quinta-feira, 3 de abril de 2014

Intolerância à Lactose: História, Genética, Ciência e Prática Clínica (4)

Prevalência da deficiência de Lactase

A prevalência da deficiência de Lactase varia de acordo com os grupos étnicos e está relacionada com a utilização de produtos lácteos na dieta, e/ou como resultado da seleção genética de indivíduos com a capacidade de digerir a Lactose.

Estudos epidemiológicos mostram que as populações que nos seus primórdios dependiam da pecuária muito mais do que da agricultura, eram grandes consumidoras de leite e laticínios em geral, e por isso apresentavam menor prevalência de intolerância à Lactose em relação àquelas que dependiam mais da agricultura para sobreviver.

No geral, a prevalência da hipolactasia primária do adulto varia no mundo, como demonstra a Tabela 1. Observa-se em torno de 5% na Grã-Bretanha e no nordeste da Europa, próximo ao mar do Norte, 4% na Dinamarca, na Suécia varia de 1 a 7%, e aumenta significativamente na direção do centro-sul da Europa, chegando próximo aos 100% na Ásia e Oriente Médio.

Segundo Siddiqui, dentre os grupos étnicos com deficiência de Lactase podemos destacar uma prevalência de 80% a 100% de populações nativas americanas, 60% a 80% de judeus Ashkenazi e populações africanas da América, 50% a 80% das populações hispânicas e em torno de 70% das populações do sul do subcontinente indiano. Ainda ressalta que entre 6% a 22% da população branca da América sofrem de deficiência primária de Lactase.

A população brasileira se caracteriza essencialmente pelo elevado grau de miscigenação, portanto, em sua composição incluem-se inúmeras etnias com potencial tendência de apresentação de deficiência da Lactase ontogeneticamente determinada, e dentre elas podemos destacar os negros, índios, asiáticos em geral, judeus, europeus e latinos.

Tipos de intolerância à Lactose

A literatura é vasta em conceitos para caracterizar cada um dos termos que abaixo serão referidos e muitas vezes podem trazer confusões diagnósticas e interpretações equivocadas de cada uma dessas denominações.

São descritas como intolerâncias alimentares quaisquer respostas adversas a um aditivo ou alimento, sem que necessariamente ocorram mediações imunológicas. Estas podem ser ativadas por ação de toxinas produzidas por bactérias, fungos, agentes farmacológicos ou erros metabólicos por deficiência enzimática. Dentre as intolerâncias alimentares se destaca a intolerância à Lactose, por ser frequentemente encontrada na prática médica. Segue abaixo a descrição detalhada, segundo Melvin e Heyman, dos diferentes tipos de má absorção à Lactose e/ou intolerância à Lactose:

Má absorção: é um problema fisiopatológico que pode se manifestar ou não como intolerância à Lactose e deve-se a um desequilíbrio entre a quantidade de Lactose ingerida e a capacidade disponível da Lactase para hidrolisar o substrato (reação enzima x substrato).

Gasparin e cols., em 2010, realizaram um estudo no Brasil demonstrando que mais de 27 milhões de habitantes apresentam má absorção à Lactose, sendo que esta ocorreu principalmente por determinação genética.

Vale ainda ressaltar que a má digestão e/ou absorção à Lactose não resultam, necessariamente, em intolerância à Lactose.

Intolerância: é uma síndrome clínica caracterizada por um ou mais dos seguintes sintomas: dor abdominal, diarréia, náusea, flatulência e/ou distensão abdominal após a ingestão de leite e/ou de alguma substância contendo Lactose. A quantidade de Lactose que poderá causar qualquer sintomatologia varia de indivíduo para indivíduo, dependendo da quantidade ingerida, do grau de deficiência de Lactase, e também, da forma da substância na qual a Lactose está presente.

Duas patologias ligadas ao consumo de leite e derivados são extremamente confundidas no momento do diagnóstico e do tratamento nutricional, podendo influenciar diretamente no estado nutricional e prognóstico do paciente. Por isso, é extremamente importante diferenciar a alergia à proteína do leite de vaca (APLV) da intolerância à Lactose; vale ressaltar que a alergia alimentar é mediada pelo sistema imunológico, desencadeando mecanismos de ação contra o antígeno causador, gerando sinais e sintomas após a ingestão do alimento, os quais podem, em certas circunstâncias, serem idênticos aos da intolerância à Lactose. Tais diferenças são abreviadamente descritas na Tabela 2, segundo Tumas e Cardoso.

Deficiência primária de Lactase: é caracterizada pela ausência relativa ou absoluta da Lactase, a qual inicia sua ocorrência em idade variáveis, em geral a partir do 5º ano de vida, em distintos grupos étnicos e é a causa mais comum de má absorção e intolerância à Lactose. A deficiência primária de Lactase é também denominada Hipolactasia do tipo adulto ou ontogeneticamente determinada.

Embora a deficiência primária de Lactase possa se apresentar de uma maneira relativamente aguda sob a forma de intolerância ao leite, sua instalação é tipicamente sutil ao longo dos anos, surgindo no final da adolescência ou, mais tarde, na vida adulta. A maioria dos indivíduos adultos permanece com apenas 10% da capacidade de produção da Lactase em relação aos níveis observados durante o período de lactente. É interessante mencionar que mesmo aqueles indivíduos com intolerância à Lactose na vida adulta são capazes de tolerar um copo de leite, entretanto, quando eles ingerem uma quantidade adicional de leite os sintomas de intolerância podem se manifestar. Portanto, pode-se depreender que a deficiência primária de Lactase é uma condição natural na vida adulta, e, conseqüentemente, muitos indivíduos apresentarão sintomas de intolerância à Lactose se consumirem leite, especialmente em grandes quantidades.

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