sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (21)

A história da realização de um Pós-Doutorado no North Shore University Hospital, Cornell University, Nova Iorque: pessoal e científica

O Projeto e a Elaboração da Tese de Doutorado


Levando-se em consideração as percepções do bem estar de saúde das crianças índias na primeira visita ao PIX, em dezembro de 1970, as quais foram reafirmadas nas visitas posteriores nos anos de 1971 e 1972, sob a orientação do Dr. Roberto Baruzzi, decidimos elaborar um projeto de pesquisa para avaliar de forma objetiva, utilizando métodos antropométricos cientificamente comprovados, o estado nutricional das crianças índias habitantes da região do Alto Xingu. Entretanto, naquela ocasião deparávamos com um obstáculo que à primeira vista parecia potencialmente intransponível, qual fosse, não dispor das idades das crianças, pois os índios não utilizam calendário, portanto, tampouco têm o hábito de registrar a data de nascimento dos seus filhos. Naqueles tempos primordiais das atividades assistenciais da EPM, que se iniciaram em 1965, devido às dificuldades de comunicação entre nossa cultura e a da população indígena, não havia sido criada ainda uma ficha de identificação suficientemente confiável para que pudesse ser adotada na realização de um trabalho científico. A execução deste projeto de pesquisa revelou de forma cabal e definitiva a importância de ser elaborado um controle de identificação rigoroso da população do PIX, o que, diga-se de passagem, de há muito tempo passou a ser feito com a devida acurácia. Portanto, este projeto de pesquisa não somente teve um cunho científico como também despertou a atenção para a necessidade de se realizar um inventário demográfico da população do PIX (Figuras 1–2–3-4-5).


 Figura 1- Prof. Baruzzi e eu no trabalho preliminar de identificação das crianças para serem incluídas no projeto de pesquisa.

Figura 2- Prof. Baruzzi e eu ao fim da identificação das crianças a serem incluídas no trabalho, tendo ao fundo o rio Tuatuari, afluente do rio Kuluene, que banha o Posto Leonardo.


Figura 3- Prof. Baruzzi fazendo o trabalho de identificação fotográfica de uma criança índia.

Figura 4- Ficha de identificação das crianças já na aldeia durante o trabalho de campo.

Figura 5- Vista aérea do trabalho de campo.


O fato que se apresentava era a possibilidade de se realizar um projeto de avaliação do estado nutricional de uma população nativa, vivendo praticamente nas mesmas condições que aquela verificada por ocasião do descobrimento do Brasil, em suma uma oportunidade absolutamente original. Aliás, vale ressaltar que, embora de forma meramente visual, este tipo de avaliação já havia sido feito por alguém que não era médico e sim escriba da expedição de Pedro Álvares Cabral. Trata-se de Pero Vaz Caminha que, em minha opinião, revelou-se ser o primeiro Nutrólogo de língua portuguesa que se tem notícia. Este fato ficou atestado em sua carta endereçada ao rei de Portugal, Dom Manoel “O Venturoso”, imediatamente após aqui desembarcar, conforme a transcrição que no quadro abaixo se pode ler: 


Suas impressões a respeito do estado nutricional dos nativos brasileiros também foram por mim confirmadas desde meus primeiros contatos com os índios do Alto Xingu (Figuras 6- 7-8-9-10-11-12).

Figura 6- Índios Kamaiurá em momento de festa na aldeia.

Figura 7- Tradicional festa do Kuarup. Notar a excelente forma física dos índios.

Figura 8- Dança tribal na festa do "Jawari", onde toda a aldeia participa ativamente.



Figura 9- Festa do "jawari".

Figura 10- Prof. Baruzzi, Tacuman (grande chefe Kamaiurá, considerado o maior pajé da região do alto Xingu) e eu na lagoa do Ipavu que banha a aldeia Kamaiurá.

Figura 11- Festa tribal em que se pode observar o excelente estado físico dos índios.


Figura 12- Lactente sorvendo o leite materno em excelente estado nutricional.

Entretanto, do ponto de vista científico apenas a impressão subjetiva de eutrofia não era aceitável, impunha-se uma investigação que preenchesse as exigências da ciência, porém, conforme anteriormente referido, não dispúnhamos do conhecimento da idade das crianças. Fui, então, em busca de auxílio entre os Nutrólogos, experts em matéria de avaliação do estado nutricional de populações, mas essa busca de ajuda resultou inútil, visto que todos os profissionais consultados apenas conheciam métodos antropométricos dependentes da idade exata. Diante deste dilema decidi fazer uma extensa pesquisa bibliográfica na esperança de encontrar uma solução para este impasse. Felizmente, após muito pesquisar encontrei uma série enorme de publicações, principalmente em populações africanas, que deparavam com os mesmos problemas por nós encontrados, e que, para contorná-los, adotavam métodos independentes da idade exata ou mesmo independentes da idade.

Basicamente, o primeiro tipo refere-se àquelas medidas que não necessitam do conhecimento exato da idade, relativamente ao mês ou semana, mas requerem uma classificação aproximada da idade, especialmente das crianças que se encontram dentro dos 2 primeiros anos de vida. Estas medidas se baseiam na avaliação de uma variável antropométrica que apresenta alteração gradual a cada ano de idade, ou então, relações corpóreas que se alteram com o decorrer dos anos.

Por outro lado, as medidas independentes da idade baseiam-se essencialmente em estabelecer relações entre um tecido nutricionalmente lábil e uma estrutura orgânica sobre a qual a desnutrição proteico-calórica possui efeito menos contundente, ou seja, são realizadas comparações entre medidas que se afetam pelas influências do meio ambiente, em particular a nutrição, com medidas que se encontram sob controle genético. Na prática, a adequação peso-estatura é o melhor indicador para a avaliação do estado nutricional, porém esta relação ao ignorar a idade da criança permite avaliar o estado nutricional atual do indivíduo, ou seja, se existe naquele momento uma adequação do peso em relação à estatura, mas não permite afirmar uma possível existência de desnutrição no passado. Em outras palavras, pode-se verificar a existência de uma adequação atual do peso em relação à estatura, mas não possibilita a análise retrospectiva do estado nutricional do indivíduo, isto é, torna impossível saber se sua estatura está adequada à idade cronológica. Portanto, não permite descartar a ocorrência de nanismo nutricional.

O conhecimento da idade exata da criança permite estabelecer a diferenciação entre desnutrição aguda (peso inferior ao esperado para a idade e estatura adequada para a idade) e desnutrição pregressa, de longa duração (peso adequado à estatura, porém ambas as medidas inferiores à normalidade para a idade), ainda mais, reconhecer a existência da associação de desnutrição atual com pregressa. Para poder contornar a possível ocorrência deste viés decidimos realizar a avaliação do estado nutricional das crianças durante 3 anos consecutivos, sempre na mesma época do ano (julho), para evitar possíveis influências sazonais sobre a variável a ser investigada. 

Nenhum comentário: