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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (42)

A consolidação da tradição em Pesquisa: Expandindo as fronteiras do “Tratado de Tordesilhas” da ciência (parte 2)


2- O vitorioso esforço para implantar a Investigação Experimental

Em 1979, logo após a minha volta do Pos-Doc em Nova Iorque, aonde fui aprender as técnicas da perfusão intestinal e os conhecimentos da Biologia Celular em Microscopia Eletrônica de Transmissão, senti a enorme necessidade de implantar no nosso meio a experiência adquirida no exterior. A vivência em um país desenvolvido trouxe-me um ensinamento muito alentador e ao mesmo tempo me provocou um grande desafio. Os países ricos, de uma maneira geral, dispõem de tecnologia altamente sofisticada e por sua própria condição de riqueza não apresentam os dramáticos problemas médico-sociais decorrentes do subdesenvolvimento e da pobreza extrema. Por outro lado, os países pobres possuem pouca tecnologia e, em geral, as verbas disponíveis para solucionar seus problemas sociais são insuficientes, quer seja por incúria, descaso e/ou incompetência dos governantes. Por esta razão suas populações sofrem as consequências diretas desta situação, as quais são refletidas nas elevadas prevalências do binômio diarreia-desnutrição, um ciclo vicioso que se torna praticamente insolúvel. Neste aspecto, nossa condição é bastante peculiar, pois possuímos alguma tecnologia avançada em determinadas áreas do saber, mas, por outro lado, também temos uma parcela significativa da nossa população vivendo em condições indignas de salubridade. Esta particularidade sempre me estimulou para assumir a vanguarda, em várias frentes de pesquisa relacionadas ao problema da injustiça social vigente em nosso país, na busca de alguma saída para contribuir na solução destas graves nódoas médico-sociais. Foi por esta sensibilidade humanística que meu foco de pesquisa sempre enfatizou a produção de conhecimentos que de alguma forma pudesse vir a minimizar, e, idealmente, porque não dizer, batalhar para extirpar de vez, a existência desta excrecência denominada diarreia-desnutrição. Aprendi ao longo da minha carreira que devemos sempre, quando não é possível alcançar o ideal, perseguir o melhor possível, mas sem nunca nos esquecermos de lutar perseverantemente em busca de conquistar o ideal.

Tendo em mente estes princípios decidi firmemente colocar em prática a conciliação da investigação experimental, utilizando a tecnologia avançada a mim disponível, com o prosseguimento da linha de pesquisa clínica anteriormente adquirida e já devidamente consolidada, a qual, inclusive agora, mais do que nunca, deveria ser revitalizada. 

Para implantar as técnicas de perfusão intestinal era necessária a aquisição das bombas de perfusão, equipamentos essenciais para tal empreitada. Para conseguir dispor das bombas de perfusão elaborei um projeto de pesquisa que foi submetido à FAPESP e rapidamente aprovado. Este primeiro êxito nos permitiu obter todo o equipamento necessário para colocarmos em prática aquilo que havia sido aprendido no exterior. Passamos, então, a realizar projetos de pesquisa da mais alta vanguarda científica. Com muita criatividade fomos desenvolvendo modelos de investigação experimental totalmente inéditos no nosso meio, e mesmo, no âmbito científico internacional.

Inicialmente, tratamos de pesquisar uma possível ação enterotoxigência do Campylobacter jejuni, que resultou positiva, e, mais ainda, este estudo redundou nas primeiras, de outras posteriores, teses de Mestrado e Doutorado, utilizando a técnica de perfusão intestinal em ratos. Este trabalho foi realizado pelo microbiologista chileno Eriberto Fernandez Jaramillo, professor da Universidad Austral de Chile, em Valdivia. Logo a seguir, devido ao sucesso da metodologia criada foi a vez de se estudar a ação enterotoxigênica das cepas enteropatogênicas clássicas de Escherichia coli, que resultou na tese de Doutorado do Dr. Fernando Fernandes.

O sucesso da metodologia contagiou outras áreas do conhecimento e despertou o interesse do Prof. Francisco Figueiredo, docente da Disciplina de Nefrologia. Essa feliz associação possibilitou a criação de novos avanços na metodologia, a partir do estudo da função renal dos ratos enquanto submetidos à perfusão intestinal. Estes novos conhecimentos nos permitiram trabalhar em condições técnicas mais controladas e fisiológicas, o que resultou na tese de Mestrado da sua aluna Dra. Areuza Vianna.

Estudos de perfusão intestinal em ratos passaram a ser praticamente uma rotina em nosso laboratório de investigação experimental, resultando em várias publicações em periódicos indexados. Além disso, outras teses de Mestrado e Doutorado se sucederam com a aplicação dos mais diferentes modelos experimentais, tais como, o transporte intestinal de água, sódio e glicose utilizando como solução de perfusão as diferentes soluções de hidratação oral existentes no mercado, e também, o transporte transepitelial das acima referidas substâncias utilizando como solução de perfusão a água de coco nos mais diversos períodos de maturação do fruto, frutos esses obtidos tanto no litoral, na praia da Atalaia Nova em Sergipe, como no interior do Brasil, em Britânia, Goiás. Estes trabalhos resultaram na tese de Doutorado da Profa. Elisabete Kawakami, e nas teses de Mestrado da médica Ana Amélia Pontes de Camargo e da biomédica Renata Vigliar.

A outra metodologia, ou seja, a microscopia eletrônica de transmissão para estudar a morfologia ultraestrutural do intestino delgado nas mais variadas situações clínicas de diarreia, aguda, persistente e crônica, foi imediatamente implementada, visto que nossa instituição dispunha de um excelente microscópio eletrônico de transmissão Zeiss, de última geração para a época. Passamos a publicar trabalhos absolutamente inéditos a respeito das alterações ultra-estruturais do intestino delgado em nossos pacientes, nas mais importantes revistas nacionais e internacionais da Gastroenterologia Pediátrica (Figuras 27-28-29-30-31).
 
Figura 27- Ultramicrofotografia em microscopia eletrônica de transmissão de um paciente portador de diarreia persistente evidenciando profundas alterações do enterócito, diminuição na altura e no número das microvilosidades, distorção das mitocôndrias e inchação do retículo endoplásmico.

Figura 28- Ultramicrofotografia em microscopia eletrônica de transmissão de um paciente portador de diarreia persistente evidenciando profundas alterações do enterócito, com a presença de um enorme corpo multivesicular no interior do citoplasma.


Figura 29- Ultramicrofotografia em microscopia eletrônica de transmissão de um paciente portador de diarreia persistente evidenciando profundas alterações do enterócito e a presença de nichos de EPEC firmemente aderidos no polo apical do enterócito.


Figura 30- Ultramicrofotografia em microscopia eletrônica de transmissão de um paciente portador de diarreia persistente evidenciando profundas alterações do enterócito  fusão das microvilosidades formando tufos.

Figura 31- Ultramicrofotografia em microscopia eletrônica de transmissão de um paciente portador de diarreia persistente evidenciando profundas alterações do enterócito com diminuição das microvilosidades e vacuolização do citoplasma.

Posteriormente, com a aquisição do microscópio eletrônico de varredura ampliamos nosso escopo de pesquisa clínicas e experimentais, que resultaram em teses de Mestrado e Doutorado, e que posteriormente vieram a ser publicados em periódicos indexados nacionais e internacionais (Figuras 32-33-34-35-36).

 Figura 32- Ultramicrofotografia em microscopia eletrônica de varredura evidenciando a superfície dos enterócitos de aspecto normal com clara delimitação entre os mesmos.

Figura 33- Ultramicrofotografia em microscopia eletrônica de varredura de um paciente portador de diarreia persistente evidenciando a presença de gotículas de gordura não absorvida na superfície do enterócito.

 Figura 34- Ultramicrofotografia em microscopia eletrônica de varredura de um paciente portador de diarreia persistente evidenciando total destruição da superfície absortiva do enterócito.

Figura 35- Ultramicrofotografia em microscopia eletrônica de varredura de um paciente portador de diarreia persistente evidenciando a presença de uma crosta fibrino-leucocitária na superfície do enterócito. 


Figura 36- Ultramicrofotografia em microscopia eletrônica de varredura de um paciente portador de diarreia persistente evidenciando intensas alterações nas vilosidades dos enterócitos.

Ampliávamos, assim, dia a dia, de forma incessante as fronteiras dos conhecimentos sobre um problema de saúde pública que afeta algumas centenas de milhares de crianças em todo o mundo subdesenvolvido. Enfim, havíamos conseguido levar a cabo da forma mais exitosa possível a ideia da implantação da metodologia aprendida no exterior, era algo que estava definitivamente consolidado na nossa linha de pesquisa, todas as múltiplas barreiras haviam sido ultrapassadas, mais um valor era agregado ao nosso arsenal de investigação clínica e experimental.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A história da realização de um Pós-Doutorado na Cornell University, Nova Iorque (11)

O Projeto de Pesquisa Experimental: “Absorção de Macromoléculas Intactas Pelo Jejuno De Ratos in vivo: Influência Dos Sais Biliares Taurocolato, Colato e Deoxicolato”

Material e Métodos

1. Perfusão Intestinal
Ratos machos, cêpa Wistar, pesando entre 100 e 150 gramas foram utilizados. Os ratos foram alimentados com dieta padrão até a noite anterior ao experimento.

Os ratos foram anestesiados pela via intra-peritoneal com uretano à dose de 1,2 g/kg de peso. A cavidade abdominal foi aberta por uma incisão médio-ventral e o duodeno identificado. Uma pequena incisão foi realizada na porção média do duodeno e um tubo de polietileno foi inserido através de uma incisão até atingir o ligamento de Treitz. A cânula foi então fixada no lugar por meio de uma ligadura. Um segmento de jejuno, medindo aproximadamente 30-40 cm, foi utilizado para perfusão e a extremidade distal deste segmento também foi canulada, e a cânula fixada por uma ligadura. O segmento distal assim preparado para a perfusão intestinal foi delicadamente lavado com solução fisiológica isotônica evitando-se distensão (Figura 1).
Figura 1- Início do procedimento cirúrgico para implantação das cânulas; às vezes ocorria algum acidente de trabalho como mostra a foto.

A cânula proximal foi acoplada a uma bomba de perfusão peristáltica marca Harvard modelo 1220 e o segmento jejunal devidamente preparado foi perfundido durante 60 minutos a um ritmo de 0,21-0,24 ml/min com uma solução isotônica (280 mOsm/l) de glicose e cloreto de sódio (pH 6,9) contendo 600 mg% de polietileno-glicol (PEG) e 0,5 g% de Horseradish peroxidase (HRP) (Tipo II Sigma Chemical Co., St Louis, M) como marcador protéico macromolecular. A esta solução de perfusão foi acrescentado, de forma independente para cada sessão do experimento, o sal sódico de um dos seguintes ácidos biliares: Taurocólico (TCh) (Sal biliar primário e conjugado), Cólico (Ch) (Sal biliar primário e desconjugado) e Deoxicólico (DCh) (Sal biliar secundário e desconjugado) a uma concentração de 0,5 mM. Ratos Controles (C) foram perfundidos com uma solução isenta de sais biliares. Após a adição dos sais biliares o pH da solução foi reajustado para o valor de 6,9 e a osmolaridade permaneceu inalterada (Figura 2).



Figura 2- Os ratos em plena ssessão de perfusão intestinal após terem sido apropriadamente preparados para tal com as cânulas proximais acopladas às bombas de perfusão. Cada experimento envolvia 12 ratos em um mesmo procedimento.

A concentração 0,5 mM dos sais biliares foi escolhida por ser aquela que fisiologicamente se encontra no lúmen intestinal dos ratos adultos. Foram estudados os fluxos de água por meio da determinação das alterações intra-luminais de um marcador não absorvível, o PEG, durante o experimento, e expressos segundo a seguinte relação PEG inicial/PEG final, ou seja determinando-se o quociente entre a concentração do PEG na solução infundida e a concentração do PEG na solução coletada da perfusão na cânula distal. O transporte do sódio foi analisado determinando-se a concentração do sódio perfundido em aparelho de fotometria de chama (IL Modelo 143) e a absorção de glicose pelo método da glicose oxidase. Os cálculos finais dos transportes de sódio e glicose foram determinados aplicando-se a seguinte fórmula: T= C inicial – (C final x PEGr) x Ritmo de perfusão (ml/min) x 1000/ Comprimento de alça intestinal perfundida (cm), aonde: C inicial representa a concentração da substância na solução de perfusão e C final a concentração da substância no perfundido e PEGr o valor numérico da relação PEG inicial/PEG final. Valores finais positivos indicam absorção de uma determinada substância e negativos indicam secreção.
2. Análise Bioquímica da Absorção de HRP
A absorção de HRP desde a luz intestinal para a circulação sistêmica foi monitorada enzimaticamente. Ao cabo dos 60 minutos do período experimental, sangue da aorta abdominal foi cuidadosamente obtido, evitando-se hemólise. Este procedimento foi feito empregando-se uma agulha número 22 e seringa heparinizada da qual se retirou o êmbulo para que o sangue pudesse fluir espontaneamente. A agulha era então removida e permitia-se que o sangue fluísse da seringa para um tubo de ensaio conservado em um balde com gelo. O plasma era separado por centrifugação à 500g durante 10 minutos e posteriormente clarificado por uma segunda centrifugação sob idênticas condições (Figura 3).
Figura 3- Mary Ann fazendo a coleta de sangue da aorta do rato ao término do experimento de perfusão para fazer a dosagem sérica da HRP. Estou ao seu lado e há um buraco esbranquiçado na minha calça, produto de manipular substâncias corrosivas no laboratório.

A atividade sérica de HRP foi determinada utilizando-se orto-dianisidina (corante) como doadora de electron (Worthington Biochemical Corp., Freehold, NJ). Os resultados foram expressos como micromoles de peroxidase decomposta/min/ml/cm de jejuno perfundido e corrigido para um padrão de ritmo de perfusão de 0,2 ml/min. A reação enzimática obedece ao seguinte princípio básico: a peroxidase (enzima) atua sobre o peróxido de hidrogênio (substrato) decompondo-o em água e liberando oxigênio. A orto-dianisidina é uma substância incolor que foi adicionada à reação para possibilitar a quantificação da atividade enzimática. À medida que a reação se processa, o corante é oxidado pela liberação de Oxigênio molecular e vai adquirindo a cor marrom. Desta forma, torna-se possível determinar por método colorimétrico, empregando-se espectrofotômetro com polígrafo acoplado, a quantidade de enzima presente na amostra estudada (Figura 4).



Figura 4- Mary Ann carregando a prateleira com os tubos de ensaio após ter dosado a HRP por técnica bioquímica. Notar o tom amarronzado do fluido no interior dos tubos de ensaio.

3. Microscopia de Luz e Eletrônica de Transmissão
A absorção de HRP foi também monitorada utilizando-se método citoquímico por meio da microscopia de luz e eletrônica de transmissão conforme descrição que segue abaixo.

Após a conclusão do experimento, o segmento intestinal foi perfundido durante aproximadamente 3 minutos, a um ritmo de 10 ml/min à temperatura ambiente, com solução de glutaraldeido 2% tamponada com cacodilato 0,1 (pH 7,2 – 7,4). Após este tempo os ratos eram sacrificados e o segmento perfundido retirado e submerso em fixador refrigerado, recentemente preparado. Uma pequena porção deste material, medindo de 2 a 3 cm de tamanho, e distando de 10 a 15 cm da porta de entrada da cânula proximal, era obtido e dividido em pequenos blocos de tecido de forma cilíndrica. Estes blocos eram submersos em frasco contendo a solução fixadora e aí permaneciam por uma hora. Após este período de tempo os fragmentos eram lavados durante 12 horas em solução tampão cacodilato 0,1 M com 7% de sacarose e guardados em refrigerador.

Os fragmentos cilíndricos eram agora abertos e cortados em porções menores sob microscópio de dissecção em tampão refrigerado, expondo-se assim a face luminal da mucosa jejunal. Estes novos fragmentos eram congelados na cabeça de um micrótomo de congelação e enxaguados durante 15 minutos no meio de Graham e Karnovsky, contendo diamino-benzidina em ausência de substrato (peróxido de Hidrogênio). Eram posteriormente incubados durante 45 minutos em meio completo à temperatura ambiente.

O processo de incubação enzimática era finalizado enxaguando-se brevemente com solução refrigerada de sacarose 7,5%.

Os fragmentos incubados eram posteriormente fixados em solução refrigerada de tetraóxido de ósmio contendo tampão cacodilato 0,1 M (pH 7,3) durante 60 minutos, corados em bloco com acetato de uranila, desidratados em uma série graduada de soluções de etanol a 50, 70, 95 e 100%, respectivamente, e finalmente incluídos em Epon. Cortes espessos de 1 micra eram feitos em ultramicrótomo para estudo em microscópio de fase (Figura 5).

Figura 5- Microfotografia em microscópio de contraste de fase mostrando 2 vilosidades jejunais digitiformes aonde podem ser visualizadas as células epiteliais cilíndricas e as células califormes. Na superfície mais externa das vilosidades, na região das microvilosidades, nota-se um contorno enegrecido que corresponde à presença do produto de reação da HRP (macro-molécula protéica).

Cortes ultrafinos de coloração prateada eram feitos e examinados em microscópio eletrônico JEOL-JEM 100. Os espécimes eram estudados levemente corados com citrato de chumbo. Microfotografias eram obtidas em magnificações iniciais de 5000 a 25000 vezes.

As análises histológicas dos cortes espessos eram feitas “às cegas” desconhecendo-se o tipo de tratamento fisiológico ao qual o material havia sido submetido e interpretadas por 2 investigadores (eu e Saul Teichberg). Nenhum resultado foi considerado válido caso não fosse reprodutível em pelo menos 3 experimentos independentes. Para cada um dos ratos estudados, 18-24 vilosidades intestinais por animal foram analisadas em microscopia de fase. Áreas representativas foram escolhidas para análise em microscopia eletrônica.

No nosso próximo encontro apresentarei os resultados deste projeto de pesquisa e a discutirei os achados com suas potenciais implicações clínicas.