sexta-feira, 27 de abril de 2012

Intolerância à Lactose: mitos e realidade (1)

Introdução
 
O leite é a principal fonte alimentar da dieta dos mamíferos durante o período de aleitamento, e, por essa razão, sempre atraiu o interesse dos profissionais da saúde, da indústria alimentícia e das mães (Figura 1).
Figura 1- Amostras de leite humano: à esquerda leite inicial com baixa concentração de gordura e à direita leite maduro com elevada concentração de gordura.
 É um alimento reconhecidamente como de grande valor nutricional em cuja composição estão presentes os principais macronutrientes: proteínas, gorduras e carboidratos. A utilização do leite como parte constituinte da alimentação após o período de amamentação data aproximadamente de 6.000 anos e, portanto, os estudos sobre o leite trazem informações desde remotas eras. Além de fornecer energia e matéria plástica, o leite e seus derivados, além de outros micronutrientes, também são importantes fontes de cálcio, potássio, fósforo, riboflavina, magnésio, zinco e vitaminas lipo e hidrossolúveis, razão pela qual sua inclusão na dieta habitual de crianças, adolescentes e adultos está relacionada à prevenção da osteoporose e da hipertensão arterial.
Dentre os componentes nutricionais do leite e seus derivados é importante destacar a presença da lactose, carboidrato descoberto em 1633 por Bartoletus, em Bolonha, cuja síntese química foi obtida em 1927 por Haworth e cols., nos Estados Unidos. A lactose somente é encontrada na natureza como produto específico da secreção da glândula mamária e desde o ponto de vista evolutivo possui 100.000.000 de anos.
O principal carboidrato do leite, a lactose, a qual lhe confere um sabor levemente adocicado, é a maior fonte de carboidratos dos lactentes; naquelas sociedades tradicionais nas quais o período de amamentação é exclusivo e prolongado, a lactose se constitui praticamente na única fonte de carboidrato na dieta do lactente até o início do desmame.
O presente trabalho de revisão tem por objetivo abordar a fisiologia da lactose, os mais diversos aspectos genéticos da lactase e os diferentes tipos da sua deficiência, bem como suas conseqüências, a prevalência, as manifestações clínicas, os critérios diagnósticos, o tratamento e as implicações nutricionais da má absorção e/ou intolerância à lactose.
Fisiologia da Lactose: composição e digestão  
      

A lactose, Saccharum lactis, é um dissacarídeo (beta-galactosil-1,4-glicose) constituído pelos monossacarídeos glicose (alfa-d-glicose) e galactose (beta-d-glicose), sendo um carboidrato primário presente exclusivamente no leite, produto específico da secreção das glândulas mamárias e para ser sintetizada requer a participação de duas proteínas: galactosil tranferase e α-lactoalbumina (Figura 2).
Figura 2- Composição química da Lactose e seus monossacarídeos constituintes: Glicose e Galactose.

 A concentração de lactose no leite dos mamíferos apresenta uma considerável variabilidade entre as diferentes espécies, e mantém uma relação inversamente proporcional com as concentrações das proteínas e gorduras. Por exemplo, o leite da foca, Zalphus californianus, não possui nenhum carboidrato e a glicose encontrada no sangue dos filhotes durante o período da amamentação é derivada primariamente do glicerol da gordura do leite da foca. Com exceção desses animais a lactose é encontrada no leite de todos os outros mamíferos, sendo que a maior concentração deste carboidrato é verificada no leite humano (7 gramas%) (Figura 3).
Figura 3

Nos outros mamíferos (vaca, ovelha e cabra), dos quais se ordenha o leite para o consumo humano, a concentração da lactose encontra-se ao redor de 5g/100 ml (Figura 4).
Figura 4

Por ser um dissacarídeo, possui uma estrutura química complexa e, portanto, não pode ser absorvida em seu estado natural. Por esta razão, necessita ser desdobrada em seus monossacarídeos constituintes, glicose e galactose, e, após essa digestão os monossacarídeos são absorvidos pelas células do intestino e alcançam a circulação. A digestão da lactose é executada por uma enzima específica denominada lactase (β-galactosidase), a qual se encontra nas microvilosidades dos enterócitos (Figura 5).

Figura 5- Desenho esquemático da hidrólise da Lactose pela Lactase no polo apical das microvilosidades do enterócito.

A digestão desse carboidrato ocorre em todo intestino delgado, no entanto a atividade da lactase é intensa no jejuno proximal, pequena no duodeno e jejuno distal e praticamente ausente no íleo terminal.  A absorção dos subprodutos da lactose (glicose e galactose) ocorre em diferentes velocidades. O fator determinante da velocidade máxima de digestão depende da quantidade de lactase presente na mucosa intestinal. Os monossacarídeos resultantes da hidrólise da lactose passam através da mucosa e são transportados de maneira ativa até a corrente sanguínea sendo sódio-dependentes para o seu transporte. Quando estão na corrente sanguínea, seguem pela veia porta até o fígado, onde são metabolizados.

Nenhum comentário: