terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Síndrome do Intestino Irritável: um distúrbio funcional que pode acarretar importante desconforto aos pacientes (1)

Introdução

A Síndrome do Intestino Irritável (SII) é um transtorno funcional que pode se apresentar com diarréia intermitente ou constipação intestinal associada à dor abdominal crônica, ou mesmo ainda alternando diarréia e constipação. Embora ainda se desconheça com exatidão as causas desta síndrome, por um lado, sabe-se que a SII tem caráter absolutamente benigno quanto aos riscos de complicações graves. Por outro lado, está bem estabelecido que a SII pode provocar um impacto significativamente negativo na qualidade de vida dos pacientes devido a natureza imprevisível da intensidade das crises de diarréia e/ou das cólicas associadas à distensão abdominal e constipação, as quais podem ter um efeito extremamente limitante sobre a vida privada e profissional do paciente.

Entende-se por funcional porque não envolve qualquer anormalidade orgânica, isto é, não se detecta qualquer lesão macroscópica e/ou microscópica na mucosa intestinal e nem tampouco é possível caracterizar alguma alteração bioquímica específica nesta síndrome por meio dos métodos de investigação clínica e laboratorial disponíveis atualmente ao alcance da medicina.

SII é também conhecida pela designação de Síndrome do Colon Irritável, porque se imaginava que apenas o intestino grosso estivesse envolvido na gênese dos sintomas; porém, como recentemente demonstrou-se que o problema está relacionado com a ocorrência de ondas peristálticas anormais e que o limiar para dor visceral envolvendo todo o intestino encontra-se diminuído nos pacientes portadores da SII tem-se procurado optar por esta designação, posto ser ela mais abrangente. No passado também foi denominada de Colite Nervosa por terem sido atribuídas as manifestações clínicas essencialmente a distúrbios emocionais. Embora haja evidências bastante sugestivas de envolvimento emocional como parte das manifestações clínicas a denominação Colite é totalmente inapropriada, posto que o sufixo ite designa inflamação, o que se sabe não ocorre na SII. Além disto, a designação de Colite Nervosa pode confundir com Colite Ulcerativa enfermidade que apresenta características clínicas e anátomo-patológicas bem definidas e totalmente diferentes da SII.

Atualmente está bem estabelecida a existência de uma série de mediadores químicos que são liberados na nossa circulação a partir de estímulos que atingem o sistema nervoso central, particularmente a região do hipotálamo, os quais vão atuar à distância sobre receptores localizados nos diferentes níveis do intestino, e, assim, determinam o surgimento das manifestações clínicas. Na verdade existe um verdadeiro eixo hipotálamo-trato digestivo através do nervo vago, que é responsável pela ação efetora dos estímulos recebidos, interferindo diretamente na motilidade intestinal.
Sabe-se que a SII é responsável por pelo menos 20% das consultas médicas em pacientes adultos, mas tudo indica que esta é apenas a parte visível do “iceberg” desta afecção funcional, posto que se admite que a maioria dos pacientes não chega a procurar aconselhamento médico para cuidar dos seus sintomas. Estudos de investigação clínica visando detectar retrospectivamente o início dos sintomas têm demonstrado que as manifestações sintomáticas foram referidas a partir de tenra idade, na infância, e desde então passaram a acompanhar o paciente ao longo de toda sua existência.

Vale a pena referir que a primeira descrição desta síndrome em Pediatria se deve ao médico norte-americano Murray Davidson sob a designação de Diarréia Crônica Inespecífica, publicada em 1966 no Journal of Pediatrics. No nosso meio a primeira publicação de uma casuística da SII na infância pertence a Ulysses Fagundes Neto, Marli de Almeida Pedra & Valéria de Castro Ferreira no Jornal de Pediatria (RJ) de 1985. Neste trabalho os autores relatam a experiência com o seguimento de 76 crianças com idade média de 18,1 mêses portadoras de diarréia crônica acompanhadas durante 15,6 mêses. Confirmam a característica benigna da SII e concluem que a mesma pode apresentar múltiplas características à medida que o paciente se encontra nos mais diferentes momentos da sua evolução para a vida adulta.

No nosso próximo encontro iremos descrever a “Longa Caminhada” das manifestações clínicas da SII desde os primeiros meses de vida e suas diferentes formas de apresentação durante todo o processo de crescimento e desenvolvimento, passando pelas idades pré-escolar, escolar e adolescência.

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