terça-feira, 25 de novembro de 2008

Refluxo Gastroesofágico e Doença do Refluxo Gastroesofágico: como estabelecer o diagnóstico diferencial (6)

Conduta no Refluxo Gastroesofágico Fisiológico (RGF)

Como já foi anteriormente mencionado a ocorrência de regurgitação no primeiro ano de vida, em especial nos primeiros 4 mêses de existência, é bastante elevada devido à imaturidade dos mecanismos anti-refluxo. As principais barreiras anti-refluxo podem ser divididas para efeito didático em 2 grupos:

1- Ações que facilitam o escoamento do alimento deglutido:
  • Peristaltismo do esôfago

  • Força da gravidade

  • Esvaziamento gástrico


2- Fatores anatômicos:
  • Esfínter esofágico inferior (EEI)

  • Ângulo formado entre a junção do esôfago com o estômago
A partir do processo de maturação destes mecanismos em especial do EEI, o qual funciona como a mais importante válvula de barreira anti-refluxo, passa a ocorrer uma acentuada queda na incidência dos episódios de regurgitação para aproximadamente 1% em torno dos 12 aos 15 mêses de idade.
Tranquilizar os pais
Apesar do RGF ser praticamente desprovido de complicações de maior importância, a ocorrência de episódios frequentes de regurgitação, geralmente associada a crises de irritabilidade, choro persistente e distúrbios do sono, gera alto grau de ansiedade nos pais. Cêrca de 70% dos pais buscam atenção médica porque consideram a regurgitação um problema grave e tem a expectativa de que uma possível intervenção terapêutica venha solucionar o problema. Nestes casos é importante tranquilizar os pais explicando-lhes a natureza fisiológica do processo e ao mesmo tempo dar-lhes a segurança de que estes episódios de regurgitação tendem a diminuir ao longo do primeiro ano de vida.
Manejo Dietético
Além das considerações acima referidas a utilização de fórmulas lácteas espessadas tem trazido bons resultados para minorar os sintomas do RGF. O espessamento das fórmulas infantis vem sendo recomendado desde o início dos anos 50 como primeiro passo no tratamento do RGF. No passado, o emprego de fórmula láctea de rotina espessada com cereal mostrou-se capaz de reduzir as regurgitações nos lactentes com RGF, porém, quando amido de cereal é adicionado à fórmula láctea nas quantidades habitualmente empregadas (1 colher das de sopa para cada 30 ml de fórmula), o perfil dos nutrientes da mistura resultante desvia-se acentuadamente das recomendações nutricionais para o primeiro ano de vida. Atualmente é sabido que lactentes, mesmo nos primeiros meses de vida, são capazes de digerir pequenas quantidades de amido. Demonstrou-se que nos 3 primeiros meses de vida os lactentes podem digerir satisfatoriamente quantidades de amido "in natura" da ordem de 10 a 25 gramas por dia, ou seja, 5,5 a 6,0 gramas por kg de peso corporal por dia, porque a amilase salivar e a glicoamilase duodenal podem compensar a deficiência fisiológica da amilase pancreática.
Vale enfatizar que embora a prática do espessamento das fórmulas lácteas seja útil para reduzir o RGF, ela resulta em uma elevada densidade calórica às custas de calorias fornecidas por carboidratos, com uma consequente diminuição percentual das calorias fornecidas pelas gorduras. Fórmulas lácteas "anti-regurgitação", comercialmente disponíveis, evitam estes desequilíbrios de nutrientes. Considerando-se que o volume, osmolaridade, densidade calórica e digestibilidade da fórmula láctea, todos em conjunto podem influenciar para atenuar o RGF, as modificações dietéticas constituem-se no "medicamento" não farmacológico mais comum e eficaz anti-regurgitação.
Em passado recente (Fagundes Neto e cols. Rev. Paul. Pediatria, vol. 19, 2001) avaliaram a eficácia de uma fórmula láctea pré-espessada na redução dos sintomas associados ao RGF em lactentes bem como a manutenção de um ganho ponderal adequado. Tratou-se de uma investigação clínica multicêntrica envolvendo 54 lactentes entre 22 e 140 dias (Média 74,1 dias) atendidos em consultórios pediátricos de diferentes regiões do Brasil. A seleção dos pacientes baseou-se na história clínica sugestiva de RGF. Todos os lactentes estavam sendo alimentados exclusivamente com fórmulas lácteas de rotina e apresentavam queixa de 5 ou mais episódios de regurgitação por dia. Durante 2 semanas os lactentes receberam uma fórmula pré-espessada à base de leite de vaca, na qual 30% do teor de lactose foi substituído por amido de arroz. Os pais foram instruidos para registrar o número das regurgitações por dia, bem como a presença ou ausência de outros sintomas, tais como, irritabilidade, distúrbios do sono, recusa alimentar, flatulência, diarréia ou constipação. O número médio de regurgitações revelou um decréscimo significativo e o ganho ponderal médio foi de 31,9 gramas por dia durante as 2 semanas de estudo. Também foram observadas diminuições significativas na ocorrência de irritabilidade, distúrbios do sono e flatulência. Em conclusão, o presente estudo revelou que sintomas de RGF podem ser significantemente atenuados mediante o uso de fórmula pré-espessada, a qual também assegurou adequado ganho ponderal. Vale a pena referir que outros estudos com desenho clínico similar ao nosso encontram-se disponíveis na literatura médica internacional, realizados tanto nos EUA como na Europa, os quais reafirmam os resultados por nós obtidos (Vanderhoof e cols. Clin Pediatr 2003;42:483-95, Vandenplas e cols. Acta Pediatr 1998;87:462-8).
Recentemente, em 2007, um estudo realizado em Taiwan (Nutrition 23:23-8) , teve por objetivo comparar o efeito de uma fórmula láctea espessada com cereal em relação ao tratamento postural sobre a regurgitação, ganho ponderal e esvaziamento gástrico em lactentes. A investigação envolveu lactentes alimentados exclusivamente com fórmulas lácteas, com idades que variaram de 2 a 6 mêses, que apresentavam regurgitações e/ou vômitos por pelo menos 3 vezes ao dia. Os lactentes foram distribuidos ao acaso em 2 grupos para serem submetidos às seguintes intervenções durante 8 semanas, a saber: 1- fórmula espessada com cereal e 2- colocados em posição erecta após as mamadas durante 90 minutos. Cintilografia com Tecnécio 99m diluido em leite foi realizada antes e após o período de intervenção para avaliar o tempo de esvaziamento gástrico. Houve uma diferença significativa na diminuição da frequência das regurgitações favorecendo os lactentes do grupo 1 em relação aos lactentes do grupo 2. Não houve diferenças significativas entre os grupos quanto ao tempo de esvaziamento gástrico, porém os lactentes do grupo 1 apresentaram ganho ponderal significativamente maior que seus pares do grupo 2. Os autores concluiram, neste estudo, que o emprego de fórmulas lácteas espessadas são mais eficazes no controle da regurgitação do que o manejo postural. Além disso, também constataram que o uso de fórmula láctea espessada com cereal proporcionou maior ganho ponderal e de comprimento em comparação com lactentes que receberam fórmula láctea de rotina associada a manejo postural.
No nosso próximo encontro iremos discutir o tratamento medicamentoso da Doença do Refluxo Gastroesofágico.

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