sexta-feira, 15 de maio de 2015

Constipação Intestinal Funcional na Infância: Manifestações Clínicas, Investigação Laboratorial, Diagnóstico e Tratamento (Parte 2)

-Desimpactação 

É do conhecimento geral que o tratamento da constipação torna-se menos eficiente caso a impactação fecal não seja inicialmente tratada. Deve-se utilizar uma associação da história clínica pregressa e o exame físico para estabelecer o diagnóstico da impactação fecal. É importante obter informação sobre a possível existência de escape fecal e buscar a presença de um bolo fecal à palpação da fossa ilíaca esquerda e/ou mesmo por meio do toque retal. A realização da desimpactação fecal previamente ao início do tratamento de manutenção por meio do uso de laxantes orais ou retais é recomendada para aumentar a taxa de sucesso e reduzir o número de episódios de escapes fecais. Há muitos anos já tem sido comprovado que a omissão da realização da desimpactação inicial passando-se diretamente para o uso de laxantes orais resulta em um aumento do número dos episódios de escape fecal. Por outro lado, um ensaio clínico controlado e randomizado recentemente realizado comparando a utilização de enemas diários e Polietilenoglicol (PEG) (1,5g/kg/dia) durante 6 dias consecutivos mostraram-se igualmente eficientes no tratamento da impactação fecal em crianças com constipação funcional (20). Na verdade, quando se comparou o uso do PEG com o enema, o primeiro mostrou-se associado a um maior número de escapes fecais. Considerando-se os dados deste estudo, deve-se dar preferência à utilização de enemas para se obter melhor resultado para debelar a impactação fecal (21).

-Terapia de Manutenção 

Após o curto período da desimpactação está indicado o início da terapia de manutenção para prevenir a formação de um novo bolo fecal. Há diversos laxantes para uso por via oral, e, em algumas ocasiões enemas, que podem ser prescritos, a saber: laxantes osmóticos, tais como a Lactulose e PEG; laxantes estimulantes, tais como bisacodil ou sena, ou umidificadores das fezes, tais como o óleo mineral. Duas revisões sistemáticas avaliaram a eficácia do PEG com ou sem eletrólitos versus placebo no tratamento da constipação crônica em crianças. Embora o PEG com eletrólitos tenha resultado em um alívio significativo da constipação em comparação com o placebo no que diz respeito à diminuição da dor para evacuar e no número de evacuações por semana, ele não apresentou diferenças no número médio de episódios de escape fecal entre os grupos estudados (22). Recentemente foi realizada uma revisão sistemática da literatura envolvendo 5 ensaios clínicos comparando PEG com Lactulose. Dois destes estudos mostraram que a eficácia do PEG foi superior à Lactulose no que diz respeito ao aumento do número de evacuações, enquanto que os outros três estudos não demonstraram diferenças significativas no aumento da frequência das evacuações. Em geral, a Lactulose parece ter provocado mais efeitos colaterais adversos, como por exemplo, dor abdominal, quando comparada ao PEG. Porém, efeitos colaterais intensos são infrequentes quando a Lactulose é usada em doses apropriadas e sob supervisão adequada (23).

O manual de conduta holandês (14) recomenda o emprego de Lactulose como medicamento de primeira escolha para o tratamento da constipação funcional em crianças menores de um ano de idade. Para crianças maiores de um ano de idade, ambos Lactulose e PEG (com ou sem eletrólitos), podem ser indicados como medicamentos de primeira escolha para o tratamento da constipação funcional. Uma das principais razões para se recomendar o uso da Lactulose ao invés do PEG em crianças menores de um ano de idade na Holanda, é o aspecto da segurança, posto que a Lactulose tem sido usada há  muito mais tempo do que o PEG, sem provocar efeitos colaterais graves. A Tabela 4 descreve os laxantes orais e retais mais frequentemente utilizados e suas respectivas doses.

O manual de conduta holandês (14) recomenda que a medicação deva ser gradualmente diminuída somente depois de pelo menos dois meses consecutivos de tratamento, e o paciente deve estar livre dos sinais da constipação. As crianças que estiverem no processo de treinamento do controle esfincteriano devem permanecer recebendo laxantes até que este processo esteja bem estabelecido. Os laxantes não devem ser suspensos abruptamente, mas as doses devem ser gradualmente reduzidas durante um período de alguns meses desde que haja uma resposta positiva quanto à frequência das evacuações e a consistência das fezes. As figuras 3 e 4 mostram dois algoritmos para o diagnóstico e o tratamento da constipação funcional da criança de acordo com o manual de conduta holandês: um para crianças menores de um ano de idade e outro para crianças acima de um ano de idade. 

-Terapia Comportamental 

A terapia comportamental sempre deve vir acompanhada do uso de laxantes por via oral, cujo objetivo é o de reduzir o nível de estresse e, além disso, desenvolver ou restaurar os hábitos intestinais normais por meio de um reforço positivo. Van Dijk e cols., em 2008 (24), publicaram um ensaio clínico randomizado comparando a terapia comportamental realizada por um psicólogo pediátrico (utilizando o processo de aprendizagem para reduzir as reações fóbicas relacionadas com a evacuação, o qual consiste de 5 passos sequenciais, a saber: conhecer – cuidar – poder – desejar – fazer) versus a terapia comportamental com o tratamento convencional realizado por um gastroenterologista pediátrico (educação – diário – treinamento esfincteriano com sistema de premiação), durante 22 semanas e que incluíram 12 visitas. Ambos os grupos foram tratados com o uso de laxantes similares. Embora tenha sido encontrado um aumento estatisticamente significante na frequência das evacuações, bem como uma redução dos escapes fecais em ambos os grupos, não houve diferenças significativas na frequência das evacuações e nem tampouco no número de episódios de escape fecal ao cabo das 22 semanas e 6 meses depois, entre os dois grupos estudados. Além disso, não ocorreram diferenças significativas nas taxas de sucesso entre ambos os grupos. Após 6 meses, o percentual de crianças com problemas comportamentais mostrou-se significantemente mais baixo no grupo que recebeu terapia comportamental comparado com o grupo tratado convencionalmente (11,7% vs 29,2%). O manual de conduta holandês (14), no qual se baseou parcialmente este estudo, recomenda a indicação de tratamento com psicólogos somente naquelas crianças que apresentam graves problemas emocionais. Além disso, a terapia comportamental pode ser de grande valia naquelas crianças cuja terapia com laxantes tenha fracassado.

-Tratamentos Não Farmacológicos 

O tratamento da constipação é de longa duração e as recidivas são frequentes. Portanto, não é surpreendente que os pais das crianças com transtornos funcionais da defecação venham a procurar auxilio de outros profissionais da saúde. O tratamento não farmacológico inclui uma intervenção multidisciplinar, o emprego de pré e pró-bióticos, e medicamentos alternativos (acupuntura, homeopatia, terapia mente e corpo, manipulações músculo-esqueléticas, tais como manipulações osteopráticas e quiropráticas, e terapias espirituais como a Yoga). Vlieger e cols., em 2008 (25), demonstraram que 36,4% das crianças com constipação funcional usaram alguma forma de medicina complementar, tais como acupuntura e homeopatia. Entretanto, não existem na literatura ensaios clínicos controlados e randomizados que avaliem a eficácia de tratamentos multidisciplinares ou quaisquer tratamentos com medicações alternativas, os quais, portanto, não devem ser recomendados.

Algumas hipóteses têm sido postuladas do por que os pró-bióticos possam vir a ter um potencial terapêutico para o tratamento da constipação. Neste sentido tem sido sugerida a existência de uma disbiose na flora intestinal em pacientes com constipação, a qual pode ser regulada depois da ingestão de pró-bióticos. Entretanto, não esta claramente definida se a disbiose é uma manifestação secundária da constipação ou um mero fator contribuinte para a constipação. Por outro lado, os pró-bióticos podem diminuir o pH do intestino grosso, aumentando a peristalse, o que subsequentemente diminui o tempo do trânsito colônico. Uma revisão sistemática incluindo dois ensaios clínicos controlados e randomizados avaliaram os efeitos dos pró-bióticos. Um estudo demonstrou aumento da frequência das evacuações e uma diminuição na frequência da dor abdominal quando se utilizou o pró-biótico Lactobacillus casei rhamnosus em comparação com um placebo. O outro ensaio mostrou que o pró-biótico Lactobacillus casei GG não se revelou eficaz como tratamento coadjuvante da Lactulose. Ambos os ensaios não descreveram quaisquer eventos adversos nos grupos que receberam os pró-bióticos (26).

Pré-bióticos são carboidratos de cadeia curta que alteram a composição ou o metabolismo da microbiota intestinal de uma maneira benéfica. É esperado, portanto, que os pré-bióticos venham a melhorar o estado de saúde de um modo similar ao induzido pelos pró-bióticos, enquanto que, ao mesmo tempo, são mais baratos, oferecem menores riscos de complicação e são mais facilmente incorporáveis à dieta que os pró-bióticos. Em relação aos pré-bióticos há na literatura uma única revisão sistemática de um ensaio clínico randomizado e controlado comparando uma fórmula rotineira com uma fórmula contendo uma mistura de pré-bióticos. Não houve qualquer diferença significativa entre os dois grupos estudados no que se refere à frequência das evacuações por semana após três semanas de estudo, mas, no grupo que recebeu pré-bióticos houve uma pequena melhora no que diz respeito à consistência das fezes, embora este achado não tenha se mostrado estatisticamente significante (18). Tomando-se por base esses dados limitados, o uso rotineiro de pré ou pró-bióticos para o tratamento da constipação na infância não está recomendado no manual de conduta holandês (14). 

-Secretagogos intestinais: Lubiprostone e Linaclotide

Recentemente, dois novos medicamentos têm sido utilizados no tratamento da constipação em pacientes adultos e iniciam a ter alguma experiência em pacientes pediátricos com sucesso. Estes medicamentos estimulam a secreção de fluido e eletrólitos para o lumem do intestino e, desta forma, aceleram o transito colônico e também facilitam a evacuação.


Ambas as drogas secretagogas, lubiprostone e linaclotide, aumentam a secreção intestinal de cloreto pela ativação dos canais da superfície apical dos enterócitos. Para manter a eletroneutralidade o sódio é também secretado para o lumem intestinal por outros transportadores de ion, e desta forma a água é também secretada. A lubiprostoni é um acido graxo bicíclico derivado da prostaglandina E1, a qual tem por ação ativar os canais de cloreto e, também, acelerar o trânsito intestinal e colônico (27). A linaclotide é um aminoácido homólogo a uma enterotoxina termo-estável que causa diarreia através do estimulo da Guanililciclase C, a qual abre os canais de cloreto e produz uma secreção de ions e água para o interior do lumem intestinal (28). 

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