quinta-feira, 30 de junho de 2011

Um Consenso Global Baseado em Evidências a respeito da Definição da Doença do Refluxo Esofágico na população Pediátrica (6)

SÍNDROMES EXTRA-ESOFÁGICAS

48. Síndrome de Sandifer (torcicolo) é uma manifestação específica da DRGE em pacientes pediátricos.
Concordância: 100% (A+, 62,5%; A-, 37,5%; Grau: alto).


A síndrome de Sandifer se caracteriza por uma postura anormal da cabeça (por ex: inclinação da cabeça ou torcicolo) por causa da DRGE em crianças neurologicamente intactas (113, 114).

49. Não existem evidências suficientes de que a DRGE causa ou exacerba sinusite, fibrose pulmonar, faringite e otite média serosa na população pediátrica.
Concordância: 100% (A 100%; Grau: baixo).

Dados provenientes de estudos em adultos apoiando uma ligação entre a DRGE e estas condições não são conclusivos (1). Um grande estudo retrospectivo caso-controle envolvendo pacientes hospitalizados identificados pelo CID (Classicação International de Doenças) mostrou que, em comparação com os controles, as crianças com a DRGE, sem complicações neurológicas, tiveram um risco duas vezes maior de contrair sinusite, laringite, pneumonia e bronquiectasia, e menos de otite média (115).

No entanto, os critérios utilizados para a definição dos casos da DRGE não foram claramente explicitados a priori e eram variáveis. Além disso, as conclusões alcançadas poderiam ser o resultado de um viés de seleção, porque os pacientes com diagnóstico de sinusite, laringite, pneumonia e bronquiectasias poderiam ter sido seletivamente admitidos para investigação da DRGE. Outros estudos com pacientes pediátricos relatam uma associação entre refluxo ácido e otite média serosa (116,117). Ensaios controlados de tratamento de pacientes pediátricos com a DRGE e manifestações otorrinolaringológicas, com tamanho suficiente para coorte, definição de caso padrão e resultados claramente definidos, seriam necessários para dar sustentação a uma relação de causa e efeito.


Figura 1- O grupo de trabalho do Consenso Global na segunda reunião presencial em Londres, em dezembro de 2007, de 13 a 15, aonde foi elaborado o documento final. Da esquerda para a direita: Seiichi Kato (JAP), Nimish Vakil (EUA), Ulysses Fagundes Neto (BRA), Phil Sherman (CAN) e Colin RUdolph (EUA); agachados: Erica Hassall (CAN), Susan Orenstein (EUA), Yvan Vandenplas (BEL), Sibylle Koletzko (ALE) e Benjamin Gold (EUA). Ao fundo vê-se uma escultura bastante exótica localizada no saguão do hotel aonde estávamos hospedados.

50. Tosse crônica, laringite crônica, rouquidão e asma podem estar associados com a DRGE.
Concordância: 87.5% (A+, 25%; A, 37,5%; A−, 25%; D−, 12,5 %; Grau: muito baixo).


51. Na ausência de pirose ou regurgitação, asma inexplicável tem menor probabilidade de estar relacionada à DRGE.

Concordância: 100% (A+, 12.5%; A, 75%; A−, 12.5%; Grau: baixo).


52. Tosse crônica, laringite crônica, rouquidão e asma são processos multifatoriais de doença e refluxo ácido pode ser um co-fator agravante.
Concordância: 87.5% (A+, 37.5%; A, 25 %; A−, 25%; D−, 12.5%;Grau: muito baixo).

Refluxo ácido que ocorre diretamente através da aspiração ou indiretamente através de constrição brônquica mediada por via neural, tem sido implicado como causa de asma (1). Uma revisão sistemática relatou uma associação entre DRGE e asma em adultos, mas há uma escassez de dados sobre o sentido da causalidade (118). Vários estudos descrevem também uma maior prevalência de sintomas da DRGE em crianças escolares e adolescentes com asma, em comparação com controles saudáveis (119.120). Um estudo com 1.037 crianças seguidas desde o nascimento até os 21 anos de idade para sintomas respiratórios e função pulmonar encontrou uma associação entre sintomas da DRGE (pirose e regurgitação) e asma (OR, razão de probabilidade: 3.2; 95% IC, intervalo de confiança de 95%: 1.6-6.4), chiado (OR: 3.5; 95% IC: 1. 7-7.2), ou tosse noturna (OR: 4.3; 95% IC: 2.8.1-7). No entanto, essa associação só foi encontrada em pacientes com asma de início tardio (adolescente e adulto) e não na asma com início na infância (121).

Figura 2- Colin Rudolph, Phil Sherman e Yvan Vandenplas durante as discussões do Consenso Global. Ao fundo vê-se Susan Orenstein em busca de uma caneca de café.

O maior ensaio clínico controlado de inibição ácida em adultos selecionados com asma persistente moderada a grave não mostrou atenuação dos sintomas, exceto naqueles pacientes com sintomas noturnos do RGE (122). Outro grande estudo em uma população adulta semelhante não mostrou nenhuma atenuação em quaisquer sintomas da asma ou na função pulmonar, mas sim evidenciou uma pequena diminuição no número de exacerbações da asma e no uso de corticóide oral (123). Um estudo envolvendo um número menor de pacientes, duplo-cego placebo controlado, avaliou 38 crianças e não mostrou nenhum benefício com o uso da supressão ácida (124); um ensaio, duplo-cego placebo controlado, recentemente realizado em lactentes não mostrou nenhum benefício da supressão de ácido para combater os sintomas de chiado (14). Por outro lado, uma série não controlada de casos, avaliando crianças escolares selecionadas com asma e a DRGE, mostrou que a fundoplicatura ou o tratamento combinado com IBP/agente pro-cinético foram ambos mais eficazes na prevenção das exacerbações da asma que o tratamento com um antagonista do receptor de histamina-2 (125). Assim, embora existam dados relatando uma associação entre asma e RGE em crianças e adultos, dados mostrando que o RGE provoca asma ou que o tratamento do RGE alivia os sintomas da asma, exigem maior comprovação e são provavelmente relevantes somente para subgrupos de pacientes selecionados. Se esse for o caso, métodos precisos de seleção e identificação de tais grupos são prioritários.

Refluxo ácido tem também sido associado a sintomas laríngeos crônicos em crianças e adultos. Séries retrospectivas de casos sugerem que uma proporção de crianças com rouquidão ou laringite posterior também apresentam RGE (126,127), mas foram aplicados critérios dúbios para o diagnóstico de laringite associada a refluxo (128,129) e à DRGE. Dados de tratamentos em crianças são limitados. Vários estudos recentes de meta-análise, realizados em adultos, indicam que a inibição ácida não tem efeito sobre os sintomas crônicos da laringe atribuídos à DRGE (130-132), portanto, dados de ensaios de tratamento não oferecem sustentação para uma relação causal entre a DRGE e laringite ou rouquidão. Da mesma forma, uma revisão da Cochrane relatou que não há provas suficientes para concluir definitivamente que o tratamento com terapia potente de supressão ácida é benéfico para tosse associada à DRGE em adultos (133).
Figura 3- O grupo após uma longa jornada de trabalho a caminho do jantar em um restaurante indiano. As decorações das ruas de Londres já fazem sentir que a época do Natal está se aproximando.

53. A DRGE pode causar erosões dentárias em pacientes pediátricos.
Concordância: 100% (A+, 12,5%; A, 37,5%; A−, 50%; Grau: baixo).



Uma alta prevalência de erosões dentárias tem sido descrita nas crianças que sofrem da DRGE em comparação com controles saudáveis (134-136). No entanto, outro estudo comparando adultos jovens (19-22 anos de idade) com e sem a DRGE não demonstrou associação entre erosões dentárias e a DRGE (137).

Em vez disso, erosões dentárias estiveram associadas com o nível de consumo de refrigerantes, independentemente do status da DRGE. No entanto, uma análise recente de 17 estudos concluiu que crianças com a DRGE correm um risco aumentado de desenvolver erosões dentárias em comparação com indivíduos saudáveis, risco este similar a aquelas crianças que sofrem de disfunção neurológica (138). A gravidade das erosões dentárias parece estar correlacionada com a presença dos sintomas da DRGE, e também, pelo menos em adultos, com a gravidade da exposição oral ou do esôfago proximal a um pH ácido. Alguns autores recomendam que a inspeção da cavidade oral em busca de erosões dentárias deve ser rotineiramente investigada em pacientes com suspeita da DRGE (138).

Figura 4- Um visão de Londres à noite a caminho do restaurante indiano.

54. Existe uma associação entre a DRGE e a displasia bronco-pulmonar em recém-nascidos e lactentes, mas a relação causa-efeito é incerta.
Concordância: 100% (A+, 25%; A, 50%; A−, 25%; Grau: baixo).
Displasia broncopulmonar é uma doença pulmonar crônica da infância com diferentes graus de parada do crescimento alveolar, anormalidades das ramificações aéreas e fibrose peri-bronquiolar, e está associada com a DRGE (139,140). No entanto, um estudo mais recente não confirmou uma associação entre estas duas condições (141). Como a maioria dos estudos tem sido transversais ou caso-controle, continua a ser necessário determinar com precisão se a DRGE é, na verdade, um fator causal predispondo lactentes ao desenvolvimento de displasia broncopulmonar, ou se ocorre por causa desta afecção, ou ainda ambos.

55. Em lactentes prematuros a relação entre o RGE e apnéia patogênica e/ou bradicardia não está estabelecida.
Concordância: 100% (A+, 37,5%; A, 50%; A−, 12,5%; Grau: alto).


56. Embora o refluxo cause apnéia fisiológica, causa episódios apnéicos patológicos em apenas um número muito pequeno de recém-nascidos e lactentes.
Concordância: 100% (A+, 37,5%; A, 37,5%; A−, 25 %; Grau: moderado).

57. Quando o refluxo causa apnéia patológica é mais provável que o lactente seja despertado e que a apnéia seja de natureza obstrutiva.
Concordância: 100% (A+, 25%; A, 25%; A−, 25%; Grau: moderado).
Figura 5- Momentos de descontração no jantar em um restaurante indiano. Paul Synclair, o primeiro à esquerda foi o organizador do evento.
A relação causal entre refluxo e apnéia tem sido assumida há muitos anos, especialmente em recém-nascidos e lactentes. No entanto, a associação de RGE–apnéia poderia simplesmente se relacionar ao fato de que as duas condições são comuns nesta fase da vida. Estudos com impedância e monitoramento do pH tem sido usados para mostrar a relação entre curtos episódios de apnéia fisiológca e refluxo em crianças. Em geral, DRGE e apnéia não parecem temporalmente ligados aos lactentes prematuros “convalescentes assintomáticos" (142), apesar das fortes evidências fisiológicas de que a estimulação dos eferentes laríngeos provoca apnéia central e adução laríngea (143). No entanto, em uma subpopulação de lactentes com comprometimento neurológico, há uma incidência aumentada de ambos, apnéia e RGE. Como alguns relatos de casos indicam que em circunstâncias excepcionais a DRGE deve estar relacionada com apnéia patológica, muitos centros médicos tratam todos os lactentes com apnéia com drogas anti-refluxo. De fato, os dados disponíveis sugerem fortemente que a apnéia não está relacionada com o RGE na maioria das crianças (145).
Figura 6- Momentos de descontração no jantar em um restaurante indiano.


As ocorrências de eventos agudos com risco de morte são episódios de combinações de apnéia, mudança de coloração, mudanças no tônus muscular, choque, asfixia e engasgos. A DRGE é um diagnóstico frequentemente aventado em crianças após semelhante evento (146). No entanto, dados convincentes não estão disponíveis para definir de forma confiável a prevalência da DRGE em um evento agudo com risco de morte. Na verdade, refluxo gástrico ácido parece estar relacionado a estes eventos em menos de 5% das crianças que apresentam eventos similares (147).

59. Até o momento, nenhum teste diagnóstico isoladamente pode comprovar ou excluir as manifestações extra-esofágicas da DRGE em Pediatria.
Concordância: 100% (A+, 62,5%; A, 37,5%; Grau: não aplicável).
Clínicos utilizam laringoscopia, broncoscopia e lavagem alveolar, endoscopia digestiva, biópsias esofágicas e da laringe, monitoramento do pH na hipofaringe e impedanciometria intra-luminal de múltiplos canais para diagnosticar a DRGE em pacientes pediátricos que apresentam sintomas extra- esofágicos. Entretanto, nenhuma destas ferramentas, isoladamente, estabelece o diagnóstico da DRGE com sintomas extra-esofágicos (148, 149).
Figura 7- Momentos de descontração no jantar em um restaurante indiano.
A avaliação por pHmetria da hipofaringe foi realizada em crianças com sintomas sugestivos de manifestação extra-esofágica da DRGE. Em um estudo prospectivo com 222 crianças (1 dia a 16 anos de idade), divididas em subgrupos por sintomas (laríngeos, pulmonares, vômitos recorrentes e sintomas não respiratórios), 78 tinham refluxo faríngeo apesar dos traçados de pH esofágicos distais normais (150). As crianças com vômitos, sintomas pulmonares e sintomas da laringe tinham mais episódios de refluxo faríngeo em comparação com as crianças com sintomas gastrointestinais relacionados. O mesmo método foi aplicado em outro estudo prospectivo com 105 crianças com sintomas sugestivos da DRGE (4 meses a 12 anos de idade), mas neste caso, a pHmetria da hipofaringe não mostrou diferenças entre as crianças com e sem traçados de pHmetria anormais, independentemente delas apresentarem sintomas clínicos (149). Uma comparação cega de videomacrolaringoscopia, biópsias da laringe e do esôfago e pHmetria dual (do esôfago distal e hipofaringe) foi realizada em 39 crianças consecutivamente operadas para reconstrução das vias respiratórias. O pH da sonda superior não se correlacionou com qualquer um dos outros parâmetros avaliados (148). A definição de refluxo hipofaríngeo patológico é incerta, porque refluxo faringeano também ocorre em controles saudáveis e a quantidade de refluxo ácido que é necessária para causar patologia da laringe é desconhecida.

As mesmas dúvidas provavelmente também se aplicam à impedância intra-luminal de multicanais. Até o presente momento, dados normativos de diferentes faixas etárias pediátricas não estão disponíveis (151). Portanto, estudos adicionais criteriosamente controlados são necessários para definir qual a ferramenta diagnóstica irá melhor comprovar a DRGE extra-esofágica.

58. O diagnóstico de um evento agudo com risco de morte merece consideração de outras causas que não a DRGE.
Concordância: 100% (A+, 25%; A, 50%; A−, 25%; Grau: alto).

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