Divulgar os conhecimentos científicos mais avançados a respeito dos problemas que afetam crianças e adolescentes na área dos distúrbios gastroenterológicos e da nutrição, visando acima de tudo a prevenção, o diagnóstico, o tratamento e o prognóstico.
quinta-feira, 1 de novembro de 2018
Esofagite Eosinofílica uma atualização: epidemiologia, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento (Parte 1)
quarta-feira, 22 de junho de 2011
Um Consenso Global Baseado em Evidências a respeito da Definição da Doença do Refluxo Esofágico na população Pediátrica (5)
Concordância: 62.5% (A+, 50 %; A−, 12,5 %; D, 12.5 %; D+, 25%:Grau: não aplicável).
Em adultos existe uma forte evidência de que lesões visíveis na mucosa são as mais confiáveis evidências de esofagite (1). Globalmente considerou-se que os elementos de prova em adultos podem ser suficientes para recomendar que esta afirmação também se aplique às crianças. Erosões também são um parâmetro bem estabelecido de esofagite em crianças (51,72,93). O termo "esofagite de refluxo," em vez de "esofagite erosiva," enfatiza que esta afirmação aborda esofagite causada pelo refluxo e não por outras causas, como vômito forçado, doença de Crohn, infecção, pílulas e ingestão de cáusticos. Não foi alcançado consenso para esta afirmação porque alguns participantes entenderam que esofagite também deve ser definida pela histologia. No entanto, o Comitê posteriormente reexaminou as evidências histológicas e considerou que, tal como é atualmente realizada a análise histológica, esta não tem utilidade para diagnosticar ou para afastar esofagite de refluxo (afirmações 33 e 34 acima).
36. Quando as erosões relacionadas ao refluxo estão presentes à endoscopia, o grau deveria ser descrito de acordo com uma das reconhecidas classificações de esofagite erosiva.
Concordância: 100% (A+, 50%; A, 50%; Grau: não aplicável).
A presença e a gravidade da esofagite de refluxo caracterizadas no momento da endoscopia digestiva alta determinam a tomada de decisões a respeito da conduta clínica, e permitem avaliar os resultados do tratamento. Classificações endoscópicas são usadas para definir a gravidade da doença erosiva, pela presença e extensão das erosões da mucosa. Achados endoscópicos devem ser descritos em termos bem definidos e reprodutíveis, para que comparações entre observadores possam ser feitas. Embora validada para adultos, a classificação endoscópica de Hetzel e Dent (94) foi a mais usada em estudos pediátricos (51, 93, 95). A classificação de Los Angeles é amplamente utilizada em adultos (96) e também é empregada na prática pediátrica.
37. Em pacientes pediátricos saudáveis até o momento de apresentarem sintomas do RGE, esofagite de refluxo pode não se tornar crônica ou recorrente após o tratamento.
Concordância: 100% (A+, 12,5%; A, 75%; A−, 12,5% ; Grau: baixo).
38. Refluxo gastroesofágico, em pacientes com deficiências neurológicas, atresia de esôfago corrigida, hérnia hiatal e doenças respiratórias crônicas, é usualmente crônico e recorrente.
Concordância: 87,5% (A+, 12,5%; A, 62,5%; A-, 12,5%; D, 12,5%; Grau: moderado).
Em um estudo duplo-cego controlado randomizado com 48 crianças saudáveis até o momento de apresentarem sintomas do RGE com esofagite erosiva curada por uso de IBPs, Bocchia e cols. (93) verificaram que uma recaída da esofagite de refluxo, até 3 meses após a suspensão do tratamento de manutenção, ocorreu em apenas uma criança. Recorrência de sintomas relevantes também foi incomum (<15%) durante o período de acompanhamento de 30 meses. Além deste estudo, há poucos dados disponíveis sobre as taxas de recaída em crianças saudáveis. Por outro lado, as crianças com transtornos subjacentes que predispõem à DRGE grave (afirmações de 13 a 15) têm graus superiores de esofagite erosiva do que no estudo realizado por Bocchia e cols., e são mais propensas a ter esofagite erosiva crônica recidivante (40,95).
39. Embora a intensidade e a frequência dos sintomas do RGE em pacientes pediátricos se correlacionem com a gravidade das lesões da mucosa, não há possibilidade de se prever com acurácia a gravidade das lesões da mucosa em um paciente isoladamente.
Concordância: 100% (A+, 12,5%; A, 62,5%; A−, 25%, Grau: baixo).
Em adultos, a freqüência e a gravidade dos sintomas da DRGE têm uma moderada correlação com a gravidade da lesão da mucosa (1). Em um estudo com 129 pacientes (1-17 anos de idade) com a DRGE, que foram submetidos a endoscopia e avaliação dos sintomas (10), a prevalência e a gravidade dos sintomas de anorexia e recusa alimentar foram significativamente maiores em crianças com esofagite erosiva do que naquelas com a DRNE.
Por outro lado, em lactentes, os sintomas não predizem confiavelmente a presença de esofagite (31,78). Atualmente não é possível prever com acurácia a gravidade das lesões mucosas em pacientes pediátricos com base em sintomas isolados. É importante assinalar e diferenciar que a lesão da mucosa tenha sido definida por endoscopia em um estudo (10) e pela histologia nos demais (31,78). Esta discrepância ilustra a necessidade de uma maior precisão na definição da DRGE na prática pediátrica.
Estenose de refluxo
40. A estenose de refluxo é definida como um estreitamento luminal do esôfago causado pela DRGE em pacientes pediátricos.
Concordância: 100% (A+, 75%; A, 25%; Grau: não aplicável).
41. O sintoma característico da estenose em pacientes pediátricos é a presença de disfagia persistente
Concordância: 100% (A+, 37,5%; A, 50%; A-, 12,5%; Grau: alto).
42. Disfagia em crianças escolares e adolescentes é a dificuldade perceptível da passagem do alimento da boca para o estômago.
Concordância: 100% (A+, 37,5%; A, 50%; A−, 12,5%; Grau: alto).
43. Disfagia grave está presente quando crianças escolares e adolescentes necessitam alterar os padrões alimentares ou relatam impactação dos alimentos.
Concordância: 100% (A+, 25%; A, 62,5%; A-, 12,5%; D, 12,5%; Grau: não aplicável).
Em uma minoria de pacientes pediátricos, a DRGE leva ao estreitamento do lúmen esofágico. Este estreitamento, por causa do edema ou fibrose, impede a passagem dos alimentos causando disfagia persistente. Consequentemente, disfagia persistente e/ou progressiva é um sintoma de alarme de estreitamento do esôfago e mandatório de investigação adicional. Devem ser diferenciados de outras causas de estreitamento esofágico, em pacientes pediátricos, as quais estão relacionadas com a faixa etária (97). Pacientes pediátricos com esofagite eosinofílica também se apresentam com disfagia. A endoscopia com biópsias esofágicas está indicada para determinar a causa do estreitamento (56).
Esôfago de Barret
44. No grupo pediátrico, esôfago de Barret ocorre principalmente em pacientes com hérnia hiatal e naqueles com outros transtornos associados que predispõem à DRGE grave.
Concordância: 100% (A+, 25%; A, 62,5% ; A-, 12,5%; Grau: baixo).
45. O termo metaplasia esofágica endoscopicamente suspeita (MEES) descreve achados endoscópicos consistentes com esôfago de Barret que aguardam confirmação histológica.
Concordância: 100% (A+, 25%; A, 75%; Grau: não aplicável).
46. Documentação das áreas limítrofes esofagogástricas juntamente com múltiplas biópsias é necessária para caracterizar a MEES.
Concordância: 87,5% (A+, 12,5%; A, 62,5%; A-, 12,5%; D-, 12,5%; Grau: moderado).
47. Quando biópsias da MEES mostram epitélio colunar, isto deve ser chamado de Esôfago de Barret e a presença ou ausência de metaplasia intestinal deve ser especificada.
Concordância: 100% (A+, 50%; A, 37,5%; A-, 12,5%; Grau: não aplicável).
A afirmação 44 é sustentada pelos comentários sobre as afirmações de 13 a 15. Apesar da prevalência do Esôfago de Barret ser muito menor em crianças do que em adultos, ela ocorre. Por exemplo, em um estudo, metaplasia esofágica mostrou-se presente em 10% das crianças com RGE crônico grave, aonde metade das quais, apresentava metaplasia de células caliciformes (40).
Da mesma forma que em adultos (1), em pacientes pediátricos o termo "Esôfago de Barrett" apresenta uma ampla gama de variações (98,99) e, portanto, atualmente não existe a clareza necessária para uma comunicação clínica e científica. O termo "metaplasia esofágica endoscopicamente suspeita" reconhece que a aparência endoscópica pode não ser diagnóstica e requer confirmação histológica (1,100).
Para se identificar com precisão a MEES, os principais limites endoscópicos da junção gastro-esofágica devem estar documentados (101) em centímetros desde os dentes e, idealmente, fotografados (98,102). Quando uma intensa inflamação ou pus prejudicarem a identificação dos limites, a endoscopia deve ser repetida após aproximadamente 12 semanas de tratamento com altas doses dos IBPs. Esta conduta terapêutica auxilia a remoção da camuflagem exsudativa, permitindo, assim, uma identificação mais precisa dos limites desejados (103,104).
Múltiplas biópsias espaçadas são necessárias para minimizar o erro de amostragem, para permitir a caracterização da mucosa como puramente gástrica colunar, ou seja, tipo cardia, ou colunar com metaplasia intestinal e para detectar displasia (1,99). Biópsias dos quatro quadrantes a cada centímetro para segmentos circunferenciais metaplásticos é a abordagem prática mais sensível (1,105). Isso deve incluir tantas biópsias quanto possíveis da linha Z, e imediatamente acima da mesma, porque a probabilidade de se encontrar um número mais elevado da metaplasia de células caliciformes é mais proximal, tanto em crianças quanto em adultos (99,104,106,107).
Tem sido amplamente confirmado que a condição sine qua non para o diagnóstico do esôfago de Barrett é a presença de metaplasia intestinal, ou seja, mucosa colunar contendo células caliciformes que se coram pela mucina ácida com azul de Alcian em pH 2.5 (98,104,108,109). Até o presente momento, nenhuma criança com idade inferior a 5 anos foi descrita com metaplasia de células caliciformes e sabe-se que o aumento do número de células caliciformes se dá ao longo do tempo (107,110). Assim sendo, é mais provável que este tipo de metaplasia avançada leva anos para se desenvolver. Em contraste com a abordagem de "apenas células caliciformes", relatos recentes em adultos (111) e em crianças (99) mostraram que a metaplasia do esôfago pode ocorrer na forma de metaplasia colunar tipo cárdia sem a presença de células caliciformes. Inclusive este conceito foi considerado o tema mais controverso do grupo de Montreal (1). Técnicas de coloração e interpretação de biópsias também influenciam a sensibilidade da detecção da metaplasia intestinal (100,101). Ademais existem atualmente certas dúvidas se somente mucosas contendo metaplasia de células caliciformes representam uma lesão pré-maligna (1). Com a nova terminologia, quando o termo “Esôfago de Barret” é usado, é essencial especificar se a metaplasia intestinal especializada está presente ou ausente.
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
Diarréia Persistente: uma guerra cujo campo de batalha é o lúmen intestinal (3)
A evolução de um episódio de diarréia aguda para persistente depende fundamentalmente de circunstâncias que envolvem a interação entre o hospedeiro, o agente agressor e seu meio ambiente. No que diz respeito ao hospedeiro os principais fatores predisponentes para a perpetuação da diarréia estão ligados à ausência da prática do aleitamento natural exclusivo por tempo prolongado, função imunológica deficiente, desnutrição protéico-calórica e idade precoce. Com relação ao agente agressor, alguns microorganismos enteropatogênicos apresentam maior capacidade de provocar danos funcionais e morfológicos à mucosa intestinal e, portanto, são potencialmente mais predisponentes a causar o prolongamento do processo diarréico. Do ponto de vista do meio ambiente os baixos níveis sócio-econômico-educacionais dos pais ou cuidadores, hábitos de higiene alimentar precários, insalubridade da água e deficiência, ou mesmo ausência, da rede de esgotos, são fatores extremamente importantes que contribuem para a ocorrência da DP.
Etiopatogenia
Vários agentes etiológicos causadores de Diarréia Aguda têm sido envolvidos na gênese da DP, tais como: Escherichia coli enteropatogênica (EPEC), Escherichia coli enteroagregativa (EAEC), Salmonella, Shigella, Campylobacter, Cryptosporidium, Giárdia, Norovirus e Rotavirus, dependendo das características geográficas, sasonais, ambientais e das especificidades das populações estudadas. No nosso meio os agentes etiológicos mais frequentemente descritos como causadores de DP são as diversas cepas de EPEC e EAEC. Por este motivo, no presente manuscrito dedicarei particular atenção a estes 2 tipos de microorganismos enteropatogênicos (Figura 1).

Figura 1- A importância no nosso meio das cêpas de EPEC como causa de Diarréia Persistente.
EPEC
No nosso meio os sorogrupos de EPEC O111 e O119 representam aproximadamente 80% de todos os sorogrupos (são cerca de 20) isolados em crianças com diarréia. A Escherichia coli foi descoberta, em 1885, pelo Pediatra alemão Theodore Escherich que a denominou Bacterium coli commune, e a razão de utilizar esta terminologia foi para indicar sua ocorrência universal no intestino grosso dos indivíduos saudáveis. Entretanto, o próprio Escherich já suspeitava que a E. coli pudesse agir como agente enteropatogênico para o ser humano, quando por alguma razão estivesse deslocada do seu habitat natural, ou seja fora do intestino grosso. Para confirmar tal suspeita, este pesquisador demonstrou a patogenicidade da E. coli ao injetar um caldo de cultura da mesma em alças intestinais isoladas de coelho, provocando grande acúmulo de secreção de fluidos e eletrólitos. No entanto, o primeiro cientista a comprovar cabalmente a associação de cepas antigenicamente homogêneas de E. coli como causadoras de diarréia foi o Microbiologista John Bray, em 1945, na Inglaterra. Bray, trabalhando em colaboração com o Pediatra Thomas Beaven e com o Biólogo Stevenson, descreveu um surto de diarréia em lactentes internados no Hillingdon Hospital, Uxbridge, provocado por um novo agente enteropatogênico que apresentava elevada capacidade de virulência e que causou altas taxas de mortalidade (Figura 2).

Figura 2- Placa comemorativa a John Bray pela descrição da Escherichia coli enteropatogênica.
Vale a pena recordar que até aquela data somente eram conhecidos 3 agentes enteropatogênicos, a saber: Vibrio cholera, Salmonella e Shigella. Desta forma, o até então denominado Bacterium coli, passou a ser incorporado na lista dos agentes provocadores de diarréia, porém com uma característica especial, afetava crianças de baixa idade e provocava alta taxa de letalidade. Foi Kauffman, em 1947, o responsável pela mudança do nome de Bacterium coli para Escherichia coli, em homenagem ao seu descobridor o Pediatra alemão Theodore Escherich. Kauffman também foi o responsável pela caracterização dos diferentes grupos sorológicos da E. coli por meio da determinação dos antígenos O (somático), K (capsular) e H (flagelar) (Figura 3).
Figura 3- Grupos sorológicos de Escherichia coli.
A partir do esquema de classificação proposto por Kauffman constatou-se que a bactéria isolada por Bray e a amostra Aberdeen alfa, isolada por Giles em um surto de diarréia em lactentes naquela localidade, na Escócia, eram na realidade a E. coli O111. Estudos realizados por Kauffman e Du Pont em crianças portadoras de diarréia, no período de 1945 a 1950, em várias partes do mundo, mostraram que as E. coli isoladas pertenciam aos sorogrupos O55 e O111. No Brasil, foi o microbiologista Luis Rachid Trabulsi o pioneiro em descrever as cepas de E. coli causadoras de diarréia em crianças. Professor Trabulsi e cols., em 1961 (Ver. Inst. Med. Trop. São Paulo 3, 267) estudaram 80 crianças com diarréia, internadas no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, tendo sido isolados em 17 delas colibacilos enteropagênicos, com predomínio das E. coli O119, O126, O26, O55 e O111.
A descoberta de Bray e seus colaboradores foi um avanço científico de enorme importância e, ainda que tardiamente, valeu o reconhecimento dos seus sucessores no Hillingdon Hospital, pois somente em 1968 foi realizado um evento em homenagem aos autores em referência a aquela descoberta. Naquela ocasião foi confeccionada uma placa comemorativa para celebrar a grande descoberta de Bray, que lá esteve presente juntamente com Beaven e Stevenson (Figura 4).

A descoberta de Bray e Beavan nos deixa inúmeros ensinamentos, além do próprio mérito científico, que por si só se revelou de importância clínica inestimável (Figura 5).