Deglutição
Este exame representa o padrão-ouro da avaliação objetiva da deglutição, pois permite a visualização simultânea das fases oral, faríngea  e esofágica  da deglutição, e a interação entre elas em tempo real.
A sua realização envolve radiação e oferta de contraste de bário misturado a alimentos líquidos, pastosos e sólidos, radiopacos, em volumes crescentes. Neste exame são avaliadas manobras posturais facilitadoras e alterações dietéticas, tais como a consistência dos alimentos. Todos os pacientes devem ser examinados nas posições lateral  (pressão) e frontal (simetria). É possível também detectar a presença e o tempo de aspiração.
Apesar de ser amplamente utilizada na avaliação da deglutição em pacientes pediátricos, descrições padronizadas  da dinâmica da deglutição e o grau da gravidade da disfunção não são bem descritas. A interpretação, as impressões e as recomendações para intervenção podem variar consideravelmente entre os especialistas.
Os achados radiológicos mais comuns em pacientes pediátricos são os seguintes: no início da fase faríngea da deglutição, o acúmulo persistente do bolo alimentar nos seios piriformes antes de começar a deglutição, o que provavelmente aumenta o risco de aspiração.
Refluxo nasofaríngeo: evidências radiológicas de refluxo nasofaríngeo podem indicar  insuficiência ou incoordenação velofaríngea.
A penetração supraglótica, em crianças com risco de disfagia orofaríngea, para a parte inferior do vestíbulo da laringe são preditivos de aspiração. Aspiração silenciosa na ausência de tosse, asfixia ou outros sinais ocorre quando o alimento ou líquido penetra na traqueia (Figura 2).
Figura 2
Videoendoscopia da Deglutição
Este exame se presta para a avaliação funcional da deglutição utilizando-se a nasofibroscopia, que se trata de uma técnica pouco invasiva, de tecnologia barata, simples e prática (Figura 3).
O exame simula uma refeição, com a oferta de alimentos com diferentes consistências e quantidades, sob visão direta pelo nasofibroscópio. Além do exame em si, também podem ser realizadas diversas intervenções terapêuticas para determinar se mudanças posturais, dietéticas e comportamentais são bem sucedidas na promoção de uma alimentação mais segura e eficiente por via oral.
As principais indicações deste exame são aplicadas em indivíduos que não podem ser expostos à radiação, aqueles com dificuldade de transporte à sala de radiologia, obesos mórbidos, cadeirantes e naqueles pacientes que necessitam de avaliação à beira do leito ou internados em UTI.
As maiores limitações deste exame são: não permitir visualizar adequadamente a fase faríngea; avaliar indiretamente as fases oral e esofágica e não avaliar a transição faringoesofágica.
No caso de haver dúvidas sobre deficiências na fase oral ou se houver suspeita de um componente esofágico à disfagia, a avaliação fluoroscópica deve ser realizada.
Figura 3

Endoscopia Digestiva Alta (EDA)
A EDA é considerada o padrão-ouro para a avaliação de doenças da mucosa esofágica. Pode ser recomendada para estabelecer ou confirmar um diagnóstico, avaliar  lesão da mucosa, coletar material para biópsias e realizar intervenções terapêuticas, tais como dilatação esofágica.
Esofagograma
Este exame parece ser mais sensível que a endoscopia para a detecção de estreitamentos sutis do esôfago, como os causados por anéis e por estenose péptica menores que 10 mm de diâmetro. Pode fornecer informações sobre o comprimento e extensão da lesão, que pode guiar o procedimento de dilatação. Pode ser útil na avaliação da resposta à terapia ou progressão da doença. Em posição supina ou oblíqua direita, pode avaliar o peristaltismo esofágico. No entanto, nenhum estudo ainda verificou a afirmação de que o estudo com bário realizado antes da endoscopia diminui as complicações.
Manometria Esofágica
Para a realização deste exame usa-se um catéter com transdutores de pressão multicanais, alocados em vários pontos do esôfago.
Trata-se de padrão-ouro para avaliar distúrbios da motilidade esofágica e deve ser solicitado no caso da endoscopia digestiva alta e os exames radiológicos mostrarem-se normais.
Este exame é extramente util para o diagnóstico de acalásia, espasmo esofágico difuso e alterações motoras do esôfago associadas a doenças do colágeno.
A manometria deve ser considerada para aqueles pacientes cuja disfagia persiste apesar do tratamento adequado de lesões mecânicas e inflamatórias. No entanto, não há tratamento específico para os distúrbios de motilidade que não acalásia e suas variantes, e a manometria muitas vezes não altera o tratamento do paciente.
Figura 4- Algoritmo para o manejo da disfagia esofágica.

Tratamento
O objetivo do tratamento é direcionado a oferecer nutrição eficaz e proporcionar crescimento adequado a longo prazo.
No entanto, há poucas opções de tratamento para a disfagia orofaríngea, pois os distúrbios neuromusculares e neurológicos que a produzem, dificilmente podem ser corrigidos por tratamento clínico ou cirúrgico.
Recomendações podem ser obtidas a partir da avaliação clínica ou do videodeglutograma e podem incluir: orientações nutricionais, mudanças de posição e postura, alterações no tamanho do bolo, consistência, forma, textura, temperatura e pH.
Mudanças de utensílios: mudanças na programação de alimentação e ritmo durante as refeições: a) programa oral motor com alimentos; b) programa oral motor não nutritivo.
O tratamento da disfagia esofágica deve ser direcionado para a correção da causa básica.
ORIENTAÇÕES NUTRICIONAIS:
Devem-se monitorar as necessidades hídricas e nutricionais (risco de desidratação);
A alimentação oral é a preferida sempre que possível;
Se houver risco alto de aspiração ou se a ingestão oral for insuficiente para manter o bom estado nutricional, deve-se considerar a possibilidade de suporte nutricional alternativo.
MUDANÇAS DE POSIÇÃO E POSTURA
Mudanças de posicionamento do tronco e pescoço influenciam as fases oral e faríngea da deglutição em pessoas com disfagia.
O primeiro passo para ajustar a  posição é conseguir o alinhamento central adequado, necessário para a coordenação entre o corpo e a boca para atividades eficazes oral-motora e de alimentação.
Manobras terapêuticas para adultos e crianças, geralmente, incentivam a flexão do pescoço (chin tuck) para reduzir o risco de aspiração, porém, deve ser orientado com cautela em crianças pequenas pelo risco de apnéia.
Assentos e sistemas de posicionamento são projetados para fornecer estabilidade, bem como capacidade de mobilidade, sem restringir os movimentos potenciais.
ALTERAÇÕES DO BOLO ALIMENTAR
Crianças com deglutição deficiente terão mais facilidade em controlar alimentos mais sólidos do que com texturas  finas. No entanto, a mastigação mais difícil pode estender o tempo máximo de 30 minutos esperados para uma alimentação com sucesso.
O uso de espessantes também pode estar indicado, e, geralmente, deve ser utilizado para crianças com sintomas leves de DRGE, o que resulta em menor freqüência de vômitos, sem que ocorra redução dos episódios de refluxo.
As crianças podem responder com eficiência variada para alimentos com diferentes temperaturas, sabores e pH.
Relatos sobre os efeitos da temperatura dos alimentos em bebês e crianças sugerem que um bolo frio pode estimular a sucção e deglutição.
Em geral, orienta-se mordidas pequenas, mas algumas crianças podem precisar de mordidas maiores, que podem fornecer maior percepção sensorial, o que se traduz em maior facilidade na formação do bolo alimentar e no trânsito orofaríngeo.
PROGRAMA ORAL MOTOR
Tabela 10

Quando os achados da fase faríngea não apresentam grandes déficits, as crianças com incoordenação e atrasos nas fases preparatória oral e oral podem se beneficiar da terapia do sistema motor-oral.
O sistema motor-oral refere-se ao movimento das estruturas da cavidade oral e faríngea até o nível do esfíncter superior do esôfago através do qual o alimento chega ao esôfago.
A terapia tem por objetivo a longo prazo coordenar a força muscular suficiente para que alimentos e líquidos sejam deglutidos com segurança, sem aspiração.
O tratamento pode incluir abordagem direta através de exercícios e também indireta que pode levar à melhora da coordenação motora-oral (mudanças na posição e postura, variações nos aspectos dos alimentos, alterações que incluem interações cuidador-criança e meio ambiente, alterações de estímulos sensoriais e de comunicação).
Tabela 11
O programa oral motor não nutritivo estimula a sucção não nutritiva rítmica, que é considerada uma habilidade necessária, mas não suficiente, para indicar o uso da alimentação oral.
Na Tabela 10 estão representadas as técnicas terapêuticas da deglutição, seu racional e respectivas indicações.
Na Tabela 11 estão listadas as indicações cirúrgicas para correção da disfagia.


terça-feira, 1 de março de 2011

Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) (AIDS): ainda um sério problema de saúde pública universal (2)

Conforme anteriormente mencionado transcrevo abaixo os pontos mais importantes do artigo publicado na revista Arquivos de Gastroenterologia 43; 310-15, 2006, o qual descreve nossa experiência ao investigar a função digestivo-absortiva de crianças portadoras de AIDS. Vale ressaltar que este artigo é um subproduto da tese de Mestrado da Dra. Christiane A. C. Leite, de quem fui Orientador, apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, e que foi oficialmente aprovada.


ASPECTOS FUNCIONAIS, MICROBIOLÓGICOS E MORFOLÓGICOS INTESTINAIS EM CRIANÇAS INFECTADAS PELO VÍRUS DA MUNODEFICIÊNCIA HUMANA
Christiane Araujo Chaves LEITE1, Regina Célia de Menezes SUCCI2, Francy Reis da Silva PATRÍCIO3 e Ulysses FAGUNDES-NETO4
Trabalho realizado na Disciplina de Gastroenterologia do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP.
1 Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE; 2 Disciplina de Infectologia Pediátrica, 3 Departamento de Patologia, 4 Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP.

Tendo em vista a importância do impacto das manifestações gastrointestinais da infecção pelo HIV em crianças e a escassez de informações a esse respeito em nosso meio, o presente estudo teve por objetivo avaliar a função absortiva, as características morfológicas e microbiológicas intestinais, nesse grupo de pacientes.

CASUÍSTICA E MÉTODOS
Casuística

Foram selecionadas aleatoriamente, de forma prospectiva e consecutiva, entre agosto de 1994 e maio de 1995, 11 crianças infectadas pelo HIV, menores de 13 anos, pertencentes às categorias clínicas A, B ou C da classificação proposta pelos Centers for Diseases Control and Prevention (CDC) no Ambulatório de AIDS da Disciplina de Infectologia do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (UNIFESP – EPM) e na Enfermaria e Ambulatório do Núcleo de Nutrição, Alimentação e Desenvolvimento Infantil (NUNADI) do Centro de Referência da Saúde da Mulher da Secretaria da Saúde de São Paulo, em São Paulo, SP. Foram constituídos dois grupos, a saber: grupo I – cinco crianças com história de pelo menos um episódio diarréico nos 30 dias que antecederam sua inclusão no estudo; grupo II - seis crianças, sem relato de ocorrência de diarréia no mesmo período. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP-EPM, sendo obtido consentimento escrito e esclarecido dos pais ou responsáveis legais pelas crianças. Os hemofílicos soropositivos para o HIV só foram incluídos no estudo quando havia indicação clínica absoluta para realização de endoscopia digestiva alta.

Na admissão ao estudo foi preenchido um questionário padronizado com informações clínicas e epidemiológicas, seguido pela aferição do peso e estatura para classificação do estado nutricional segundo os critérios de Gomez modificados por Bengoa e Waterlow modificados por Batista et al., tendo como referência de normalidade as tabelas de percentis do National Center for Health Statistics (NCHS).

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
Teste de absorção da D-xilose
Após jejum de 4 horas os pacientes receberam 0,5 g de D-xilose (diluída em solução aquosa a 10%) por kg de peso, até um máximo de 25 g. Uma hora após sua administração, foi coletada amostra de sangue para determinação da D-xilose sérica pelo método colorimétrico, de acordo com técnica descrita por Roe e Rice (26). Valores menores que 25 mg/dL foram considerados como indicativos de má absorção.

Cultura e parasitológico de fezes
As amostras de fezes foram cultivadas nos meios SS, BEM e tetrationato para identificação de Escherichia coli, Salmonella e Shigella e nos meios Lowenstein Jensen e Stonebrink para identificação de micobactérias. A pesquisa de micobactérias também foi realizada por baciloscopia, usando-se a coloração de Ziehl-Nielsen. Rotavírus foi pesquisado pelos métodos imunoenzimático e de aglutinação no látex. A pesquisa de parasitas e helmintos foi realizada pelos métodos de Hoffman, centrífugo de sedimentação em formol-éter e de Rugai. Cryptosporidium foi investigado pelo método de Ziehl-Nielsen.

Biópsia de intestino delgado
A biópsia de intestino delgado foi realizada com utilização de uma sonda flexível de polietileno acoplada a uma cápsula de Watson na extremidade distal ou através de pinça endoscópica, nos casos em que o procedimento por cápsula não foi possível ser realizado ou com indicação clínica prévia de realização de endoscopia digestiva alta. Os fragmentos obtidos foram submetidos as colorações de hematoxilina-eosina, Giemsa, PAS, Prata e Ziehl-Nielsen e, nas amostras de tamanho satisfatório, foi realizada a pesquisa de micobactérias em tecido. A interpretação dos fragmentos por microscopia óptica foi baseada na relação entre a altura das vilosidades e a profundidade das criptas e na intensidade do infiltrado inflamatório da lâmina própria, segundo critérios modificados de Shenck e Klipstein. Os parâmetros histológicos avaliados foram os seguintes:

a) altura ou comprimento da vilosidade da abertura da cripta até o topo da vilosidade;

b) comprimento ou profundidade da cripta da abertura até o fundo da cripta que repousa sobre a muscular da mucosa. A relação entre a altura da vilosidade e a profundidade da cripta foi avaliada subjetivamente do seguinte modo: grau I – relação entre 3 a 2 para 1: sem atrofia ou em grau muito leve, praticamente dentro da normalidade; grau II – relação 1 para 1: atrofia leve; grau III - já existe inversão da relação vilosidade/cripta, isto é, cripta pouco mais longa que a vilosidade: atrofia moderada, também chamada atrofia parcial; grau IV – mucosa plana por intensa atrofia das vilosidades, também chamada atrofia subtotal;

c) infiltrado celular da lâmina própria, constituído por linfócitos, plasmócitos e eosinófilos, avaliado em graus leve ou normal, moderado e intenso. Polimorfonucleares neutrófilos, que não existem na mucosa intestinal normal, quando ocorreram, foram também classificados em graus leve, moderado e intenso;

d) linfócitos intra-epiteliais, que ocorrem normalmente no intestino delgado em número de até 30 por 100 enterócitos, foram avaliados em graus de aumento leve (30 a 40 por 100 enterócitos), moderado (entre 40 e 50 por 100 enterócitos) e intenso (acima de 60 por 100 enterócitos).

Biópsia retal
A biópsia retal foi realizada com a utilização da cápsula de Rubin. Os fragmentos obtidos foram submetidos as colorações de hematoxilina-eosina, Giemsa, PAS, Prata e Ziehl-Nielsen e, nas amostras de tamanho satisfatório, foi realizada a pesquisa de micobactérias no tecido. A avaliação morfológica dos fragmentos de intestino grosso foi realizada por microscopia óptica, de acordo com os critérios de Morson, considerando-se a análise da integridade do epitélio superficial (erosões), das glândulas e o infiltrado de linfócitos, plasmócitos e eosinófilos nos graus de intensidade leve, moderado e intenso.

RESULTADOS

A idade das crianças variou de 5 a 149 meses (mediana de 24 meses), sendo seis do sexo feminino e cinco do sexo masculino. Nos 30 dias que antecederam a inclusão no estudo, cinco crianças haviam apresentado diarréia, das quais três já assim se mostravam desde o início da investigação. Outros sintomas digestivos referidos foram vômitos (4/11), disfagia (1/11) e dor abdominal (1/11). Os medicamentos usados foram: zidovudina (9/11), didanosina (3/11), sulfametoxazol-trimetoprim (10/11), imunoglobulina intravenosa (2/11), nistatina (2/11), azitromicina (1/11) e associação de rifampicina, isoniazida e pirazinamida (1/11). Das 11 crianças, 9 foram infectadas pelo HIV por transmissão vertical, 1 por transfusão de hemoderivados (hemofílico) e 1 permanecia com modo de transmissão não esclarecido.

Todas as 11 crianças apresentavam algum grau de desnutrição energético-protéica, sendo 6 de III grau, 2 de II grau e 1 de I grau. Pelos critérios de Waterlow modificados por Batista et al. aplicado para as duas crianças maiores de 5 anos, houve um caso de desnutrição pregressa e um de desnutrição crônica.

A coprocultura, realizada em 7 dos 11 pacientes, não identificou bactérias enteropatogênicas. Pesquisa de Rotavírus foi negativa nas seis crianças em que foi realizada, e o exame protoparasitológico também foi negativo nas oito crianças das quais foram obtidas amostras adequadas de fezes. Cryptosporidium foi identificado em 1 e o resultado foi duvidoso em outro dos 10 exames realizados. Dos cinco casos em que foi possível pesquisar, Mycobacterium avium intracellulare foi identificado em apenas uma amostra de fezes. A pesquisa de Mycobacterium avium intracellulare nos fragmentos de biópsia resultou negativa nas seis amostras investigadas, inclusive na do paciente em que este microorganismo foi identificado nas fezes.

A prova de absorção da D-xilose foi realizada em 9 dos 11 pacientes, com valores variando de 8,9 a 24,4 mg/dL, média de 15,6 mg/dL, mediana de 14,2 mg/dL e desvio padrão de 5 mg/dL.

Dos 11 fragmentos de biópsias de intestino delgado obtidos, 1 foi excluído da análise por ser tecnicamente inadequado para exame (Tabela 1).


Quanto à relação entre altura das vilosidades e profundidade das criptas, os resultados foram os seguintes: três com atrofia de vilosidades grau I (Figura 1), dois com grau I/II, um com grau II, um com grau II/III e um com grau III/IV. Em dois casos não foi possível a análise deste parâmetro, pois as amostras eram superficiais. Linfócitos intra-epiteliais foram observados nos 10 fragmentos analisados (Figura 1), estando aumentados em 5, sendo 2 em quantidade leve, 2 em quantidade moderada e 1 em quantidade intensa.


O infiltrado linfoplasmocitário da lâmina própria estava aumentado em 100% das amostras analisadas (10/10) e foi graduado em moderado (4/10), intenso (5/10), como se pode observar na Figura 2-A, e leve (1/10).



O infiltrado de polimorfonucleares neutrófilos da lâmina própria estava aumentado em 7 das 10 amostras analisadas. Destas, três em grau leve, quatro em grau moderado e um em grau intenso. Em apenas um caso foi observada presença de microorganismos em forma de bastões, similares a bactérias, em meio ao muco que recobria o epitélio. Nesta amostra, uma crosta fibrino-leucocitária no topo da vilosidade fez supor lesão ulcerada.

Foram realizadas oito biópsias retais e, destas, seis se prestaram à análise histopatológica. Quanto à integridade epitelial, em 100% (6/6) dos casos mostrava-se íntegra. O infiltrado linfoplasmocitário estava aumentado em todos os casos, variando de grau leve (3/6), como se observa na Figura 2-B, moderado (2/6) e intenso (1/6).

A presença de infiltrado de polimorfonucleares neutrófilos foi observada em quatro casos, sendo de grau leve em três e intenso em um (Tabela 2 e Figura 3).

No nosso próximo encontro apresentarei a rica discussão deste excelente trabalho de pesquisa.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) (AIDS): ainda um sério problema de saúde pública universal (1)

Introdução

Dimensões globais da infecção pelo vírus da Imunodeficiência Adquirida Humana (HIV) e a população infantil
Em 2007 o total estimado de pessoas infectadas pelo HIV era de 33 milhões (variação de 30 a 36 milhões) (Figura 1), dos quais 17,7 milhões correspondiam a mulheres e 2,3 milhões (5,8%) a crianças com idade inferior a 15 anos.
Figura 1- Prevalência global da infecção pelo HIV nos diversos países.

Neste mesmo ano ocorreram 4,3 milhões de novas infecções pelo HIV em todo o mundo, das quais 530.000 (12,3%) foram em crianças (Figura 2).

Figura 2- Taxas de prevalência da AIDS em crianças ao longo dos anos.

Além disso, houve 2,9 milhões de mortes pela AIDS, sendo que 300.000 (13,1%) ocorreram em crianças (Figura 3).

Figura 3- Taxas de mortalidade na infância por AIDS ao longo dos anos.

O impacto da infecção pelo HIV no Brasil
Recentemente o Ministério da Saúde informou que o número de casos de AIDS no Brasil voltou a crescer. Em 2009 foram contabilizados 38.538 pacientes com diagnóstico da infecção, o que significou um aumento de 1.073 casos a mais do que o que havia sido registrado em 2008, quando 37.465 pessoas tiveram a doença confirmada. Este indicador é o mais elevado da década e comparado com o ano de 2000, o número de casos novos (incidência) subiu 22%. O avanço da AIDS ocorre mais intensamente entre homens e a população mais jovem. Dados do boletim epidemiológico divulgado este ano demonstram que o número de casos para cada 100 mil habitantes, entre os homens passou de 24,2 para 25 no período 2008-2009. Entre as mulheres a mesma taxa permaneceu inalterada em 15,5. Entre os jovens do sexo masculino na faixa etária de 13 a 19 anos, 26,8% dos casos de AIDS ocorreu entre homossexuais e 10,2% entre bissexuais.

Por outro lado, há uma notícia auspiciosa quanto à transmissão vertical, posto que na última década houve uma redução de 44% nos casos de AIDS da gestante para o recém-nascido. Estes dados para os recém-nascidos, embora representem um grande avanço em relação à década passada, quando se verificou que a transmissão vertical foi responsável pela infecção em 84,5% dos casos em crianças menores de 13 anos, ainda são extremamente preocupantes em número absoluto quanto aos casos novos.

Mecanismos de transmissão do HIV
Passado um pouco mais de um quarto de século das primeiras descrições de casos de AIDS, tem ocorrido o ressurgimento de grande interesse científico pelo papel das mucosas, em especial, as mucosas do trato gastrointestinal na infecção pelo HIV. Com efeito, a maior parte da transmissão do HIV ocorre através das mucosas, seja vaginal ou retal. Isso também acontece durante a transmissão vertical do HIV. Neste último caso, o HIV é inoculado, ainda dentro do útero, no trato gastrointestinal superior do feto durante a sucção do líquido amniótico infectado, ou durante o parto o recém nascido é infectado com sangue e secreções vaginais infectadas, ou mesmo posteriormente, a inoculação do HIV pode ocorrer através do leite materno infectado, durante a amamentação. O trato gastrointestinal por representar o maior órgão linfóide do ser humano tem papel destacado na infecção pelo HIV. Com exceção da transmissão parenteral, o trato gastrointestinal é a principal via de infecção pelo HIV, por transmissão vertical e por contato oral e genital. Os linfócitos da lâmina própria, por expressarem CCR5 e CXCR4, constituem as células alvo iniciais do HIV na mucosa intestinal (Figura 4).

Figura 4- Material de biópsia do intestino grosso obtida na fase aguda da infecção pelo HIV acarretando intensa reação inflamatória linfo-plasmocitária na lâmina própria.

Desde a mucosa, o vírus se dissemina sistemicamente, desencadeando depleção das células CD4+, inicialmente na lâmina própria e em seguida no sangue. À medida que ocorre depleção dos linfócitos CD4+ circulantes e na mucosa, monócitos e macrófagos assumem importância crescente como células alvo e reservatórios do próprio HIV. A infecção pelo HIV, portanto, determina a falência progressiva das funções fisiológicas e imunológicas do trato digestivo (Figura 5).

Figura 5- Material de biópsia do intestino grosso obtida já na fase de depleção imunológica evidenciando ausência prativcamente total do infiltrado inflamatório linfo-plasmocitário na lâmina própria.

Os pacientes podem, então, apresentar má absorção dos nutrientes, perda de peso e desenvolver infecções por microorganismos oportunistas e doenças malignas do intestino. Os testes de avaliação da função digestivo-absortiva mostram frequentemente prejuízo na absorção ao longo dos diversos estágios da doença.

A Enteropatia provocada pelo HIV
Diarréia é uma das principais e mais freqüentes manifestações clínicas nas crianças portadoras da infecção pelo HIV. Cerca de 90% dos pacientes em algum momento da evolução da enfermidade desenvolve diarréia, a qual apresenta tendência à cronicidade associada à síndrome de má absorção dos nutrientes. A maioria dos pacientes infectados pelo HIV apresentará em algum momento da evolução da doença envolvimento do trato digestivo. A enteropatia descrita nos pacientes portadores da infecção pelo HIV pode ser devida à própria ação do agente viral ou por microorganismos oportunistas que, em decorrência da deficiência imunológica secundária, tornam-se enteropatogênicos, ou mesmo ainda, pode ocorrer uma associação de ambos os fatores. A enteropatia estabelecida provoca diferentes graus de intensidade de agravo da função digestivo-absortiva causando impacto altamente desfavorável sobre os estado nutricional, a qualidade de vida e a sobrevida dos pacientes. No entanto, nem sempre se observa uma correlação diretamente proporcional entre a ocorrência de diarréia, grau de atrofia das vilosidades intestinais e dos testes de absorção, de forma que o mecanismo responsável pela enteropatia do HIV ainda permanece por ter um esclarecimento definitivo.

Nos pacientes com contagem de CD4+ menor do que 50/mmm3 a probabilidade destes virem a apresentar diarréia crônica com 1, 2 e 3 anos de seguimento é de 48,5%, 74,3% e 95,6%, respectivamente. Trata-se de uma síndrome de gênese multifatorial (Quadro 1) envolvendo a interação entre infecções por microorganismos oportunistas, má absorção dos nutrientes, alterações metabólicas e, possivelmente, lesão tecidual determinada pelo próprio HIV (Figuras 6 & 7).
Figura 6- Material de biópsia do intestino delgado evidenciando atrofia vilositária sub-total e hiperplasia das glândulas crípticas.
Figura 7- Material de biópsia do intestino grosso evidenciando importante depleção do infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria.

Quadro 1- Esquema multifatorial da enteropatia da AIDS.

As principais alterações morfológicas descritas no intestino delgado dos pacientes infectados pelo HIV são atrofia das vilosidades de grau variável, hiperplasia das criptas e aumento dos linfócitos intra-epiteliais, associadas ou não à presença de sintomas, que podem ser observadas em quaisquer dos estágios da doença (Figura 8).


Figura 8- Material de biópsia do intestino delgado evidenciando atrofia vilositária de grau moderada/intensa com hiperplasia das criptas e aumento do infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria.
No intestino grosso tem sido descrito graus de inflamação comparáveis aos daqueles evidenciados em pacientes portadores da doença inflamatória intestinal (Figura 9).
Figura 9- Material de biópsia de intestino grosso mostrando uma lesão de colite focal ativa (seta).
Na investigação microbiológica do trato gastrointestinal podem ser observados diversos microorganismos, oportunistas ou não, cujo achado nem sempre está associado às manifestações clínicas (Figuras 10 -11 – 12 & 13).

Figura 10- Material de biópsia do intestino grosso evidenciando a presença (seta) de uma partícula do vírus de Inclusão Citomegálica na lâmina própria.

Figura 11- Material de biópsia do intestino delgado evidenciando (seta) a presença de um merozoita maduro de Isospora belli acima da membrana basal do enterócito.

Figura 12- Ultramicrofotografia de células do intestino delgado evidenciando a presença de um merozoita de Enterocytozoon bieneusi comprimindo o núcleo de um enterócito.

Figura 13- Infecção por Cryptosporidium (setas identificando os inúmeros microorganismos) infiltrado na luz da glândula críptica do intestino grosso.

Vale ressaltar que a infecção pelo HIV pode afetar todo o trato gastrointestinal, bem como o sistema hepatobiliar (Figura 14).

Figura 14- Infecção da vesícula biliar por Cryptosporidium. Notar a presença de inúmeros microorganismos na luz da vesícula biliar.

No próximo encontro apresentarei nossa experiência ao investigar a função digestivo-absortiva e as anormalidades morfológicas do intestino em crianças portadoras de AIDS.