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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Segurança e eficácia da Linaclotina em crianças com idades compreendidas entre 2 e 5 anos portadoras de constipação funcional: fase 2, estudo randomizado.


Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista JPGN publicou um artigo de revisão, em junho de 2024, intitulado “Safety and efficacy of Linaclotide in children aged 2-5 years with functional constipation: Phase 2, randomized”, de Carlo Di Lorenzo e cols., que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

1.   Introdução

A constipação funcional (CF) é um transtorno frequente de interação do eixo cérebro-trato digestivo nas crianças. Ainda que a constipação possa ocorrer em qualquer idade, uma revisão retrospectiva de 358 crianças, demonstrou que a idade mediana de instalação foi de 2,3 anos, com pico de incidência da constipação ocorrendo no período de treinamento do desfralde, na grande maioria das crianças com idades compreendidas entre 2 e 4 anos.

A etiologia da CF nas crianças apresenta uma característica multifatorial, com evidências inconclusivas em causas dietéticas e com impacto sobre o sexo, atividade física, obesidade e fatores psicológicos. Em geral, o fator desencadeante é o comportamento de retenção, que leva à absorção de água das fezes pela mucosa colônica e consequentemente o endurecendo das fezes. A subsequente defecação dolorosa pode, portanto, ser ambos um fator causal e uma manifestação clínica desta enfermidade juntamente com sintomas, tais como: dor abdominal e escape fecal. A constipação acarreta um impacto negativo sobre a qualidade de vida relacionada à saúde, não somente nas crianças afetadas, mas também em seus pais, os quais, têm que se responsabilizar pelo tratamento dos seus filhos. Além disso, os custos médicos têm sido demonstrados serem mais altos em crianças com constipação do que os controles pareados por sexo e idade.

O manejo da CF geralmente inclui intervenções dietéticas, modificações comportamentais, desimpactação e terapia de manutenção com laxantes. Embora a intervenção precoce em seguida ao início da instalação da constipação, tudo indica poder levar a um desfecho favorável, mas, por outro lado, um retardo no tratamento acarreta um problema, e, este fato pode explicar o porquê de 25% das crianças com CF permaneçam com os sintomas na vida adulta. A pesquisa sugere que em média são transcorridos 2,7 anos entre o início dos sintomas e a referência a um especialista, sendo que crianças menores sofrem uma duração mais longa dos sintomas antes de serem indicadas a um especialista, e, por esta razão torna-se menos exitoso o desfecho do tratamento, em comparação com crianças de maior idade. Em geral, os dados de tratamento para crianças de menor idade que sofrem de CF permanecem raros, e, a maioria dos estudos pediátricos e revisões focam em crianças com 5 anos ou mais.

Linaclotide é um peptídeo sintético composto por 14 amino-ácidos, agonista do receptor da guanilatociclase – C (GC-C), comercializado nos EUA como LINZESS, aprovado para tratamento de adultos com constipação idiopática crônica à dose de 72 ou 145µg diariamente. Foi recentemente aprovado para crianças com idades compreendidas entre 6 e 17 anos portadoras de CF.

 O objetivo do presente estudo foi avaliar a dose-resposta, segurança e eficácia, durante 4 semanas com emprego da Linaclotida comparada com placebo, em pacientes com idades compreendidas entre 2-5 anos portadoras de CF.

2.   Métodos

Este estudo Fase 2 de dose múltipla randomizado, duplo cego, controlado por placebo, envolveu pacientes com idades compreendidas entre 2-5 anos que preenchiam os critérios de Roma III modificado para CF na infância, durante um período de tratamento de 4 semanas com as seguintes doses da Linaclotida: 9, 18, 36, ou 72µg em comparação com placebo. Os principais objetivos foram detectar as alterações desde o período basal até o final do estudo, levando-se em consideração a ocorrência de defecação espontânea, frequência por semana, consistência das fezes e esforço para evacuar, assim como, a proporção de dias com escape fecal, durante o período de intervenção do estudo. Foram registrados os eventos adversos.

3.   Resultados  

Dentre os 34 (97,1%) pacientes randomizados completaram o tratamento durante o período estabelecido e 33 (94,3%) completaram o período pós-tratamento.



As alterações médias desde a linha basal sobre o período de tratamento para 3 dos 4 pontos de eficácia chave, mostraram grande melhoria o grupo que recebeu Linaclotida 72µg versus placebo. A tendência para a relação dose-resposta foi observada para a consistência das fezes nos pacientes que receberam o medicamento.



Eventos adversos ocorreram em 4 pacientes que receberam o medicamento sendo que em 1 deles houve uma relação direta com a Linaclotida (diarreia leve). Todos os eventos adversos mostraram-se leves ou moderados e nenhum foi grave, e, não necessitou a suspensão do tratamento.



4.   Conclusão

Este é o primeiro estudo placebo-controlado em pacientes com idades compreendidas entre 2-5 anos portadoras de CF. Ficou demonstrado que a Linaclotida se mostrou bem tolerada pelos pacientes em todos os grupos que receberam diferentes doses. Em virtude do pequeno número populacional estudado, torna-se difícil obter conclusões a respeito da eficácia da Linaclotida, porém, a eficácia numericamente mais alta foi observada no grupo que recebeu Linaclotida 72µg versus placebo. Um estudo abrangendo maior número de pacientes com duração mais longa de tratamento é necessário, posto que um tratamento efetivo para a CF em crianças, deve ser realizado em todos os grupos pediátricos etários, especialmente em pacientes de menor idade.

 

5.   Referências Bibliográficas

    Di Lorenzo et cols. – JPGN 2024;79:510-16

    Vermon-Roberts et cols. – JPGN 2021;10:5087

    Benninga MA et cols. – Clin Gastroenterol Hepatol 2022;20:602-610

    Di Lorenzo et cols. – JPGN 2024;9:238-250

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Impacto dos transtornos do desenvolvimento neurológico no desfecho do manejo intestinal nas crianças com constipação funcional

 Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista JPGN publicou um artigo em setembro de 2022, intitulado “Impact of Neurodevelopmental Disorders on Bowel Management Outcomes in Children with Functional Constipation”, de Seidler GR e cols., que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

Objetivos

Pacientes que apresentam constipação funcional (CF) podem participar em programas no manejo de estruturação intestinal (MEI) quando falham os procedimentos habituais. Neste trabalho foi desenvolvido um programa para avaliar a eficácia do MEI para crianças portadoras de CF com transtornos de desenvolvimento neurológico e naquelas que não apresentavam estes transtornos.

Métodos

Foi realizado uma revisão retrospectiva das crianças que apresentavam CF participantes do MEI durante o período de 2014 a 2021. Foram avaliados os seguintes parâmetros clínicos: continência intestinal urinária, frequência da evacuação, história de cirurgia prévia, medidas de conduta relatadas pelos cuidadores, e inventário de qualidade de vida, antes de ingressar no programa e pelo menos 9 meses após ingressar no programa.

Resultados

A coorte incluiu 156 pacientes com idade média de 9 anos que foram acompanhadas durante 627 dias (variação de 389-808 dias). Foram incluídas 2 sub-coortes portadoras de CF, a saber: uma portadora de CF isolada (69%) e outra portadora de CF associada a transtorno do desenvolvimento neurológico (31%): 59% com déficit de atenção hiperatividade, 33% transtorno do espectro autista, e 8% com transtorno obsessivo-compulsivo. Ambos os grupos apresentaram significativa melhora no acompanhamento da frequência da evacuação e da continência fecal, e da continência urinária. Ocorreu também uma melhora significativa nas medidas de conduta relatadas pelos cuidadores, da mesma forma que também ocorreu uma significativa melhora na qualidade de vida das crianças.

Conclusões

Este estudo permitiu concluir que os pacientes portadores de CF pertencentes a ambas as coortes com ou sem apresentar transtornos do desenvolvimento neurológico se beneficiaram significativamente quanto a continência fecal e urinária durante o período de permanência no programa.

Referência

1- JPGN 75(3):286-92, 2022

 

 

 

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Transtornos Gastrointestinais Funcionais: Critérios de Roma IV – lactentes, escolares e adolescentes (Parte 3)


Isabela T. Mazzei e Ulysses Fagundes Neto




    5-  Transtornos Funcionais da Evacuação

5A- Constipação Funcional (CF)

Uma revisão sistemática comprovou que a prevalência média e a mediana da CF em crianças é de 14% e 12%, respectivamente. O pico da incidência da constipação ocorre por ocasião do treinamento esfincteriano, não há diferenças entre os sexos, e está demonstrado que os meninos com constipação apresentam taxas mais elevadas de incontinência fecal do que as meninas.

Em virtude da retenção das fezes, a mucosa colônica absorve a água e as fezes remanescentes tornam-se progressivamente mais difíceis de serem eliminadas. Este processo acarreta um ciclo vicioso de retenção de fezes no qual o reto torna-se elevadamente distendido, resultando em um fluxo fecal incontinente (escape fecal), perda da sensação fecal e por fim, perda da urgência para evacuar. O aumento do acúmulo fecal no reto também provoca uma diminuição da motilidade intestinal a montante, acarretando anorexia, distensão abdominal e dor.

No Quadro 11 abaixo, estão descritos os critérios diagnósticos da CF.

O diagnóstico da CF baseia-se na história clínica e no exame físico, sinais de alarme dos sintomas devem ser utilizados para identificar uma doença de base responsável pela constipação (Tabela 3). Caso apenas um critério de Roma estiver presente e o diagnóstico de CF mostrar-se incerto, um exame de toque retal é recomendado para confirmar o diagnóstico e excluir alguma outra condição médica. Não há uma razão especial para a realização rotineira de raio-x abdominal para o diagnóstico da CF. Teste rotineiro para a alergia à proteína do leite de vaca não é recomendado naquelas crianças com constipação, e que não apresentam sintomas de alarme. Testes laboratoriais para pesquisa de hipotireoidismo, doença celíaca e hipercalcemia não são recomendáveis nas crianças com constipação, na ausência de sintomas de alarme. A principal indicação para a realização da manometria anorretal, na investigação da constipação intratável, refere-se à avaliação da presença do reflexo do inibidor anorretal. A biópsia retal é o padrão ouro para o diagnóstico da Doença de Hirshsprung. Enema de bário não deve ser utilizado como uma ferramenta inicial na avaliação diagnóstica da CF.

Quanto ao tratamento, uma revisão sistemática demonstrou que somente 50% das crianças referidas a um centro terciário de atenção, e acompanhadas de 6 a 12 meses, se curaram e foram desmamadas do uso de laxativos com sucesso. Educação é tão importante quanto a terapia medicamentosa e deve incluir aconselhamento familiar para reconhecer o comportamento de retenção e também para fazer uso de intervenções comportamentais, tais como: o uso rotineiro do vaso sanitário e sistema de recompensa quando as evacuações são exitosas. Uma dieta contendo concentração normal de fibras e ingestão normal de líquidos é recomendada, enquanto que a complementação com pré ou pro-bióticos não parece oferecer vantagens para o paciente.

A abordagem farmacológica compreende duas etapas, a saber: 1- desimpactação retal ou oral para aquelas crianças que apresentam impactação fecal; e 2- terapia de manutenção para prevenir reacúmulo de fezes utilizando uma variedade de agentes laxantes. Polietilenoglicol deve ser considerada a primeira linha terapêutica, muito embora, a lactulose também possua eficácia significativa.
  
5B-Incontinência Fecal Não Retentora (IFNR)

Pacientes que apresentam IFNR apresentam frequência de evacuação e parâmetros de motilidade colônica e anorretal normais, o que diferencia essa condição da CF. Os tempos de trânsito colônico total e segmentar mostram-se significantemente prolongados nas crianças portadoras de CF, em comparação com aquelas portadoras de IFNR.  O diagnóstico da IFNR deve-se basear nos sintomas clínicos, tais como, frequência de defecação normal e ausência de massa palpável no abdome ou reto, em combinação com trânsito intestinal normal, comprovado em estudos realizados com marcadores específicos. A IFNR pode ser uma manifestação de distúrbios emocionais na criança em idade escolar e representa uma ação impulsiva desencadeada por uma mágoa inconsciente. A IFNR também tem sido descrita como resultado de abuso sexual na infância.

No Quadro 12 abaixo, estão descritos os critérios diagnósticos da IFNR.

Em geral, as crianças portadoras de IFNR apresentam uma evacuação completa do conteúdo colônico, não apenas um escape fecal, em contraste com aquela manifestação verificada nas crianças com CF. A investigação deve ser realizada para avaliar a possível história de coexistência de constipação notando-se o padrão das fezes (tamanho, consistência, retenção), idade de início, tipo e quantidade de material evacuado, história dietética, medicações, sintomas urinários coexistentes, comorbidade psicossocial e fatores estressantes, familiares e pessoal. O exame físico deve focalizar os parâmetros de crescimento, exame abdominal, exame retal e um profundo exame neurológico.
Quanto ao tratamento, os pais devem compreender que distúrbios psicológicos, dificuldades de aprendizado, e problemas comportamentais, usualmente representam fatores significativos contribuidores para os sintomas da defecação. As vítimas de abuso sexual devem ser identificadas e referidas a aconselhamento apropriado. A abordagem mais exitosa no manejo da IFNR envolve a terapia comportamental. O uso rotineiro do treinamento para evacuar, associado à premiação e à diminuição da fobia ao vaso sanitário contribui para diminuir o estresse, restaura hábitos intestinais normais e restabelece o auto respeito. Um estudo de seguimento de longo prazo demostrou que após dois anos de tratamento intensivo e comportamental somente 29% das crianças encontravam-se completamente livres da incontinência fecal. Aos 18 anos de idade, 15% dos adolescentes portadores da IFRN ainda apresentavam o transtorno. Nenhum fator prognóstico de sucesso foi identificado.

Conclusões

Os membros do comitê fazem algumas recomendações para a necessidade de serem realizadas pesquisas comuns que se aplicam a todas os TGFs, os quais incluem:
1-   Estudos epidemiológicos com diferentes culturas;
2-   História natural;
3-   Estudos da fisiopatologia, como por exemplo o microbioma e o eixo cérebro-trato digestivo;
4- Inclusão precoce das crianças em ensaios clínicos terapêuticos com medicamentos emergentes. 

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

CONSTIPAÇÃO INTRATÁVEL (parte 1)

Juliana Ferraz e Ulysses Fagundes Neto

Constipação intestinal é caracterizada pela dificuldade e dor para evacuar com eliminação de fezes endurecidas e ressecadas. Investigações epidemiológicas estimam que 3% de todas as consultas em Pediatria e 25% das avaliações em Gastroenterologia Pediátrica devem-se a queixa de constipação.

A constipação crônica revela-se um grande transtorno para o paciente e seus pais, pois, além dos elevados custos para identificar sua causa e também é oneroso instituir seu respectivo tratamento. Deve-se também levar em consideração os dias de ausência à escola que inevitavelmente ocorrerão.

A causa mais comum de constipação na infância é a retenção fecal funcional sem doença orgânica, porém, quando a constipação se torna um sintoma crônico e grave acarreta consequências psicossociais significativas e de grande impacto na qualidade de vida do paciente.

Na Tabela 1, abaixo, estão apresentados os critérios de Roma III para o diagnóstico da constipação funcional.


Na Tabela 2, abaixo, estão descritos os principais fatores etiológicos da constipação crônica.


Na Tabela 3, abaixo, estão descritas as propostas de abordagem diagnóstica da constipação pela Sociedade Norte-americana de Gastroenterologia Pediátrica.


No que diz respeito à constipação intratável deve-se levar em consideração alguns fatores etiológicos, a saber: Dismotilidade colônica, Distúrbios funcionais, Anormalidades do assoalho pélvico, Aganglionose de segmento ultra-curto e Distúrbios comportamentais.

AGANGLIONOSE DE SEGMENTO ULTRA-CURTO

Geralmente apresenta início mais tardio, usualmente sem história de escape fecal ou comportamento de retenção. A patogênese e a fisiopatologia exata ainda não estão totalmente compreendidas, mas anormalidades de inervação intramusculares e da junção neuromuscular parecem ser responsáveis pela disfunção motora anal.

O exame da Manometria anorretal revela relaxamento incompleto do esfíncter anal interno e a biópsia retal pode mostrar células aganglionares.

TRÂNSITO COLÔNICO LENTO

Neste caso o problema está associado com diminuição da substância P, a qual normalmente está presente na inervação do músculo circular do cólon. Vale ressaltar que a diminuição da substancia P é mais comum em mulheres. Um estudo avaliando 78 crianças com constipação intratável revelou que a substância P encontrava-se reduzida em 10/26 (40%) meninas, mas apenas em 11/52 (20%) meninos. O melhor método para caracterizar trânsito colônico lento é a utilização de marcadores radiopacos.

ANORMALIDADES DO ASSOALHO PÉLVICO 

O mecanismo pelo qual as lesões da medula espinal produzem constipação é desconhecido, porém sabe-se que danos ao nervo vago acarretam retardo do trânsito do cólon direito. Por outro lado, quando a lesão ocorre acima dos nervos sacrais observa-se trânsito anormal do cólon esquerdo. Nestas circunstâncias ocorre uma falta de sensibilidade à distensão retal que geralmente vem acompanhada de história de incontinência urinária combinada com a incontinência fecal.

Na Tabela 4 abaixo está descrita a evolução natural da constipação intratável que teve seu início a partir de um quadro de constipação funcional de longa duração.

DIAGNÓSTICO

Uma avaliação completa é fundamental para o planejamento da terapia apropriada da constipação intratável. Devem ser realizados exames de acordo com os sintomas da criança e para tal é necessário seguir determinados preceitos, tais como, descartar obstrução mecânica, avaliar a dilatação intestinal, realizar a manometria anorretal e o estudo radiológico contrastado do trânsito intestinal. No entanto, apesar da avaliação completa, muitos casos permanecem como sendo de causa idiopática.

ESTUDO DO TRÂNSITO COLÔNICO

Trata-se de um procedimento benéfico para as crianças com constipação crônica resistente ao tratamento e permite diferenciar qual o tipo da constipação, com a qual se está lidando, pois esta pode ser devida aos seguintes fatores:

            - Atraso de trânsito segmentar
            - Atraso de trânsito pancolônico
            - Constipação com transito normal

O atraso do trânsito está presente em cerca de 60% das crianças com constipação intratável, sendo que 13% dos que apresentam este tipo de atraso têm disfunção pélvica.

MANOMETRIA ANORRETAL

Trata-se de um procedimento extremamente valioso para avaliar a fisiologia anorretal, a dinâmica evacuatória e também auxiliar no diagnóstico diferencial de doenças orgânicas. Além destas vantagens a manometria se presta a orientar a abordagem terapêutica, pois a ausência do Reflexo Inibidor Anal caracteriza a existência da Doença de Hirschsprung. A constatação de um alto limiar sensorial para a vontade de defecar indica a existência de Dismotilidade, e a presença de um relaxamento incompleto do esfíncter anal interno define a aganglionose de segmento ultra-curto. A Figura 1, abaixo, mostra um estudo da manometria ano-retal normal.




  MANOMETRIA COLÔNICA

Este procedimento serve para a diferenciação de causas de constipação intratável na infância e pode orientar a abordagem cirúrgica, mostrando o comprimento do segmento do cólon afetado.

A Manometria Colônica se constitui em um biomarcador sensível e específico de neuropatia colônica para caracterizar a constipação intratável devido a trânsito lento:

           100% de sensibilidade,
           86 % de especificidade,
           92 % de Valor Preditivo Positivo,
          100 % de Valor Preditivo Negativo

A Figura 2, abaixo, exemplifica os diferentes níveis de alteração da manometria colônica.


Figura 2- Desenho esquemático dos diferentes níveis de estudo da manometria colônica.

A Figura 3, abaixo, mostra as diferenças entre manometria colônica normal e aquela devida a trânsito colônico lento.


 Figura 3- Manometria colônica comparativa entre normal e trânsito lento.

RESSONÂNCIA MAGNÉTICA NUCLEAR (RMN) DA COLUNA

Aproximadamente 3% dos pacientes com distúrbios da defecação e exame neurológico normal, apresentam anormalidades da coluna lombo-sacral identificados pela RNM.

Investigação realizada em 88 pacientes, com constipação intratável que se submeteram à RNM de coluna, evidenciou que em 8 (9%) deles havia anormalidades na medula espinhal, sendo que nenhum dos pacientes apresentou exame neurológico alterado.

Neste grupo de estudo 25% dos pacientes apresentavam um histórico de encoprese e 37,5% referiam história de enurese, porém todos os 8 pacientes tinham radiografias simples lombossacrais normais.

A pressão anal em repouso medido por manometria ano-retal mostrou-se normal, e 7 dos 8 casos foram reparados cirurgicamente.

sábado, 23 de maio de 2015

Constipação Intestinal Funcional na Infância: Manifestações Clínicas, Investigação Laboratorial, Diagnóstico e Tratamento (Parte 3)

Conclusões

As crianças que sofrem de constipação funcional relatam ter uma qualidade de vida prejudicada em relação às queixas físicas e a longa duração dos sintomas. A qualidade de vida relatada pelos pais destas crianças mostra-se ainda mais pessimista do que aquela descrita pelas próprias crianças. Ainda mais importante, aquelas crianças que persistem apresentando sintomas de constipação encontram-se sob o risco de apresentarem comportamento global abaixo do esperado e de sofrer uma deficiente qualidade de vida na infância e mesmo ao atingirem a idade adulta. 

A experiência de vários centros médicos tem demonstrado que somente 50% de todas as crianças com constipação seguidas durante 6 a 12 meses, recuperam-se com sucesso e deixam de necessitar o uso de laxantes. Além disso, cerca de 50% dos pacientes que utilizam laxantes queixam-se de vários efeitos colaterais tais como, dor abdominal, distensão, flatulência, diarreia e náusea. A situação torna-se ainda mais problemática quando a constipação crônica vem acompanhada de escape fecal, porque além do problema da constipação em si, tem-se o agravo do estigma social decorrente do odor extremamente desagradável exalado pelo paciente. É, portanto, sob este ponto de vista que esforços devem ser envidados para curar a constipação de forma definitiva e assim evitar que os efeitos colaterais adversos da constipação funcional crônica prejudiquem de forma significativa a qualidade de vida dos nossos pacientes.

Tabela 1: Critérios diagnósticos Roma III da constipação funcional

Na ausência de patologia orgânica, mais de ≥2 dos seguintes sintomas necessitam ocorrer:

a.Para crianças com desenvolvimento neuropsicomotor <4 anos:="" br="">
1)   ≤2 evacuações por semana
2)   Pelo menos um episódio de escape fecal por semana após haver adquirido o treinamento esfincteriano
3)   História de retenção fecal excessiva
4)   História de dor para evacuar
5)   Presença de bolo fecal no reto
6) História de fezes de grande diâmetro que entopem o vaso sanitário

Outros sintomas também podem estar presentes, tais como: irritabilidade, apetite diminuído e/ou saciedade precoce que desaparece com a evacuação de grande volume fecal.

b) Para crianças com desenvolvimento neuropsicomotor ≥4 anos:

1)   ≤2 evacuações no vaso sanitário por semana
2)  Pelo menos um episódio de escape fecal por semana após haver adquirido o treinamento esfincteriano
3) História de postura de retenção ou comportamento de retenção
4)   História de dor para evacuar
5)   Presença de bolo fecal no reto
6) História de fezes de grande diâmetro que entopem o vaso sanitário

Tabela 2: Diagnósticos diferenciais da constipação nos lactentes, pré-escolares, escolares e adolescentes

- Doença Celíaca
- Hipotireoidismo, Hipercalcemia e Hipocalemia
- Diabete melito  
- Alergia Alimentar
- Drogas: opiáceos, anticolinérgicos, antidepressivos,   quimioterápicos e chumbo
- Intoxicação por vitamina D
- Botulismo
- Fibrose Cística 
- Doença de Hirschsprung
- Acalasia anal
- Inércia colônica
- Má formações anatômicas: anus imperfurado,      estenose anal 
- Tumor pélvico
- Anomalias da coluna vertebral
- Anormalidade da musculatura abdominal
- Pseudoobstrução intestinal
- Múltipla neoplasia endócrina

Tabela 3 – Sinais e sintomas de alarme na constipação

- Constipação de início extremamente precoce na vida (<1 m="" o:p="" s="">
- Eliminação do mecônio >48 horas
- História familiar da Doença de Hirschsprung
- Sangue nas fezes na ausência de fissura anal
- Failure to thrive
- Febre
- Vômitos biliosos
- Anormalidade da tireóide
- Grande distensão abdominal
- Fistula perianal
- Posição anormal do anus
- Ausência dos reflexos anal e cremastérico
- Hipotonia dos músculos dos membros inferiores
- Tufo de pelos na coluna vertebral
- Medo extremo durante a inspeção anal
- Mácula anal
- Ondulação sacral
- Desvio do sulco glúteo

Tabela 4: Dosagem dos laxantes orais e retais mais frequentemente utilizados

Laxantes orais

a)   Osmóticos
- Lactulose (10g/15ml): 1-3ml/kg , 1-2x/d
- PEG 3350 (com eletrólitos): dose de manutenção 0,3-0,8g/kg/d;
- PEG 4000 (sem eletrólitos): dose para impactação fecal 1-1,5g/kg/d (máximo de 7 dias consecutivos)
- Leite de magnésia (400mg/5ml): 1-3ml/kg/d

b)   Estimulantes
- Bisacodil (5mg/comprimido): 3-10 anos, 5mg/d; > 10 anos, 5-10mg/d
- Sena (8,8g/15ml): 2-6 anos, 5ml/d; 6-12 anos, 10ml/d; > 12 anos, 15ml/d.

c) Umedificantes
- Óleo mineral: 1-3ml/kg/d

Laxantes por via retal (enemas)

a)   Bisacodil: 2-10 anos, 5ml/d; >10 anos, 5-10mg/d
b)   Fosfato de sódio: 1-18 anos, 2,5ml/kg/d
c)   Cloreto de sódio: recém nascido 5ml a 10ml/d; >1 ano, 6ml/kg/d
d)   Óleo mineral: 2-11 anos, 30-60ml/d; >11 anos, 60-150ml/d.
             
Referências Bibliográficas

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3. Pijpers MA, Bongers ME et al. Functional constipation in children: a systematic review on prognosis and predictive factors. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2010;50:256-268.

4. Medeiros LC, Morais MB et al. Características clínicas de pacientes pediátricos com constipação crônica de acordo com o grupo etário. Arquivos de Gastroenterologia 2007;44:340-341.

5. Rasquin A, Di Lorenzo C et al. Childhood functional gastrointestinal disorders: child/adolescent. Gastroenterology 2006;130:1527-37.

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