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quinta-feira, 9 de maio de 2019

Doença do Refluxo Gastroesofágico: uma atualização da apresentação, prevalência, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento (Parte 3 - A)


Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto


Parte 3: Avaliação dos testes diagnósticos tradicionais e das novas propostas

A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é uma condição clínica de elevada prevalência, que afeta até 20% da população do mundo ocidental. A identificação dos pacientes portadores da DRGE torna-se um desafio devido ao desempenho sub-ótimo dos testes diagnósticos. Pacientes suspeitados de sofrer da DRGE são inicialmente testados pela resposta terapêutica à supressão ácida, geralmente com o emprego de um inibidor de bomba de próton (IBP). Esta abordagem, conhecida sob a denominação de ensaio do IBP é utilizada com base nos sintomas que se creem causados pela DRGE. Queimação retroesternal (azia) e regurgitação, são os dois sintomas principais da DRGE, embora esta enfermidade possa causar outras queixas, tais como: dor torácica ou sintomas pulmonares, no ouvido, no nariz ou na garganta. Entretanto, os sintomas isolados não são apropriadamente sensíveis ou específicos para orientar as estratégias terapêuticas. Por outro lado, a resposta ou a falta dela devido a utilização de um ensaio inicial terapêutico com o IBP, não descartam e nem tão pouco confirmam, que a DRGE seja uma possível etiologia caso os sintomas persistam.   

Os testes diagnósticos para a DRGE são utilizados nas intervenções pré-cirúrgicas ou endoscópicas, para assegurar que os pacientes realmente apresentam a DRGE, e, também, nos pacientes com sintomas persistentes, a despeito do ensaio terapêutico inicial com o IBP. A persistência dos sintomas apesar do uso dos IBP, é a indicação mais frequente e mais desafiadora para o diagnóstico da DRGE. Considerando-se a complexidade dos sintomas apresentados pelos pacientes e os avanços técnicos no campo da pesquisa da DGRE, é importante e ao mesmo tempo desafiador, determinar se o refluxo contribui para os sintomas nos pacientes que não respondem a uma supressão agressiva dos IBP. A otimização de estratégias para aprimorar o diagnóstico da DGRE torna-se crítico para o êxito terapêutico e, ao mesmo tempo, reduzir o custo desnecessário da realização de testes diagnósticos sub-ótimos.

Esta revisão tem por objetivo avaliar o desenvolvimento técnico dos testes diagnósticos da DRGE, ao longo das décadas passadas, analisar a capacidade para identificar e/ou excluir a DRGE, e prever adequadamente a resposta ao tratamento. Estas competências são importantes para o desenvolvimento de novas drogas bloqueadoras de ácido e antirrefluxo, bem como os tratamentos endoscópicos e cirúrgicos da DRGE (Figura 1 e Tabela 1).
Figura 1- Teste diagnósticos da DRGE.


Tabela 1 – Principais avanços nos métodos diagnósticos da DRGE e suas desvantagens.

Endoscopia e Biópsia

Nos pacientes com sintomas da DRGE a realização precoce da endoscopia deve ser considerada no caso de seus sintomas fornecerem evidências de doença com complicações (por exemplo disfagia, perda de peso, hematêmese), Esofagite Eosinofílica (EEo), infecção ou lesão medicamentosa. A ausência de resposta ao tratamento apropriado com a terapia antisecretora, também deve ser prontamente levada em consideração para a realização da esôfagogastroduodenoscopia. Além disso, a endoscopia deve ser utilizada para o diagnóstico de esôfago de Barret, bem como, deve geralmente fazer parte da avaliação pré-operatória, naqueles pacientes considerados para serem submetidos à cirurgia antirrefluxo. A DRGE pode ser diagnosticada com segurança quando a endoscopia revela esofagite, porém, deve-se considerar que a endoscopia pode mostrar-se normal em aproximadamente 2/3 dos pacientes desprovidos de tratamento e que sofrem de azia e regurgitação.

Nos pacientes com sintomas típicos de refluxo os achados endoscópicos podem incluir esofagite, estenoses, esôfago de Barret e aspectos típicos de EEo. A endoscopia identifica estas enfermidades com altos graus de especificidade. Por outro lado, a endoscopia detecta a DRGE com baixo nível de sensibilidade e rendimento diagnóstico, porque muitos pacientes não apresentam erosões esofágicas decorrentes tanto da existência da DRGE não erosiva como por tratamentos recentes com os IBP.

Nos pacientes portadores da DRGE não erosiva, a avaliação histológica das biópsias da mucosa esofágica pode demonstrar papilas alongadas, hiperplasia das células basais, dilatação dos espaços intercelulares e infiltrado neutrofílico e/ou eosinofílico. Uma pontuação histológica global que incluiu todos esses achados diferenciou pacientes com a DRGE não erosiva, daqueles que apresentaram azia funcional e indivíduos sadios. Esta investigação utilizou como padrão de referência a monitoração com o teste da impedância–pHmetria.

Estudo radiológico contrastado do esôfago

O rastreamento fluoroscópico, após a ingestão de bário, pode detectar refluxo gastroesofágico espontâneo ou provocado. Vale ressaltar que a detecção do refluxo durante o exame contrastado identifica a DRGE com baixas sensibilidade e especificidade. O refluxo espontâneo ou induzido por este tipo de estudo pode ser observado em indivíduos sadios e pode estar ausente em pacientes com a DRGE.  

Monitoração ambulatorial do refluxo

Indicações

O papel original da pHmetria ambulatorial foi para determinar a presença de refluxo nos pacientes sintomáticos com endoscopia esofágica normal. Os pacientes com sintomas clássicos de refluxo, tais como, azia e regurgitação, que apresentavam achados endoscópicos normais, realizaram o teste da pHmetria ambulatorial durante 24 horas, para determinar se seus sintomas eram causados por uma exposição esofágica anormal de ácido, antes de iniciar o tratamento medicamentoso. Esta situação ocorreu em uma época em que a terapêutica supressiva de ácido era sub-ótima, o que necessitava de uma confirmação adicional fisiológica para o diagnóstico da DRGE. Entretanto, com o passar do tempo e com o uso de métodos de supressão ácida mais agressiva (IBP), a pHmetria começou a detectar a DRGE em níveis mais baixos de especificidade. Atualmente, a monitoração do refluxo esofágico está reservada para os pacientes que apresentam sintomas refratários ao uso dos IBP. Este objetivo pode ser alcançado tanto com a pHmetria isolada quanto com a impedanciometria associada a pHmetria.

 Indicações para a monitorização do refluxo:
·   Para documentar uma exposição esofágica anormal de ácido, nos pacientes que apresentam endoscopia negativa e considerados para serem submetidos a procedimentos endoscópicos ou cirurgia antirrefluxo;
·   Para os pacientes que tenham sido submetidos a um procedimento endoscópico, terapêutico ou a cirurgia antirrefluxo, que persistem em apresentar sintomas da DRGE;
· Para avaliar a suficiência no controle de ácido nos pacientes com DRGE complicada, tal como, o esôfago de Barret;
· Para avaliar pacientes refratários ao tratamento com os IBP (indicação mais comum).

Referências Bibliográficas

·        Vaezi MF et al; Sifrim D - Gastroenterology 2018;154:289-301
·        Zerbibi et al – Clin Gastroenterol Hepatol 2013;11:366-372
·        Vieth et al -Clin Gastroenterol Hepatol 2016;14:1544-1551
·         Vakil et al – Aliment Pharmmacol Ther 2017;45:1350-1357      


terça-feira, 27 de março de 2018

Impedanciometria do esôfago na Pediatria (Parte 2)


 Natália Oliveira e Silva e Ulysses Fagundes Neto




         INSTRUÇÕES

Assim como na pHmetria, na impedanciometria deve ser realizada monitoração durante 24 horas, já que os episódios de refluxo podem variar com a refeição, período pós-prandial, posição ortostática e decúbito, períodos de sono e vigília.
Devem ser realizadas anotações com os sintomas referidos pelo paciente, incluindo a hora apresentada no visor do aparelho para posteriormente tornar possível a correlação sintomática. Devem ser incluídos, no mínimo, os seguintes dados: horário das refeições (início e fim), posição (prona e supina), sintomas, além de outros eventos relevantes, como por exemplo, desconexão do cateter. Recomenda-se evitar alimentos ácidos e bebidas gaseificadas, porque tornam a interpretação mais complexa. O eletrodo também sofre influência da temperatura, portanto, alimentos extremamente quentes ou frios devem ser evitados.

         ANÁLISE

Ao término do exame, todos os dados do diário de eventos devem ser transferidos para o computador. Apesar de que até o presente momento nenhuma análise automatizada esteja totalmente validada para crianças, a maioria dos usuários da IMM-pH inicia a análise do traçado pela análise automatizada que manualmente visualiza o estudo, para adicionar e/ou excluir os eventos e confirmar ou não a ocorrência do refluxo. Valores de normalidade para crianças não existem já que não é eticamente possível realizar um estudo com crianças saudáveis assintomáticas.



O objetivo do estudo foi validar o uso da IMM-pHmetria. Foram selecionados 700 pacientes de Janeiro/2004 a Junho/2008, de 0 a 16 anos, com indicação do procedimento, a saber: sintomas do trato gastrointestinal, pulmonares e neurológicos.

Os seguintes achados foram definidos como anormais:
  pHmetria: Índice de Refluxo (IR - % de tempo com pH <4> ou = 5% em >1 ano e > ou = 10 em menores de 1 ano.
  Impedanciometria: Índice de sintoma (número de sintomas associados ao refluxo/número de todos os sintomas) maior ou igual 50% ou maior número de episódios de refluxo - arbitrariamente definido como maior do que 70 episódios em 24 horas em pacientes com 1 ano ou mais, e maior do que 100 naqueles com menos de 1 ano.

Os autores concluíram que 45% dos pacientes com DRGE não teriam sido reconhecidos caso esse diagnóstico houvesse sido realizado apenas através da pHmetria de 24 h. Os achados do estudo  confirmam que a MII-pH é superior à pHmetria isoladamente na avaliação do RGE.


Os objetivos do estudo foram determinar a variabilidade intra e interobservador na interpretação da IMM-pHmetria entre 10 especialistas de 7 diferentes grupos no mundo na análise do exame, e, além disso, determinar a acurácia da análise automatizada que foi comparada levando-se em consideração a avaliação dos observadores. Foi ainda avaliada a variabilidade intraobservador entre 3 investigadores.

Foi encontrada sensibilidade de 94% para a análise automatizada e especificidade de 74%. Foi observado que a concordância entre especialistas na análise da IMM-pHmetria é moderada, pois apenas 42% dos episódios de RGE foram detectados pela maioria dos observadores.

Considerando esse resultado fraco, a análise automática (AA) parece ser  mais favorável em comparação com a análise manual devido à sua baixa reprodutibilidade. No entanto, a baixa especificidade sugere a necessidade de refinamento da AA antes de que o uso generalizado do teste possa ser defendido.

        CONCEITOS SOBRE ALGUNS PARÂMETROS

Refluxo líquido é definido como uma queda na impedância de pelo menos 50% da linha de base em pelo menos 3 anéis consecutivos. O final de um episódio de refluxo é definido como o momento em que o valor da impedância retornou a pelo menos 50% do valor inicial (linha de base). Refluxo gasoso é caracterizado pelo aumento na impedância >3000 Ohm em quaisquer de dois locais consecutivos de impedância com um local possuindo um valor absoluto >7000 Ohm. Refluxo misto é a combinação de líquido e gás.

Quando a queda da impedância ocorre primeiro no nível superior, este dado corresponde a um episódio de deglutição (Tabela 3).

Tabela 3- Definição dos parâmetros do refluxo.

Todos os dados do diário devem ser inseridos antes da análise automatizada. Pode ser observado um atraso em relação ao horário do sintoma apresentado pelo episódio de refluxo. Em geral, um intervalo de 2 minutos (antes e depois) é aceito, embora esse valor seja definido por consenso, sem ser baseado em evidência. Devem ser relatados o número de sintomas associados ao refluxo e os não associados, além do número de refluxos com e sem sintomas. Com estes dados disponíveis diferentes análises podem ser realizadas.

        PARÂMETROS

O Índice de Sintoma (IS-%) corresponde ao percentual de sintomas associados ao refluxo dividido pelo total de sintomas. É arbitrariamente definido em adultos como alto ou positivo quando acima de 50%.

O Índice de Sensibilidade dos Sintomas (SSI - %) representa a porcentagem de eventos sintomáticos associados ao refluxo dividido pelo número total de episódios de refluxo. Valor maior que 10% é geralmente aceito como clinicamente significativo.

Na Probabilidade de Associação de Sintomas (SAP – %), o tempo total mensurado é subdividido em 2 intervalos de 2 minutos e uma tabela é estabelecida: número de intervalos com RGE, com e sem sintomas, número de intervalos sem RGE, com ou sem sintomas. O teste de Fisher é utilizado para o cálculo.

Valor positivo acima de 95% é interpretado como tendo boa associação temporal entre RGE e os sintomas apresentados, e é a mais forte evidência da existência de refluxo pois é a menos influenciada pelo número absoluto de RGE e dos sintomas.

Em geral, a demonstração de uma associação temporal entre RGE e sintomas relevantes é estabelecida com aqueles de curta duração (tosse, apneia, queda da saturação do oxigênio), enquanto que para os sintomas de longa duração (laringite, bronquite) a interpretação global do exame é mais relevante. Até o momento, apenas estudos prospectivos duplo cego placebo controlado extremamente limitados foram conduzidos em crianças com sintomas extra-esofágicos possivelmente associados ao REG.

       COMPLICAÇÕES

Potenciais complicações são raras, mas devem ser advertidas aos pais/responsáveis – falha técnica, sonda mal posicionada (altura, brônquio) e trauma na mucosa (sangramento, laceração). A frequência e causa de complicações são as mesmas da pHmetria convencional.

      FUTURO

Uma interessante avaliação poderia ser a comparação entre MMI-pH e a cintilografia – mensurar o RGE durante a refeição e no período pós-prandial de 1 hora. A literatura evidencia correlação extremamente fraca entre o RGE caracterizado pela pHmetria em comparação com a cintilografia.

A combinação entre a IMP com fluoroscopia e a manometria de alta resolução pode ser útil no estudo da função faríngea, porque o movimento do bolus é visualizado enquanto são registradas a pressão e o movimento de líquido e ar.

quarta-feira, 21 de março de 2018

Impedanciometria do esôfago na Pediatria (Parte 1)


Natália Oliveira e Silva e Ulysses Fagundes Neto


Introdução

O Refluxo Gastroesofágico (RGE) é a condição clínica mais comum que acomete o esôfago na faixa etária pediátrica. Trata-se de uma queixa frequente nos consultórios de pediatria, correspondendo a 25% das causas de visitas dos pacientes até os 6 meses de vida.

A variabilidade dos sintomas e do seu curso evolutivo, associada à falta de uma classificação que permita categorizar os pacientes de uma forma padronizada e aceita universalmente, gera muita confusão em relação à abordagem terapêutica do RGE em crianças.

Segundo o guia de conduta das Sociedades Norte-americana e Europeia (NASPGHAN/ESPGHAN) proposto em 2009, o RGE consiste na passagem do conteúdo gástrico para o esôfago, com ou sem a presença de regurgitação e vômito, sendo um processo fisiológico, que ocorre várias vezes ao dia nas diferentes faixas etárias.

Os episódios de RGE fisiológico em indivíduos saudáveis são, na maioria das vezes, de curta duração (menos de 3 minutos), ocorrem no período pós-prandial e ocasionam pouco ou nenhum sintoma.

Por outro lado, a Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) associa-se com a presença de sintomas ou complicações advindas do retorno do conteúdo gástrico para o esôfago. O diagnóstico da DRGE na faixa etária pediátrica é de difícil comprovação devido a inexistência de exames diagnósticos considerados padrão-ouro, além de não haver nenhuma combinação de sintomas que sejam específicos desta afecção ou de suas complicações.

Diagnóstico

Em geral, o diagnóstico baseia-se na história clínica e no exame físico do paciente, e, portanto, devem ser considerados, em princípio, como padrão-ouro. Entretanto, na maioria das vezes é necessário quantificar e caracterizar a DRGE de forma mais objetiva. Para se obter informações diagnósticas mais fidedignas deve-se lançar mão de alguns testes, os quais podem ser divididos em 2 categorias, a saber:

A) Testes que mensuram os episódios de refluxo: pHmetria, impedancio-pHmetria, radiologia do esôfago-estômago-duodeno (EED) e cintilografia gastroesofágica.
B) Exame de avaliação de possíveis complicações: endoscopia digestiva alta.

pHMETRIA

A pHmetria é um exame útil para diferenciar o RGE fisiológico da DRGE, bem como para correlacionar os episódios de refluxo ácido com os sintomas relatados, especialmente os extra-digestivos, selecionando, dessa forma, os pacientes que irão se beneficiar com o tratamento para a DRGE. Está bem estabelecido que a pHmetria representa uma medida quantitativa confiável da exposição ácida no esôfago, com valores de referência universalmente bem definidos. Vale ressaltar que a pHmetria não é sensível aos episódios de refluxo não ácidos ou fracamente ácidos. Em lactentes, com dieta exclusiva ou predominantemente láctea, o RGE pós-prandial pode não ser detectado, devido a neutralização do refluxo ácido provocado pelo leite, que é uma substância alcalina, em especial o leite humano.

Atualmente, este teste está sendo mais utilizado em conjunto com a impedanciometria, sob a denominação de impedâncio-pHmetria (IMM-pH).

IMPEDANCIOMETRIA

A impedanciometria é um procedimento ambulatorial, utilizado para detectar todos os episódios de refluxo, identificando o seu conteúdo (fluidos, sólidos ou gasoso) no esôfago, em qualquer quantidade, independentemente do sentido, de qualquer localização e do pH, posto que este teste mensura as alterações da resistência elétrica.

A impedância (resistência elétrica) é determinada pela quantidade e fluxo de íons através do tecido. Existe um certo grau de impedância basal através da parede esofágica.

A condutividade elétrica do ar é quase zero, enquanto que a condutividade de um bolus alimentar, como por exemplo, leite, saliva ou conteúdo gástrico, é relativamente elevada quando comparada com a baixa condutividade da parede muscular. Assim sendo, quando o esôfago está vazio, a impedância é alta, enquanto que a passagem do bolo alimentar provoca queda da impedância, posto que a impedância diminui durante a passagem de um bolus com alta condutividade, tais como a saliva, alimentos ou secreções gastrointestinais. A impedância aumenta durante as fases de baixa condutividade, como por exemplo durante a passagem do ar ou durante as contrações musculares da parede do órgão.

A passagem do bolus é caracteristicamente dividida em cinco fases, como se segue (Figura 1):
  Fase 1 – estado de repouso: relaxamento muscular do esôfago;
  Fase 2 – aumento da impedância causada pela passagem do ar na frente do bolus;
  Fase 3 – diminuição da impedância causada pela passagem de um bolus com alta condutividade;
  Fase 4 – constricção da parede esofágica que acarreta aumento da impedância após a passagem do bolus;
  Fase 5 –relaxamento da parede esofágica: a impedância retorna ao estado de repouso.


Figura 1- Caracterização das diversas fases da passagem de um bolus.

O princípio básico deste teste é a gravação das alterações da impedância elétrica do lúmen, ocasionadas pela passagem de um bolo alimentar, independentemente de suas características físicas ou químicas, por meio da utilização de um cateter transnasal. O teste identifica o refluxo ácido (pH<4 4-7="" cido="" n="" o="" ou="" ph="" pouco="">7), movimento do alimento, de gás ou misto (gás e líquido). A sensibilidade diagnóstica da impedância é equivalente à da pHmetria em pacientes não tratados, porém é superior naqueles pacientes tratados com medicação antiácida. A vantagem principal sobre a pHmetria é detectar também os refluxos não-ácidos (Tabela 1).

A impedanciometria encontra-se disponível para uso pediátrico desde 2002, e é um teste facilmente realizável em qualquer faixa etária, desde prematuros a adolescentes, e a princípio, apresenta as mesmas indicações da pHmetria, ou seja:
  A) Mensurar o refluxo em pacientes que não respondem ao tratamento anti-refluxo;
  B) Quantificar o refluxo em pacientes com predomínio de sintomas extra-esofágicos;
  C) Avaliação de sintomas descontínuos, tais como tosse e rouquidão, que podem estar associados a refluxo não ácido ou fracamente ácido;
  D) Pode ser realizado durante tratamento medicamentoso, e, também, durante infusão de dieta enteral (contínua ou em bolus), para avaliação do refluxo durante as refeições e nos períodos pós-prandiais.

Tabela 1- Comparação entre a monitoração do pH e da impedância.

DISPOSITIVOS DE GRAVAÇÃO E SOFTWARE

Diversos aparelhos e softwares estão disponíveis para uso na faixa etária pediátrica. Alguns equipamentos oferecem muitos outros parâmetros, como a saturação de oxigênio, frequência cardíaca e respiratória, e até manometria esofágica de alta resolução (Tabela 2).

Tabela 2- Lista de marcas disponíveis no mercado.

PREPARO
Devem ser selecionadas sondas apropriadas para a idade do paciente, as quais possuem pelo menos 6 anéis de impedância e 1 canal distal de pH, sendo a maioria deles de antimônio. Em virtude desta combinação o pH e a impedância são avaliadas em pelo menos 6 locais, em diferentes níveis do esôfago. A sonda possui diâmetro de 2,13 mm, enquanto que o comprimento da mesma varia de acordo com idade/estatura do paciente a ser avaliado, a saber:
                          Infantil (altura menor de 75 cm)
                          Pediátrico (75-150cm)
                          Adulto (maior de 150cm)

A distância entre os anéis de impedância e o sensor de pH difere de acordo com o cateter (altura do paciente e marca do cateter) (Figura 2).
Figura 2- Representação gráfica da sonda combinada de impedanciometria e pHmetria.

As sondas podem ser de uso único ou múltiplo. Não existe uma recomendação para escolha de cada uma delas. As sondas podem ter um eletrodo de referência interno, localizado na extremidade do cateter, 3-5 cm distal do sensor de pH, atravessando o esfíncter esofágico inferior ou externo, fixado ao paciente. O eletrodo do pH deve ser calibrado de acordo com as instruções do fabricante em 2 soluções de pH diferentes.

A sonda de IMM-pH é inserida por via intranasal, de preferência sem sedação, embora o uso de anestésico tópico spray possa ser benéfico em algumas crianças. O uso de gel pode facilitar a passagem da sonda, mas o gel não deve estar em contato com o eletrodo de antimônio porque pode diminuir sua acurácia.

O eletrodo de pH deve ser posicionado 2 vértebras acima do diafragma, no nível da coluna lombar. A fórmula de Strobel (0,252 x altura em cm + 5) pode ser utilizada para estimar o posicionamento apropriado da ponta distal do cateter – observar que foi desenvolvida para lactentes e se torna imprecisa à medida que o paciente cresce. A posição deve ser confirmada por Raio X.

A IMM-pH é um exame de custo elevado. O equipamento custa em torno de 15 mil euros e o valor aproximado de cada sonda é de 150 euros. Além disso, cada profissional leva em média 1 hora para interpretar o exame, o que resulta em um custo adicional.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Refluxo Gastroesofágico e Doença do Refluxo Gastroesofágico: como estabelecer o diagnóstico diferencial (5)

Métodos Diagnósticos da Doença do Refluxo Gastro-Esofágico

No que se refere aos testes funcionais do esôfago disponíveis para o diagnóstico do Refluxo Gastroesofágico (RG), houve, nestes últimos anos, grandes avanços tecnológicos. No presente, podemos dividir os testes existentes em diretos e indiretos, a saber:

Métodos Diretos
1- Radiologia contrastada com Bário; 2- Cintilografia Gastroesofágica com Tecnécio; 3- Monitoração prolongada do pH intraesofágico (pHmetria de 24 horas convencional); 4- Impedância Intraluminal Esofágica de Multicanais; 5- Sistema BRAVO de monitoração do pH esofágico

Métodos Indiretos
1- Manometria esofágica; 2- Manometria de Alta Resolução
  • Radiologia Contrastada - trata-se de um teste tradicional que oferece baixa eficácia para a caracterização do RG, porém ainda é um exame necessário porque pode evidenciar algumas anomalias anatômicas do trato digestivo, tais como hérnia de hiato, estenose hipertrófica do piloro, vício de rotação do intestino delgado, as quais podem ser causa dos sintomas de refluxo.
  • Cintilografia com Tecnécio - trata-se da ingestão de uma solução aquosa contendo o rádio-isótopo e seu trajeto é acompanhado por uma gama câmara (Figura 1). Também apresenta baixa sensibilidade, mas tem as vantagens de poder caracterizar refluxo alcalino e se realizada captação tardia (após 12 horas da ingestão) pode também detectar a presença do rádio-isótopo no pulmão, naqueles casos em que se suspeita de aspiração do material refluido.

    Figura 1- Estudo cintilográfico com Tecnécio mostrando nos tempos de 1 a 4 estômago repleto com a solução contendo o radio-isótopo e nas outras imagens a evidência de refluxo gastroesofágico até o terço médio do esôfago.
  • pHmetria de 24 horas - este teste foi, durante muito tempo, considerado o "padrão ouro" para o diagnóstico de RG, além de caracterizar refluxo oculto na existência de esofagite por refluxo, detectar RG naqueles pacientes com sintomas extra-esofágicos e também para a avaliação do tatamento da DRG. Trata-se da monitoração do pH esofágico através da colocação de um eletrodo 5 cm acima do esfíncter esofágico inferior, o qual é conectado com um equipamento que registra as variações do pH esofágico durante 24 horas correlacionando-as com as diferentes atividades do paciente. Ao cabo das 24 horas o eletrodo é retirado e os registros detectados pelo equipamento são analisados em um computador através de um software específico. São estudados vários parâmetros relacionados à existência ou não da DRG, tais como: a- número de epísódios de refluxo ácido com pH abaixo de 4; b- número de episódios de refluxo com tempo superior a 5 minutos; c- porcentagem de tempo com refluxo; d- duração do episódio mais longo de refluxo. Portanto, permite estabelecer uma correlação entre o aparecimento do refluxo e o início dos sintomas através da seguinte fórmula: Índice de sintomas= sintoma relacionado ao refluxo/número total de sintomas (Figuras 2-3).
    Figura 2- Exame de pHmetria com a colocação do eletrodo no esôfago e a determinação de pH 2.3 no mostrador do equipamento de medida do pH.

Figura 3- Traçado do estudo da pHmetria de 24 horas correlacionando os valores do pH obtidos com a posição do paciente (supine) e as refeições (meal), e os respectivos horários do dia.

Entretanto, mais recentemente com a introdução de novas tecnologias, as quais serão em seguida abordadas, verificou-se que o conceito de "padrão ouro" já não se aplica mais à pHmetria de 24 horas porque foram caracterizadas várias limitações deste método, tanto no que diz respeito a resultados falso positivos (especificidade) quanto a resultados falso negativos (sensibilidade).
  • Impedância Intraluminal de Múltiplos Canais - Esta técnica foi introduzida em 1991 para monitorar o movimento do "bolo" alimentar no interior do trato gastrointestinal. A técnica se baseia na mensuração da impedância elétrica entre uma série de eletrodos colocados próximos entre si ao longo da extensão do esôfago conectados com uma sonda (Figura 4). A impedância a ser mensurada depende do conteúdo esofágico em contato com os eletrodos. Por exemplo, o ar possui uma alta impedância, enquanto que o líquido ingerido ou refluido possui baixa impedância. A presença de múltiplos eletrodos ao longo da extensão do esôfago permite detectar as alterações temporais-espaciais da impedância, possibilitando, assim, diferenciar se o líquido ou ar foi deglutido ou refluído (Figuras 5-6-7). Vários estudos de validação desta técnica tem confirmado elevada sensibilidade e acurácia na detecção do refluxo, bem como acompanhar o movimento do "bolo" alimentar intraesofágico. O refluxo de líquido ou gás é detectado por uma diminuição progressiva da impedância no sentido oral iniciando-se esta diminuição no eletrodo colocado na posição mais distal do esôfago (imediatamente acima do Esfínter esofágico inferior). Vale salientar que o "bolo" alimentar também pode ser seguido ao longo dos segmentos adjacentes da impedância. A entrada do "bolo" alimentar em cada segmento da impedância reflete em uma queda de 50% do seu valor, enquanto que um incremento de 50% sobre o seu valor basal, se correlaciona com a saída do "bolo" alimentar deste determinado segmento.
    Figura 5- Colocação correta dos múltiplos eletrodos para o estudo da impedância esofágica e do eletrodo de medida do pH 5 cm acima do esfíncter esofágico inferior (LES).
Figura 6- Um episódio de deglutição detectado pelo sistema de impedância (seta descendente) com diminuição do pH abaixo de 4 (alimento ácido).
Figura 7- Epsódio de refluxo gastroesofágico detectado pelo sistema de impedância (seta ascendente) e pela pHmetria.
  • Impedância Intraluminal de Múltiplos Canais combinada com a pHmetria de 24 horas - Este procedimento de monitoração do esôfago possibilita a detecção de ambos os tipos de refluxo, ácido e não ácido, porque identifica o movimento de fluído retrógrado para o interior do esôfago. Desta forma esta combinação de monitoração permite a detecção do refluxo independentemente do valor do pH do material refluido. Esta metodologia de investigação tem sido demonstrada ser a de mais alta sensibilidade para a detecção dos episódios de refluxo, posto que permite detectar também os refluxos não ácidos (alcalinos ou fracamente ácidos) e, assim, elimina os resultados falso negativos. A adição da medida do pH faz-se necessária para a caracterização do refluxo ácido. Recentemente foi estabelecido um consenso entre experts da área para definir a nomenclatura dos padrões de refluxo detectados pela combinação dos métodos impedância-pHmetria. O refluxo é considerado ácido quando o pH esofágico for inferior a 4; quando o pH esofágico baixa de uma unidade mas ainda se mantém acima de 4 e abaixo de 7 o refluxo é denominado fracamente ácido; o termo refluxo alcalino é reservado para os episódios de refluxo cujo pH esofágico seja superior a 7 (Figuras 8-9-10-11).

    Figura 8- Detecção de refluxo gastroesofágico ácido (A).
Figura 9- Detecção de um episódio fracamente ácido (B).


Figura 10 - Detecção de um episódio de refluxo gastroesofágico não ácido (C).

Figura 11- Episódio de refluxo gastroesofágico não ácido associado à tosse (cough). Este episódio ocorreu após a deglutição.
  • Sistema BRAVO de monitoração do pH - trata-se de um novo sistema "wireless" de monitoração do pH esofágico, e que possui as seguintes vantagens: 1- por ser "wireless" elimina o incômodo e o estigma social da presença de um catéter nasal; 2- a monitoração esofágica se extende por 48 horas o que permite uma avaliação mais realística; 3- como se trata de uma cápsula controlada por telemetria é colocada por via oral por meio da endoscopia, localizando-a 6 cm acima do esfíncter esofágico inferior; 4- como pode permanecer por 48 horas tem a possibilidade de detectar a existência de refluxo que por ventura não tenha sido detectado nas primeiras 24 horas, e isto pode ocorrer em até 30% dos casos; 5- causa menor impacto sobre as atividades normais diárias, o que lhe confere uma característica mais fisiológica de avaliação.
Por outro lado não são apenas vantagens que esta nova técnica oferece. Há também alguns efeitos colaterais que podem ocorrer devido à presença da cápsula aderida à parede do esôfago, tais como: 1- falha na aderência à parede do esôfago; 2- dor torácica que em algumas ocasiões obriga a retirada da cápsula; 3- sensação da presença de um corpo extranho no esôfago.
Dentre os Métodos Indiretos, atualmente, tem sido dado grande valor à Manometria de Alta-Resolução, porém esta técnica é extremamente dispendiosa e se encontra praticamente disponível apenas para estudos de investigação clínica.
No nosso próximo encontro iremos discutir os tratamentos do Refluxo Gastroesofágico Fisiológico e da Doença do Refluxo Gastroesofágico.