sexta-feira, 20 de maio de 2011

Sub-tipos de células T reguladoras e células T “Helper” em lactentes que apresentam sangramento retal causado por Colite Alérgica

As descrições de Colite Alérgica (CA) publicadas na literatura médica têm aumentado de forma significativa no mundo ocidental, de tal maneira que esta entidade passou a ser uma preocupação prioritária dos clínicos e dos pesquisadores em busca de uma melhor compreensão dos seus possíveis mecanismos fisiopatológicos íntimos de ação. Neste sentido no número de novembro de 2010 do Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition (JPGN 2010;51: 675-77) foi publicado um excelente trabalho realizado em Budapeste, Hungria, liderado por Aron Cseh e cols., utilizando uma metodologia altamente sofisticada de biologia molecular, com objetivo de investigar alguns aspectos imunológicos em um grupo de lactentes acometidos de CA. A seguir transcrevo os aspectos mais relevantes do referido trabalho.

Introdução
Nos países desenvolvidos a CA é uma das causas mais freqüentes de sangramento gastrointestinal (hematoquezia - HQ)) nos lactentes recebendo aleitamento natural. A Colite, tudo leva a crer, se deve a um mecanismo de hipersensibilidade a substâncias alergênicas excretadas pelo leite humano, e é considerada uma forma de alergia alimentar. Este conceito é sustentado pela experiência clínica de que a Colite é curada por meio da eliminação do suposto alergeno da dieta da mãe ou pela introdução de uma fórmula elementar. Atualmente há uma crescente evidência de que uma maturação retardada do sistema imunológico gastrointestinal desempenha um papel crucial no mecanismo fisiopatológico das alergias alimentares. De acordo com a hipótese da higiene (isto é, uma exposição sub-ótima dos indivíduos aos microorganismos do meio ambiente) a imunidade adaptativa encontra-se com sua função alterada nos indivíduos acometidos de alergias alimentares. A prevalência de células efetoras e linfócitos ativados e células T reguladoras encontra-se de fato diminuída em amostras de sangue periférico nas crianças com alergia alimentar. Simultaneamente também ocorrem alterações no número de células que apresentam um desvio de citocinas de TH1 para TH2.

O objetivo do presente estudo foi determinar o fenótipo do subtipo de células CD4+, tais como “ingênuas”/efetoras, a população de linfócitos T reguladores precocemente/tardiamente ativados, e conjuntamente com o envolvimento das citocinas TH1/TH2 na CA.

Pacientes e Métodos
Durante um período de 16 meses, 34 lactentes com sangramento retal (HQ) com idade média de 5 meses, variando de 4 dias a 7,5 meses foram investigados. Após terem sido afastadas infecção e fissuras anais, foi feita a recomendação para que as mães aderissem a uma dieta de eliminação de leite de vaca e ovos. Após 1 mês desta conduta, 11 lactentes que ainda estavam recebendo aleitamento materno persistiram com HQ; deste grupo de lactentes em um deles foi diagnosticada doença de Crohn por meio da colonoscopia. Os 10 lactentes remanescentes que persistiram com sangramento retal foram incluídos no estudo (Figura 1 e Tabela 1).


Nestes pacientes o diagnóstico de CA foi estabelecido levando-se em consideração os seguintes sinais característicos observados na colonoscopia, a saber: hiperplasia modular linfóide ou ulceração aftosa, aumento do número de eosinófilos no espécime da biópsia retal (>6 eosinófilos por campo de maior aumento) e desaparecimento do sangramento retal depois da suspensão do aleitamento materno e introdução de uma fórmula elementar à base de mistura de aminoácidos, sem que houvesse recorrência dos sintomas após um longo período de seguimento (13 à 24 meses).

Amostra de sangue foi obtida no momento do diagnóstico e uma segunda amostra foi coletada quando os sintomas desapareceram. Pesquisa de sangue oculto nas fezes foi realizada para verificar a completa ausência de sangramento retal.

Um grupo controle composto por 10 lactentes sadios, em aleitamento natural, pareados por sexo e idade, com dor abdominal funcional, foi constituído. Amostras de sangue foram obtidas para a realização de exames laboratoriais rotineiros.

Foram quantificados e identificados os seguintes marcadores de superfície celular: CD4, CD25, CD45RO, CD45RA, CD62L, CCR4 e CXCR3. Foram identificados os seguintes subtipos de células T “Helper” (por exemplo, CD4+), tais como linfócitos envolvidos com as citocinas TH1 e TH2 (por exemplo, CXCR3+ e CCR4+, respectivamente), células de memória “ingênuas”/efetoras (por exemplo, CD45RA e CD45RO, respectivamente), marcadores de expressão de ativação precoce e tardio (por exemplo, CD25+ e CD62L+, respectivamente), e linfócitos T reguladores (por exemplo, CD4+FoxP3+). Foram quantificados os níveis séricos de interferon (IFN)-gama e interleucina (IL)-4.

Resultados

Os resultados obtidos estão discriminados na Tabela 2.

A quantificação das células T no momento inicial do estudo revelou-se ser significativamente mais baixo nos lactentes com CA do que nos controles (P=0,03). Da mesma forma a relação CD4+CD5RA+/CD4+CD45RO+ foi maior, e a prevalência de células CD4+CD25+ foi menor nos lactentes com CA do que nos controles (P=0,02 e P=0,01, respectivamente). As relações CD4+CXCR3+/CD4+CXCR4+ e IFN-gama/IL-4 foram menores nos pacientes com CA em comparação com os controles (P=0,02 e P=0,04, respectivamente).

As alterações destes parâmetros também foram testadas após a cura da CA e observou-se que a prevalência das células T reguladoras elevou-se para os níveis de normalidade após a cura (P=0,02).

Discussão

O presente estudo revelou que a CA veio seguida por um número reduzido de células T reguladoras, um aumento da relação das células T “ingênuas”/memória, uma prevalência diminuída da atividade das células T e um desvio dos linfócitos CD4+T em direção às citocinas TH2. Posteriormente, com o desaparecimento dos sinais e sintomas da CA estas alterações também cessaram. Esses achados indicam que uma disfunção imune pode ter contribuído para este transtorno gastrointestinal nos lactentes.

Comentários

Na minha experiência ao longo destes muitos anos de atividade clínica tenho notado uma nítida e significativa mudança nas características de apresentação da alergia alimentar em lactentes. No início dos anos 1980 a maioria dos quadros clínicos por mim atendidos apresentavam-se sob a forma de síndrome de má absorção (Figuras 2 – 3 – 4 – 5 & 6), a qual acarretava perda de peso e parada do ritmo de crescimento, e do ponto de vista da morfologia do intestino delgado podia-se caracterizar atrofia das vilosidades de graus variados, inclusive atrofia vilositária sub-total, como demonstram as figuras abaixo.
Figura 2


Figura 3- Paciente com Alergia Alimentar e Síndrome de Má Absorção (vide Figura 6).

Figura 4- Material de biópsia de intestino delgado evidenciando atrofia vilositária sub-total.

Figura 5

Figura 6- Paciente antes e após o tratamento.

As manifestações de colite eram bem menos freqüentes. Entretanto, nestes últimos tempos tenho observado um nítido predomínio da manifestação de CA, característica esta, aliás, também descrita nos mais variados centros médicos internacionais de pesquisa. Especificamente no que se refere ao presente trabalho minha experiência coincide totalmente com as manifestações clínicas descritas pelos colegas húngaros. Sangramento retal é a manifestação mais óbvia, porém, quadro de irritabilidade intensa, devido a cólicas, durante o próprio ato da amamentação que praticamente impede o lactente de se amamentar com tranqüilidade, sem que ocorra sangramento retal visível a olho nu, e nem tampouco agravo do estado nutricional significativo, é também manifestação bastante freqüente (Figura 7).

Figura 7- Paciente com Colite Alérgica no momento do diagnóstico (vide Figura 14, após tratamento).

Do ponto de vista do estudo colonoscópico, hiperplasia nodular linfóide, úlcera aftosa e friabilidade da mucosa colônica têm sido os achados mais comuns (Figuras 8 – 9 – 10).

Figura 8


Figura 9
Figura 10- Visão da mucosa retal evidenciando friabilidade da mucosa e presença de pequenas ulcerações.

Quanto à análise morfológica podem ser observadas intensas eosinofilias em todas as camadas da mucosa retal (Figuras 11 & 12) e em algumas circunstâncias podem ser detectadas colites francas, inclusive com a presença de leucócitos polimorfonucleares no interior das criptas, caracterizando, desta maneira, verdadeiros abscessos crípticos (Figura 13). Estas por sua vez regridem totalmente com tratamento dietético apropriado (Figuras 14 & 15).

Figura 11

Figura 12- Material de biópsia retal evidenciando intensa eosinofilia em todas as camadas da mucosa.

Figura 13- Material de biópsia retal evidenciando colite e abscesso críptico.

Figura 14- Paciente com Colite Alérgica após a recuperação clínica.

Figura 15- Material de biópsia retal evidenciando recuperação morfológica.

Desde longa data é reconhecida a possibilidade de que alergenos alimentares venham a ser transmitidos pelo leite materno e, assim, nos indivíduos geneticamente susceptíveis de alergia, desencadear as manifestações de alergia alimentar. No presente trabalho os colegas húngaros demonstraram com elegância e precisão uma vasta série de imaturidades imunológicas em seus pacientes, as quais podem ser fatores determinantes da CA e que afortunadamente são deficiências transitórias, posto que com o desenvolvimento do lactente elas tenderam a desaparecer, o que é bem a característica desta doença, posto que ela é temporária, não é, pois, permanente. Por fim vale a pena enfatizar a imperiosa necessidade de se tentar à exaustão preservar o aleitamento natural buscando-se eliminar os principais alergenos da dieta da mãe. Nem sempre é uma tarefa fácil, muito ao contrário, na maioria das vezes reveste-se em árdua luta, um grande esforço do clínico no seu dever de dar apoio e segurança à nutriz, e claro, acima de tudo da própria mãe, que tem que se submeter a inúmeras restrições alimentares e sociais. Mas, ao longo da jornada, quando o sucesso é obtido, tudo se transforma em um doar-se altamente gratificante.