segunda-feira, 6 de junho de 2011

Um Consenso Global Baseado em Evidências a respeito da Definição da Doença do Refluxo Esofágico na população Pediátrica (1)

Nestes próximos contatos irei publicar a íntegra do trabalho, em capítulos, que foi publicado no American Journal of Gastroenterology 2009; 104: 1278-95, vertido para o português, a respeito de um consenso global sobre a definição da Doença do Refluxo Gastro-Esofágico. Este mesmo trabalho devido sua enorme importância clínica já foi vertido para o alemão na revista Elektronischer Sonderdruck fur 2010; 158:164-76, e para o francês na revista Archives de Pédiatrie 2010; 17: 1586-93. Em português etá publicado no http://www.e-gastroped.com.br/mar11/consenso_inter.htm. Este consenso se desenvolveu durante o ano de 2007 com a participação de 9 Gastroenterologistas Pediátricos de reconhecido prestigio internacional, por meio de várias reuniões virtuais e 2 presenciais, a primeira em setembro em Toronto, Canadá, e a segunda em dezembro em Londres, Inglaterra. Segue abaixo o manuscrito vertido para o português:

Um Consenso Global Baseado em Evidências a respeito da Definição da Doença do Refluxo Esofágico na população PediátricaPhilip M. Sherman, MD1, Eric Hassall, MD2, Ulysses Fagundes-Neto, MD3, Benjamin D. Gold, MD4, Seiichi Kato, MD5, Sibylle Koletzko, MD6, Susan Orenstein, MD7, Colin Rudolph, MD8, Nimish Vakil M, D9, 10, Yvan Vandenplas, MD11

1- Gastroenterology-Pediatric, Hospital for Sick Children, University of Toronto, Toronto, Canadá; 2- Division of Gastroenterology, British Columbia Children’s Hospital/University of British Columbia, Vancouver, Canadá; 3- Disciplina de Gastroenterologia, Departamento de Pediatria, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil; 4- Division of Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition, Emory University School of Medicine, Atlanta, Georgia,USA; 5- Department of Pediatrics, Tohoku University School of Medicine, Sendai, Japan; 6- Dr von Haunersches Kinderspital, Ludwig Maximilians University, Munich, Germany ; 7- University of Pittsburgh School of Medicine, Pittsburgh, Pennsylvania, USA; 8- Division of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, Medical College of Wisconsin, Milwaukee, Wisconsin, USA; 9- University of Wisconsin School of Medicine and Public Health, Madison, Wisconsin, USA; 10- Marquette University College of Health Science, Milwaukee, Wisconsin, USA; 11- Department of Pediatrics, UZ Brussel Kinderen, Vrije Universiteit Brussel, Brussels, Belgium .

Correspondência: Ulysses Fagundes Neto, Disciplina de Gastroenterologia, Departamento de Pediatria, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo
e-mail: ulyneto@osite.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Desenvolver um consenso internacional para a definição da doença do refluxo gastro-esofágico (DRGE) na população pediátrica.

MÉTODOS: A partir do uso do processo de Delphi, um conjunto de afirmações foi desenvolvido e votado por um grupo internacional de oito gastroenterologistas pediatras. As afirmações foram baseadas em pesquisas sistemáticas da literatura usando as seguintes bases de dados: Medline, EMBASE e CINAHL. A votação foi realizada utilizando uma escala de seis pontos, com o consenso definido a priori, quando houve um acordo de pelo menos 75% entre os membros do grupo. A força de cada afirmação foi avaliada usando o sistema GRADE.

RESULTADOS: Houve quatro rodadas de votação. Na votação final, foi obtido consenso em 98% das 59 afirmações. Nesta votação, 95% delas foram aceitas por sete dos oito votantes. Itens de consenso de particular importância foram: (i) a DRGE está presente quando o material refluído do conteúdo gástrico provoca sintomas e/ou complicações, mas esta definição é dificultada pela falta de uma comunicação confiável dos sintomas em crianças com idade inferior a 8 anos. (ii) a histologia tem limitado uso no estabelecimento ou na exclusão do diagnóstico da DRGE. Seu papel principal é a exclusão de outras condições. (iii) esôfago de Barrett deve ser definido como uma metaplasia esofágica, a qual se trata de uma metaplasia intestinal, positiva ou negativa; e (iv) manifestações extraesofágicas podem estar associadas com a DRGE, mas, para a maioria destas condições a causalidade necessita ser comprovada.

CONCLUSÕES: As afirmações do Consenso que compreendem a Definição da DRGE na população pediátrica foram desenvolvidas através de um processo rigoroso. Estas afirmações destinam-se a ser usadas para o desenvolvimento de normas de conduta para a prática clínica e para servir de base para ensaios clínicos.

Introdução

A definição de Montreal da Doença do Refluxo Gastro-Esofágico (DRGE) foi desenvolvida como um documento de consenso internacional com base em evidências e revisões de trabalhos que foram realizados em adultos e publicados em revistas indexadas (1). Estas diretrizes estão sendo atualmente usadas para definir as prioridades de pesquisas e como base para orientações para o manejo dos pacientes, em muitas partes do mundo. Ainda que o trabalho deste grupo tivesse sido limitado aos adultos, foi feita a ressalva de que há o devido reconhecimento da existência de necessidades específicas na abordagem do problema na população pediátrica (1).

Uma vasta gama de profissionais da saúde maneja a DRGE na faixa etária pediátrica, a qual compreende recém-nascidos, lactentes, crianças pré-escolares, crianças escolares e adolescentes. Uma recente pesquisa sobre os conhecimentos, atitudes e estilos de prática dos profissionais de saúde em Pediatria, tais como pediatras gerais e sub-especialistas, constatou que existe uma grande variedade de definições para a DRGE sendo empregada na literatura e na prática diária (2). Esta variedade de condições clínicas e nomenclaturas inconsistentes contribuem para as diversidades nas abordagens clínicas dos pacientes. Além disso, a falta de definições claras para a DRGE e suas manifestações em lactentes, crianças e adolescentes causa uma significativa confusão para o clínico, tanto ao interpretar os dados da literatura como para tentar entender o emprego dos testes diagnósticos atualmente disponíveis. Por todos estes motivos, existe, então, a necessidade de se estabelecer uma definição uniforme para a DRGE que possa vir a ser usada nestas diferentes faixas etárias pediátricas.

Uma ação colaborativa, das sociedades européia e norte-americana de gastroenterologia pediátrica, hepatologia e nutrição, enfatizou a necessidade de serem desenvolvidos critérios internacionalmente aceitos, e também, de apoiar as recomendações obtidas a partir de uma revisão sistemática da literatura, com vistas à atualização a respeito das orientações sobre o manejo da DRGE (3). A definição de Montreal para a DRGE e o processo usado para desenvolvê-la criou um quadro conceitual que serviu de base para fundamentar o presente trabalho sobre a DRGE na Pediatria. Isto posto, nosso objetivo foi desenvolver um consenso internacional sobre a definição e classificação da DRGE. Vale a pena referir que o presente esforço difere de outras publicações cujo escopo versa a respeito de recomendações sobre o manejo na DRGE. As afirmações geradas do presente consenso destinam-se ao futuro desenvolvimento de normas para a prática clínica e para ensaios clínicos, que possam incluir pacientes portadores da DRGE e controles, bem como respaldar a melhor conduta terapêutica em pacientes pediátricos com a DRGE.

Métodos

Uma técnica Delphi modificada, análoga a utilizada no desenvolvimento da definição de Montreal para a DRGE em adultos (1), foi utilizada para desenvolver as afirmações concernentes à definição da DRGE na população pediátrica. As principais etapas deste processo foram as seguintes: (i) seleção de um grupo internacional para trabalhar no consenso (ii) desenvolvimento do esboço das afirmações (iii) análise sistemática da literatura para identificar e avaliar criticamente as evidências relevantes para cada uma das afirmações, e, (iv) voto anônimo, discussão e votação anônima repetida, pelo grupo de consenso, sobre uma série de iterações de cada uma das afirmações do esboço inicial. Um gastroenterologista de adultos sem direito a voto (NV) que havia sido o presidente do Comitê do Consenso de Montreal explanou como se deu a elaboração do referido consenso, bem como salientou os aspectos mais relevantes daquele evento. Além disso, ele revisou materiais para as afirmações e forneceu os meios de acesso para as revisões da literatura. Os membros do grupo concordaram que era preferível aplicar definições de adultos (1), sempre que pertinentes, de forma a evitar confusões sobre terminologias que poderiam se tornar conflitantes. No entanto, reconheceu-se que as diferenças entre os pacientes pediátricos e adultos, e, dentro do próprio grupo de idade pediátrico propriamente dito (lactentes, crianças e adolescentes), tornaram necessárias que as definições fossem especificadas para cada grupo etário. Nesse sentido, para efeito prático, foram consensuados arbitrariamente, três grupos de idade, a saber: recém-nascidos e lactentes (0-12 meses), crianças pré-escolares e escolares (1 – 10 anos), e adolescentes (11-18 anos).

Seleção do grupo de consenso

Um Presidente sem direito a voto (PS) liderou o grupo de consenso. Membros do grupo foram selecionados pelo Presidente, com base nos seguintes critérios: experiência reconhecida sobre a DRGE em Pediatria, evidenciada por publicações relevantes em periódicos indexados, atividades de investigação, participação em eventos nacionais ou regionais e experiência no desenvolvimento de normas para práticas clínicas. A escolha do grupo de consenso foi também influenciada pela necessidade de haver uma representatividade internacional e pela diversidade de opiniões e conhecimentos no campo.

Pesquisa sistemática da literatura biomédica

De Janeiro de 1980 a Dezembro de 2007, estudos relevantes publicados em língua inglesa em seres humanos foram identificados através de pesquisas sistemáticas no Medline, EMBASE e CINAHL. O Presidente disponibilizou vários meios de busca (disponíveis mediante solicitação), revisou os resultados da pesquisa e selecionou artigos para uma posterior revisão. Membros do grupo também contribuíram com pesquisas adicionais da literatura. Os artigos foram acrescentados durante a evolução dos trabalhos e distribuídos a todos os membros do grupo de consenso.

Graus de Evidência (Notas de prova)
O poder da evidência (prova) foi avaliado utilizando o sistema GRADE (4), cuja classificação se dá da seguinte forma: Alta: é improvável que alguma investigação adicional altere nossa confiança na estimativa do efeito. Moderada: investigação adicional provavelmente terá um impacto importante na nossa confiança na estimativa do efeito e pode mudar a estimativa. Baixo: É muito provável que investigação adicional tenha um impacto importante na nossa confiança na estimativa do efeito podendo mudá-la. Muito baixa: qualquer estimativa do efeito é incerta.

A designação "não aplicável" foi empregada para situações em que estes graus de evidência não foram relevantes para uma afirmação específica. Um grau preliminar de evidência foi atribuído para cada afirmação antes da iteração final. Cada afirmação foi examinada por todos os membros do grupo de consenso após a votação final e novamente nos rascunhos do manuscrito.

Votos nas afirmações do consenso:

O grupo votou nas quatro iterações em cada uma das afirmações do consenso. Entre cada uma das quatro votações as afirmações foram revistas levando-se em consideração o feedback (retorno) do grupo, a opinião de especialistas externos (um médico de família, uma pediatra geral acadêmica, um neonatologista, um pneumologista pediátrico, otorrinolaringologistas pediátricos e cirurgiões gerais pediátricos) e, ainda, mais uma revisão crítica da literatura disponível. Afirmações adicionais foram acrescidas nos tópicos específicos da Pediatria, e que não haviam sido abordados anteriormente, particularmente aquelas condições que apresentam sinais e/ou sintomas que são semelhantes ou poderiam ser confundidos com a DRGE, tais como alergia alimentar. A votação final foi realizada num encontro presencial que ocorreu com tempo para ampla discussão. A votação foi anônima, conduzida usando “touch pads” eletrônicos e as porcentagens das votações foram projetadas em uma tela depois de cada votação. Foi utilizada uma escala de seis pontos: (I) concordo fortemente (A+), (II) concordo moderadamente (A), (III) apenas concordo (A−), (IV) apenas discordo (−D), (V) discordo moderadamente (D) e (VI) discordo veementemente (D+).

Foi definido, a priori, como consenso quando houve concordância para a respectiva afirmação (a soma das votações para A +, A ou A-) por pelo menos três quartos (ou seja, ≥75%) dos membros votantes. O nível de acordo na votação final que foi dado para cada afirmação, expresso em percentagem, está especificado na Tabela 1.


Fontes de financiamento e organização das oficinas de trabalho

Duas oficinas de trabalho presenciais foram organizadas e financiadas por terceiros, (INSINC Consulting (Guelph, ON)), por meio de uma bolsa irrestrita da Astra Zeneca Research and Development (Mölndal, Suécia). A Astra Zeneca não teve participação sobre o conteúdo e a conduta das oficinas de trabalho, nem na elaboração das afirmações deste documento. Dra. Catherine Henderson (Oxford PharmaGenesis Ltd, Oxford, Reino Unido) gerenciou o banco de dados da literatura, preparado minutos antes das reuniões presenciais e incorporou os comentários escritos elaborados por cada membro do grupo de consenso em um único documento, que ela reeditou. Deste documento, o Presidente preparou um primeiro resumo, que foi revisado através de várias iterações por um membro do grupo de consenso (EH), com a participação de todos os membros do grupo de consenso. O Presidente e os membros do grupo de consenso elaboraram o conteúdo do documento final, pelo qual eles são total e unicamente responsáveis.

Divulgações de potencial conflito de interesse dos membros da Comissão foram documentadas antes da primeira reunião do Comitê e distribuídas a todos os membros. Semelhante ao processo de Montreal, o objetivo do empreendimento foi essencialmente o de estabelecer as definições da DRGE, e não advogar a favor ou contra qualquer tratamento ou teste diagnóstico (5). Os principais pontos emergentes desta iniciativa foram apresentados em um poster no fórum de um simpósio no III Congresso Mundial de Gastroenterologia Pediátrica Hepatologia e Nutrição, realizado na Foz do Iguaçu, Brasil, em agosto de 2008.

Nenhum comentário: