terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (19)

A história da realização de um Pós-Doutorado no North Shore University Hospital, Cornell University, Nova Iorque: pessoal e científica

Parque Indígena do Xingu (PIX)

O Alto Xingu: Alimentação

A alimentação está fundamentalmente baseada na mandioca e no peixe.

O processamento da mandioca, desde sua retirada do solo e transporte, até o preparo do beiju e do mingau (mohet), é tarefa exclusivamente da mulher. A elaboração do beiju passa por uma série de etapas intermediárias cuja sequência de eventos parece obedecer um verdadeiro ritual, o que deixa transparecer ao observador, que esta é uma prática que transcende à finalidade básica da nutrição. Vale ressaltar que a mandioca cultivada pelos índios é popularmente conhecida pela denominação de “mandioca brava” ou “amarga”, a qual contém elevado teor de ácido cianídrico, substância tóxica e mortal. Para que a mandioca possa, então, ser utilizada na alimentação, seu preparo inclui dentro das inúmeras etapas a inativação deste poderoso veneno.

Inicialmente, a mandioca é mantida por um curto período de tempo submersa em água para amolecer sua casca, a qual é retirada por raspagem, o que é feito com o auxílio de conchas que são encontradas nas praias dos rios (Figura 1).


Figura 1-  Mulher índia no processo de descascar a mandioca.

A seguir, a mandioca é ralada em tábuas nas quais são incrustradas espinhos da palmeira de buriti ou dentes de piranha (Figura 2).

Figura 2- Mulheres índias ralando a mandioca.

A massa proveniente deste processo é constantemente lavada com água e espremida em uma esteira de talos de buriti denominada tuavi, sobre uma grande panela de cerâmica (Figuras 3-4-5).


Figura 3- Mulher índia lavando e peneirando a massa da mandioca.


Figura 4- Mulher índia peneirando a mandioca.


Figura 5- Mulher índia no processamento da mandioca.

Esta ação permite separar a massa da mandioca em duas frações, a saber: a polpa, porção retida na esteira e o polvilho que atravessa as malhas do tuavi juntamente com a água. A polpa, uma vez separada, é colocada para secar ao sol, moldada sob forma de pequenos “pães”, ai permanecendo durante algumas semanas (Figura 6).


Figura 6- Massa e polvilho da mandioca após seu processamento secando ao sol.

A solução aquosa contendo o polvilho retida na panela de cerâmica é submetida à fervura para eliminar totalmente o ácido cianídrico remanescente. Posteriormente, o polvilho é separado do caldo por um processo de decantação e também colocado para secar ao sol (Figura 7).


Figura 7- Polvilho após a decantação.

A polpa e o polvilho, depois de secos e transformados em barras, são armazenados dentro da casa em grandes depósitos cilíndricos que variam de 2,40m a 2,60m de altura por 0,80m a 0,85m de diâmetro. Parte desse material serve para ser utilizado na alimentação diária, enquanto que a outra parte, que é muito mais significativa permanece armazenada para ser aproveitada na época das chuvas, pois durante a estação chuvosa, que dura praticamente 6 meses, as atividades do plantio até o processamento da mandioca deixam de existir.  
      
A elaboração do beiju se dá ao assar uma certa quantidade de polvilho sobre uma grande chapa circular feita de cerâmica diretamente ao fogo (Figuras 8-9).


Figura 8- Preparo do beiju, mulher índia com o polvilho em suas mãos.


Figura 9- Preparo do beiju, polvilho sendo assado.

Várias vezes por dia o fogo é ativado para o preparo do beiju, que é comido puro ou acompanhado de peixe assado ou ensopado. Na cultura indígena não há horário predeterminado para se alimentar, o índio come a qualquer momento que sentir fome (Figura 10).

Figura 10- Preparo do beiju no interior da oca.

O peixe é a grande fonte proteica de origem animal; os índios comem exclusivamente peixes com escamas e os mais comuns são: tucunaré (Cichla mutifasciata), matrinchan (Brycon hilari), curimatá (Prochilodus hartu) e piau (Astyanax sp) (Figuras 11-12).


Figura 11- Homens índios pescando no lago próximo à aldeia.


Figura 12- Mulheres índias carregando o fruto de uma pescaria exitosa.


Os peixes são preparados na brasa ou cozidos; quando a pesca é farta e havendo o desejo de conservar o peixe por vários dias, estes são moqueados sobre a fogueira. 

Frutas silvestres, ovos de tracajá e mel também fazem parte da alimentação dos índios, porém, sem maior conotação de destaque, bem como outros produtos de origem vegetal, tais como: milho, mamão, batata doce, abóbora, melancia e banana, que são plantados nos arredores da aldeia e são consumidos principalmente na época das chuvas, quando pode haver escassez de peixe.  

Atenção especial deve ser dada ao pequi (Caryocar sp), uma fruta de polpa amarela, oleaginosa, que contém elevado teor de vitamina A. Há árvores de pequi em abundância em toda a região; o pequi é produzido e colhido apenas entre os meses de setembro e outubro, e, nesta época, seu consumo é intenso. Para preservar os frutos durante todo o ano, eles são especialmente armazenados em cestas de bambu e submersos na água do lago próximo à aldeia. Esse procedimento, permite que seja formada uma massa da polpa a qual é consumida in natura quando o índio assim o desejar. O caroço do pequi é uma amêndoa após ser ressecada ao sol também é consumida na alimentação.

A alimentação das crianças merece um destaque particular. Durante praticamente todo o primeiro ano de vida baseia-se no aleitamento natural exclusivo, que é universal, abrangendo, portanto, toda a população infantil dessa faixa etária (Figuras 13).


Figura 13- Recém-nascido de poucos dias cuidado pela mãe, mas já recebendo aleitamento natural.

Os lactentes são carregados ao colo e permanecem junto ao corpo materno grande parte do tempo, mamam quando tem vontade, não há horário preestabelecido para as mamadas, é obedecido o esquema da livre demanda (Figuras 14-15).


Figura 14- Lactente em aleitamento natural exclusivo.


Figura 15- Criança maior mas ainda recebendo aleitamento materno.
   
Ao se aproximar o fim do primeiro ano alguns alimentos do desmame começam a ser introduzidos na dieta do lactente, inicialmente de forma esporádica, posteriormente de forma rotineira. O mingau de mandioca é o primeiro alimento não lácteo oferecido para a criança, em seguida é introduzido o peixe. A despeito da introdução de novos alimentos, o aleitamento natural estende-se por vários anos de vida da criança, posto que é comum observar-se crianças maiores ainda sugando o seio materno.  
   
O Alto Xingu: Cerimônias

Dentre as cerimônias festivas que proporcionam a regularidade dos contatos intertribais da região, três merecem destaque especial, a saber: Quarup, Javari e Moitará.

Quarup é uma cerimônia que reúne em uma única aldeia várias tribos. É uma festividade celebrada em homenagem aos mortos de uma determinada aldeia, que marca o término do período de luto. Consta da dramatização de uma das versões do mito da criação do ser humano e é conjugada com uma competição desportiva, que consiste em uma luta corporal denominada uca-uca. Há também nesta festividade eventuais trocas de artesanato (Figuras 16-17-18-19).

Figura 16- Índios se pintando em preparação para a festa do Quarup.

Figura 17- Índios pintados para a festa do Quarup.


Figura 18- Festa do Quarup, luta da uca-uca.


Figura 19- Festa do Quarup. Totens representando os mortos do ano anterior a serem reverenciados.


Javari enfatiza a distensão e a oposição dos grupos participantes. Para esta festa apenas uma tribo é convidada e seu ponto alto é a competição desportiva do arremesso de flechas entre os dois grupos litigantes. O Javari é considerado um mecanismo estabilizador das relações intertribais, posto que visa canalizar as atitudes de rivalidade e as tendências agressivas para uma expressão social e culturalmente sancionada, ou seja, uma competição desportiva que simboliza uma atividade guerreira (Figuras 20-21-22-23-24).


Figura 20- Festa do Javari, índio construindo totem para as disputas de arco e flecha.

Figura 21- Festa do Javari. O grande chefe Tacumã ao centro.


Figura 22- Festa do Javari. Índios perfilados para as danças.


Figura 23- Festa do Javari. Índios dançando.


Figura 24- Festa do Javari. Índios dançando, inclusive as crianças que desde de tenra idade participam das cerimônias festivas.

O Moitará, instituição tradicional de troca de bens, é uma forma de intensificar as relações sociais intertribais. Os habitantes de uma determinada tribo visitam a anfitriã apenas para efetuar as trocas dos seus bens.   

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