quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Síndrome do Intestino Irritável: um distúrbio funcional que pode acarretar importante desconforto aos pacientes (4)

Manejo Terapêutico

Lactentes acima de 6 meses e Pré-Escolares até 3 anos
Um dos pontos mais interessantes a respeito do período em que predominam os episódios de Diarréia Crônica Intermitente, dentro da "Longa Caminhada" da SII, diz respeito à conduta terapêutica, e, é o que passaremos a abordar com riqueza de detalhes, desde os aspectos folclóricos, que são inúmeros, até chegarmos aos conhecimentos com bases científicas.

Como já foi anteriormente mencionado, a primeira preocupação quando do início do episódio diarréico é com o potencial risco de desidratação e sua conseqüência imediata, o choque hipovolêmico. Portanto, a coerente ação terapêutica correspondente, caso a suspeita maior recaia sobre infecção intestinal, seria a utilização de soluções de rehidratação oral. Ocorre, porém, como também já foi referido, na SII as perdas hídricas e salinas não são de monta suficiente para fazer com que a criança tenha tanta necessidade de grandes reposições hidro-eletrolíticas, portanto, o paciente não terá sede intensa. Pequenos volumes hídricos são totalmente suficientes para repor as escassas perdas, e, assim sendo, o paciente costuma recusar a insistência do cuidador em oferecer continuamente maiores quantidades da solução de rehidratação. Além disso, a solução de rehidratação, por conter sal misturado com glicose, tem um sabor que não é bem apreciado por quem não necessita receber este tipo de tratamento, e daí freqüentemente a recusa. Esta situação, muito comumente, gera um conflito entre o cuidador, que tem a preocupação em não ver o paciente correr o risco de sofrer desidratação, e o próprio paciente, que não deseja ingerir maiores quantidades da solução de rehidratação. Esta disputa provoca uma grande tensão ambiental e, conseqüentemente, só agrava o problema. Em passado não muito remoto, um Tratado de Pediatria, altamente conceituado, de fama internacional e praticamente adotado como referência na especialidade, denominado Textbook of Pediatrics editado por Valdo Nelson, originalmente escrito em inglês e traduzido para inúmeros outros idiomas, inclusive português, recomendava explicitamente o uso do refrigerante Coca-cola como uma excelente solução de rehidratação oral, sob a alegação de que este refrigerante possuía em sua composição doses adequadas de Potássio. Como este refrigerante é conhecido mundialmente, e sua palatabilidade largamente aceita, foi rapidamente incorporado no nosso meio, naquela época, dentro do modismo próprio dos copiadores sem um mínimo espírito crítico (se era bom para os Estados Unidos deveria ser bom também aqui) como uma referência de solução de rehidratação oral e, assim, passou a ser receitado de forma quase que rotineira para crianças com diarréia. No entanto, Dr. Edgard Ferro Collares, Professor Titular de Pediatria da UNICAMP, pesquisador dotado de grande espírito crítico e absolutamente cético quanto a esta possível qualidade do refrigerante, realizou, nos anos de 1980, um detalhado estudo sobre a composição química dos refrigerantes disponíveis no mercado e constatou que nenhum deles, inclusive a Coca-cola, apresentava mínimas condições para serem utilizados como solução de rehidratação oral (Revista Paulista de Pediatria 3: 46-9,1985). Na verdade, não possuíam sais de hidratação e sim apenas altas concentrações de carboidratos (sacarose), constituindo-se em verdadeiros xaropes, de altíssima osmolaridade. Ora, sabemos que soluções hiperosmolares com grandes concentrações de carboidratos têm um tempo de esvaziamento gástrico muito rápido, e, conseqüentemente estimulam positivamente o reflexo gastro-cólico, induzindo à evacuação. Por conseguinte, o emprego deste refrigerante, ou de outros quaisquer disponíveis no mercado, em pacientes com diarréia devido à SII, somente irá provocar aumento ainda maior no número de evacuações, gerando, assim, um ciclo vicioso, praticamente irreversível, que elevará ainda mais a tensão ambiental trazendo conseqüências mais dramáticas para a relação paciente e seus familiares, e indubitavelmente mais diarréia. Portanto, em resumo, uma vez que a história detalhadamente obtida nos faz suspeitar que o paciente apresenta diarréia com as características da SII deve-se, em primeiro lugar tranqüilizar a família, em segundo lugar fazer um exame físico detalhado, incluindo a determinação do PESO do paciente (se possível ter uma informação fidedigna recente do PESO) para saber se houve ou não perda acentuada e a partir daí controlá-lo com freqüência, para, então, recomendar que o paciente ingira líquidos não hiperosmolares sob o regime da livre demanda. Como o processo diarréico costuma perdurar por alguns dias deve-se avaliar constantemente o paciente dando especial ênfase para a evolução ponderal. Em havendo preservação do PESO ou mesmo algum ganho ponderal podemos ter a certeza que estamos frente a um episódio de diarréia da SII e com isto transmitir à família a segurança que ela necessita para entender que este processo se autolimitará e não trará maiores repercussões nutricionais para o paciente. Vale a pena ressaltar que a determinação do PESO é o único parâmetro aritmético de que dispomos para avaliarmos com fidelidade os possíveis percentuais de perda ou ganho. Neste sentido, é fundamental que o equipamento de aferição do peso seja absolutamente confiável e sempre o mesmo, que o paciente esteja totalmente despido e que de preferência o paciente seja pesado no mesmo horário do dia anterior sob as mesmas condições dietéticas. Deve-se também, neste momento, alertar a família que outros episódios semelhantes a este deverão ocorrer no futuro e que a conduta deverá ser a mesma, mas sempre após a devida consulta médica.

No nosso próximo encontro continuarei a descrever a "Longa Caminhada" das manifestações clínicas da SII abordando a conduta dietética durante os episódios de diarréia.

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