Manifestações
clínicas da intolerância à Lactose
Nos indivíduos que apresentam deficiência de
lactase, além da baixa atividade enzimática no intestino delgado existem também
vários outros fatores envolvidos no surgimento dos sintomas, dentre os quais devem ser levados em consideração a
quantidade de lactose ingerida, o sexo, a idade, presença de gravidez, sensibilidade visceral e
anormalidades motoras do intestino.
Os principais sintomas de intolerância à lactose
resultam da fermentação bacteriana no cólon e incluem dor e distensão
abdominal, flatulência, cólicas intestinais, diarréia e em algumas ocasiões
náuseas e vômitos; pode também, em algumas situações, ocorrer diminuição da motilidade
gastrointestinal, e conseqüentemente, os indivíduos apresentarem constipação,
possivelmente como conseqüência da produção de metano.
Todos os sintomas citados são parcialmente
dependentes da capacidade funcional da atividade da lactase, e, acima de tudo,
estão diretamente relacionados com a quantidade de lactose ingerida, ou seja,
como se trata de uma reação enzima-substrato, se houver excesso de substrato
(lactose) para ser digerido pela enzima (lactase), tais sintomas poderão surgir
algumas horas após a ingestão do leite. Portanto, é importante destacar que
a intensidade dos sintomas dependerá, estritamente, de uma relação diretamente
proporcional entre concentração de lactose no alimento para a atividade da
lactase na mucosa intestinal. Quando
a atividade da lactase da mucosa intestinal é deficiente, ou a mesma não se
apresenta nas vilosidades intestinais, a lactose da dieta permanece na luz do
intestino e pela ação fermentativa da microflora bacteriana colônica são
produzidas quantidades anormais de hidrogênio, dióxido de carbono e ácidos
orgânicos volateis de cadeia curta (ácidos acético, butírico e propiônico) (Figura 1).
Figura 1- Produtos da metabolização da Lactose pela flora colônica.
Dentre todos os sintomas acima referidos,
indiscutivelmente, a diarréia é o que apresenta maior risco para o paciente, em
especial durante o período de lactente, posto que o leite representa,
parcialmente, a única ou pelo menos a maior fonte alimentar da dieta nesta fase
da vida. Nestas circunstâncias, caso o diagnóstico não seja estabelecido
rapidamente, a diarréia pode se tornar crônica acarretando agravo nutricional
que pode ser confundida com processo infeccioso sistêmico. A lactose não
digerida permanece presente na luz do intestino provocando fluxo de água e
eletrólitos do organismo para o lúmen intestinal, cujo volume de fluído
acumulado supera a capacidade de reabsorção de água pelo intestino grosso,
sendo eliminado sob a forma de fezes líquidas. A lactose não digerida permanece
na luz do intestino e por pressão osmótica promove afluxo de
água e eletrólitos para seu interior (aproximadamente, 5 gramas de
monossacarídeos ou 10
gramas de dissacarídeos retêm, osmoticamente, 100 mL de
água), e alcança o colon. Ao se
suspender a lactose da dieta, o quadro diarréico cessará, portanto,
interrompida a causa, o efeito desaparecerá.
Dor abdominal crônica costuma ser um dos sintomas
predominantes de intolerância à lactose. Mesmo o consumo de pequena quantidade
do carboidrato - 12 gramas
correspondem a um copo de leite de 250 mL - pode ser a causa deflagradora do
sintoma. Além disso, a lactose não absorvida resulta em um importante substrato
para a flora bacteriana do intestino grosso. As bactérias aí prevalentes
metabolizam a lactose produzindo ácidos graxos voláteis, os quais provocam uma
diminuição do pH fecal, tornando-o ácido (menor que 6), e gases (metano,
dióxido de carbono e hidrogênio), os quais causam flatulência.
Critérios
diagnósticos para intolerância à Lactose
A obtenção de uma história clínica bastante detalhada,
geralmente, permite levantar fortes suspeitas da existência de intolerância à
lactose, a qual pode ser confirmada, na maioria das vezes, com a eliminação de
todas as fontes alimentares da dieta contendo o substrato. No entanto,
quando se deseja obter uma confirmação diagnóstica mais acurada, de uma suposta
intolerância à lactose, é necessário a realização de uma investigação
laboratorial adequada.
A hipolactasia pode ser diagnosticada por métodos
diretos, como a biópsia jejunal, que consiste num diagnóstico definitivo, porém
invasivo, ou por métodos indiretos, tais como a avaliação de sinais e sintomas
clínicos após a ingestão de lactose, testes de análises fecais (determinação do
pH fecal e pesquisa de substâncias redutoras nas fezes) e teste de tolerância à
lactose, nos quais se destacam o teste sanguíneo e o teste do hidrogênio no ar
expirado.
O teste do hidrogênio no ar expirado é uma técnica
que vem sendo utilizada cada vez mais freqüentemente na prática clínica e em
pesquisas. Trata-se de um método laboratorial não invasivo confiável e preciso
para a avaliação da absorção de carboidratos e caracterização de
sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado. Para que se obtenha um
resultado fidedigno é necessário que o paciente esteja em jejum por ao menos
seis horas e, extremamente importante, que o mesmo tenha feito adequada higiene
bucal para não falsear o resultado.
O teste é realizado pela administração de uma
quantidade normatizada de lactose (2 gramas/ kg de peso, até no máximo 25 gramas, equivalente à
quantidade de lactose presente em 2 copos de leite) diluída em solução aquosa a
10%. As amostras de ar expirado devem ser coletadas em jejum, antes da ingestão
de lactose, e a cada 30 minutos durante um período de 3 horas após a ingestão
da mesma. Uma elevação da concentração de hidrogênio no ar expirado acima de 20
partes por milhão (PPM) comparada ao valor de jejum, em qualquer tempo durante
as coletas obtidas das amostras de ar, caracteriza má absorção de lactose.
Alguns fatores podem produzir resultados falso-negativos ou falso-positivos, e,
dentre estes últimos se destacam a coexistência de sobrecrescimento bacteriano
no intestino delgado (neste caso, o pico de hidrogênio no ar expirado ocorre
precocemente, dentro da primeira hora do teste) e as alterações da motilidade
intestinal. Dentre os falso-negativos incluem-se o uso prévio de antibióticos
(afeta a flora colônica) e a falta de produção de hidrogênio pela flora
bacteriana, o que pode ocorrer em até 15% da população. Caso, concomitantemente
à caracterização de má absorção de lactose ou não, o paciente venha apresentar
sintomas clínicos compatíveis com a intolerância à lactose, este diagnóstico
deve ser levado em consideração.
Tratamento
da intolerância à Lactose
O tratamento da intolerância à lactose baseia-se
única e exclusivamente na eliminação da lactose da dieta do paciente. No caso
dos lactentes deve-se utilizar uma fórmula isenta de lactose e naqueles
indivíduos que fazem uso de dieta sólida eliminar da alimentação produtos
lácteos, substituindo-os por outros produtos à base de leite, porém com
baixíssimas concentrações de lactose, tais como queijos e iogurtes, os quais
são ricos em cálcio, apresentam a lactose parcialmente hidrolisada e ainda
podem conter Lactobacillus, que
auxiliam na fermentação e metabolização da lactose.
A indústria alimentícia colocou no mercado leites
que apresentam lactose hidrolisada até 80%, sendo indicados para pacientes com
intolerância ao substrato, pois torna a ingestão tolerável. A substituição do
leite por produtos à base de soja também é de valia, podendo ser utilizados
como fonte de carboidratos, desde que o paciente se adapte ao sabor. Nos
pacientes hipolactásicos, a tolerância aos iogurtes deve-se a uma pequena
atividade da galactosidase presente nos mesmos, que fragmenta, no duodeno, a
lactose contida no iogurte.
A Academia Americana de Pediatria (AAP),
considerando o alto valor nutricional do leite para crianças em crescimento,
afirma que a maioria das crianças americanas menores de 10 anos,
independentemente do histórico familiar, pode digerir quantidades razoáveis de
leite, e, portanto, recomenda que cerca de 240 mL de leite devem ser oferecidos
diariamente, posto que a intolerância a 240 mL de leite é rara, mesmo entre os
adolescentes.
Considerações
finais
O papel do leite na alimentação humana está bem
estabelecido e tem impacto determinante na sobrevivência da espécie,
particularmente durante o período de lactente. Contudo, a prevalência de má
absorção e/ou intolerância à lactose é bastante elevada e pode alcançar até 75%
da população mundial. Indivíduos que apresentam a deficiência de lactase
ontogeneticamente determinada, a qual costuma se instalar gradualmente ao longo
da existência, a partir do 5º ano de vida, mesmo assim tem a possibilidade de
ingerir certa quantidade de leite, o que irá depender da sua própria capacidade
de tolerância.
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