Alergia
Alimentar (AA) afeta entre 7 a 8% da população pediátrica,
e, Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV)
é a manifestação mais comum, presente em cerca de 2 a 3% das crianças;
sangramento retal é uma queixa bastante freqüente nos lactentes de tenra idade,
especialmente dentro dos 3 primeiros meses de vida (1). Diarréia,
vômitos, ganho ponderal insuficiente, irritabilidade intensa, em particular
durante o momento da amamentação são os sintomas associados ao sangramento
retal (2). Muitas vezes como primeira opção para substituir a fórmula
láctea é prescrita fórmula de soja, porém, infelizmente as fórmulas de soja
também possuem fortes propriedades alergênicas tanto in vitro quanto in vivo, posto
que entre 30 a
50% dos pacientes com APLV apresentam
uma reação cruzada com a proteína da soja. Ou seja, verifica-se que já mesmo no
primeiro contato com a proteína da soja persistem os sintomas iniciais da
alergia. Por outro lado, em alguns casos, ocorre uma remissão completa da
sintomatologia, a qual dura de 2
a 7 dias, quando de novo as manifestações clínicas reaparecem.
Este período de tempo é o intervalo necessário para que haja a respectiva
sensibilização pela nova proteína da dieta e o ressurgimento dos sintomas (3).
Alguns autores afirmam que alergia às proteínas da soja pode ocorrer em até 66%
dos pacientes com quadro clínico de Colite
Alérgica às proteínas do leite de vaca (4).
Vale enfatizar que
lactentes em aleitamento natural exclusivo também podem apresentar sintomas
similares porque o leite de vaca e outras proteínas da dieta podem estar
presentes na composição do leite materno (5). A realização de
retoscopia com a obtenção de fragmentos retais para análise histopatológica são
extremamente úteis para o estabelecimento do diagnóstico da colite induzida por
AA (6). Vale lembrar que Colite é um termo genérico empregado
para designar processos inflamatórios, que podem representar diferentes
etiologias, que afetam o intestino grosso provocando lesões microscópicas
características, porém muitas vezes inespecíficas, associadas ou não a
alterações macroscópicas. Sua manifestação clinica mais evidente é a ocorrência
de cólicas juntamente com sangramento vivo nas fezes, geralmente sob a forma de
diarréia sanguinolenta, porém em algumas ocasiões o sangramento pode, também,
ser oculto (portanto, não visível a olho nu). Entretanto, além de outras
possíveis alterações morfológicas observadas na mucosa retal, a presença de
infiltrado eosinofílico, sugere fortemente a suspeita diagnóstica de Colite Alérgica (7). O
desaparecimento dos sinais e sintomas em concomitância com a retirada do
suposto alergeno ou alergenos da dieta e a restituição integral da morfologia
da mucosa retal, preenche de forma completa os critérios para o diagnóstico
definitivo de Colite Alérgica.
Classificação das Colites
Colite,
na infância, abrange um grupo heterogêneo de etiologias, a saber: 1- AA; 2-
Infecção Bacteriana (Salmonella,
Shigella, Escherichia coli enteroinvasora, Escherichia coli entero-hemorrágica); 3- Infecção Parasitária (Entamoeba histolytica {amebíase}); 4-
Doença Inflamatória Intestinal (Doença de Crohn, Colite Ulcerativa, Colite
Indeterminada); 5- Colite Auto-imune (8).
Colite
Alérgica é uma entidade clínica caracterizada por alterações
inflamatórias microscópicas e/ou macroscópicas no cólon e reto como
consequência de reações imunológicas devido à ingestão de proteínas estranhas,
que são denominadas para efeito clínico de alergenos. Deve-se sempre ter como
conceito fundamental que Alergia se
desenvolve a partir de uma reação imunológica e que diz respeito ao
envolvimento de alguma proteína, e, no caso de AA, este componente protéico está presente na dieta da criança.
Vale ressaltar que Colite Alérgica é
uma enfermidade que afeta essencialmente o lactente no seu primeiro ano de
vida, mais preferentemente nos primeiros 6 meses de idade, muito embora
excepcionalmente haja relatos de casos em crianças maiores. Trata-se de uma
enfermidade de caráter temporário com resolução espontânea ao final do primeiro
ou segundo anos de vida (9).
Colite
Alérgica representa cerca de 20% dos casos de AA, mas tudo indica que este percentual
vem aumentando de forma considerável. Na nossa experiência pessoal (10)
ao analisarmos 55 lactentes com idade média de 3,9 meses, durante um período de
5 anos, os quais apresentavam APLV e
da soja, 20% deles revelaram ser portadores de Colite Alérgica. Portanto, APLV
constitui-se na principal causa de sangramento retal nos lactentes. Muito embora
colite por infecção bacteriana ou protozoária possa provocar sangramento retal
trata-se de uma etiologia rara neste período da vida em condições ambientais
higiênicas apropriadas. Fissura anal é também frequentemente causa de
sangramento retal, porém a característica do sangramento nesta condição clínica
difere totalmente da colite. O sangramento característico da fissura anal é um
fio de linha de sangue rutilante que recobre as fezes, posto que a fissura é
uma lesão anal praticamente externa, enquanto que no sangramento devido à
colite o sangue é visto misturado às fezes (Figura 1).
Figura 1- Paciente
portador de Colite Alérgica
apresentando sangue vivo misturado às fezes diarréicas.
Colite Ulcerativa e Doença
de Crohn podem ocorrer em períodos precoces da vida, mas este é um tipo
extremamente raro de apresentação.
Histórico
Desde o surgimento do ser
humano no nosso universo, constituindo-se nas mais diversas sociedades, a
totalidade das crianças era amamentada ao seio materno, de forma exclusiva e
prolongada. Ainda nos dias atuais, naquelas poucas sociedades restantes
chamadas de "cultura primitiva", como, por exemplo, algumas nações
indígenas existentes em nosso país (Figuras 2- 3- 4 e 5), as quais ainda vivem
em condições muito semelhantes a aquelas encontradas pelos descobridores
portugueses, a prática da amamentação exclusiva e por tempo prolongado é
universal.
Figura
2- Parque Indígena do Xingu: Índios de uma aldeia do Alto Xingu anunciando uma
festa comunitária.
Figura
3- Parque Indígena do Xingu: Mãe e filho no primeiro banho da manhã no rio
Xingu.
Figura
4- Parque Indígena do Xingu; criança índia em aleitamento natural, prática
universal nesta sociedade.
Figura
5- Minha primeira experiência de trabalho no Parque Indígena do Xingu em
dezembro de 1970.
Entretanto, devido as
enormes transformações sócio-político-econômicas e culturais ocorridas como
consequência do desenvolvimento tecnológico industrial nas sociedades
denominadas "civilizadas" ou "modernas", aonde as mulheres cada
vez mais passaram a competir pela ocupação de espaço dentro do mercado de
trabalho, associadas ao crescimento e consolidação das indústrias produtoras de
alimentos infantis, a partir do início do século 20, contribuíram decisivamente
para o declínio da prática do aleitamento natural. Diferentes tipos de leite de
outros mamíferos, mais frequentemente o leite de vaca, inicialmente in natura, e, posteriormente, sob a
forma de fórmulas lácteas processadas com a intenção de se aproximar ao máximo
da composição do leite humano, encontram-se, já há muitos anos, amplamente
disponíveis no mercado. Concomitantemente a essa modificação do comportamento
das sociedades "modernas" passou-se também a conviver com um novo
fenômeno, como efeito colateral, ou seja, o surgimento cada vez mais frequente
da AA, especialmente APLV e suas mais variadas formas de
manifestação clínica. Por outro lado, na busca de se encontrar substitutos do leite
de vaca para o tratamento dos casos de Alergia,
passaram a ser desenvolvidas fórmulas a partir da proteína vegetal da soja,
introduzidas já desde 1929, as quais pretensamente se imaginava, não teriam
capacidade alergênica, mas que a experiência prática demonstrou ser exatamente
o contrário (11).
Rubin (12), nos
EUA, em 1940, publicou suas observações sobre 4 pacientes, com idades
compreendidas entre 4 e 7 semanas, que foram alimentados com leite de vaca, os
quais apresentaram diarréia sanguinolenta e cólicas intensas, denominando-as
como portadoras da "Síndrome do Sangramento Intestinal devido a APLV". Mortimer (13),
nos EUA, em 1959, por sua vez descreveu o caso de um lactente de 3 meses, que
se encontrava em aleitamento misto, possuía história de alergia familiar
fortemente positiva, e que desenvolveu quadro clínico de eczema e asma. Foi tratado
com fórmula de soja em substituição à fórmula láctea durante 2 meses, período
no qual apresentou vômitos frequentes e reinício das crises asmáticas,
manifestações estas que desapareceram com a introdução de uma fórmula à base de
hidrolisado protéico. Halpin e cols. (14), nos EUA, em 1977,
documentaram a primeira descrição de Colite
Alérgica em 4 lactentes com idades entre 2 e 4 meses, os quais apresentavam
diarréia sanguinolenta, perda de peso e vômitos com o emprego de fórmula de soja
com diagnóstico prévio de APLV. Nos
4 pacientes foi realizado desencadeamento com fórmula de soja e os sintomas
reapareceram, sendo que anteriormente os sintomas haviam regredido com o uso de
uma fórmula à base de hidrolisado protéico extensivamente hidrolisado.
Lake e cols. (15),
nos EUA, em 1982, descreveram 6 lactentes amamentados exclusivamente com leite materno
que apresentaram diarréia sanguinolenta no primeiro mês de vida, tendo sido
descartadas causas infecciosas. Foi constatado, nesta ocasião, que proteínas
estranhas, potencialmente alergênicas, podem ser veiculadas pelo leite materno,
e que os sintomas regridem quando o suposto alergeno é retirado da dieta da
mãe. Além disso, Sherman e Cox (16), nos EUA, em 1982, levantaram a
possibilidade de sensibilização intra-útero às proteínas do leite de vaca, ao
descrever o caso de um recém-nascido que apresentou diarréia sanguinolenta
algumas horas após o nascimento ao receber leite de vaca a partir de 8 horas de
vida. As manifestações clínicas persistiram ao se introduzir fórmula de soja, e
somente regrediram com o uso de fórmula à base de hidrolisado protéico
extensivamente hidrolisado.
Referências Bibliográficas
1. Schwartz, R. H. e cols., J Pediatr 1991; 119: 839.
2. Isolauri, E. e cols., J Pediatr 1995; 127: 550-7.
3. Fagundes-Neto, U. e
cols., Rev Paul Med 1987; 105: 166-71.
4. Hill, D. J. e
cols., J Pediatr 1999; 135: 188-21.
5. Hide, D.W. e
cols., Arch Dis Child 1981: 56: 172-5.
6. Kelso, J. M. e
cols., J Allergy Clin Immunol 1993; 92: 909-10.
7. Vanderhoof,
J. A. e cols., J Pediatr 1997; 131: 741-4.
8. Kim, S.C e cols., Gastroenterology 2004;
126:1550-60.
9. Baker, S. e cols., Pediatrics 2000; 106: 346-49.
10. Fagundes-Neto, U. e cols., Rev Paul Med 1987; 105:
166-71.
11. Hill, D. J. e cols., J Pediatr 1986; 109: 270-76.
12. Powell, G. K. e cols., J Pediatr 1978; 93: 553-60.
13. Schrander, J. J. P. e cols., Eur J Pediatr 1993;
152: 640-4.
14. Zeiger, R. S. e cols., J Pediatr 1999; 134: 614-22.
15. Lake, A. M. e cols., J Pediatr 1982; 101: 906-10.
16. Sherman, M. P. e cols., J Pediatr 1982; 100: 587-9.
Um comentário:
Tem uma relação de alimentos que a mãe pode ter??
Postar um comentário