quinta-feira, 17 de abril de 2014

Intolerância à Lactose: História, Genética, Ciência e Prática Clínica (6)

Deficiência congênita de Lactase: enfermidade extremamente rara, de origem autossômica recessiva, com incidência de 1:60.000 nascidos vivos, relatada em poucas crianças e potencialmente letal em épocas que não existiam substitutos para o leite.

Recém-nascidos afetados cursam com diarreia intratável logo que o leite humano ou fórmula láctea contendo Lactose é introduzido; no caso de o diagnóstico não ser suspeitado apresentam diarréia osmótica com perda de nutrientes que levam a desnutrição, desidratação e acidose metabólica. Substâncias redutoras nas fezes são facilmente detectadas e o pH fecal torna-se ácido. A resposta clínica ocorre poucas horas após a retirada da Lactose da dieta e o desenvolvimento da criança passa a ser normal. Vale enfatizar que esta deficiência enzimática é permanente, e que, portanto, a Lactose deve ser evitada durante toda a vida.

A literatura descreve dois tipos clínicos de deficiência congênita de Lactase:

Alactasia congênita: manifesta-se com o aparecimento de diarréia ácida, desidratação e acidose metabólica desde os primeiros dias de vida, logo após a introdução da alimentação com leite, seja ele materno ou não.

Intolerância congênita à Lactose: quadro clínico semelhante ao da alactasia congênita, acompanhado de lactosúria, aminoacidúria e acidose renal, com predomínio de vômitos. Neste segundo tipo, os sintomas desaparecem com a infusão da Lactose no duodeno, através do uso de sonda pós-pilórica, sugerindo alguma alteração na permeabilidade gástrica. Caso não seja rapidamente identificada e controlada com a utilização de fórmula láctea isenta de Lactose, pode levar à morte, devido à ocorrência de desidratação e distúrbios hidroeletrolíticos graves.

Deficiência de Lactase do desenvolvimento: é caracterizada como deficiência relativa de Lactase observada entre prematuros com menos de 34 semanas de gestação.

No trato gastrointestinal imaturo, a Lactase e outras dissacaridases são deficientes até pelo menos a 34º semana gestacional. Melvin e cols. investigando prematuros relataram o benefício da suplementação com Lactase e fórmulas com baixo teor de Lactose; porém, por outro lado, também demonstraram que o leite humano e fórmulas contendo Lactose não provocaram quaisquer efeitos deletérios a curto ou longo prazo em recém-nascidos prematuros. Até 20% da Lactose dietética pode atingir o cólon em recém-nascidos e crianças jovens. O metabolismo bacteriano da Lactose diminui o pH fecal (abaixo de 6) provocando um efeito benéfico, já que favorece a proliferação de microorganismos protetores do trato digestivo (eg, Bifidobactérias e espécies de Lactobacilos) ao invés de favorecer o surgimento de agentes potencialmente patogênicos (espécies de Proteus, Escherichia coli e Klebsiella) em lactentes jovens. Agentes antimicrobianos podem afetar negativamente esta colonização benéfica.

Manifestações clínicas da intolerância à Lactose

Nos indivíduos que apresentam deficiência de Lactase, além da baixa atividade enzimática no intestino delgado ocorrem também vários outros fatores envolvidos no desenvolvimento dos sintomas, incluindo a quantidade de Lactose ingerida, sexo, idade, gravidez, sensibilidade visceral e anormalidades motoras do intestino.

Os principais sintomas de intolerância à Lactose resultam da fermentação bacteriana no cólon e incluem dor e distensão abdominal, flatulência, cólicas intestinais, diarréia e em algumas ocasiões náuseas e vômitos; podem, também, diminuir a motilidade gastrointestinal e, consequentemente, os indivíduos apresentarem constipação, possivelmente como consequência da produção de metano.

Todos os sintomas citados são parcialmente dependentes da capacidade funcional da atividade da Lactase e, acima de tudo, estão diretamente relacionados com a quantidade de Lactose ingerida, ou seja, como se trata de uma reação enzima-substrato, se houver excesso de substrato (Lactose) para ser digerido pela enzima (Lactase), tais sintomas poderão surgir algumas horas após a ingestão do leite. Portanto, é importante destacar que a intensidade dos sintomas dependerá, estritamente, de uma relação diretamente proporcional entre concentração de Lactose no alimento para a atividade da Lactase na mucosa intestinal.

Dentre todos os sintomas acima referidos, indiscutivelmente, a diarréia é o que apresenta maior risco para o paciente, em especial durante o período de lactente, posto que o leite representa, parcialmente, a única ou pelo menos a maior fonte alimentar da dieta nesta fase da vida. Nestas circunstâncias, caso o diagnóstico não seja estabelecido rapidamente, a diarréia pode se tornar crônica acarretando agravo nutricional que pode ser confundida com processo infeccioso sistêmico. A Lactose não digerida permanece presente na luz do intestino provocando fluxo de água e eletrólitos do organismo para o lúmen intestinal, cujo volume de fluído acumulado supera a capacidade de reabsorção de água pelo intestino grosso, sendo eliminado sob a forma de fezes líquidas. A Lactose não digerida aumenta a pressão osmótica e promove afluxo de água e eletrólitos para seu interior (aproximadamente, 5 gramas de monossacarídeos ou 10 gramas de dissacarídeos retêm, osmoticamente, 100 mL de água), e alcança o colon. Ao se suspender a Lactose da dieta, o quadro diarréico cessará, portanto, interrompida a causa, o efeito desaparecerá.

Dor abdominal crônica costuma ser um dos sintomas predominantes de intolerância à Lactose. Mesmo o consumo de pequena quantidade do carboidrato - 12 gramas correspondem a um copo de leite de 250 mL - pode ser a causa deflagradora do sintoma. Além disso, a Lactose não absorvida resulta em um importante substrato para a flora bacteriana do intestino grosso. As bactérias aí prevalentes metabolizam a Lactose produzindo ácidos graxos voláteis, os quais provocam uma diminuição do pH fecal, tornando-o ácido (menor que 6), e gases (metano, dióxido de carbono e hidrogênio), os quais causam flatulência.

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