quinta-feira, 31 de maio de 2012

Intolerância à Lactose: mitos e realidade (4)

Manifestações clínicas da intolerância à Lactose
Nos indivíduos que apresentam deficiência de lactase, além da baixa atividade enzimática no intestino delgado existem também vários outros fatores envolvidos no surgimento dos sintomas, dentre os quais devem ser levados em consideração a quantidade de lactose ingerida, o sexo, a idade, presença de gravidez, sensibilidade visceral e anormalidades motoras do intestino.
Os principais sintomas de intolerância à lactose resultam da fermentação bacteriana no cólon e incluem dor e distensão abdominal, flatulência, cólicas intestinais, diarréia e em algumas ocasiões náuseas e vômitos; pode também, em algumas situações, ocorrer diminuição da motilidade gastrointestinal, e conseqüentemente, os indivíduos apresentarem constipação, possivelmente como conseqüência da produção de metano.
Todos os sintomas citados são parcialmente dependentes da capacidade funcional da atividade da lactase, e, acima de tudo, estão diretamente relacionados com a quantidade de lactose ingerida, ou seja, como se trata de uma reação enzima-substrato, se houver excesso de substrato (lactose) para ser digerido pela enzima (lactase), tais sintomas poderão surgir algumas horas após a ingestão do leite. Portanto, é importante destacar que a intensidade dos sintomas dependerá, estritamente, de uma relação diretamente proporcional entre concentração de lactose no alimento para a atividade da lactase na mucosa intestinal. Quando a atividade da lactase da mucosa intestinal é deficiente, ou a mesma não se apresenta nas vilosidades intestinais, a lactose da dieta permanece na luz do intestino e pela ação fermentativa da microflora bacteriana colônica são produzidas quantidades anormais de hidrogênio, dióxido de carbono e ácidos orgânicos volateis de cadeia curta (ácidos acético, butírico e propiônico) (Figura 1).
 Figura 1- Produtos da metabolização da Lactose pela flora colônica.
Dentre todos os sintomas acima referidos, indiscutivelmente, a diarréia é o que apresenta maior risco para o paciente, em especial durante o período de lactente, posto que o leite representa, parcialmente, a única ou pelo menos a maior fonte alimentar da dieta nesta fase da vida. Nestas circunstâncias, caso o diagnóstico não seja estabelecido rapidamente, a diarréia pode se tornar crônica acarretando agravo nutricional que pode ser confundida com processo infeccioso sistêmico. A lactose não digerida permanece presente na luz do intestino provocando fluxo de água e eletrólitos do organismo para o lúmen intestinal, cujo volume de fluído acumulado supera a capacidade de reabsorção de água pelo intestino grosso, sendo eliminado sob a forma de fezes líquidas. A lactose não digerida permanece na luz do intestino e por pressão osmótica promove afluxo de água e eletrólitos para seu interior (aproximadamente, 5 gramas de monossacarídeos ou 10 gramas de dissacarídeos retêm, osmoticamente, 100 mL de água), e alcança o colon. Ao se suspender a lactose da dieta, o quadro diarréico cessará, portanto, interrompida a causa, o efeito desaparecerá.
Dor abdominal crônica costuma ser um dos sintomas predominantes de intolerância à lactose. Mesmo o consumo de pequena quantidade do carboidrato - 12 gramas correspondem a um copo de leite de 250 mL - pode ser a causa deflagradora do sintoma. Além disso, a lactose não absorvida resulta em um importante substrato para a flora bacteriana do intestino grosso. As bactérias aí prevalentes metabolizam a lactose produzindo ácidos graxos voláteis, os quais provocam uma diminuição do pH fecal, tornando-o ácido (menor que 6), e gases (metano, dióxido de carbono e hidrogênio), os quais causam flatulência.
Critérios diagnósticos para intolerância à Lactose
A obtenção de uma história clínica bastante detalhada, geralmente, permite levantar fortes suspeitas da existência de intolerância à lactose, a qual pode ser confirmada, na maioria das vezes, com a eliminação de todas as fontes alimentares da dieta contendo o substrato. No entanto, quando se deseja obter uma confirmação diagnóstica mais acurada, de uma suposta intolerância à lactose, é necessário a realização de uma investigação laboratorial adequada.
A hipolactasia pode ser diagnosticada por métodos diretos, como a biópsia jejunal, que consiste num diagnóstico definitivo, porém invasivo, ou por métodos indiretos, tais como a avaliação de sinais e sintomas clínicos após a ingestão de lactose, testes de análises fecais (determinação do pH fecal e pesquisa de substâncias redutoras nas fezes) e teste de tolerância à lactose, nos quais se destacam o teste sanguíneo e o teste do hidrogênio no ar expirado.
O teste do hidrogênio no ar expirado é uma técnica que vem sendo utilizada cada vez mais freqüentemente na prática clínica e em pesquisas. Trata-se de um método laboratorial não invasivo confiável e preciso para a avaliação da absorção de carboidratos e caracterização de sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado. Para que se obtenha um resultado fidedigno é necessário que o paciente esteja em jejum por ao menos seis horas e, extremamente importante, que o mesmo tenha feito adequada higiene bucal para não falsear o resultado.
O teste é realizado pela administração de uma quantidade normatizada de lactose (2 gramas/ kg de peso, até no máximo 25 gramas, equivalente à quantidade de lactose presente em 2 copos de leite) diluída em solução aquosa a 10%. As amostras de ar expirado devem ser coletadas em jejum, antes da ingestão de lactose, e a cada 30 minutos durante um período de 3 horas após a ingestão da mesma. Uma elevação da concentração de hidrogênio no ar expirado acima de 20 partes por milhão (PPM) comparada ao valor de jejum, em qualquer tempo durante as coletas obtidas das amostras de ar, caracteriza má absorção de lactose. Alguns fatores podem produzir resultados falso-negativos ou falso-positivos, e, dentre estes últimos se destacam a coexistência de sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado (neste caso, o pico de hidrogênio no ar expirado ocorre precocemente, dentro da primeira hora do teste) e as alterações da motilidade intestinal. Dentre os falso-negativos incluem-se o uso prévio de antibióticos (afeta a flora colônica) e a falta de produção de hidrogênio pela flora bacteriana, o que pode ocorrer em até 15% da população. Caso, concomitantemente à caracterização de má absorção de lactose ou não, o paciente venha apresentar sintomas clínicos compatíveis com a intolerância à lactose, este diagnóstico deve ser levado em consideração.
Tratamento da intolerância à Lactose
O tratamento da intolerância à lactose baseia-se única e exclusivamente na eliminação da lactose da dieta do paciente. No caso dos lactentes deve-se utilizar uma fórmula isenta de lactose e naqueles indivíduos que fazem uso de dieta sólida eliminar da alimentação produtos lácteos, substituindo-os por outros produtos à base de leite, porém com baixíssimas concentrações de lactose, tais como queijos e iogurtes, os quais são ricos em cálcio, apresentam a lactose parcialmente hidrolisada e ainda podem conter Lactobacillus, que auxiliam na fermentação e metabolização da lactose.
A indústria alimentícia colocou no mercado leites que apresentam lactose hidrolisada até 80%, sendo indicados para pacientes com intolerância ao substrato, pois torna a ingestão tolerável. A substituição do leite por produtos à base de soja também é de valia, podendo ser utilizados como fonte de carboidratos, desde que o paciente se adapte ao sabor. Nos pacientes hipolactásicos, a tolerância aos iogurtes deve-se a uma pequena atividade da galactosidase presente nos mesmos, que fragmenta, no duodeno, a lactose contida no iogurte.
A Academia Americana de Pediatria (AAP), considerando o alto valor nutricional do leite para crianças em crescimento, afirma que a maioria das crianças americanas menores de 10 anos, independentemente do histórico familiar, pode digerir quantidades razoáveis de leite, e, portanto, recomenda que cerca de 240 mL de leite devem ser oferecidos diariamente, posto que a intolerância a 240 mL de leite é rara, mesmo entre os adolescentes. 
Considerações finais
O papel do leite na alimentação humana está bem estabelecido e tem impacto determinante na sobrevivência da espécie, particularmente durante o período de lactente. Contudo, a prevalência de má absorção e/ou intolerância à lactose é bastante elevada e pode alcançar até 75% da população mundial. Indivíduos que apresentam a deficiência de lactase ontogeneticamente determinada, a qual costuma se instalar gradualmente ao longo da existência, a partir do 5º ano de vida, mesmo assim tem a possibilidade de ingerir certa quantidade de leite, o que irá depender da sua própria capacidade de tolerância.

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