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quinta-feira, 30 de julho de 2015

Colite Alérgica: a evolução clínica de uma enfermidade de caráter transitório com forte evidência de herança genética (parte 1)

Introdução
 
Colite é uma designação genérica para caracterizar processos inflamatórios, de distintas etiologias, que afeta o intestino grosso acarretando lesões microscópicas características, não necessariamente associadas a alterações macroscópicas (1). As principais causas de colite na infância abrangem um grupo heterogêneo de etiologias, a saber: infecciosa, parasitária, alérgica, enfermidade inflamatória e enfermidade auto-imune (2).
 
Alergia alimentar é uma reação adversa aos alimentos mediada por mecanismos imunológicos, IgE mediados ou não. Colite Alérgica, também denominada proctocolite eosinofílica induzida por alimentos (3), é um tipo de alergia que pertence ao grupo de hipersensibilidade alimentar não mediada por IgE. O mecanismo fisiopatológico ainda não foi totalmente identificado, porém, sabe-se que envolve a presença de linfócitos CD8, bem como linfócitos do tipo TH-2 e infiltrado eosinofílico em todas as camadas da mucosa colônica (4). Além disso, a presença de células de memória circulantes reveladas por testes positivos de transformação linfocítica sugere o envolvimento de células T na patogênese desta entidade, associada à secreção de fator de necrose tumoral α pelos linfócitos ativados (5).
 
O começo da enfermidade se dá nos primeiros meses da vida, mais freqüentemente no primeiro semestre, sem provocar agravos de monta sobre o estado nutricional (6), mas em alguns casos devido à sensibilização intra-útero pode ocorrer manifestação clínica dentro das primeiras semanas (7) (Figura 1).

Figura 1- Paciente de 3 meses de idade com quadro de diarreia sanguinolenta e muco nas fezes. 
 
A manifestação clínica mais florida e frequente é a ocorrência de cólicas, de intensidade variável, acompanhada de sangramento retal misturado às fezes, na maioria das vezes sob a forma de diarréia sanguinolenta e eliminação de quantidade significativa de muco (8) (Figura 2). 

Figura 2- Amostra das fezes do paciente evidenciando sangue vivo e muco misturados às fezes.

Por outro lado, em algumas ocasiões o sangramento retal pode não ser macroscopicamente visível. Usualmente, as lesões são circunscritas ao colon distal e a colonoscopia revela mucosa hiperemiada, com a presença de múltiplas pequenas ulcerações com grande fragilidade vascular e sangramento espontâneo à passagem do colonoscópio (9) (Figuras 3 - 4). 
Figura 3- Visão macroscópica da mucosa colônica apresentando inflamação e friabilidade com sangramento espontâneo.

Figura 4- Visão macroscópica da mucosa colônica em maior aumento.

A análise histológica evidencia, na imensa maioria dos casos, infiltração eosinofílica, com mais de 20 esosinófilos por campo de grande aumento, a qual pode atingir todas as camadas da mucosa colônica, inclusive o epitélio superficial, podendo também haver a presença de abscessos crípticos e hiperplasia nodular linfóide (10,11) (Figuras 5 – 6).
 

Figura 5- Amostra de biópsia retal de paciente portador de colite alérgica em microscopia óptica comum, aumento médio, evidenciando aumento do infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria. Eosinófilos em número aumentado na lâmina própria e inclusive permeando a glândula críptica.


Figura 6- Amostra de biópsia retal de paciente portador de colite alérgica, microscopia óptica comum, grande aumento, enfatizando a presença de eosinófilos na lâmina própria e invadindo o epitélio retal. 

Estima-se que fatores genéticos exerçam papel fundamental na expressão desta doença alérgica, posto que uma elevada ocorrência de história de atopia nas famílias de crianças que sofrem de colite eosinofílica têm sido descritas.
 
O presente objetivo é descrever a ocorrência de 5 casos de colite alérgica em lactentes, primos entre si, pertencentes a 2 grupos familiares distintos.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Um Consenso Global Baseado em Evidências a respeito da Definição da Doença do Refluxo Esofágico na população Pediátrica (4)

29. Exercícios físicos em lactentes e crianças podem induzir sintomas incômodos da DRGE em indivíduos que não têm ou têm sintomas mínimos em outras ocasiões (refluxo induzido pelo exercício).
Concordância: 87,5% (A, 12%; A-, 75%; D-, 12,5%; Grau: muito baixo).


30. Exercícios físicos em adolescentes podem induzir sintomas incômodos da DRGE em indivíduos que não têm ou têm sintomas mínimos em outras ocasiões (refluxo induzido pelo exercício).
Concordância: 100% (A+, 25%; A, 25%; A-, 50%; Grau: muito baixo).

A DRGE induzida por exercício é entidade bem estabelecida em adultos e parece estar relacionada ao refluxo induzido por tensão, o qual tem como causa o aumento da pressão intra-abdominal (1). Evidência para a existência da DRGE induzida por exercícios em crianças é escassa e primariamente especulativa por natureza. Casos de sintomas respiratórios induzidos pelo exercício foram relacionados com refluxo em um estudo com 14 crianças sem asma na ausência de sintomas típicos da DRGE (67).

31. Quando se pesquisa a DRGE, ruminação deve ser diferenciada da regurgitação. Concordância: 100% (A+, 62,5%; A, 25%; A-, 12,5%; Grau: não aplicável).

Ruminação se refere à regurgitação, sem esforço até a boca, de alimento recentemente ingerido, com subsequente mastigação e re-ingestão do alimento. A síndrome da ruminação tem sido crescentemente reconhecida entre crianças maiores, especialmente entre meninas adolescentes, e é considerada por alguns como uma alteração dentro do espectro dos transtornos alimentares (68). Características que diferenciam a ruminação da regurgitação devido a DRGE incluem regurgitação que se inicia durante a alimentação ou imediatamente, até mesmo, depois de beber um copo d’água. Além disso, a ruminação está associada à ausência de refluxo patológico noturno ou quando o paciente encontra-se recostado, falta de resposta aos pro- cinéticos ou à supressão ácida, e tem uma preponderância nas mulheres (69,70).

Ruminação é comum em lactentes e crianças com deficiências neurológicas, mas também pode ocorrer em indivíduos sem deficiências neurológicas óbvias. A Síndrome da Ruminação do Lactente é um transtorno raro caracterizada por regurgitação voluntária habitual do conteúdo gástrico até a boca por auto estimulação (71), e pode ser um sinal de privação social. Os atuais critérios de ROMA III sobre a Síndrome da Ruminação requerem que a DRGE seja considerada como diagnóstico diferencial (68).

SÍNDROMES COM LESÃO ESOFÁGICA

32. Em pacientes pediátricos, as complicações esofágicas da DRGE são esofagite de refluxo, hemorragia, estenoses, esôfago de Barret, e, raramente, adenocarcinoma.
Concordância: 100% (A+, 62,5%; A, 25%; A-, 12,5%; Grau: alto).

Existem complicações bem reconhecidas em crianças, bem como em adultos. Esofagite erosiva ocorre em mais de um terço dos pacientes na faixa etária pediátrica com distúrbios subjacentes promotores da DRGE, tais como: deficiências neurológicas ou atresia esofágica (72). Esofagite erosiva é mais prevalente e grave nestes últimos (afirmações de 13 a 15), como estenoses, esôfago de Barrett e adenocarcinoma.

Esofagite de refluxo

33. Existem dados insuficientes para recomendar a análise histológica como uma ferramenta para diagnosticar ou excluir a DRGE em crianças.
Concordância: 87.5 % (A+, 37.5 %; A, 25 %; A−, 25 % ; D+ , 12.5 %;
Grau: não aplicável).


34. Um papel primário da análise da histologia esofágica é descartar outras condições como diagnóstico diferencial.
Concordância: 100% (A+, 37,5%; A, 50%; A-, 12,5%; Grau: alto).

Diversas variáveis influenciam a validade da histologia como uma ferramenta de diagnóstico para a esofagite de refluxo (73,74).

Erro de amostragem é uma variável de viés intrínseca, porque a esofagite de refluxo apresenta característica de distribuição focal. Variáveis adicionais que tem impacto sobre a reprodutibilidade incluem: falta de padronização dos locais de biópsia, as técnicas de montagem, orientação e corte de tecido, escolha do fixador e interpretação dos parâmetros morfométricos. A seguir são relatados os parâmetros de lesões que mais comumente são descritos.

Hiperplasia da camada basocelular e alongamento das papilas.

Existem alterações reativas não específicas devidas à DRGE. Por exemplo, elas podem estar presentes na esofagite eosinofílica, na Doença de Crohn, e nas infecções (75). Além do que, elas podem ser encontradas em adultos sintomáticos e assintomáticos, com estudos de pHmetria normais ou anormais (76), e em voluntários adultos assintomáticos cujo esfíncter esofágico inferior media 2,5 cm por meio da manometria esofágica e, proximalmente, ainda mais do que 2,5 cm (77).

Eosinófilos têm sido encontrados na mucosa esofágica de crianças com a DRGE (82), mas isso foi descrito em uma era anterior ao atual conhecimento da existência da esofagite eosinofílica e da esofagite por alergia ao leite ou a outras proteínas. Presentemente, sabe-se que existe uma considerável sobreposição entre os achados histológicos na DRGE, na esofagite eosinofílica (56, 83) e na sensibilidade à proteína de determinados alimentos (32, 84, 85). Por outro lado, eosinófilos são encontrados em biópsias de crianças normais e adultos assintomáticos (75, 86) e em crianças com alergia à proteína do leite de vaca (32, 84, 85). No estudo acima citado, utilizando biópsias de sucção obtidas em crianças com sintomas sugestivos da DRGE (80), somente 12% apresentavam alguns eosinófilos, apenas 2% tinham mais do que 5 eosinófilos por campo de grande aumento, e nenhum dos casos que apresentava mucosa morfometricamente normal deixou de ter algum eosinófilo. Antes da realização da biópsia esofágica, estas crianças tinham sido pré-tratadas por 2 semanas com fórmula extensamente hidrolisada. A densidade eosinofílica em crianças não se relaciona com a intensidade do refluxo pelo estudo da pHmetria ou pela endoscopia (84, 87-89). Mesmo quando presentes em adultos com a DRGE, os eosinófilos não acrescentam sensibilidade diagnóstica aos outros parâmetros de avaliação (79). Eosinófilos esofágicos são também observados na Doença de Crohn e infecções pelo citmegalovirus, Herpes simplex e Candida albicans (75).

Combinações

Em vários estudos que consideram os parâmetros acima, tanto isoladamente quanto conjuntamente, para o diagnóstico da DRGE em crianças, uma pobre correlação entre a histologia do esôfago e os sintomas, os achados endoscópicos ou o monitoramento do pH foi descrita (28, 31, 88). Eosinófilos e alterações reativas também são vistos separadamente e em conjunto em crianças com intolerância à proteína alimentar (32,75). Esses parâmetros estão presentes em apenas aproximadamente 67% dos adultos com a DRNE (73).

Espaços intercelulares dilatados (DIS)
Também conhecida como “espongiose” ou “edema intercelular”, espaços intercelulares dilatados (DIS) são um parâmetro novo. DIS estão presentes em 41-100% dos adultos com DRNE vs. 0-30% dos controles (73). DIS também ocorreram em crianças (90), mas neste estudo, o diagnóstico da DRGE foi baseado em outras alterações reativas às descritas acima e as características clínicas dos controles permaneceram pouco esclarecidas. Neste estudo, os DIS também foram descritos na esofagite eosinofílica, na alergia alimentar, e na candidíase esofágica. DIS estão presentes em pacientes sintomáticos com pHmetria esofágica normal (91) e em estudos ultra-estruturais os quais desaparecem após o tratamento com IBPs, porém grupos placebo ainda não foram avaliados (92). Além disso, DIS não desapareceram em todos os estudos realizados após intervenções terapêuticas (74).

Outra consideração diz respeito à necessidade da boa condição de preservação dos tecidos disponíveis para análise. Por exemplo, mesmo em estudos cuidadosamente realizados que foram efetuados segundo protocolo, 7-12% dos pacientes foram excluídos da análise adicional porque o tecido do material da biópsia não permitiu uma análise confiável (79, 80).

Em geral, todos os dados acima foram derivados de estudos em Serviços especializados, usando cuidadosamente o protocolo para a realização e preservação do material das biópsias quanto à coleta, montagem, fixação e técnicas de corte, bem como os métodos morfométricos empregados, incluindo a avaliação ultraestrutural. Essas metodologias variam entre os diversos Serviços. Estas metodologias e as conclusões descritas provavelmente representam os melhores resultados obtidos, e, desta forma, não podem ser necessariamente extrapoladas para as práticas clínicas rotineiras de endoscopia e patologia em Pediatria, quando são utilizadas biópsias endoscópicas, as quais são analisadas à microscopia óptica de luz.

O conceito de que danos microscópicos estão presentes na DRGE é atraente e intuitivo, e os parâmetros acima considerados ocorreram com mais freqüência em pacientes sintomáticos com suspeita da DRNE e da DRGE do que em controles saudáveis. No entanto, as alterações não são específicas de refluxo. Portanto, neste momento, a função principal da histologia esofágica na prática clínica é diagnosticar ou descartar outras causas de esofagite que têm resultados histológicos específicos, incluindo: esofagite eosinofílica, esôfago de Barrett, doença de Crohn, infecção e a doença do enxerto versus hospedeiro.

Entre os lactentes com sintomas de esofagite de refluxo ao ingressarem no estudo e que se tornaram assintomáticos ao receberem placebo em uma pesquisa de farmacoterapia, essas alterações histológicas mantiveram-se presentes mesmo após 1 ano de acompanhamento, embora não se saiba se a resolução dos sintomas fosse equivalente à resolução do refluxo patológico (78).

Resultados compilados (73) de vários estudos em adultos com a DRNE mostrou alongamento papilar presente em 0 a 85% dos pacientes, em relação aos controles, o qual estava presente de 5 a 20%. Quanto à espessura da camada basocelular, três estudos controlados relataram uma maior espessura da mesma em indivíduos sintomáticos que em controles (73), mas apenas em um estudo a diferença foi estatisticamente significante (79); além disso, há uma grande variação de resultados entre os estudos disponíveis na literatura (73). Considerando-se a análise de 497 biópsias de sucção realizadas em crianças sintomáticas, 85% das medidas papilares e 94% das medidas da camada basal foram avaliadas como anormais (80). Outro estudo avaliando biópsias esofágicas de sucção em lactentes mostrou uma significativa diferenciação morfométrica entre o normal e tres graus distintos de esofagite (81). O pH esofágico não foi avaliado em nenhum destes estudos, e por isto, a relação entre as alterações morfométricas e o refluxo ácido permaneceu sem esclarecimento.

Eosinófilos

quarta-feira, 17 de março de 2010

Esofagite Eosinofílica: uma entidade clínica recentemente reconhecida em evidente expansão mundial (7)

Tratamento da EE

O tratamento da EE baseia-se na eliminação de alimentos da dieta, abordagens anti-inflamatórias (Figura 1) e dilatação esofágica quando estenoses se fazem presentes. É importante assinalar que a dilatação esofágica está associada a uma taxa de risco relativamente elevada de perfuração, desta forma seu emprego deve ser efetivado com a devida cautela. Os pacientes portadores de EE devem ser tratados inicialmente com medicamentos anti-refluxo porque a acidês pode desencadear eosinofilia esofágica, muito embora esta seja em geral de menor magnitude do que aquela associada à EE. Mesmo quando o refluxo patológico não se encontra presente, a exposição ácida apresenta um potencial para irritar a mucosa esofágica inflamada. No caso de ocorrer um insucesso com a terapia contra a doença do refluxo (baseando-se na avaliação histológica), a eliminação de determinados alergenos específicos (através de dietas bastante restritas), ou mesmo a utilização de fórmula elementar baseada em mistura de aminoácidos está indicada.





Figura 1- Representação esquemática da regulaçãoda resposta inflamatória Th2 na EE (Gastroenterology 2009;137:1238-49)
Liacouras e cols. (Clin Gastroenterol Hepatol 2005;3:1198-1206) realizaram um estudo retrospectivo de 10 anos incluindo 381 pacientes e, no qual, observaram que a eliminação de antígenos alimentares, primariamente pela utilização de dieta elementar, refletia em significante redução dos sintomas clínicos e da lesão histológica do esôfago em 98% dos casos. Por outro lado, muito embora a eliminação dietética represente uma estratégia eficiente, é difícil de ser aplicada na prática porque os pacientes geralmente se encontram sensibilizados por múltiplos grupos de alimentos, os quais incluem tipos comuns e incomuns de comidas. Além disso, o resultado do prick test não identifica de maneira uniforme os alimentos mais apropriados para serem retirados da dieta. O patch test tem sido proposto para identificar os alimentos alergênicos e que, portanto, devem ser eliminados da dieta podendo, assim, induzir uma remissão da enfermidade; porém, não tem havido uma consistência nos resultados da aplicação deste teste, o que torna sua utilização, até o presente momento pouco encorajadora.

Apesar de que a prescrição de dieta consistindo exclusivamente de fórmula à base de mistura de aminoácidos resulta eficiente quanto à redução dos sintomas da EE, freqüentemente esta dieta não é bem tolerada devido a sua baixa palatabilidade, necessitando muitas vezes ser infundida por sonda naso-gástrica. Este procedimento a médio e longo prazos torna-se altamente inconveniente para o paciente, o que representa um fator limitante para sua utilização universal.

O uso de glicocorticóides seja por via sistêmica ou por aplicação tópica, tem sido empregado com resultados satisfatórios em um elevado número de pacientes. A prescrição de corticóides por via sistêmica tem sido feita para pacientes que apresentam exacerbação aguda dos sintomas, enquanto que a aplicação tópica tem sido empregada para oferecer controle da doença a longo prazo.

Finalmente, é importante enfatizar que a EE trata-se de uma enfermidade crônica, e como tal, necessita tratamento continuado, posto que as manifestações clínicas quase que uniformemente reaparecem quando a medicação é suspensa, seja quando os corticóides são descontinuados ou a dieta liberada.
Isto posto, terminamos esta extensa revisão de uma enfermidade que se mostra cada vez mais prevalente em todo o universo e que requer, portanto, uma especial atenção quanto ao seu diagnóstico e tratamento (Figura 2).
Figura 2- Representação esquemática do procedimento diagnóstico da EE (Gastroenterology 2009;137:1238-49)
No próximo encontro tratarei de abordar um novo tema que seja do interesse da nossa especialidade.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Esofagite Eosinofílica: uma entidade clínica recentemente reconhecida em evidente expansão mundial (6)

Investigação Diagnóstica

Endoscopia

Uma grande série de anormalidades marcantes na mucosa esofágica tem sido caracterizada à endoscopia, tais como: ranhuras longitudinais, friabilidade, edema, aparecimento de placas esbranquiçadas, exsudatos esbranquiçados, traqueização do esôfago, mucosa semelhante a papel “crepe” e diminuição do calibre esofágico (Figuras 1- 2 & 3).


Figuras 1 -2 & 3 - Mucosa esofágica visualizada à endoscopia em pacientes com EE mostrando a formação de ranhuras (foto à esquerda), uma grande ranhura lateral esquerda (foto do meio) e linhas verticias (foto à direita).

É importante salientar que a suspeita de EE deve ser sempre levantada em qualquer paciente que apresente sintomas semelhantes à doença do refluxo gastro-esofágico associada a uma anormalidade da mucosa esofágica. Embora nenhum dos sintomas seja considerado patognomônico de EE, a presença de um ou mais destes achados são altamente sugestivos para o diagnóstico de EE. Por outro lado, alguns estudos têm inclusive relatado mucosa esofágica de aparência normal.

Avaliação da Biópsia Esofágica

Nos estudos iniciais os relatos dos espécimes de biópsia esofágica referiam-se praticamente apenas aos materiais obtidos do esôfago distal. Entretanto, ao longo dos últimos anos, vem aumentando o número de estudos que incluem também espécimes de biópsia esofágica obtidos da porção média e superior do esôfago. Três pontos importantes emergiram destes estudos, a saber: 1- muitos estudos têm demonstrado que as anormalidades histopatológicas são freqüentes em espécimes de biópsia obtidas de mucosa esofágica com aparência macroscópica normal; 2- deve-se eleger um meio de preservação do espécime de biópsia, que será analisado microscopicamente, que permita identificar eosinófilos com facilidade; 3- à medida que se aumenta o número de espécimes de biópsia há uma relação direta com o achado de um número aumentado de eosinófilos acima de 15 eos/cma (Figuras 4 - 5 & 6)
Figura 4- Microscopia óptica comum em pequeno aumento de espécime de biópsia de esôfago mostrando aumento do número de eosinófilos epiteliais e hiperplasia da camada basal e alongameto das papílas.


Figura 5- Microscopia óptica comum em maior aumento de espécime de biópsia de esôfago na EE evidenciando um grande acúmulo de eosinófilos próximo da luz do esôfago.


Figura 6- Microscopia óptica comum em grande aumento de espécime de biópsia de esôfago mostrando um micro-abscesso eosinofílico.

A experiência clínica sugere que as áreas de aparência mais anormais à endoscopia, bem como a obtenção de espécimes do esôfago proximal e médio (mesmo se a mucosa mostrar-se aparentemente normal) devem ser avaliadas histologicamente. Vale a pena enfatizar que as biópsias do estômago e do duodeno também devem ser obtidas para descartar outras patologias que cursam com eosinofilia em todo o trato digestivo, tais como a gastroenteropatia eosinofílica e mesmo as doenças inflamatórias intestinais.

pHmetria Esofágica
Dados de estudos de monitoração do pH esofágico têm demonstrado que não há quaisquer alterações neste teste em cerca de até 90% dos pacientes.

Manometria Esofágica
Há apenas 3 estudos de investigação da manometria esofágica em pacientes pediátricos com EE que incluem 14 crianças e em todas elas a manometria revelou-se dentro dos limites da normalidade. Por esta razão a manometria não fornece valor diagnóstico na EE.

Ultrasonografia Endoscópica
Há somente 1 estudo que investigou 11 crianças, o qual revelou um espessamento significativo da parede esofágica e das camadas individuais do tecido esofágico, incluindo uma combinação das camadas mucosa e sub-mucosa, bem como da muscularis mucosae, em comparação com controles normais.

Radiologia

O achado radiológico mais característico é o estreitamento da luz do esôfago.

No próximo encontro discutirei a conduta terapêutica da EE.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Esofagite Eosinofílica: uma entidade clínica recentemente reconhecida em evidente expansão mundial (5)

Mecanismo Causador da Disfagia

Korsapati e cols. (Gut 2009;58:1056-62) propuseram que o mecanismo da disfagia se deve a uma incoordenação da musculatura longitudinal do esôfago. Estes autores utilizaram a ultrasonografia endoscópica para medir a espessura dos músculos circulares e longitudinais do esôfago e observaram que ela está, em repouso, significantemente aumentada nos pacientes com EE em relação a um grupo controle. Durante as contrações, entretanto, a espessura dos músculos dos pacientes apresenta um pico menor do que nos controles, indicando uma disfunção contrátil. Naqueles pacientes portadores de EE sintomática foi observado que o músculo longitudinal não apresenta uma reação normal, tanto no que diz respeito a uma contração mais fraca quanto a um tempo de maior demora para contrair ao receber determinado estímulo (assincronia) enquanto que o músculo circular parece não estar afetado e, portanto, apresenta uma atividade normal.

Genética

Há claras evidências de que a EE apresenta uma forte associação familiar. Aproximadamente 10% dos pais de pacientes portadores de EE apresentam uma história de estenose esofágica e cerca de 8% deles sofrem de EE comprovada por biópsia. Em um estudo conduzido por Collins e cols. (Clin Gastroenterol Hepatol 2008;6:621-29) envolvendo 798 pacientes pediátricos, em 27 deles detectou-se a existência da mesma enfermidade em pelo menos um irmão ou nos pais. Rothenberg e cols. (N Engl J Med 2004;351:940-41) recentemente relataram casos múltiplos de EE em 27 famílias, cujas características clínicas, patológicas e genéticas eram bastante semelhantes entre si. Desta forma a existência de EE familiar pode ser tipicamente identificada entre os irmãos ou entre os filhos e os pais.

O Potencial Papel dos Eosinófilos

Os grânulos constituintes dos eosinófilos são freqüentemente detectados em locais extracelulares do esôfago em pacientes portadores de EE; há uma forte evidência da ocorrência da ativação e da degranulação dos eosinófilos no tecido esofágico. Estudos in vitro têm demonstrado que os grânulos constituintes dos eosinófilos são tóxicos para vários tecidos, incluindo o epitélio intestinal. Os grânulos eosinófilos contêm um núcleo cristalóide composto por uma base protéica major (MBP)-1 e -2 e uma matriz composta por uma proteína catiônica eosinofílica (ECP), uma neurotoxina derivada do eosinófilo (EDN) e uma peroxidase derivada do eosinófilo (EPO). Estas proteínas catiônicas compartilham alguma atividade pró-inflamtória, ainda que agindo de formas independentes. Por exemplo, MBP, EPO e ECP possuem efeitos citotóxicos sobre o epitélio esofágico em concentrações semelhantes a aquelas encontradas em fluidos biológicos de pacientes com eosinofilia. A MBP age diretamente sobre o músculo liso aumentando sua reatividade por meio da ruptura dos receptores M2 da função vagal muscarínica. Além disso, a MBP também induz a degranulação dos mastócitos e dos basófilos. O envolvimento dos receptores de citocina, imunoglobulinas e complemento leva os eosinófilos a produzir a extensa gama de citocinas pró-inflamatórias que inclui IL (interleucina)-1, IL-3, IL-4, IL-5 e IL-13, fator de estímulo de colônias de granulócitos monocíticos, fator de transformação do crescimento (TGF)-alfa, TGF-beta, fator de necrose tumoral alfa, etc., ou seja, os eosinófilos possuem a potencial capacidade de modular múltiplos aspectos da resposta imunológica. Os eosinófilos são capazes de produzir 3 mediadores lipídicos (leucotrienos C4 e E4, e fator ativador plaquetário) que aumentam a permeabilidade vascular e da secreção mucosa e, que também são potentes estimulantes da contração do músculo liso, o que pode ser um importante fator de contribuição para a dismotilidade verificada na EE. Por estas razões os eosinófilos são, de fato, células pleiotrópicas (capacidade de gerar mais de um efeito) que iniciam as respostas imunológicas adaptativas e, mais do que isso, sustentam e propagam as reações inflamatórias (Figura 1).


Figura 1- Figura esquemática dos múltiplos efeitos dos eosinófilos (Gastroenterology 2009;137:1238-49)

No nosso próximo encontro continuarei a descrever as características desta intrigante enfermidade.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Esofagite Eosinofílica: uma entidade clínica recentemente reconhecida em evidente expansão mundial (4)

Fisiopatologia

A patogênese da EE está diretamente relacionada com atopia, como tem sido descrito em pesquisas de co-ocorrência de doença, em estudos com modelos animais, e também a partir dos relatos de sucesso terapêutico quando são evitados determinados alergenos (controle dietético primário). A maioria dos pacientes revela nítidas evidências de hipersensibilidade a certos alimentos e alergenos aéreos, bem como, uma história concomitante de alergias respiratórias (Figura 1).
Figura 1- Fisiopatologia da EE: desenho esquemático de como os alergenos da dieta e do meio ambiente, por inalação, provocam as alterações esofágicas (Gastroenterology 2009;137:1238-49).

Ao contrário da anafilaxia alimentar, a qual ocorre em cerca de 15% dos pacientes portadores de EE, a sensibilização pelo pólen para uma grande série de alimentos (baseada no exame da pele pelo prick test) pode ser caracterizada na maioria dos pacientes. O papel central da sensibilização por antígenos alimentares tem sido demonstrado pelo êxito resultante da redução das exposições a antígenos alimentares específicos definidos pelos testes prick e patch, ou mesmo pela introdução de uma fórmula à base de mistura de amino-ácidos. Para confirmar estas premissas Kagalwalla e cols., em 2006, (Clin Gastroenterol Hepatol 4;1097-1102) realizaram um estudo retrospectivo observacional de curta duração para avaliar as respostas clínicas e histológicas em 60 crianças portadoras de EE analisadas durante 6 semanas, as quais foram divididas em 2 grupos de acordo com a intervenção dietética: 1- 35 delas recebeu tratamento dietético com a eliminação de 6 tipos de alimentos, a saber: proteína do leite de vaca, soja, trigo, ovos, amendoim e frutos do mar; 2- as outras 25 crianças receberam tratamento dietético utilizando fórmula à base de mistura de aminoácidos. Após o período de avaliação dietética novas biópsias de esôfago foram realizadas. Os resultados das intervenções dietéticas mostraram que 26 (74%) das crianças do Grupo 1 e 22 (88%) das crianças do Grupo 2 alcançaram uma significativa redução da inflamação esofágica em média com menos de 10 eos/cma. No momento pré-tratamento e pós-tratamento as contagens de eosinófilos esofágicos foram de 80,2 e 13,6 para o Grupo 1, e 58,8 e 3,7 para o Grupo 2, respectivamente. Estes rsultados mostraram-se altamente significativos.
Figura 2- Efeito do tratamento no grupo de pacientes que recebeu restrição dietética de 6 alimentos: notar a diminuição do número de eosinófilos na mucosa esofágica.


Figura 3- Efeito do tratamento dietético no grupo de pacientes que recebeu fórmula à base de mistura de aminoácidos: notar a diminuição dos eosinófilos na mucosa esofágica pós-tratamento.

Os autores concluem que o tratamento com a dieta de exclusão e o emprego da fórmula à base de aminoácidos foram eficazes para a regressão dos sintomas e das lesões histológicas, sendo que a dieta de exclusão teve a vantagem de proporcionar maior aderência ao tratamento pela melhor palatabilidade dos alimentos.

Tem sido notória a observação de que pacientes portadores de rinite alérgica apresentam elevações sazonais dos eosinófilos esofágicos, e, além disso, tem também sido demonstrado que pacientes portadores de EE apresentam variações sazonais dos sintomas. Estes fatos reforçam as evidências clínicas que dão suporte à idéia de que os alergenos aéreos são responsáveis por provocar uma resposta eosinofílica no esôfago. Por exemplo, em modelo animal, utilizando camundongos, o emprego de repetidas exposições intra-nasais do alergeno aéreo Aspergillus fumigatus induz simultaneamente eosinofilia das vias respiratórias e inflamação esofágica, sem que haja concomitantemente eosinofilia no trato digestivo inferior.

No nosso próximo encontro continuarei a abordar os principais aspectos desta intrigante enfermidade.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Esofagite Eosinofílica: uma entidade clínica recentemente reconhecida em evidente expansão mundial (3)

Manifestações Clínicas
EE
possui inúmeras diferentes formas de apresentação, a saber: os pacientes comumente têm dificuldade para se alimentar, “failure to thrive”, vômitos, dor epigástrica ou torácica, disfagia e impactação do alimento. Recusa alimentar ou intolerância aos alimentos é um sintoma comum da EE, em especial entre os lactentes, os quais, devido à tenra idade, não são capazes de relatar os sintomas. As crianças maiores freqüentemente apresentam sintomas similares à DRGE, que incluem regurgitação e queimação retro-esternal, muito embora as estimativas variem consideravelmente entre os relatos disponíveis na literatura, de 5 a 82%. Vômitos (8 a 100%) e dor abdominal (5 a 68%) também têm sido relatados, bem como disfagia (16 a 100%) e impactação dos alimentos (10 a 50%). Todos estes sintomas tendem a se agravar com o avançar da idade.
História Natural
EE apresenta a nítida tendência de ser uma enfermidade crônica cujos sintomas são persistentes ou recidivantes. Estes sintomas costumam ocorrer em ordem progressiva, desde a infância até a vida adulta. Os adultos tipicamente sofrem de disfagia recorrente e impactação dos alimentos, as quais são refratárias ao tratamento com drogas anti-refluxo; na verdade, estudos recentes indicam que de 10 a 50% dos pacientes adultos do sexo masculino que apresentam este tipo de sintomatologia sofrem de EE. Embora uma estenose em local bem definido do esôfago possa ser responsável pela disfagia e pela impactação da comida observadas em alguns pacientes com EE, há evidencias de que o esôfago demonstra um defeito da função do músculo liso, à semelhança de uma falta de sincronismo de contração entre a camada muscular circular e a longitudinal durante a deglutição, a qual discutirei com maior riqueza de detalhes em outra oportunidade.

Liacouras e cols. (Clin. Gastroenterol Hepatol 2005;3:11961206) foram responsáveis por descrever o maior estudo longitudinal abrangendo 381 crianças com EE (66% meninos, idade média 9 anos). A grande maioria deles apresentava sintomas da DRGE refratária ao tratamento de supressão ácida ou disfagia. A radiologia contrastada do trato digestivo superior demonstrou estreitamento esofágico em 6% das crianças. A endoscopia evidenciou a presença de anéis (Figura 1) em 12%, e 1 paciente requereu o emprego de dilatação esofágica.

Figura 1- Achados endoscópicos associados a EE: na foto à esquerda nota-se a formação de anéis circulares na mucosa esofágica dando idéia de contrações transitórias ou de estruturas fixas. Este tipo de aparência é também denominada traqueização do esôfago; na foto à direita podem ser observados exudatos esbranquiçados sobre a mucosa esofágica. Estes achados representam pústulas eosinofílicas que emergem através do epitélio esofágico.

Em um subgrupo de pacientes, tratamento clínico com corticosteróides sistêmicos induziu remissão clínico-patológica em todos os pacientes exceto em 1 deles. Tratamento tópico com fluticasone foi utilizado com sucesso em 52% dos pacientes, porém 2 deles desenvolveram candidíase. Após a suspensão do tratamento clínico, porém, a maioria dos pacientes apresentou recidiva dos sintomas e eosinofilia esofágica (Figura 2).

Figura 2- Micro-abscesso eosinofílico visualizado em campo de menor aumento recobrindo a superfície epitelial do esôfago.

Tratamento dietético na forma de restrições alimentares específicas ou emprego de fórmula à base de mistura de aminoácidos mostrou-se altamente eficaz para a indução e manutenção da remissão dos sintomas (97,6% mostraram resposta clínico-patológica positiva). O estudo radiológico contrastado do esôfago normalizou-se em 21 dos 22 pacientes que apresentavam estenose esofágica.
É importante ressaltar que a EE não parece ser um fator causal que limita a expectativa de vida dos pacientes. Metaplasia esofágica, potencial causa de adenocarcinoma esofágico, nunca foi, até o presente momento, relatada em pacientes portadores de EE, mesmo em adultos que sofrem de doença grave. EE não é uma enfermidade caracterizada por ulceração ou destruição da mucosa. Portanto, tudo indica que a base do processo patológico da EE difere daquela da DRGE, e que, o adenocarcinoma ou o câncer escamoso do esôfago não fazem parte do espectro da EE.

No nosso próximo encontro seguirei discutindo outros tópicos de interesse desta enfermidade.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Esofagite Eosinofílica: uma entidade clínica recentemente reconhecida em evidente expansão mundial (2)

História

O primeiro caso de EE foi descrito por Dobbins e cols. (Gastroenterology 1977;72:1312-16), em 1977, em um paciente adulto que referia sofrer de disfagia e apresentava inflamação eosinofílica do epitélio esofágico mas não exibia sintomas compatíveis com DRGE. Ao longo dos anos de 1980 passaram a ser descritos vários casos de eosinofilia epitelial esofágica em espécimes de biópsia em pacientes portadores de DRGE. No entanto, foram Leape e cols. (J Pediatr Surg 1981;16:379-84) e Hyams e cols. (JPGN 1988;7:52-6) que reconheceram que um grupo de pacientes que apresentava eosinofilia intra-epitelial esofágica não respondia com sucesso ao tratamento clínico para a DRGE. Um aspecto peculiar destes pacientes referia-se à presença de um denso infiltrado eosinofílico (>20 eos/cma) na mucosa esofágica. No entanto, desde o final dos anos 1980 até meados dos anos 1990, a maioria dos patologistas entendia que a existência do infiltrado eosinofílico era um sinal patognomônico da DRGE. Mas, em contrapartida, nesta mesma época, alguns investigadores já começavam a sugerir que a etiologia desta intensa eosinofilia esofágica apresentada por alguns pacientes não devia ser atribuída à DRGE. Por exemplo, Lee (Am J Surg Pathol 1985;9:475-79) relatou uma série de crianças e adultos em cujas biópsias esofágicas havia uma “intensa eosinofilia”, que por ele foi definida como >10 eos/cma. Especialmente, chamou sua atenção uma menina de 15 anos que sofria de asma e queixava-se de dor abdominal com eosinofilia periférica e que Lee classificou ser um caso exemplar de “esofagite eosinofílica idiopática”.
Attwood e cols. (Dig Dis Sci 1993;38:109-16) estudaram 11 pacientes adultos com disfagia, monitoração normal do pH esofágico e densa eosinofilia esofágica (>20 eos/cma). Sete destes pacientes sofriam de alergia alimentar e todos eles necessitaram ser submetidos a medidas terapêuticas agressivas tais como dilatação esofágica e/ou emprego de corticóide para que os sintomas cedessem. Importante enfatizar que um grupo controle de pacientes com DRGE apresentava em média 3,3 eos/cma na mucosa esofágica, o que levou os autores a questionar a, até então, atribuição automática da eosinofilia esofágica à DRGE.

Kelly e cols. (Gastroenterology 1995;109:1503-12), em um primoroso estudo descreveram 10 crianças que apresentavam sintomas similares à DRGE com intensa eosinofilia esofágica a despeito de terem recebido tratamento anti-refluxo. Inclusive, 2 destes pacientes haviam sido submetidos à cirurgia de fundo-plicatura. Todos os pacientes foram tratados com fórmula à base de mistura de amino-ácidos e responderam de forma muito satisfatória, sugerindo, portanto, uma etiologia alérgica para esta enfermidade. Mais ainda, durante os anos 1990 vários trabalhos foram publicados descrevendo crianças que apresentavam densa eosinofilia esofágica (>15-20 eos/cma) e que evidenciavam resposta clinico-patológica favoráveis a restrições dietéticas com o emprego de fórmulas à base de mistura de amino-ácidos, corticóides por via oral ou tópica. Finalmente, Steiner e cols. (AM J Gastroenterol 2004;99:801-5) demonstraram uma relação inversamente proporcional entre a contagem de eosinófilos intra-epiteliais e índice de refluxo, ou seja, 1-5 eos/cma correlacionava-se com índice de refluxo elevado.
Assim sendo, ao longo destes últimos 30 anos todos estes estudos foram pouco a pouco demonstrando que pacientes que apresentavam sintomas da DRGE que não respondiam satisfatoriamente à medicação anti-refluxo e que concomitantemente apresentavam denso infiltrado eosinofílico na mucosa esofágica, na verdade não eram portadores da DRGE, mas sim sofriam de outra enfermidade que em alguns casos estava relacionada com algum tipo de alergia e que passou a ser denominada EE.
No nosso próximo encontro continuarei a descrever os aspectos mais importantes desta enfermidade que se torna cada vez mais prevalente em todo o universo.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Esofagite Eosinofílica: uma entidade clínica recentemente reconhecida em evidente expansão mundial (1)

Introdução

Esofagite Eosinofílica (EE) é uma afecção clínico-patológica caracterizada por densa eosinofilia esofágica associada à intensa hiperplasia do epitélio escamoso, e que geralmente, vem acompanhada de sintomas gastrointestinais, primariamente esofágicos. Na EE as mucosas gástricas e duodenais estão preservadas e as anormalidades esofágicas não respondem ao tratamento com altas doses dos fármacos inibidores da bomba de próton. Trata-se de uma enfermidade cujo reconhecimento, nesta última década, vem aumentando de forma significativa em todos os continentes, com exceção apenas da África. Por exemplo, Spergel e cols. (JPGN 48:30-6;2008), em seu artigo sobre os 14 anos de experiência clínica, baseados em estudos realizados nos Estados Unidos, Suiça e Austrália, relatam que a EE está se tornando cada vez mais prevalente. No Children’s Hospital of Philadelphia verificou-se um aumento de 35 vezes desde os 2 primeiros casos vistos em 1994 para 72 atendidos em 2003. Outros estudos têm demonstrado uma predominância do sexo masculino, a maioria dos pacientes refere atopias, alcançando até 70% dos casos dependendo das localizações geográficas dos relatos.

Definir EE não é uma tarefa fácil porque sua sintomatologia clínica pode se sobrepor à da Doença do Refluxo Gastro-Esofágico (DRGE). Entretanto, embora a DRGE possa coexistir com a EE, os sintomas e os aspectos patológicos intrínsecos da EE não respondem ao tratamento baseado na supressão ácida gástrica. Muito embora freqüentemente ocorra hiperplasia das células basais da mucosa esofágica na EE, o que também pode se dar na DRGE, o principal aspecto de diferenciação histológica na EE é a intensa eosinofilia da mucosa esofágica, inclusive a usual formação de micro-abscessos eosinofílicos. Por outro lado, é também sabido que a eosinofilia esofágica pode ser encontrada em outras enfermidades, tais como, Doença de Crohn, enfermidade vascular do colágeno, esofagite infecciosa (herpes, Candida), esofagite associada a medicamentos, síndrome hiper-eosinofílica, escleroderma, lesões cáusticas, imunosupressão (especialmente seguida a transplante de órgão sólido) e gastroenteropatia eosinofílica. EE também pode estar associada a outras enfermidades, em especial com Doença Celíaca. Portanto, foi necessária a organização de um grande encontro científico que reuniu os mais internacionalmente reconhecidos pesquisadores a respeito desta entidade clínica para elaborar um documento que ademais de definir EE, concomitantemente também estabelecesse critérios para excluir o diagnóstico das supracitadas enfermidades em relação à própria EE. Estas propostas foram levadas a cabo no First International Gastrointestinal Eosinophil Research Symposium, ocorrido em Orlando, Flórida, em outubro de 2006 e as conclusões deste evento científico estão publicadas em artigo assinado por Glenn T. Furuta e cols. na revista Gastroenterology 2007:133:1342-63.
Desta forma, EE foi definida como uma afecção clínico-patológica primária do esôfago caracterizada por sintomas esofágicos e do trato gastrointestinal superior associada a espécimes de biópsia da mucosa esofágica contendo >15 eosinófilos intra-epiteliais(eos)/campo de maior aumento (cma) em 1 ou mais espécimes de biópsia, na ausência de DRGE que se fez descartar por estudo de pHmetria, o qual tenha se revelado normal no esôfago distal, ou a falta de resposta clínica a altas doses de medicamentos inibidores da bomba de próton (Figura 1).


Figura 1- Inflamação eosinofílica esofagiana, coloração Hematoxilina-Eosina: A- epitélio esofágico evidenciando aumento do número de eosinófilos e hiperplasia da zona basal com alongamento das papilas em campo de menor aumento; B- visão de campo de grande aumento mostrando grande número de eosinófilos infiltrando o epitélio em especial na sua porção mais superficial.

No nosso próximo encontro continuarei a discutir os mais variados aspectos desta tão intrigante enfermidade.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Colite Alérgica: Manifestações Clínicas, Diagnóstico e Tratamento (5)

Características Clínicas e Morfológicas da Mucosa Retal em Lactentes com enterorragia devido a Alergia Alimentar: Experiência Pessoal

Dias NJ, Patrício FRS, Fagundes-Neto U
Arquivos de Gastroenterologia 2002; 39:260-67

Considerando que a Colite Alérgica é a causa mais prevalente de colite nos primeiros meses de vida, e que os principais alergenos são as proteínas do leite de vaca e da soja, podendo mesmo ser veiculados pelo leite materno, e, que no nosso meio são escassos os estudos que correlacionam os dados clínicos com os achados histopatológicos na colite, realizamos esta pesquisa, que transcrevo abaixo, de forma resumida:

Objetivos:
1- Descrever as características da morfologia da mucosa retal em pacientes menores de 6 meses com alergia às proteínas do leite de vaca;
2- Comparar as características da morfologia da mucosa retal entre estes pacientes e um grupo controle.

Pacientes Métodos: Foram investigados, de forma prospectiva e consecutiva, 20 lactentes menores de 6 meses que apresentavam queixa clínica de presença de sangue vivo nas fezes e suspeita de alergia alimentar. Em cada caso foram obtidas as seguintes informações: idade, sexo, idade de início do sangramento retal, presença de outros sintomas associados (vômitos, regurgitação, diarréia, palidez, distensão abdominal, cólicas, ganho ponderal inadequado, constipação e febre), peso ao nascer, tipo de alimentação no início dos sintomas (leite materno, fórmula láctea ou outros), idade do desmame, tratamentos dietéticos prévios, antecedentes pessoais e familiares de primeiro grau com outras enfermidades de provável origem alérgica.

Testes Laboratoriais: Foram realizados os seguintes exames: hemograma; parasitológico de fezes; cultura de fezes; retosigmoidoscopia; biópsia retal.

Critérios Diagnósticos de Colite AlérgicaForam utilizados os critérios propostos por Walker-Smith (Clin Exp Allergy 1995;25:20-2).

Grupo Controle: Foram investigados 10 lactentes menores de 12 meses com suspeita de megacolon congênito. A análise da mucosa retal obtida por biópsia revelou-se sem alterações (Figuras 1 & 2).



Figura 1- Mucosa colônica normal evidenciando epitélio preservado, infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria e glândulas críoticas com a células repletas de muco.


Figura 2- Mucosa retal sem alterações morfológicas evidenciando em ambas as laterais e no centro nódulos linfóides.

Avaliação Morfológica da Mucosa Retal

A biópsia retal foi realizada durante o período de estado da doença, antes do início do tratamento, sem sedação, com a cápsula de aspiração de Rubin. Em todos os pacientes foram obtidos 3 fragmentos de mucosa retal a 2, 3 e 5 cm da borda anal, das paredes lateral ou posterior do reto. Foram avaliados os seguintes elementos microscópicos: alterações no epitélio superficial (degeneração, regeneração, erosão, criptite, metaplasia de células de Paneth), alterações da arquitetura glandular (distorção, ramificação, abscessos crípticos), conteúdo mucoso das glândulas (normal ou reduzido), infiltrado da lâmina própria (tipo, extensão, quantidade), nódulos linfóides (presença, número e localização), presença de granulomas, parasitas, fungos, corpos de inclusão de citomegalovirus e outras inclusões virais. A contagem do número de eosinófilos e neutrófilos foi realizada para cada uma das camadas da mucosa retal (epitélio superficial, epitélio glandular, lâmina própria e muscular da mucosa).

A contagem de eosinófilos foi realizada tomando-se como padrão de anormalidade os achados de Winter e cols. (Mod Pathol 1990;3:5-10) e Odze e cols. Hum Pathol 1993;24:668-74), a saber:

1- Presença de um ou mais eosinófilos por campo de grande aumento (400x) avaliado, no epitélio superficial ou glandular ou na muscular da mucosa. O número total de células foi expresso como a média do número total de células contadas, dividido entre o número de campos de grande aumento avaliados.

2- Presença de 6 ou mais eosinófilos por campo de grande aumento avaliado, na lâmina própria. O número total de células foi expresso da mesma forma que no item anterior.

Foram contados apenas os eosinófilos íntegros. Para caracterização de colite foram utilizados os critérios de Goldman e cols. (Am J Surg Pathology 1986;10:75-86) .

Resultados:

A idade dos pacientes variou de 22 a 175 dias e o início dos sintomas variou entre 2 e 157 dias de vida, sendo que em 85% deles os sintomas se iniciaram antes dos 120 dias de vida.

A dieta de 60% dos pacientes se constituía de fórmula láctea ou aleitamento misto, enquanto que os 40% restantes recebiam lactância materna exclusiva. O desmame ocorreu antes dos 4 meses de idade em 92% dos pacientes (considerando-se aqueles que não estavam recebendo aleitamento materno exclusivo na primeira consulta).

Além da enterorragia os pacientes apresentavam os seguintes sintomas associados: vômitos (65%), palidez (30%), cólicas (20%), diarréia (20%), constipação (5%). Ganho ponderal inadequado foi observado em 15% deles. Lesões cutâneas de provável natureza alérgica (eczema e dermatite seborréica) estiveram presentes em 20% dos pacientes e respiratórias em 10% deles.

Com relação aos tratamentos dietéticos previamente utilizados, sem sucesso, 3 (15%) haviam recebido fórmula de soja e 2 (10%) fórmula à base de hidrolisado protéico.

Em nenhum dos pacientes foi detectada presença de parasitas e nem tampouco microorganismos enteropatogênicos nas fezes.

Erosão do epitélio superficial ou úlcera foi observada em 3 pacientes, ao passo que nos controles não foram observadas alterações no epitélio superficial. O achado mais marcante na biópsia retal dos pacientes foi a presença significativamente aumentada de eosinófilos em todas as camadas da mucosa retal em relação ao grupo controle, respectivamente, a saber: epitélio superficial 1,4 x 0,1; epitélio glandular 1,8 x 0,2; lâmina própria 10,3 x 1,3; muscular da mucosa 2,5 x 0,0. Nas Figuras 3- 4 - 5 e 6 podem ser observadas as distribuições dos eosinófilos nas diversas camadas da mucosa retal nos pacientes com Colite Alérgica.


Figura 3- Notar presença de eosinófilos no epitélio e em grande quantidade na lâmina própria.



Figura 4- Notar presença de eosinófilos em grande quantidade no epitélio e na porção superior da lâmina própia próxima do epitélio.

Figura 5 - Eosinófilos presentes no epitélio e na lâmina própria da mucosa retal.

Figura 6- Presença de eosinófilos na muscular da mucosa.
Os resultados verificados nesta investigação clínico-anátomo-patológica permitem afirmar que:
1- o quadro clínico da Colite Alérgica caracteriza-se, em geral, por início dentro dos 4 primeiros meses de vida, de forma insidiosa, com sangramento retal associado a outros sintomas, tais como diarréia, vômitos, cólicas intensas, irritabilidade;
2- as manifestações clínicas podem se apresentar em lactentes tanto em vigência de aleitamento artificial quanto natural, embora neste último caso os sinais e sintomas costumam ser menos floridos;
3- o número significativamente aumentado de eosinófilos na mucosa retal é o elemento diagnóstico mais importante;
4- o encontro de mais de 6 eosinófilos na lâmina própria e/ou 1 ou mais eosinófilos no epitélio superficial e/ou glandular, por campo de grande aumento, constituem-se nos critérios histo-patológicos para o diagnóstico definitivo de Colite Alérgica;
5- o tratamento dietético preconizado é, sempre que possível, manter o aleitamento materno, sendo que a mãe deve respeitar dieta de restrição de leite e derivados, bem como outros alergenos alimentares reconhecidos;
6- os pacientes que já estavam em aleitamento artificial devem passar a receber fórmula à base de hidrolisado protéico, e na intolerância a este tipo de dieta, deve-se introduzir fórmula à base de mistura de aminoácidos.
No próximo encontro relatarei o manejo terapêutico da Colite Alérgica