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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Colite Alérgica: a evolução clínica de uma enfermidade de caráter transitório com forte evidência de herança genética (2)


Resultados


Todos os pacientes, por ocasião da primeira consulta, a despeito da queixa de sangramento retal, encontravam-se em bom estado geral, hidratados, sem aparentar estado de toxemia e sem febre (Quadros 1 e 2).

Quadro 1- Principais características clínicas, nutricionais e laboratoriais dos 3 lactentes pertencentes à Família 1.


Quadro 2- Principais características clínicas, nutricionais e laboratoriais dos 2 lactentes pertencentes à Família 2.


Todos os pacientes foram submetidos ao teste de desencadeamento com fórmula láctea nas idades que variaram de 11 a 18 meses. Nesta ocasião todos os pacientes apresentaram tolerância à fórmula láctea utilizada. O teste foi realizado sob supervisão médica restrita, de acordo com os critérios de Nowak-Wegrzyn e cols. (16), como segue: em um primeiro momento foi oferecida a quantidade de 20 ml da fórmula láctea e aguardado um período de 45 minutos de observação. No caso de não haver  ocorrido qualquer manifestação clínica sugestiva de alergia foi autorizada a oferta da fórmula láctea ad libitum e solicitado aos familiares que mantivessem observação criteriosa quanto à possibilidade do surgimento de reações adversas de longo prazo.  

Após o teste de desencadeamento com fórmula láctea e a respectiva liberação do uso de leite e derivados na dieta, os pacientes foram seguidos clinicamente por um período que variou de 18 (mínimo) a 33 (máximo) meses, em média 26 meses. Durante todo este período de acompanhamento nenhum paciente apresentou quaisquer manifestações clínicas relacionadas a processo inflamatório colônico.

A cultura de fezes e a pesquisa parasitológica nas fezes resultaram negativas em todos os pacientes.

Família 1


VCA – sexo masculino, 6 meses de idade, com história de diarréia com sangue vivo e muco há 20 dias, em aleitamento materno exclusivo. Ambos os pais referiam antecedentes de rinite alérgica. Ao exame físico encontrava-se em bom estado geral com ganho pondero-estatural adequado, Peso= 9615 g e Comprimento= 71 cm, evidenciando lesões eczematosas na face e retro-auriculares, e proctite (fissura anal às 6 horas). A colonoscopia revelou presença de fissuras anais, aspecto de hiperplasia nodular linfóide e ulcerações colônicas, especialmente no colon direito (Figura 1).
Figura 1- Mucosa colônica evidenciando ulceração (A - B e D) e nódulos linfóides (C).

A microscopia revelou processo inflamatório com esboço de granuloma, hiperplasia nodular linfoide e infiltrado eosinofílico com mais de 20 eosinófilos por campo de grande aumento. Foi levantada a suspeita de alergia alimentar e doença inflamatória intestinal pela presença do esboço de granuloma. A mãe foi orientada a realizar dieta de exclusão do leite de vaca e derivados e soja, associada à dieta do desmame isenta de leite de vaca e derivados e soja; o paciente foi medicado com dexametasona durante 4 semanas. Foram realizados os seguintes exames laboratoriais: α1 anti-tripsina fecal: 4,1 mg/g, p-ANCA: não reagente, ASCA: não reagente. A evolução clínica foi favorável com desaparecimento dos sintomas. Aos 8 meses foi suplementado com fórmula à base de hidrolisado protéico extensamente hidrolisado (Alfaré, Nestlé) com boa aceitação. Aos 18 meses foi realizado teste da α1 anti-tripsina fecal: 0,8 mg/g e desencadeamento com fórmula láctea o qual foi bem sucedido.
LBRA – sexo masculino, 4 meses de idade, com história de diarréia há 1 mês e sangramento retal há 3 dias. Recebeu aleitamento materno exclusivo até 40 dias de vida quando passou a receber fórmula láctea inicialmente com boa aceitação. Após 40 dias do uso da fórmula láctea iniciou quadro de diarréia caracterizada por fezes líquidas e aumento no número das evacuações e 3 dias antes da primeira consulta surgiu sangramento retal. Ao exame físico encontrava-se em bom estado geral, Peso= 6855 g e Comprimento= 66 cm, palidez cutânea ++, proctite (fissuras anais às 5 e 7 horas). A colonoscopia demonstrou presença de hiperemia da mucosa com microerosões e sangramento espontâneo à passagem do colonoscópio. A microscopia revelou a existência de colite focal ativa com permeação epitelial por neutrófilos (Figura 2).
 

Figura 2- Microfotografia da mucosa colônica evidenciando erosão do epitélio, aumento do infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria, diminuição do conteúdo de muco das glândulas crípticas e presença de polimorfonucleares no interior da glândula críptica (seta).

Foi considerada a hipótese de colite alérgica e introduzida fórmula à base de mistura de aminoácidos (Neocate, Danone) e dexametasona (4 semanas), o que resultou em desaparecimento dos sintomas. A partir dos 6 meses foi introduzida dieta do desmame isenta de leite de vaca e derivados e soja. Aos 11 meses, como estivesse assintomático e por ter iniciado a recusar a fórmula de aminoácidos foi realizado o desencadeamento com fórmula láctea com sucesso.




FEBP- sexo masculino, 40 dias de vida, com história de cólicas intensas e sangue nas fezes há 5 dias, em aleitamento natural exclusivo. Ao exame físico encontrava-se em bom estado geral, Peso= 4695 g e Comprimento= 55 cm, e proctite (fissura anal às 4 horas). A retoscopia mostrou microulcerações e hiperemia da mucosa retal (Figura 3). A microscopia revelou a presença de infiltrado eosinofílico superior a 20 eosinófilos por campo de grande aumento (Figura 4).

Figura 3- Mucosa colônica friável com sangramento espontâneo à passagem do colonoscópio e microulcerações superficiais.

Figura 4- Microfotografia da mucosa colônica evidenciando infiltrado eosinofílico permeando o epitélio, na lâmina própria e nas glândulas crípticas.

Inicialmente o paciente foi mantido em aleitamento natural exclusivo tendo sido recomendada dieta isenta de leite de vaca e derivados e soja para a mãe. Como a mãe tivesse cometido transgressões à dieta os sintomas de sangramento retal persistiram, e, portanto, aos 3 meses de vida foi espontaneamente suspensa a lactação. A partir desta data foi introduzida fórmula à base de hidrolisado protéico extensivamente hidrolisado (Alfaré, Nestlé) e os sintomas desapareceram totalmente dentro dos próximos 3 dias. A partir dos 6 meses de idade foi introduzida dieta do desmame isenta de leite de vaca e derivados e soja, com boa aceitação e sem quaisquer intercorrências. Aos 12 meses foi realizado teste de provocação com fórmula láctea com sucesso.      


Família 2


STBP- sexo feminino, 5 meses de idade, com história de cólicas intensas e eczema retro-auricular desde os 45 dias de vida. Recebeu aleitamento natural exclusivo até os 3,5 meses e a mãe referia que os sintomas se acentuavam quando ela fazia ingestão de leite de vaca, ovos e chocolate. Ambos os pais com antecedentes alérgicos. Ao exame físico a paciente encontrava-se em bom estado geral, Peso= 6585 g e Comprimento= 63 cm, palidez cutâneo-mucosa ++, Hemoglobina= 8,5 g%. A colonoscopia revelou a presença de hiperemia da mucosa e aspecto de hiperplasia nodular linfóide. A microscopia evidenciou congestão vascular da mucosa e hiperplasia nodular linfóide (Figura 5).

Figura 5- Mucosa colônica evidenciando nódulos linfóides hipereplásicos em grande quantidade.

Inicialmente foi introduzida fórmula à base de hidrolisado protéico e ferroterapia 5 mg/kg/dia; porém como as manifestações clínicas persistissem esta fórmula foi substituída por outra à base de mistura de aminoácidos (Neocate, Danone) com boa aceitação e desaparecimento dos sintomas. Aos 7 meses encontrava-se assintomática, Hemoglobina= 9,5 g% e pesquisa de sangue oculto nas fezes negativa. Aos 12 meses foi introduzida dieta sólida isenta de leite de vaca e derivados e soja com boa aceitação. Aos 18 meses foi realizado teste de provocação com fórmula láctea com boa aceitação.



SVBP- sexo feminino, 3,5 meses de idade, com história de sangramento retal há 20 dias, na vigência de aleitamento natural exclusivo. Ao exame físico apresentava-se em bom estado geral, Peso= 5365 g, Comprimento= 59 cm, palidez cutânea ++, Hemoglobina= 10 g%. A colonoscopia revelou friabilidade da mucosa e microulcerações colônicas. A microscopia evidenciou a existência de colite eosinofílica (mais de 20 eosinófilos por campo de grande aumento). A mãe foi orientada a fazer dieta de exclusão de leite de vaca e derivados, soja, ovos, frutos do mar, frutos oleaginosos, amendoim, tendo havido regressão do sangramento retal. Porém, após a ingestão repetida de côco (doce de côco) ocorreu recidiva do sangramento retal. Nesta ocasião a mãe decidiu suspender o aleitamento natural e, então, foi introduzida fórmula à base de mistura de aminoácidos (Neocate, Danone), dexametasona durante 10 dias e ferroterapia 5 mg/kg/dia. A evolução mostrou-se favorável até os 6 meses quando foi introduzido complemento com dieta sólida à base de mistura de aminoácidos (Neocate semi-solid food, Danone). Entretanto, esta dieta continha óleo de côco e após 8 dias de sua introdução surgiu uma reação eczematosa nos membros superiores e inferiores (Figura 6), a qual foi atribuída à presença de possível fração peptídica de côco nesta formulação dietética.

Figura 6- Foto da mão direita mostrando forte reação eritematosa e edema em virtude da reação alérgica à dieta sólida contendo gordura de côco.

Diante disto, a dieta sólida foi suspensa e as lesões cutâneas desapareceram dentro de uma semana.  Em razão dessa intercorrência a paciente foi mantida exclusivamente com fórmula à base de mistura de aminoácidos até completar 12 meses de idade. Nesta ocasião foi introduzida dieta sólida isenta de leite de vaca e derivados, soja e côco, com boa aceitação. Aos 18 meses foi realizado teste de provocação com fórmula láctea com boa aceitação.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Alergia Alimentar e suas manifestações digestivas na infância: uma enfermidade cada vez mais prevalente no mundo moderno (9)

Critérios Diagnósticos

História Clínica e Testes de ProvocaçãoA História Clínica continua a ser o principal pilar para estabelecer o diagnóstico de Alergia Alimentar, em especial nos pacientes menores de 6 meses de idade, posto que até esta idade a imensa maioria dos lactentes recebe apenas um tipo de alimento, seja leite de vaca ou de outro animal, fórmula láctea ou de soja. Por esta razão, torna-se mais fácil estabelecer uma relação direta causa-efeito, devido à monotonia da dieta ofertada ao lactente, diferentemente daquelas situações em que o paciente de maior idade já recebe uma dieta bastante diversificada. Vale salientar que mesmo lactentes em uso de aleitamento natural exclusivo, embora raramente, também podem apresentar manifestações clínicas de Alergia Alimentar devido à passagem de antígenos alimentares via leite materno. Por outro lado, naquelas crianças maiores, que já recebem uma dieta com grande seleção de alimentos, inúmeras outras variáveis passam a entrar em jogo, o que vai dificultar sobremaneira estabelecer a qual ou a quais alimentos o paciente apresenta Alergia. A confecção de diários alimentares costuma ser útil, principalmente quando a dieta do paciente é bastante diversificada e, também, quando o problema se torna crônico.

Do ponto de vista diagnóstico é interessante tentar categorizar a afecção alérgica pelo órgão alvo predominantemente atingido e pelo mecanismo de resposta imunológica observado. Reações mediadas por IgE costumam surgir rapidamente, enquanto que as não mediadas por IgE tornam-se evidentes apenas algumas horas ou dias após a ingestão do alergeno.
Atualmente há um consenso internacional de que o Padrão Ouro (“Gold Standard”) para o diagnóstico de Alergia Alimentar é o teste de Provocação Duplo-Cego Controlado com Placebo (PDCCP). Entretanto, há também uma aceitação geral de que na imensa maioria das vezes a realização do teste de PDCCP é praticamente inviável, em especial quanto menor for a idade do paciente. Diante da notória dificuldade de se realizar rotineiramente o teste PDCCP, tem sido também preconizada a realização de testes de provocação abertos ou simples-cegos no rastreamento de possíveis alergenos alimentares. Para aumentar a acurácia dos testes de provocação, o alimento ou os alimentos supostamente provocadores de Alergia devem ser retirados da dieta do paciente por um período de 7 a 14 dias antes da realização do teste de provocação. Vale lembrar que alguns pacientes podem sofrer de Alergia a múltiplos alimentos e, então, nestes casos é recomendável submetê-los a uma dieta à base de hidrolizado protéico por um período de 4 a 6 semanas antes de serem iniciados os testes de provocação.

Testes Laboratoriais

Para as afecções mediadas por IgE, os testes cutâneos (“prick tests”) se constituem em um rápido e sensível método de rastreamento para alimentos específicos. Testes negativos essencialmente confirmam a ausência de reação alérgica mediada por IgE (acurácia preditiva negativa >95%). Em geral, respostas negativas aos testes cutâneos são extremamente úteis para excluir Alergias Alimentares mediadas por IgE, e, por outro lado, testes cutâneos positivos, na maioria das vezes, sugerem a existência de Alergia Alimentar, embora sua especificidade (taxa de falso positivos) não seja tão elevada quanto a sensibilidade. Idealmente, ao se obter uma resposta positiva do teste cutâneo deve-se considerar confirmatório o diagnóstico de Alergia Alimentar quando este vier associado a uma história clínica altamente sugestiva de reação alérgica ao alimento em questão.

É importante assinalar que até o presente momento não se dispõe de nenhum teste cutâneo que seja confiável para o diagnóstico de Alergia Alimentar NÃO mediada por IgE.
O teste sorológico qualitativo denominado “Radioallergosorbent test” (RAST) fornece evidências sugestivas de Alergia Alimentar mediadas por IgE, porém este método tem a tendência de vir a ser progressivamente substituído por outros que são quantitativos, como por exemplo o CAP System FEIA, os quais tem demonstrado experimentalmente serem mais eficientes quanto aos seus valores preditivos.

No caso específico das manifestações das hipersensibilidades gastrointestinais uma variedade de outros testes laboratoriais podem ser extremamente úteis. Por exemplo, cerca de 50% dos pacientes portadores de Esofagite Eosinofílica e de Gastroenteropatia Eosinofílica apresentam eosinofilia periférica e podem também sofrer de anemia por perda de sangue nas fezes e diminuição nos níveis das proteínas séricas, em especial a albumina. A Endoscopia e/ou Colonoscopia com a realização das respectivas biópsias se constituem em excelentes testes diagnósticos complementares, muitas vezes evidenciando aspectos bastante característicos das lesões causadas pelos alergenos alimentares.

Os Esquemas 1 e 2 abaixo mostrados, extraídos de Philippe Eigenmann (Pediatr Allergy Immunol 2008: 19: 276-8) e por mim modificados, ilustram uma sugestão, quanto à realização dos testes de provocação, para os passos diagnósticos das Alergias Alimentares mediadas por IgE e as não mediadas por IgE.



Tratamento

O tratamento da Alergia Alimentar baseia-se estritamente na eliminação do alergeno da dieta do paciente. Enquanto o paciente estiver recebendo uma dieta baseada em apenas um determinado alimento, como geralmente ocorre com os lactentes menores de 6 mêses, seja fórmula láctea ou fórmula de soja, torna-se facilmente identificável qual a proteína que deve ser retirada da dieta. Entretanto, quando a dieta do paciente passa a ser mais variada já tendo ocorrido a introdução de outros alimentos a identificação do alergeno pode ser uma tarefa extremamente difícil de ser exercida com sucesso. Portanto, quanto mais diversificada for a dieta de um paciente que se suspeita ser portador de alergia alimentar mais trabalhoso será identificar um ou mais agentes alergênicos. Por esta razão, estrategicamente, deve-se sempre restringir ao máximo o número e a variedade dos alimentos empregados na dieta do paciente, porém, é imperioso que se tome todo o cuidado para não provocar alguma deficiência nutricional.
Lactente em Aleitamento Artificial

Nesta circunstância o paciente deve receber única e exclusivamente uma dieta hipoalergênica, ou seja, uma fórmula à base de hidrolizado protéico durante um período não inferior a 12 semanas, podendo inclusive prolongar-se até o final do primeiro ano de vida dependendo do critério do médico assistente. É esperado que as manifestações clínicas desapareçam dentro das próximas 48 horas depois da introdução da fórmula hipoalergênica. Caso os sintomas persistam ou reapareçam dentro de alguns dias após a introdução da fórmula hipoalergênica, deve-se suspeitar de intolerância à fórmula à base de hidrolizado protéico. Apesar das proteínas serem extensivamente hidrolizadas nas fórmulas à base de hidrolizado proteíco disponíveis no mercado ainda assim apresentam em sua composição pequenas frações peptídicas que podem desenvolver estímulo antigênico. Tem sido nossa experiência pessoal, aliada à experiencia internacional, que cêrca de 10 a 15% dos pacientes podem desenvolver intolerância às fórmulas à base de hidrolizado protéico. Ao se suspeitar ou mesmo se caracterizar a ocorrência de intolerância à fórmula à base de hidrolizado protéico, deve-se substituí-la para uma fórmula à base de mistura de amino-ácidos, a qual não tem qualquer estímulo antigênico, visto que são desprovidas de frações peptídicas potencialmente alergênicas. Após o sexto mês de vida devem ser introduzidos novos alimentos, porém, sempre tendo-se a devida precaução de evitar a utilização de leite de vaca e derivados, bem como produtos contendo soja. A introdução desses novos alimentos deve ser feita de forma gradual para que se possa ter uma observação criteriosa da sua tolerabilidade por parte do paciente. Como esta enfermidade tem caráter transitório, no final do primeiro ano de vida pode-se realizar um teste de desencadeamento com fórmula láctea. O desencadeamento deve ser realizado com supervisão médica, posto que, embora muito raramente, pode ocorrer choque anafilático caso o paciente ainda seja alérgico ao leite de vaca.
Lactente em Aleitamento Natural

Como já foi referido anteriormente o leite humano pode ser veículo de transporte de proteínas estranhas, potencialmente alergênicas, e desta forma, indiretamente, provocar manifestações de Alergia Alimentar. Entretanto, é de fundamental importância que NÃO seja suspenso o Aleitamento Materno, e SIM tratar de eliminar da dieta da mãe o suposto alergeno. Inicialmente deve-se eliminar o leite de vaca e seus derivados, bem como a soja e todos os produtos industrializados que contenham esta substância. Após a eliminação destes alimentos a sintomatologia deve regredir significativamente, ou mesmo desaparecer dentro das próximas 48 horas. Caso a sintomatologia persista deve-se pensar que outros alimentos, além dos anteriormente referidos, também podem estar envolvidos como causa da alergia. Nem sempre é fácil detectar qual ou quais outros alimentos podem estar perpetuando as manifestações clínicas, porém, deve-se buscar à exaustação o possível alergeno por meio da elaboração de diários da alimentação da mãe, na tentativa de se estabelecer uma relação causa-efeito.
Como motivo de inspiração e estímulo a todas as atuais e futuras mães para que tenham o desejo, o sucesso e a satisfação de amamentar seus filhos, para terminar este capítulo sobre Alergia Alimentar, deixo abaixo a fotografia de uma pintura de El Greco intitulada La Virgen de la Buena Leche que está exposta em seu museu em Toledo, Espanha.


Prevenção da Alergia Alimentar
Um grupo de “experts” da seção de Pediatria da Academia Européia de Alergologia e Imunologia Clínica recentemente publicou as recomendações para prevenir as doenças alérgicas em lactentes e pré-escolares (Pediatr Allergy Immunol 2008: 19: 1-4), as quais abaixo estão transcritas:

O aleitamento natural exclusivo é altamente recomendado para todos os lactentes independentemente da sua hereditariedade quanto à Alergia. As seguintes observações baseadas em evidências devem ser levadas em consideração:

1- A adoção de um regime dietético para a prevenção de Alergia, nos lactentes de alto risco (antecedentes hereditários de Alergia nos pais e/ou irmãos), particularmente em relação à Alergia Alimentar (Alergia ao Leite de Vaca) e Eczema (atópico ou não atópico) mostra-se altamente eficiente. O regime dietético de maior eficácia é o aleitamento natural exclusivo por pelo menos 6 meses; porém, no caso de não ser possível a prática do aleitamento natural, a introdução de fórmula com documentada hipoalergenicidade, por pelo menos 4 meses, combinada com a restrição da introdução de alimentos sólidos e leite de vaca durante o mesmo período, é altamente recomendada.

2- Não há evidências conclusivas documentadas de que qualquer exclusão dietética na mãe durante a gravidez ou no período de lactação apresenta efeito protetor sobre o lactente.

3- Não há qualquer evidência quanto a um possível efeito preventivo no que diz respeito a imposições de restrições dietéticas após os 6 meses de vida. Além disso, há insuficiente evidência para que se faça qualquer recomendação quanto às estratégias para a dieta do desmame.
E, assim, terminamos por agora, este fascinante capítulo da Pediatria, mas a êle poderemos voltar a qualquer momento quando novas informações científicas que mereçam ser divulgadas surgirem na literatura médica, posto que, inúmeras dúvidas ainda persistem e necessitam ser elucidadas.
No nosso próximo encontro passarei a descrever minha experiência de vida pessoal e profissional, quando ainda era um jovem médico, e fui fazer minha especialização em Gastroenterologia Pediátrica em Buenos Aires, em 1973.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Colite Alérgica: Manifestações Clínicas, Diagnóstico e Tratamento (3)

Histórico

Desde o surgimento do ser humano no nosso universo, constituindo-se nas mais diversas maneiras de sociedades existentes, a totalidade das crianças era amamentada ao seio materno, de forma exclusiva e prolongada. Ainda nos dias atuais, naquelas poucas comunidades restantes chamadas de "cultura primitiva", como por exemplo é o caso de algumas nações indígenas existentes em nosso país (Figuras 1-2-3-4), as quais vivem em condições muito semelhantes a aquelas encontradas pelos descobridores portugueses, a prática da amamentação é universal.


Figura 1- Parque Indígena do Xingu: Índios de uma aldeia do Alto Xingu anunciando uma festa comunitária.


Figura 2- Parque Indígena do Xingu: Mãe e filho no primeiro banho da manhã no rio Xingu.



Figura 3- Parque Indígena do Xingu; criança índia em aleitamento natural, prática universal nesta sociedade.

Figura 4- Minha primeira experiência de trabalho no Parque Indígena do Xingu em dezembro de 1970.
Entretanto, as enormes transfigurações sócio-político-econômicas e culturais ocorridas em decorrência do desenvolvimento tecnológico industrial nas sociedades denominadas "civilizadas" ou "modernas", com as mulheres cada vez mais competindo pela ocupação de espaço dentro do mercado de trabalho, associadas ao crescimento e consolidação das indústrias produtoras de alimentos infantis, a partir do início do século 20, contribuiram decisivamente para o declínio da prática do aleitamento natural. Diferentes tipos de leite de outros mamíferos, mais frequentemente o Leite de Vaca, inicialmente in natura, e, posteriormente, sob a forma de Fórmulas Lácteas processadas com a intenção de se aproximar ao máximo da composição do Leite Humano, encontram-se, já há muitos anos, amplamente disponíveis no mercado. Concomitantemente a essa modificação do comportamento das sociedades "modernas" passou-se também a conviver com um novo fenômeno, como efeito colateral, ou seja, o surgimento cada vez mais frequente da Alergia Alimentar, especialmente Alergia às Proteínas do Leite de Vaca e suas mais variadas formas de manifestação clínica. Por outro lado, na busca de se encontrar substitutos do Leite de Vaca, para o tratamento dos casos com sintomas de Alergia, passaram a ser desenvolvidas fórmulas a partir da Proteína Vegetal da Soja, introduzidas já desde 1929, as quais pretensamente se imaginava não teriam capacidade alergênica, e que a experiência prática demonstrou ser exatamente o contrário.

Rubin, nos EUA, em 1940, publicou suas observações sobre 4 pacientes, com idades compreendidas entre 4 e 7 semanas, que foram alimentados com Leite de Vaca, os quais apresentaram diarréia sanguinolenta e cólicas intensas, denominando-as como portadoras da "Síndrome do Sangramento Intestinal devido a Alergia às Proteínas do Leite de Vaca". Mortimer, nos EUA, em 1959, por sua vez descreveu o caso de um lactente de 3 mêses, que se encontrava em aleitamento misto, possuia história de alergia familiar fortemente positiva, e que desenvolveu quadro clínico de eczema e asma. Foi tratado com Fórmula de Soja em substituição à Fórmula Láctea durante 2 mêses, período no qual apresentou vômitos frequentes e reinício das crises asmáticas, manifestações que desapareceram com a introdução de uma Fórmula à Base de Hidrolisado Protéico. Halpin e cols., nos EUA, em 1977, documentaram a primeira descrição de Colite Alérgica em 4 lactentes com idades entre 2 e 4 mêses, os quais apresentavam diarréia sanguinolenta, perda de pêso e vômitos com o emprego de Fórmula de Soja com diagnóstico prévio de Alergia às Proteínas do Leite de Vaca. Nos 4 pacientes foi realizado desencadeamento com Fórmula de Soja e os sintomas reapareceram, sendo que anteriormente os sintomas haviam regredido com o uso de uma Fórmula à Base de Hidrolisado Protéico.

Lake e cols., nos EUA, em 1982, descreveram 6 lactentes, amamentados exclusivamente com Leite Materno, que apresentaram diarréia sanguinolenta no primeiro mês de vida, tendo sido descartadas causas infecciosas. Foi constatado, nesta ocasião, que proteínas estranhas, potencialmente alergênicas, podem ser veiculadas pelo Leite Materno, e que os sintomas regridem quando o suposto alergeno é retirado da dieta da mãe. Além disso, Sherman e Cox, nos EUA, em 1982, levantaram a possibilidade de sensibilização intra-útero às Proteínas do Leite de Vaca, ao descrever o caso de um recém-nascido que apresentou diarréia sanguinolenta algumas horas após o nascimento ao receber Leite de Vaca a partir de 8 horas de vida. As manifestações clínicas persistiram ao se introduzir Fórmula de Soja, e somente regrediram com o uso de Fórmula à Base de Hidrolisado Protéico.

No nosso próximo encontro continuaremos a discutir Colite Alérgica, suas manifestações clínicas e o diagnóstico.