segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Colite Alérgica: Manifestações Clínicas, Diagnóstico e Tratamento (5)

Características clínicas e morfológicas da mucosa retal de lactentes com enterorragia devido a alergia alimentar: experiência pessoal



Considerando que a Colite Alérgica é a causa mais prevalente de colite nos primeiros meses de vida, e que os principais alergenos são as proteínas do leite de vaca e da soja, podendo mesmo ser veiculados pelo leite materno, e, que no nosso meio são escassos os estudos que correlacionam os dados clínicos com os achados histopatológicos na colite, realizamos esta pesquisa, que  transcrevo abaixo, de forma resumida, a qual foi publicada na revista Arquivos de Gastroenterologia, em 2002, sob o título: “Características clínicas e morfológicas da mucosa retal de lactentes com enterorragia devido a alergia alimentar”, pelos seguintes autores: Norys Diaz, Francy Patrício & Ulysses Fagundes Neto (1).


Objetivos:
1- Descrever as características da morfologia da mucosa retal em pacientes menores de 6 meses portadores de APLV;
2- Comparar as características da morfologia da mucosa retal entre estes pacientes e um grupo controle.

Pacientes:
Foram investigados, de forma prospectiva e consecutiva, 20 lactentes menores de 6 meses que apresentavam queixa clínica de presença de sangue vivo nas fezes e suspeita de AA. Em cada caso foram obtidas as seguintes informações: idade, sexo, idade de início do sangramento retal, presença de outros sintomas associados (vômitos, regurgitação, diarréia, palidez, distensão abdominal, cólicas, ganho ponderal inadequado, constipação e febre), peso ao nascer, tipo de alimentação no início dos sintomas (leite materno, fórmula láctea ou outros), idade do desmame, tratamentos dietéticos prévios, antecedentes pessoais e familiares de primeiro grau com outras enfermidades de provável origem alérgica.
Testes Laboratoriais: Foram realizados os seguintes exames: hemograma; parasitológico de fezes; cultura de fezes; retosigmoidoscopia; biópsia retal.
 

Critérios Diagnósticos de
Colite Alérgica
Foram utilizados os critérios propostos por Walker-Smith (2) anteriormente descritos.
Grupo Controle: Foram investigados 10 lactentes menores de 12 meses com suspeita de megacolon congênito. A análise da mucosa retal obtida por biópsia revelou-se sem alterações.

Avaliação da Mucosa Retal

A biópsia retal foi realizada durante o período de estado da doença, antes do início do tratamento, sem sedação, com a cápsula de aspiração de Rubin. Em todos os pacientes foram obtidos 3 fragmentos de mucosa retal a 2, 3 e 5 cm da borda anal, das paredes lateral ou posterior do reto. Foram avaliados os seguintes elementos microscópicos: alterações no epitélio superficial (degeneração, regeneração, erosão, criptite, metaplasia de células de Paneth), alterações da arquitetura glandular (distorção, ramificação, abscessos crípticos), conteúdo mucoso das glândulas (normal ou reduzido), infiltrado da lâmina própria (tipo, extensão, quantidade), nódulos linfóides (presença, número e localização), presença de granulomas, parasitas, fungos, corpos de inclusão de citomegalovirus e outras inclusões virais. A contagem do número de eosinófilos e neutrófilos foi realizada para cada uma das camadas da mucosa retal (epitélio superficial, epitélio glandular, lâmina própria e muscular da mucosa).
A contagem de eosinófilos foi realizada tomando-se como padrão de anormalidade os achados de Winter e cols. (3) e Odze e cols. (4), a saber:
1- Presença de um ou mais eosinófilos por campo de grande aumento (400x) avaliado, no epitélio superficial ou glandular ou na muscular da mucosa. O número total de células foi expresso como a média do número total de células contadas, dividido entre o número de campos de grande aumento avaliados.
2- Presença de 6 ou mais eosinófilos por campo de grande aumento avaliado, na lâmina própria. O número total de células foi expresso da mesma forma que no item anterior.
Foram contados apenas os eosinófilos íntegros. Para caracterização de colite foram utilizados os critérios de Goldman (5).
Resultados:
A idade dos pacientes variou de 22 a 175 dias e o início dos sintomas variou entre 2 e 157 dias de vida, sendo que em 85% deles os sintomas se iniciaram antes dos 120 dias de vida.
A dieta de 60% dos pacientes se constituía de fórmula láctea ou aleitamento misto, enquanto que os 40% restantes recebiam lactância materna exclusiva. O desmame ocorreu antes dos 4 meses de idade em 92% dos pacientes (considerando-se aqueles que não estavam recebendo aleitamento materno exclusivo na primeira consulta).
Além da enterorragia os pacientes apresentavam os seguintes sintomas associados: vômitos (65%), palidez (30%), cólicas (20%), diarréia (20%), constipação (5%). Ganho ponderal inadequado foi observado em 15% deles. Lesões cutâneas de provável natureza alérgica (eczema e dermatite seborréica) estiveram presentes em 20% dos pacientes e respiratórias em 10% deles.
Com relação aos tratamentos dietéticos previamente utilizados, sem sucesso, 3 (15%) haviam recebido fórmula de soja e 2 (10%) fórmula à base de hidrolisado protéico.
Em nenhum dos pacientes foi detectada presença de parasitas e nem tampouco microorganismos enteropatogênicos nas fezes.
Erosão do epitélio superficial ou úlcera foi observada em 3 pacientes, ao passo que nos controles não foram observadas alterações no epitélio superficial. O achado mais marcante na biópsia retal dos pacientes foi a presença significativamente aumentada de eosinófilos em todas as camadas da mucosa retal em relação ao grupo controle, respectivamente, a saber: epitélio superficial 1,4 x 0,1; epitélio glandular 1,8 x 0,2; lâmina própria 10,3 x 1,3; muscular da mucosa 2,5 x 0,0.
Nas figuras 1 e 2 podem ser observados os aspectos de mucosa retal normal à microscopia óptica comum, enquanto que nas Figuras 3-4-5 e 6 podem ser observadas as distribuições dos eosinófilos nas diversas camadas da mucosa retal nos pacientes com Colite Alérgica.

Figura 1- Mucosa colônica normal evidenciando epitélio preservado, infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria e glândulas crípticas com a células repletas de muco.



Figura 2- Mucosa retal sem alterações morfológicas evidenciando em ambas as laterais e no centro nódulos linfóides.
Figura 3- Colite eosinofílica: notar presença de eosinófilos no epitélio e em grande quantidade na lâmina própria.

Figura 4- Colite eosinofílica: notar presença de eosinófilos em grande quantidade no epitélio e na porção superior da lâmina própria próxima ao epitélio.

Figura 5- Colite eosinofílica: eosinófilos infiltrando o epitélio e na lâmina própria da mucosa retal.
Figura 6- Colite eosinofílica: notar a presença de eosinófilos na muscular da mucosa.


Conclusões

Os resultados verificados nesta investigação clínico-anátomo-patológica permitem afirmar que:

1- o quadro clínico da Colite Alérgica caracteriza-se, em geral, por início dentro dos 4 primeiros meses de vida, de forma insidiosa, com sangramento retal associado a outros sintomas, tais como diarréia, vômitos, cólicas intensas, irritabilidade;

2- as manifestações clínicas podem se apresentar em lactentes  tanto em vigência de aleitamento artificial quanto natural, embora neste último caso os sinais e sintomas costumam ser menos floridos;

3- o número significativamente aumentado de eosinófilos na mucosa retal é o elemento diagnóstico mais importante;

4- o encontro de mais de 6 eosinófilos na lâmina própria e/ou 1 ou mais eosinófilos no epitélio superficial e/ou glandular, por campo de grande aumento, constituem-se nos critérios histo-patológicos para o diagnóstico definitivo de Colite Alérgica;

5- o tratamento dietético preconizado é, sempre que possível, manter o aleitamento materno, sendo que a mãe deve respeitar dieta de restrição de leite e derivados, bem como outros alergenos alimentares reconhecidos;

6- os pacientes que já estavam em aleitamento artificial devem passar a receber fórmula à base de hidrolisado protéico extensivamente hidrolisado, e na intolerância a este tipo de dieta, deve-se introduzir fórmula à base de mistura de aminoácidos.

Como motivo de inspiração e estímulo a todas as atuais e futuras mães para que tenham o desejo, o sucesso e a satisfação de amamentar seus filhos, para terminar este capítulo sobre Colite Alérgica, deixo abaixo a fotografia de uma pintura de El Greco intitulada La Virgen de la Buena Leche que está exposta em seu museu em Toledo, Espanha.

Referências Bibliográficas



 
1. Diaz, N. j. e cols., Arq Gastroenterol 2002; 39: 260-67.


2. Walker-Smith, J. A., Clin Exp Allergy 1995; 25: 20-2.

 
3. Winter, H.S. e cols., Mod Pathol 1990; 3: 5-10.
4. Odze, R. D. e cols., Hum Pathol 1993; 24: 668-74.
5. Goldman, H. e cols., Am J Surg Pathology 1986; 10: 76-86.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Colite Alérgica: Manifestações Clínicas, Diagnóstico e Tratamento (4)


Tratamento

O tratamento da Colite Alérgica baseia-se estritamente na eliminação do alergeno da dieta do paciente. Enquanto o paciente estiver recebendo uma dieta baseada em apenas um determinado alimento, como geralmente ocorre com os lactentes menores de 6 meses, seja fórmula láctea ou fórmula de soja, torna-se facilmente identificável qual a proteína que deve ser retirada da dieta. Entretanto, quando a dieta do paciente passa a ser mais variada já tendo ocorrido a introdução de outros alimentos, a identificação do alergeno pode ser uma tarefa extremamente difícil de ser exercida com sucesso. Portanto, quanto mais diversificada for a dieta de um paciente que se suspeita ser portador de AA mais trabalhoso será identificar um ou mais agentes alergênicos. Por esta razão, estrategicamente, deve-se sempre restringir ao máximo o número e a variedade dos alimentos empregados na dieta do paciente, porém, é imperioso que se tome todo o cuidado para não provocar alguma deficiência nutricional.

Lactente em Aleitamento Artificial

Nesta circunstância o paciente deve receber única e exclusivamente uma dieta hipoalergênica, ou seja, uma fórmula à base de hidrolisado protéico extensivamente hidrolisado durante um período não inferior a 12 semanas, podendo inclusive prolongar-se até o final do primeiro ano de vida dependendo do critério do médico assistente. É esperado que as manifestações clínicas desapareçam dentro das próximas 48 horas depois da introdução da fórmula hipoalergênica. Caso os sintomas persistam ou reapareçam dentro de alguns dias após a introdução da fórmula hipoalergênica, deve-se suspeitar de intolerância à fórmula à base de hidrolisado protéico. Apesar das proteínas serem extensivamente hidrolisadas nas fórmulas à base de hidrolisado protéico disponíveis no mercado, ainda assim apresentam em sua composição pequenas frações peptídicas que podem desenvolver estímulo antigênico. Tem sido nossa experiência pessoal, aliada à experiência internacional, que cerca de 10 a 15% dos pacientes podem desenvolver intolerância às fórmulas à base de hidrolisado protéico. Ao se suspeitar ou mesmo se caracterizar a ocorrência de intolerância à fórmula à base de hidrolisado protéico, deve-se substituí-la para uma fórmula à base de mistura de amino-ácidos, a qual não tem qualquer estímulo antigênico, visto que este tipo de fórmula é desprovida de frações peptídicas potencialmente alergênicas (23).
Após o sexto mês de vida devem ser introduzidos novos alimentos, porém, sempre com a devida precaução de evitar a utilização de leite de vaca e derivados, bem como produtos contendo soja. A introdução desses novos alimentos deve ser feita de forma gradual para que se possa ter uma observação criteriosa da sua tolerabilidade por parte do paciente.
Como esta enfermidade tem caráter transitório, no final do primeiro ano de vida pode-se realizar um teste de desencadeamento com fórmula láctea. O desencadeamento deve ser realizado sob supervisão médica, posto que, embora muito raramente, pode ocorrer choque anafilático caso o paciente ainda seja alérgico ao leite de vaca.

Lactente em Aleitamento Natural
Como já foi referido anteriormente o leite humano pode ser veículo de transporte de proteínas estranhas, potencialmente alergênicas, e desta forma, indiretamente, provocar manifestações de Colite Alérgica. Entretanto, é de fundamental importância que NÃO seja suspenso o Aleitamento Materno, e SIM tratar de eliminar da dieta da mãe o suposto alergeno. Inicialmente deve-se eliminar o leite de vaca e seus derivados, bem como a soja e todos os produtos industrializados que contenham estas substâncias na dieta. Após a eliminação destes alimentos a sintomatologia deve regredir significativamente, ou mesmo desaparecer dentro das próximas 48 horas. Caso a sintomatologia persista deve-se pensar que outros alimentos, além dos anteriormente referidos, também podem estar envolvidos como causa da alergia. Nem sempre é fácil detectar qual ou quais outros alimentos podem estar perpetuando as manifestações clínicas, porém, deve-se buscar à exaustação o possível alergeno por meio da elaboração de diários da alimentação da mãe, na tentativa de se estabelecer uma relação causa-efeito. Aproveito este tema para fazer a descrição da minha experiência pessoal com outro alergeno além do leite de vaca e da soja, através do relato de um caso.

Relato de um caso da experiência pessoal
 
Tratava-se de um recém-nascido de 15 dias de vida em aleitamento natural exclusivo que atendi com queixa de diarréia sanguinolenta. Era o segundo filho de uma mãe extremamente cuidadosa que já havia amamentado com sucesso seu primeiro filho durante 6 meses sem quaisquer intercorrências. Afora a queixa de várias evacuações sanguinolentas durante 2 dias o paciente apresentava-se em excelente estado geral, ativo, sem qualquer sinal clínico de toxemia que pudesse sugerir infecção intestinal. A primeira suspeita foi de Colite Alérgica, comprovada por biópsia retal, e a infecção colônica foi afastada por cultura de fezes que resultou negativa para crescimento de microorganismos enteropatogênicos. Como o recém-nascido não havia tido contato prévio com leite de vaca considerei que tivesse havido sensibilização intra-útero e recomendei que a mãe eliminasse da sua dieta leite de vaca e derivados, bem como soja e produtos contendo soja. A recuperação clínica deu-se em 48 horas após o início da dieta da mãe, e houve total regressão dos sintomas. Entretanto, após 15 dias do início da dieta de eliminação que a mãe estava sendo submetida, o lactente retornou para consulta, e naquela ocasião a mãe referiu que a diarréia sanguinolenta havia recaído 2 dias atrás. A mãe assegurava que estava cumprindo a dieta à risca, sem qualquer transgressão, nem mesmo inadvertidamente. Como se tratava de uma pessoa com a qual eu já vinha tendo um longo contato e era sabedor do seu zelo para com os filhos, dei crédito absoluto à sua informação, principalmente depois de haver insistido exaustivamente na possibilidade de detectar alguma transgressão alimentar, a qual sempre foi negada. Naquele momento, ao acreditar na informação da mãe passei a enfrentar um dilema científico, posto que então, obrigatoriamente, outro alimento estaria envolvido na gênese dos sintomas. Seguindo um velho aforismo da Pediatria, de que não se deve levantar da cadeira para examinar o paciente sem que se tenha uma boa presunção diagnóstica, continuei a interrogar a mãe sobre seus hábitos alimentares de forma ainda mais detalhada, em especial perguntando-lhe que possíveis alimentos não rotineiramente utilizados ela poderia ter ingerido. Depois de um longo interrogatório ela se lembrou que na noite anterior ao segundo sangramento intestinal do filho ela teve um enorme desejo de comer bala de côco, e fez o marido sair de casa para comprar a guloseima. Assim que o marido chegou em casa trazendo um pacote de bala de côco ela ingeriu todas as balas rapidamente. Mais ainda, contou-me que o mesmo fato havia ocorrido na noite anterior ao primeiro episódio do sangramento intestinal. Avançamos na quase descoberta da possível causa da alergia, porém, algo permanecia obscuro, como explicar o primeiro episódio, posto que alergia se manifesta após uma sensibilização prévia, salvo existir algum tipo de sensibilização cruzada. Por este motivo, não me dei por satisfeito e continuei o interrogatório, agora retrocedendo à gravidez, e aí o mistério se elucidou. Uma noite, já nas últimas semanas de gestação a mãe sentiu um enorme desejo de comer bala de côco, e pediu ao marido que fosse comprar a guloseima, a qual ela novamente ingeriu todo um pacote em poucas horas. Agora sim tudo tinha uma explicação perfeitamente científica: durante a gestação o feto foi sensibilizado intra-útero, portanto, já havia tido o primeiro contato com o alergeno, na segunda vez teve o processo alérgico desencadeado e na terceira vez foi um verdadeiro teste de provocação positivo para Colite Alérgica à bala de côco.
Vale a pena referir que a mãe continuou amamentando seu filho, tendo eliminado mais um alimento da dieta, de forma exclusiva até o sexto mês de vida sem qualquer outra intercorrência. Como se pode depreender desta experiência é necessário investigar todos os detalhes da dieta da mãe para termos sucesso na conduta alimentar, e persistir na recomendação da prática do aleitamento natural exclusivo por tempo prolongado. Outras experiências com outros alergenos alimentares também já foram por mim vivenciadas, mas me detenho neste exemplo por ser ele o mais significativo.

Referência Bibliográfica
23. Sichere, S. H. e cols., J Pediatr 2001; 138: 688-93.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Colite Alérgica: Manifestações Clínicas, Diagnóstico e Tratamento (3)

Manifestações Clínicas


A manifestação clínica mais intensa e exuberante é a diarréia sanguinolenta associada a cólicas, as quais estão presentes em cerca de 90% dos pacientes. Geralmente os sintomas apresentam-se de início insidioso instalando-se na imensa maioria dos casos nos primeiros 6 meses de vida, mais particularmente ainda nos primeiros 3 meses. O sangue costuma ser "vivo" misturado às fezes, e, em algumas circunstâncias pode haver apenas sangramento retal em decorrência do processo inflamatório que afeta a mucosa colônica, tratando-se, portanto, de uma lesão interna. O sangramento costuma ser intermitente e de escassa quantidade; somente em raras situações pode haver perda importante de sangue, acarretando anemia aguda (20).


Em alguns casos, especialmente quando o lactente está recebendo aleitamento natural o sangramento pode não ser visível a "olho nú", e isto é o que se denomina sangramento "oculto", o qual é detectado através de método imunoenzimático em fezes recém eliminadas.
Regurgitação e vômitos também podem estar presentes com frequência muito variável entre 20 e 100% dos pacientes, o que pode ser um fator de interpretação equivocada da Doença do Refluxo Gastroesofágico. A maioria dos pacientes apresenta uma constelação de sintomas adicionais que inclui inquietação e irritabilidade, particularmente logo após o início da mamada, o que pode levar a uma interpretação equivocada de cólica do lactente; entretanto, o estudo anátomo-patológico da mucosa retal revela aspectos claramente inflamatórios com acentuada infiltração eosinofílica, que é característica da proctocolite alérgica (21).
Na maioria das vezes não há uma clara percepção do agravo do crescimento pondero-estatural, porém, ao se instituir o tratamento correto nota-se nitidamente a ocorrência de uma rápida recuperação nutricional, com ganho pondero-estatural acelerado (Figuras 1 e 2).
Figura 1- Paciente no momento do diagnóstico da Colite Alérgica.
 Figura 2- O mesmo paciente da Figura 1 após a recuperação clínica e nutricional.

 

Diagnóstico


A suspeita diagnóstica se baseia no quadro clínico anteriormente descrito, sendo necessário afastar as outras causas de colite já referidas. Particularmente na faixa etária dos lactentes menores de 6 meses a maior preocupação é eliminar a possibilidade de infecção por um dos microorganismos invasores da mucosa colônica, o que pode ser constatado em primeiro lugar pelo aspecto clínico do paciente, posto que este não deve apresentar sinais de toxemia, prostração e febre, e definitivamente descartada pelo resultado da cultura de fezes que deve ser negativo para crescimento de bactérias enteropatogênicas invasoras.
Até há pouco tempo não havia um consenso internacional quanto à utilização de parâmetros clínicos objetivos para se estabelecer o diagnóstico definitivo da Colite Alérgica, fato este que trazia grandes controvérsias diagnósticas. Além disso, está bem definido que os testes cutâneos e/ou sorológicos não são aplicáveis nesta afecção, pois, como se sabe, estes testes têm validade diagnóstica somente quando está presente o mecanismo imunológico da hipersensibilidade imediata (mediada pela IgE) o que não é o que se verifica quando se trata de Colite Alérgica. Como anteriormente mencionado, aqui entra em jogo o mecanismo imunológico da reação antígeno-anticorpo em excesso de antígeno com fixação de complemento (conhecido como reação de Arthus) resultando em uma vasculite, dai o sangramento quase sempre visível.
Na intenção de contornar esta dificuldade diagnóstica John Walker-Smith (22), pesquisador inglês de reconhecido prestígio internacional, fez uma profunda revisão sobre o tema e propôs, em 1995, os seguintes critérios para o diagnóstico de Colite Alérgica: 1- Clínica: presença de sangramento retal e cólicas em lactente sem agravo nutricional de maior intensidade; 2- Laboratorial: exclusão de causas infecciosas de colite; 3- Procedimento: endoscopia e/ou biópsia retal com características típicas de colite; 4- Prova terapêutica: desaparecimento dos sintomas após a eliminação do suposto alergeno da dieta do lactente ou da dieta da mãe (no caso de aleitamento natural); 5- Desencadeamento: não é necessário antes dos 9 a 12 meses de idade; 6- Procedimento: realização ou não de nova biópsia retal para caracterizar regressão das lesões na dependência do critério do médico assistente.
À colonoscopia a mucosa colônica encontra-se hiperemiada, friável com sangramento espontâneo à passagem do colonoscópio, podendo-se também observar pequenas ulcerações na mucosa (Figuras 3 e 4).


Figura 3- Visualização endoscópica das mucosas colônica e ileal evidenciando ulcerações macroscópicas, sangramento espontâneo e ingurgitamento vascular.

Figure 4- Imagem endoscópica da Colite Alérgica evidenciando ulcerações macroscópicas e grande fragilidade da mucosa com sangramento espontâneo.

À microscopia óptica observa-se solução de continuidade do epitélio colônico, intenso aumento do infiltrado linfo-plansmocitário e eosinofilico na lâmina própria, diminuição do conteúdo de muco das glândulas crípticas e inclusive até mesmo a existência de abscesso críptico (presença de polimorfonucleares no interior da glândula críptica) (Figuras 5 e 6). Após a cura há completa regeneração da mucosa colônica (Figura 7).

Figura 5- Microfotografia de material de biópsia retal evidenciando lesões histopatológicas características de Colite: solução de continuidade do epitélio colônico, aumento acentuado do infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria, com presença aumentada de eosinófilos, glândulas crípticas com diminuição de células produtoras de muco, e presença de abscesso críptico com infiltrado de neutrófilos.

Figura 6- Material de biópsia do reto de paciente portador de Colite Alérgica evidenciando intensa infiltração eosinofílica no epitélio, lâmina própria e nas glândulas crípticas.

Figura 7- Material de biópsia do reto de paciente portador de Colite Alérgica em fase de recuperação; houve regeneração do epitélio, infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria discreto e presença normal de muco nas glândulas crípticas.

Referências Bibliográficas
20. Niggemann, B. e cols., Pediatr Allergy Immunol 2001; 12: 78-82.

21. Sicherer, S. H. e cols., J Pediatr 1998; 133: 214-9.

22. Walker-Smith, J. A., Clin Exp Allergy 1995; 25: 20-2.