terça-feira, 29 de abril de 2014

Intolerância à Lactose: História, Genética, Ciência e Prática Clínica (7)

Manifestações Clínicas e Métodos Diagnósticos

      Os principais sintomas de intolerância à LACTOSE são distensão abdominal, flatulência, cólicas intestinais e diarreia, os quais são parcialmente dependentes da capacidade funcional da atividade da LACTASE, mas sim, e acima de tudo, estão diretamente relacionados com a quantidade da LACTOSE ingerida. Ou seja, como se trata de uma reação enzima-substrato, se houver excesso de substrato (LACTOSE) para ser digerido pela enzima (LACTASE) na unidade de tempo e na área de superfície de digestão da mucosa intestinal, os sintomas de intolerância à LACTOSE deverão surgir algumas horas após a ingestão do leite. Vale ressaltar que a intensidade dos sintomas irá depender estritamente de uma relação diretamente proporcional entre a concentração de LACTOSE no alimento/e a atividade da LACTASE na mucosa intestinal. Dentre todos os sintomas acima referidos, indiscutivelmente, a diarreia é o que apresenta maior risco para o paciente, em especial durante o período de lactente, posto que o leite representa praticamente a única ou pelo menos a maior fonte alimentar da dieta nesta fase da vida. Nestas circunstâncias, caso o diagnóstico não seja estabelecido prontamente, a diarreia pode se tornar crônica acarretando agravo nutricional que pode ser de grave intensidade até mesmo com instalação de acidose metabólica, que pode ser confundida com um processo infeccioso sistêmico. Quanto mais tenra for a idade do lactente maiores serão os riscos das complicações nutricionais mais graves (Figuras 1 & 2).

Figura 1- Paciente com diarreia persistente e desnutrição grave com intolerância à LACTOSE.

 
Figura 2- Paciente em recuperação clínica e nutricional, já tolerante à LACTOSE.

     É importante assinalar que como se trata de diarreia osmótica, esta obedece ao princípio da relação causa-efeito. A LACTOSE não digerida permanece presente na luz do intestino e aí provoca secreção de água e eletrólitos no sentido organismo-lúmen intestinal, cujo volume de fluido acumulado supera a capacidade de reabsorção de água pelo intestino grosso, sendo eliminado sob a forma de fezes líquidas; ao se suspender a LACTOSE da dieta a diarreia rapidamente cessará. Assim sendo, uma vez cessada a causa o efeito desaparecerá.

    Em pré-escolares e escolares, dor abdominal crônica costuma ser um sintoma predominante de intolerância à LACTOSE, e até mesmo pequena quantidade do carboidrato, tal como 12 gramas, a qual corresponde à concentração equivalente a um copo de leite (250 ml), pode ser a causa deflagradora do sintoma. Além disso, a LACTOSE não absorvida resulta em um importante substrato para a flora bacteriana do intestino grosso. As bactérias aí prevalentes metabolizam a LACTOSE produzindo ácidos graxos voláteis e gases (metano, dióxido de carbono e hidrogênio), os quais causam flatulência (Figura 3).

 
Figura 3- Produtos de metabolização da LACTOSE pela flora colônica.

    Os ácidos graxos provocam diminuição do pH fecal, tornando-o ácido (menor que 6,0), o que pode ser na prática utilizada como uma medida indireta da má absorção da LACTOSE.

Critérios diagnósticos para intolerância à Lactose

A obtenção de uma história clínica bastante detalhada, geralmente, permite levantar fortes suspeitas da existência de intolerância à LACTOSE, a qual pode ser confirmada, na maioria das vezes, com a eliminação de todas as fontes alimentares da dieta contendo o substrato. No entanto, quando se deseja obter uma confirmação diagnóstica mais acurada, de uma suposta intolerância à LACTOSE, é necessária a realização de uma investigação laboratorial adequada.

A hipolactasia pode ser diagnosticada por métodos diretos, como a dosagem da atividade da LACTASE em fragmento da mucosa jejunal obtido por biópsia, que consiste num diagnóstico definitivo, porém invasivo. Pode-se também caracterizar a hipolactasia por métodos indiretos, tais como a avaliação de sinais e sintomas clínicos após a ingestão de LACTOSE, testes de análises fecais (determinação do pH fecal e pesquisa de substâncias redutoras nas fezes) e teste de tolerância à LACTOSE, nos quais se destacam o teste sanguíneo e o teste do hidrogênio no ar expirado.

O teste do hidrogênio no ar expirado é uma técnica que vem sendo utilizada cada vez mais frequentemente na prática clínica e em pesquisas. Trata-se de um método laboratorial não invasivo confiável e preciso para a avaliação da absorção de carboidratos e caracterização de sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado. Para que se obtenha um resultado fidedigno é necessário que o paciente esteja em jejum por pelo menos seis horas e, extremamente importante, que o mesmo tenha feito adequada higiene bucal para não falsear o resultado.

O teste é realizado pela administração de uma quantidade normatizada de LACTOSE (2 gramas/ kg de peso, até no máximo 25 gramas, equivalente à quantidade de LACTOSE presente em 2 copos de leite) diluída em solução aquosa a 10%. As amostras de ar expirado devem ser coletadas em jejum, antes da ingestão da LACTOSE, e a cada 30 minutos durante um período de 3 horas após a ingestão da mesma. Uma elevação da concentração de hidrogênio no ar expirado acima de 20 partes por milhão (PPM) comparada ao valor de jejum, em qualquer tempo durante as coletas obtidas das amostras de ar, caracteriza má absorção à LACTOSE. Alguns fatores podem produzir resultados falso-negativos ou falso-positivos, e, dentre estes últimos se destacam a coexistência de sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado (neste caso, o pico de hidrogênio no ar expirado ocorre precocemente, dentro da primeira hora do teste) e as alterações da motilidade intestinal. Dentre os falso-negativos incluem-se o uso prévio de antibióticos (afeta a flora colônica) e a falta de produção de hidrogênio pela flora bacteriana, o que pode ocorrer em até 15% da população. Caso, concomitantemente à caracterização de má absorção de LACTOSE ou não, o paciente venha apresentar sintomas clínicos compatíveis com a intolerância à LACTOSE, este diagnóstico deve ser levado em consideração.

Tratamento da intolerância à LACTOSE

O tratamento da intolerância à LACTOSE baseia-se única e exclusivamente na eliminação da Lactose da dieta do paciente. No caso dos lactentes deve-se utilizar uma fórmula isenta de LACTOSE e naqueles indivíduos que fazem uso de dieta sólida eliminar da alimentação produtos lácteos, substituindo-os por outros produtos à base de leite, porém com baixíssimas concentrações de LACTOSE, tais como queijos e iogurtes, os quais são ricos em cálcio, apresentam a LACTOSE parcialmente hidrolisada e ainda podem conter Lactobacillus, que auxiliam na fermentação e metabolização da LACTOSE.

A indústria alimentícia colocou no mercado leites que apresentam LACTOSE hidrolisada em até 80%, sendo indicados para pacientes com intolerância ao substrato, pois torna a ingestão tolerável. A substituição do leite por produtos à base de soja também é de valia, podendo ser utilizados como fonte de carboidratos, desde que o paciente se adapte ao sabor. Nos pacientes hipolactásicos, a tolerância aos iogurtes deve-se a uma pequena atividade da galactosidase presente nos mesmos, que fragmenta, no duodeno, a LACTOSE contida no iogurte.

Nas dietoterapias para tais pacientes, têm-se como alternativas, além dos queijos maturados e/ou processados e iogurtes já citados, os pães e produtos fabricados com o soro do leite, os quais podem ser consumidos por pacientes com falta total da LACTASE.

A Academia Americana de Pediatria (AAP), considerando o alto valor nutricional do leite para crianças em crescimento, afirma que a maioria das crianças americanas menores de 10 anos, independentemente do histórico familiar, pode digerir quantidades razoáveis de leite, e, portanto, recomenda que cerca de 240 mL de leite devem ser oferecidos diariamente, posto que a intolerância a 240 mL de leite é rara, mesmo entre os adolescentes. 

Buarraj e cols., ressaltam que na terapia nutricional da intolerância à LACTOSE são recomendadas dietas hipogordurosas e pobres em resíduos devido a casos de esteatorréia, ressecção e obstruções intestinais. Por se tratar da maior fonte de cálcio é preocupante a retirada total do leite e derivados da dieta, pois as propriedades do cálcio estão presentes, principalmente, no crescimento e desenvolvimento na infância e adolescência e, por isso, em casos de consumos inferiores ao recomendado, faz-se necessária a suplementação medicamentosa. 

Considerações finais

O papel do leite na alimentação humana está bem estabelecido e tem impacto determinante na sobrevivência da espécie, particularmente durante o período de lactente. Contudo, a prevalência de má absorção e/ou intolerância à LACTOSE é bastante elevada e pode alcançar até 75% da população mundial. Indivíduos que apresentam a deficiência de LACTASE ontogeneticamente determinada, a qual costuma se instalar gradualmente ao longo da existência, a partir do 5º ano de vida, mesmo assim tem a possibilidade de ingerir certa quantidade de leite, o que irá depender da sua própria capacidade de tolerância.

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