quarta-feira, 27 de junho de 2012

O Feliz Renascimento do Aleitamento Materno: além do fator nutricional e da proteção constitui-se também numa real declaração de amor (1)


A OMS recomenda a prática do aleitamento natural exclusivo durante os 6 primeiros meses de vida, e partir desta idade deve-se começar, de forma gradual, a introdução dos alimentos sólidos. A suplementação do aleitamento natural é recomendada até pelo menos os 2 anos de idade desde que este seja um desejo recíproco entre mãe e filho (Figuras 1-2 e 3). 

 Figura 1- Minha filha Walkyria ainda recém-nascida que foi amamentada de forma exclusiva até o sexto mês de vida por sua mãe Fábia.

Figura 2- Mães da favela da Cidade Leonor amamentando seus filhos dentro do programa de promoção ao aleitamento introduzido nesta comunidade no início da década de 1990 pela Profa. Dra. Fátima Lindoso (atualmente Profa. Titular da Pediatria da UFGO), à época minha aluna de doutorado.

 Figura 3- Mulher índia nativa do Parque Indígena do Xingú amamentando sua filha, neste momento já com mais de 1 ano de idade, prática universal nesta comunidade indígena.

O aleitamento natural continua a oferecer efeitos benéficos à saúde da criança até mesmo durante a fase pré-escolar, tais como: baixo risco da Síndrome da Morte Súbita, inteligência mais refinada, menores riscos de contrair infecções das vias aéreas superiores, gripes, menores riscos de contrair determinados tipos de câncer, em especial a leucemia na infância, baixo risco de instalação de diabete, menores riscos de asma e eczema, diminuição de problemas dentários, risco menor de desenvolver obesidade em idades mais avançadas, e riscos menores do surgimento de afecções psicológicas.

O aleitamento natural também fornece benefícios à saúde da mãe, posto que auxilia o retorno do útero ao seu tamanho natural anteriormente ao ter se tornado grávida, assim como também contribui para que a mulher volte ao seu peso anterior à gravidez. O aleitamento natural também reduz o risco de contrair câncer de mama em idade mais avançada.

Sob a influência dos hormônios pro-lactina e oxitocina as mulheres passam a produzir leite após o nascimento da criança para poder alimentá-la. O leite inicialmente produzido chama-se colostro, o qual é muito rico em imunoglobulina A secretora a qual recobre o trato digestivo protegendo-o das agressões do meio exterior. Esta proteção ajuda o recém-nascido até que seu próprio sistema imunológico esteja funcionando plenamente, e, ao mesmo tempo, possui um efeito laxativo ao contribuir para que o mecônio seja eliminado e, desta forma, também prevenir o acúmulo de bilirrubina, que é um fator contribuinte para o surgimento da icterícia.

A quantidade de leite materno produzida depende da freqüência que a mãe oferece o seio, ou seja, quanto mais freqüentemente o recém-nascido mamar, maior será a produção do leite. É extremamente recomendável que o recém-nascido seja alimentado sob o regime da livre demanda, isto é, quando estiver com fome, ao invés de se estabelecer um esquema rígido de horário de alimentação.

A composição exata do leite materno varia de dia para dia e mesmo durante o dia, na dependência da dieta materna e do próprio ambiente, inclusive em pleno ato de mamar. Por exemplo, o leite liberado no início da mamada é mais “aguado”, com baixo teor de gordura e maior concentração de carboidrato em relação ao leite liberado mais tardiamente, à medida que a lactação vai progredindo, o qual é mais cremoso apresentando maior teor de gordura (Figura 4). 

 Figura 4- Duas amostras de leite humano obtidas em diferentes momentos da lactação: à esquerda leite inicial "aguado" com baixo teor de gordura e à direita leite tardio "cremoso" com alto teor de gordura.

Na verdade a mama nunca pode ser verdadeiramente esvaziada, porque a produção do leite se constitui em um processo biológico contínuo.

O leite humano além de fornecer apropriadas concentrações de proteínas, gorduras e carboidratos, também oferece vitaminas, sais minerais, enzimas digestivos e hormônios, enfim todos os ingredientes que o lactente necessita para crescer dentro do seu potencial genético. O leite humano também contém anticorpos e linfócitos do organismo materno o que auxilia na prevenção de infecções. A função imunológica do leite humano é individualizada, posto que a mãe através do toque físico ao cuidar do lactente entra também em contato com os microorganismos que colonizam o lactente e, conseqüentemente, estes últimos induzem o organismo materno a produzir anticorpos específicos contra os próprios microorganismos, bem como células imunologicamente competentes. 


Histórico do Aleitamento Natural: apogeu e declínio

A lactação é universalmente reconhecida como uma das características exclusivas dos mamíferos, ocorre há milhões de anos, e, na natureza, desde sempre, as fêmeas destas espécies do mundo animal executam esta prodigiosa tarefa de preservar a vida de suas crias sem necessitar de se espelhar em qualquer modelo de ensinamento prévio. Trata-se, portanto, de um ato instintivo de preservação da espécie e que ao mesmo tempo cria, pelo menos no ser humano, um elo indissolúvel de recíproco afeto. Desde o surgimento do Homo erectus  a mulher criava sua prole exclusivamente com seu próprio produto da glândula mamária, o leite, desde os períodos mais vulneráveis da existência dos seus conceptos até que estes viessem a ter plena independência na busca dos alimentos alguns anos mais adiante.

Até o início do século XIX a amamentação era uma regra praticamente universal em vigência; entretanto, em decorrência das alterações do comportamento biopsicossocial do ser humano iniciadas no fim do século retrasado acompanhando o começo da era da modernização oriunda da industrialização, particularmente no mundo ocidental, passou-se concomitantemente a ser observada uma progressiva e disseminada mudança no hábito da prática do aleitamento natural, caracterizada por um nítido declínio da mesma. Inicialmente este fenômeno teve origem nas classes mais abastadas dando origem ao surgimento das amas-de-leite, que em geral eram as serventes das famílias (na verdade praticamente escravas), função esta que posteriormente passou a ser ocupada pelas nutrizes remuneradas. Para exemplificar esta afirmativa, há documentos cientificamente comprovados que  atestam que em Paris, França, em 1780, dentre as 21.000 crianças que aí nasceram apenas uma pequena parcela foi amamentada por suas próprias mães (Organización Mundial de la Salud 1981, 245 pg); a grande maioria delas foi criada por amas-de-leite mercenárias. Este fenômeno de abrangência praticamente geral no mundo ocidental pode ser comprovado por inúmeras pesquisas realizadas em diferentes países. Assim é que na Inglaterra, em 1947, 41% dos lactentes acompanhados em New Castle Upon Time recebiam alimentação mista com um mês de vida, passando para 67% aos três meses de idade. Na mesma época, em Southport, 76% dos lactentes com dois meses de vida já estavam recebendo aleitamento misto; em Londres, em 1969, constatou-se que apenas 33% das mães amamentavam seus filhos exclusivamente ao seio durante o primeiro mês.  Na Suécia, o aleitamento natural de forma exclusiva até o segundo mês de vida sofreu vertiginosa queda de 85% em 1944, para 35% em 1970 (UNICEF 1980).

No Brasil, este mesmo fenômeno começou a ocorrer algum tempo depois, mas já em 1873, Correia de Azevedo reclamava a adoção de medidas que normatizassem a prática do aleitamento mercenário, para logo a seguir, o Barão de Lavradio, em 1875, passar a reivindicar dos órgãos competentes a regulamentação desse serviço considerado à época de doméstico. Como resultado deste pleito, em 1876, foi criado por Moncorvo, o primeiro projeto de regulamentação da atividade desse tipo de nutrizes. Em 1901, foi fundado o Instituto de Proteção e Assistência à Infância, no Rio de Janeiro, o qual, entre outros objetivos, tinha a finalidade de oferecer assistência médica e controlar o estado de saúde das amas-de-leite. Entretanto, apesar dos esforços invidados por estes próceres uma modalidade de lei que viesse a regulamentar a atividade das amas-de-leite jamais foi promulgada e, portanto, nunca chegou a ser implantada (Ama de Leite, Clin. Pediat. 3;91-4,1985). Até a década de 1960, a prática do aleitamento natural ainda era universal, e o tempo de duração variava de 4 a 12 meses. A partir da década de 1970, porém, este quadro sofreu uma grande transformação, e o declínio da prática do aleitamento natural tornou-se evidente e alarmante. Sigulem e Tudisco (Arch. Latino-Amer. Nutr. 3;401-16,1980), em estudo realizado na cidade de São Paulo constataram que a mediana da duração do aleitamento natural era inferior a 30 dias. Confirmando essa assertiva, Sichieri e Moura (J Pediatr. 55;323-6,1983), em 1982, observaram que das 492 crianças acompanhadas em um Posto de Saúde da periferia de São Paulo, 54,5% haviam sido desmamadas em período de tempo igual ou inferior a 30 dias, e somente 12,5% dos lactentes haviam recebido aleitamento natural por tempo prolongado. Lima, Wehba e Fagundes-Neto (Rev. Paulista Pediatr. 8;55-8,1990) demonstraram que, na década de 1980, também nas classes sócio-econômicas abastadas a prática do aleitamento natural exclusivo encontrava-se em desuso, posto que a idade média do desmame ocorreu aos 10 dias de vida do lactente e a principal causa atribuída ao fracasso da amamentação, em 65,5%  dos casos foi a hipogalactia.

No entanto, em virtude dos alarmantes problemas de saúde surgidos em decorrência do abandono da prática do aleitamento natural, que redundaram no aumento significativo da mortalidade infantil, em especial nas parcelas sócio-econômicas mais vulneráveis da sociedade, o que foi cientificamente comprovado, estes fatos chamaram a atenção dos órgãos internacionais responsáveis por cuidar da qualidade de vida das populações, e passou-se, então, a implementar políticas de saúde pública para se tentar reverter este dramático quadro a partir do início da década de 1980.

Composição do Leite Humano e do Leite produzido por outros Mamíferos

O leite é uma emulsão constituída por 20% de material sólido e 80% de água. Trata-se de uma solução coloidal de glóbulos de gordura (micela) que se encontram no interior de um fluido aquoso (Figura 5). 
 Figura 5- Constituição da micela mista.

Cada glóbulo de gordura é circundado por uma membrana constituída por fosfolípides e proteínas; estas substâncias, denominadas emulsificantes, mantêm os glóbulos separados individualmente evitando que estes se juntem para formar grânulos sólidos de gordura e também agem como protetores dos próprios glóbulos de gordura da ação das enzimas digestivas de gorduras presentes na fração líquida do leite. As vitaminas lipossolúveis A, D, E e K encontram-se presentes no interior da porção gordurosa do leite. É importante assinalar que o leite humano contem uma enzima denominada lípase, a qual quebra a gordura transformando-a em pequenos glóbulos, os quais são mais facilmente digeridos.

As maiores estruturas químicas presentes na porção líquida do leite são formadas por micelas de caseína; estas se constituem em milhares de moléculas de proteínas ligadas entre si com o auxílio de partículas em escala nanométrica de fosfato de cálcio. Estas micelas desempenham importantes papeis, mas a mais notória é impedir que as mesmas formem agregados sólidos. A camada mais externa das micelas é constituída por um tipo de proteína denominada kappa-caseina, a qual se encontra na porção exterior do corpo da micela no interior do fluido que a circunda. Estas moléculas de kappa-caseina possuem carga elétrica negativa e, portanto, se auto-repelem, fenômeno que mantém as micelas individualmente separadas, evitando assim que em condições normais, sejam formados grumos sólidos, preservando-as em uma suspensão coloidal estável no fluido em que estão imersas.

O leite contem ainda uma grande série de outras proteínas além da caseína, as quais são mais solúveis em água e não formam grandes estruturas químicas. Como estas proteínas permanecem suspensas no soro do leite quando a caseína forma coágulos, elas passaram a ser denominadas em conjunto de proteínas do soro.

Tanto os glóbulos de gordura quanto as pequenas micelas de caseína, as quais têm tamanho suficiente para defletir a luz, contribuem para a coloração branca do leite.

O carboidrato do leite, a lactose, confere um sabor levemente adocicado. A lactose é um dissacarídeo constituído pelos seguintes monossacarídeos: glicose e galactose (Figura 6). 

 Figura 6- Composição da lactose e seus monossacarídeos constituintes, a saber: glicose e galactose.

Na natureza, a lactose é praticamente encontrada apenas no leite, porém é também encontrada em baixíssimas concentrações em algumas plantas.

O leite humano contem 1,1% de proteínas, 4,2% de gorduras, 7,0% de carboidratos e 0,2% de minerais oferecendo 72 kcal/100ml (Tabelas 1 e 2). 

Tabela 1- Composição do Leite Humano
GORDURA
Total (g/100ml)
4,2
Ácidos Graxos até 8 C (%)
traços
Ácidos Graxos Poliinsaturados (%)
14
PROTEINAS (g/100ml)
Total
1,1
Caseína
0,3
Alfa-Lactoalbumina
0,3
Lactoferrina
0,2
Ig A
0,1
Ig G
0,001
Lisozima
0,05
Soro-Albumina
0,05
CARBOIDRATOS (g/100ml)
Lactose
7
Oligossacarídeos
0,5
MINERAIS (g/100ml)
Cálcio
0,03
Fósforo
0,014
Sódio
0,015
Potássio
0,055
Cloro
0,043


Tabela 2- Composição do Leite de Alguns Mamíferos por 100 gramas

Constituintes
Unidade
Vaca
Cabra
Ovelha
Búfala
Água
gramas
87,8
88,9
83,0
81,1
Proteína
gramas
3,2
3,1
5,4
4,5
Gordura
gramas
3,9
3,5
6,0
8,0
Carboidratos
gramas
4,8
4,4
5,1
4,9
Calorias
kcal
66
60
95
110
Cálcio
UI
120
100
170
195
Colesterol
mg
14
10
11
8
Ácidos Graxos
Saturados
gramas
2,4
2,3
3,8
4,2
Mono-insaturados
gramas
1,1
0,8
1,5
1,7
Poli-insaturados
gramas
0,1
0,1
0,3
0,2

O principal carboidrato do leite humano é a lactose, entretanto vários outros oligossacarídeos semelhantes à lactose foram identificados em pequenas concentrações. A fração de gordura contem triglicerídeos específicos, tais como ácidos oléico e palmítico, assim como significativas quantidades de lipídeos com ligações trans, os quais são benéficos à saúde. Dentre eles destacam-se os ácidos vacênico e linoléico, que  correspondem com cerca de 6% da gordura total. As principais proteínas são a beta-caseina, alfa-lactoalbumina, lactoferrina, IgA secretora, lisosimas e a soro-albumina. Compostos nitrogenados não protéicos que incluem uréia, ácido úrico, creatina, creatinina, amino-ácidos e nucleotídeos correspondem a aproximadamente 25% do conteúdo de nitrogênio. Foi demonstrado também que o leite humano fornece uma substância que é um neuro-transmissor (endocannabinoide), a qual possui ação tranqüilizante.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

O teste do Hidrogênio no ar expirado: sua consolidação como método eficiente, não invasivo, de avaliação da função digestivo-absortiva


Introdução

No passado, acreditava-se que o pulmão fosse um órgão apenas responsável pela respiração e, portanto, tinha-se o conceito de que somente Oxigênio (O2) e Dióxido de Carbono (CO2) pudessem ser dosados no ar expirado. Atualmente, porém, sabe-se que o ar expirado dos pulmões contém mais de 2000 substâncias distintas, e que, além da respiração, os pulmões apresentam uma função adicional, qual seja a excreção de substâncias voláteis, o que tornou os pulmões reconhecidamente como “órgãos excretores” de gases que se encontram dissolvidos no sangue. Uma destas inúmeras substâncias voláteis excretadas pelos pulmões é o Hidrogênio (H2), o qual pode ser facilmente medido com a utilização de um equipamento manual de teste respiratório (Figura 1).
Figura 1- Referência Ledochowiski M. Journal of Breath Research 2: 1-9, 2008.

O ser humano sadio em jejum e em repouso não elimina H2 porque o seu metabolismo não produz este gás, o qual somente é gerado durante o metabolismo anaeróbio. Considerando que o organismo humano em repouso não possui metabolismo anaeróbio, o H2 produzido e excretado pelos pulmões deve ter origem nas bactérias anaeróbias e, como se sabe, o trato digestivo alberga um número elevado de bactérias, que são predominantemente anaeróbias e que produzem grandes quantidades de H2. De fato, a concentração de bactérias, em especial as anaeróbias, alcança no íleo terminal e no intestino grosso valores de até 1015 colônias/ml. Por outro lado, no duodeno e nas porções superiores do jejuno, praticamente não ocorre colonização por bactérias anaeróbias, encontrando-se apenas bactérias aeróbias, consideradas residentes das vias aéreas superiores e resistentes à barreira bactericida ácida gástrica, na concentração de até 104 colônias/ml. Portanto, pode-se assumir, com boa margem de segurança, que o H2 expirado pelos pulmões dos seres humanos em repouso é produzido, quase que exclusivamente, pelo metabolismo bacteriano dos anaeróbios que colonizam o íleo e o intestino grosso. Desta forma, pode-se afirmar que, em condições normais, o H2 mensurado no ar expirado diz respeito à quantidade da atividade metabólica das bactérias anaeróbias presentes no trato digestivo, em particular, no íleo e no intestino grosso. Entretanto, em situações patológicas, como por exemplo, na síndrome do “Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado”, a concentração de bactérias anaeróbias torna-se predominante no intestino delgado e pode alcançar valores superiores a 104 colônias/ml. As bactérias anaeróbias têm preferência para metabolizar os carboidratos, os quais, como parte da reação de fermentação, são “quebrados” dando a formação de ácidos graxos de cadeia pequena, CO2 e H2 (Figura 2).
Figura 2- Referência Eisenmann & cols. Journal of Breath Research 2: 1-9, 2008.

Uma grande parte do CO2 permanece na luz do intestino e é responsável pela sensação de flatulência, enquanto que os ácidos graxos de cadeia pequena exercem efeito osmótico atraindo água para o interior do lúmen intestinal, causando diarréia. O H2 produzido no intestino atravessa a parede intestinal, cai na circulação sanguínea, é transportado até os pulmões e, finalmente, é eliminado pela respiração como parte do ar expirado. A concentração de H2 expirada pode, portanto, ser facilmente mensurada em partes por milhão (ppm) por técnica não invasiva, por um equipamento de uso manual. A concentração do H2 mensurado na expiração é sempre um reflexo da massa de bactérias e da atividade metabólica bacteriana no trato digestivo. O momento no qual a concentração de H2 no ar expirado se eleva durante a realização do teste respiratório fornece uma indicação em qual região do intestino se deu a fermentação.


Normas para a realização do teste do H2 no ar expirado


Cada teste deve sempre se iniciar obtendo-se a amostra de jejum para a mensuração do H2 no ar expirado. Vale ressaltar que o paciente deve estar em jejum pelo período de ao menos 4 horas (porém 8 horas é o ideal). Após a mensuração do valor basal de jejum, o qual deve na imensa maioria dos casos ser inferior a 5 partes por milhão (ppm) (não deve ser superior a 10 ppm), o teste respiratório pode começar. O paciente deve ingerir o conteúdo de uma solução aquosa diluída a 10% do carboidrato que se deseja testar a tolerância e/ou absorção à dose de 2 gramas/kg de peso para os dissacarídeos (Lactose, Maltose e Sacarose) e à dose de 1 grama/kg de peso para os monossacarídeos (Glicose, Frutose e Galactose). A dose máxima para quaisquer dos carboidratos a serem testados não deve ultrapassar 25 gramas. Após a obtenção da amostra de jejum e da ingestão da solução aquosa, contendo o carboidrato a ser testado, amostras de ar expirado devem ser obtidas aos 15, 30, 60, 90 e 120 minutos. Caso o teste seja realizado com Lactulose (a dose é fixa de 20 gramas diluídas a 10% em água), para pesquisa de “Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado”, deve-se acrescentar uma coleta de amostra do ar expirado aos 45 minutos após a amostra de jejum. Vale salientar que a Lactulose é um dissacarídeo sintético (Frutose-Galactose) não absorvível que exerce efeito osmótico e que, portanto, pode provocar sintomas após sua ingestão, tais como, flatulência, cólicas e diarréia, os quais costumam desaparecer pouco tempo depois do término do teste.


Interpretação do Teste do H2 no ar expirado


A interpretação do resultado do teste do H2 no ar expirado baseia-se em 2 fatores cruciais, a saber: 1- a concentração em ppm do Hidrogênio expirado e 2- o aparecimento de sintomas após a realização do teste de sobrecarga.


1- Teste Normal: No caso de haver suficiência digestivo-absortiva, não deverá ocorrer aumento significativo da concentração de H2 no ar expirado (elevação inferior a 10 ppm sobre o nível de jejum) e nem tampouco referência a manifestações clínicas. Desta forma o teste deve ser considerado Normal (Figura 3).
Figura 3- Referência Eisenmann A. & cols. Journal of Breath Research 2: 1-9, 2008.

Caso surjam sintomas clínicos e a concentração de H2 no ar expirado for inferior a 20 ppm, trata-se de um não produtor de H2, o que pode ocorrer em até 5% dos indivíduos testados. Nesta circunstância, para se estabelecer um diagnóstico de segurança deve ser realizado o teste com Lactulose, posto que este dissacarídeo é sempre fermentado, e, se ainda assim não houver elevação da concentração de H2 no ar expirado pode-se assumir com segurança tratar-se de um não produtor de H2.

2- Teste Anormal: Uma elevação da concentração de H2 acima de 20 ppm sobre o nível de jejum a partir dos 60 minutos depois da ingestão do carboidrato é considerado um teste anormal (Figura 4) caracterizado como “má absorção” e, caso concomitantemente surjam sintomas, deve-se agregar o diagnóstico de “intolerância”.

Figura 4- Referência Eisenmann A. & cols. Journal of Breath Research 2: 1-9, 2008.

Por outro lado, caso ocorra um aumento significativo do H2 no ar expirado a partir dos 60 minutos, mas não surjam sintomas deve-se, nesta circunstância, utilizar a denominação “má absorção” para o teste bioquímico, mas do ponto de vista clínico não ocorreu “intolerância” (Figura 5).
Figura 5- Eisenmann A. & cols. Journal of Breath Research 2: 1-9, 2008.

Usualmente deve ser possível alcançar o pico máximo do aumento do H2 no ar expirado aos 60 minutos, ou ainda melhor, aos 90 minutos, porque pode tardar esse tempo para que o carboidrato não absorvido alcance o intestino grosso. Caso o valor do H2 no ar expirado seja superior a 10 ppm e inferior a 20 ppm, o teste deve ser considerado como limítrofe anormal. Além disso, outro fator também deve ser levado em consideração, pois se houver uma elevação da concentração de H2 acima de 10 ppm sobre o nível de jejum dentro dos primeiros 30 minutos do teste, este valor é indicativo de “Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado”. Essencialmente há 2 possibilidades para a ocorrência deste perfil particular do H2 no ar expirado, a saber:


1- a curva mostra um perfil de 2 picos de elevação do H2 no ar expirado, ou seja, 1 deles nos primeiros 30 minutos do teste seguido de uma diminuição na concentração do H2, o qual é seguido por nova elevação após os 60 minutos. Este comportamento do teste indica que há um “Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado” associado a preservação da válvula íleo-cecal e também que as bactérias presentes nas porções altas do intestino delgado foram capazes de metabolizar a substância testada. O segundo pico demonstra que a maior porção da substância testada não foi absorvida e que, portanto, foi fermentada no intestino grosso (má absorção) (Figura 6).

Figura 6- Referência Eisenmann A. & cols. Journal of Breath Research 2:1-9,2008.

Caso o paciente, durante a realização do teste, decorridos menos de 60 minutos após a ingestão da substância testada, vier a apresentar sintomas e que estes rapidamente venham a desaparecer, isto indica que as queixas se devem mais provavelmente ao “Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado” do que à má absorção da substância testada.


2- a curva mostra um pico precoce, antes dos 60 minutos após a ingestão da substância testada, o qual se mantem pelo menos em 20 ppm acima do valor basal, sem apresentar uma queda no valor do H2 no ar expirado, até os 90 minutos. Esta curva apresenta um “quase” perfil de 2 picos, sem que ocorra o “vale” entre o primeiro e segundo picos (Figura 7).
Figura 7- Referência Eisenmann A. & cols. Journal of Breath Research 2:1-9, 2008

Neste caso deve-se interpretar que houve um refluxo do fluido do intestino grosso para o íleo em virtude de uma hipotonia da válvula íleo-cecal.


Tipos de testes do H2 no ar expirado


Na verdade, qualquer carboidrato, tais como os monossacarídeos (Glicose, Frutose e Galactose), dissacarídeos (Sacarose, Maltose e Lactose) e mesmo polissacarídeos, álcool-açúcares, e o dissacarídeo sintético Lactulose, não absorvível (Galactose-Frutose). Os tipos de teste do H2 no ar expirado mais indicados estão representados na Tabela 1.

Tabela 1- Principais tipos de teste do H2 no ar expirado para avaliar a função digestivo-absortiva:
 1- Lactose; 2- Glicose; 3- Frutose; 4- Lactulose


As principais indicações do teste do H2 no ar expirado estão apontadas na Tabela 2.


Tabela 2- Principais indicações para a realização do teste do H2 no ar expirado:
1- Síndrome de Má absorção; 2- Síndrome do Intestino Irritável; 3- Intolerância à Frutose (dôces, frutas e Mel); 3- Investigação de meteorismo e Flatulência; 4- Monitoração da Doença Celíaca; 5- Doença Inflamatória Intestinal; 6- Deficiência Primária ou secundária de Lactase; 7- Intolerância à Lactose ; 8- Diarréia Crônica

Teste de sobrecarga com Lactulose

Como anteriormente referido, a Lactulose é um dissacarídeo sintético composto por Galactose-Frutose, portanto não absorvível, visto que o intestino humano não possui nenhuma dissacaridase capaz de hidrolisar este carboidrato, e, como conseqüência, a Lactulose é sempre fermentada. Neste caso deve-se utilizar 20 gramas do carboidrato diluído em solução aquosa a 10%. As indicações para a realização do teste com Lactulose estão discriminadas na Tabela 3.


Tabela 3- Principais indicações para a realização do teste do H2 no ar expirado com Lactulose:
1- Determinação do tempo de trânsito oro-cecal; 2- Constipação; 3- Síndrome do Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado


Todos estes testes, individualmente ou em conjunto, para se avaliar o perfil da função digestivo-absortiva ou o tempo de trânsito oro-cecal estão disponíveis para atendimento aos pacientes no Instituto de Gastroenterologia Pediátrica de São Paulo – IGASTROPED tel.: 11 9.8842.7324 (Contato Tatianne Rocha)