Resultados
Dentre as 122 crianças que se submeteram ao teste de provocação oral a existência de alergia alimentar foi confirmada em 50 (40,9%) delas. Os alimentos envolvidos foram os seguintes, a saber: proteína do leite de vaca em 44 (88%) casos, albumina do ovo 3 (6%), trigo em 2 (4%), amendoim em 1 (2%).
As crianças participantes do estudo apresentavam idade que variaram de 1 a 5 anos, e a mediana foi 2 anos de idade. Um percentual menor de crianças com alergia alimentar tinha antecedentes familiares de resultados positivos para atopia em comparação com o grupo que não apresentou alergia alimentar. Os sintomas mais frequentemente encontrados entre as crianças estavam relacionados com o trato gastrointestinal, conforme pode ser observado na Tabela 1.
Devido à sua elevada frequência, a acurácia diagnóstica dos testes somente foi avaliada para a alergia à proteína ao leite de vaca; 22/44 (50%) pacientes apresentaram sintomas dentro das primeiras 4 horas após o teste de provocação oral, a manifestação mais precoce e também a mais frequente foi urticária. Reações graves foram desencadeadas somente em duas crianças que apresentaram catarro nasal, crise de tosse e dispnéia.
Vale ressaltar que 8/15 (53%) pacientes revelaram reação positiva ao PRICK TEST, e o mesmo aconteceu com 4/15% (26,7%) pacientes para a reação com IgE especifica. Somente 3/10 (30%) pacientes que apresentaram PATCH TEST positivo, revelaram reações tardias ao teste de provocação oral. Os dados mostram que 7/22 (31,8%) crianças que apresentaram reação imediata, revelaram concordância com o PRICK TEST positivo e 4/22 (18,2%) com IgE específica.
Considerando-se as crianças que apresentaram reações tardias, 7/22 (31,8%), revelaram PRICK TEST positivo. A reação tardia mais frequente revelada foi diarreia. As sensibilidades dos testes cutâneos e dos ensaios dos IgE específicos demostraram ser baixas, da mesma forma que os valores preditivos positivos e negativos, conforme estão demonstrados na Tabela 2.
Discussão
Dentre as crianças com a suspeita diagnóstica e que se submeteram ao teste de provocação oral, o diagnóstico foi confirmado em 50 casos (40,9%). Este fato evidencia que, mesmo tendo apresentado uma história clínica sugestiva, faz-se necessária uma investigação mais profunda, posto que a alergia alimentar foi confirmada em menos da metade dos casos suspeitados. A maioria dessas crianças era do sexo masculino e a mediana de idade 2 anos. Esta é a faixa etária de maior ocorrência de alergia alimentar e isto de deve à imaturidade do trato gastrointestinal associada a uma exposição precoce às proteínas que não fazem parte do leite humano.
O principal alergeno mostrou-se ser a proteína do leite de vaca, a qual foi responsável em 88% dos casos. A proteína do leite de vaca tem sido descrita como principal causa de alergia alimentar nesta faixa etária por inúmeros investigadores em várias regiões geográficas aonde estudos similares a este tem sido realizados.
No presente estudo a frequência dos sintomas gastrointestinais mostrou-se ser similar entre as crianças com diagnostico confirmado de alergia à proteína ao leite de vaca e entre aquelas cujo resultado do teste de provocação oral foi negativo. Este fato enfatiza a importância de que neste grupo etário seja estabelecido um diagnostico diferencial em relação a outras entidades clinicas tais como, diarreia persistente, síndrome do intestino irritável com manifestação diarreica, regurgitação e doença do refluxo gastroesofágico.
Com relação ao teste de provocação oral, observamos que a maioria das crianças apresentaram sintomas algumas horas depois da exposição ao alimento suspeitado. Este fato sugeriu que o mecanismo fisiopatológico envolvido nestes casos não foi predominantemente determinado pela IgE. Em uma revisão focalizando alergia alimentar e sintomas gastrointestinais, Dupont (2001) enfatizou que os mecanismos não mediados por IgE são os mais frequentementes encontrados. Desta forma, há a necessidade de uma monitoração clínica destas crianças que deve durar dias ou mesmo semanas após a reintrodução dos alimentos, para que se possa diagnosticar reações tardias.
A maioria dos testes diagnósticos utilizados nas investigações das alergias alimentares (testes cutâneos e ensaios de IgE específicos), identifica reações IgE mediadas. Estes testes resultam menos frequentementes positivos entre as crianças com sintomas predominantemente gastrointestinais, porém são mais fáceis de diagnosticar posto que elas ocorrem em um período não superior a 4 horas após a exposição à proteína desencadeadora da alergia. Isto explica as baixas sensibilidades dos testes cutâneos e dos ensaios IgE específicos que foram observados neste estudo posto que as crianças apresentaram sintomas gastrointestinais, para os quais o mecanismo fisiopatológico envolvido mostrou-se ser predominantemente não mediado por IgE. O valor preditivo positivo também foi baixo e refletiu o fato de que o rastreamento baseado na história clínica, mesmo quando esta é realizada com profundo detalhe, não foi capaz de excluir as crianças com outras enfermidades que compartilham os mesmos sintomas, como foi acima enfatizado.
Faz-se necessário evitar as situações as quais estes testes continuam a ser requisitados para crianças com manifestações clínicas similares a este estudo. Estas crianças, quando baseadas em diagnósticos incorretos, são submetidas a dietas restritivas as quais resultam em efeitos deletérios sobre seu estado nutricional e ao ritmo de crescimento.
Em conclusão, a despeito das dificuldades operacionais e dos riscos aos quais as crianças estão expostas, em virtude da ausência de testes específicos de alta acurácia, o teste de provocação oral utilizando o alimento suspeito é ainda considerado como o melhor método diagnóstico de alergia à proteína do leite de vaca entre as crianças de baixa idade com sintomas predominantemente gastrointestinais. Estas crianças devem ser acompanhadas por um período de pelo menos 30 dias após a realização do teste, com visitas de retorno periodicamente agendadas para avaliação clínica e observação de possíveis reações tardias.
Meus Comentários
Alergia alimentar é uma reação adversa aos alimentos mediada por mecanismos imunológicos, IgE mediados ou não. Colite Alérgica, a manifestação clínica gastrointestinal que tem sido mais frequentemente descrita, é um tipo de alergia que pertence ao grupo de hipersensibilidade alimentar não mediada por IgE também denominada protocolite induzida por alimentos. O mecanismo fisiopatológico ainda não totalmente identificado, porém, sabe-se que envolve a presença de linfócitos CD8, bem como linfócitos do tipo TH-2 e infiltrado eosinofílico em todas as camadas da mucosa colônica. Além disso, a presença de células de memória circulantes reveladas por testes positivos de transformação linfocítica sugerem o envolvimento de células T na patogênese desta entidade, associada à secreção de fator de necrose tumoral α pelos linfócitos ativados.
A manifestação clínica mais florida e frequente é a ocorrência de cólicas, de intensidade variável, associada a sangramento retal misturado às fezes, sob a forma de diarréia sanguinolenta, e eliminação de quantidade significativa de muco. Por outro lado, em algumas ocasiões o sangramento retal pode não ser macroscopicamente visível. Usualmente, as lesões são circunscritas ao colon distal e a colonoscopia revela mucosa hiperemiada com a presença de múltiplas pequenas ulcerações com grande fragilidade vascular e sangramento espontâneo à passagem do colonoscópio. A análise histológica evidencia, na imensa maioria dos casos, uma infiltração eosinofílica, com mais de 20 esosinófilos por campo de grande aumento, a qual pode afetar todas as camadas da mucosa colônica, inclusive, o epitélio superficial, podendo também haver a presença de abscessos crípticos e hiperplasia nodular linfóide. Trata-se de uma enfermidade eminentemente do primeiro ano de vida, mais frequentemente afetando lactentes no primeiro semestre, sem provocar maiores repercussões sobre o estado nutricional. As manifestações clínicas regridem, na grande maioria dos casos, com a introdução de fórmula à base de hidrolisado protéico, extensivamente hidrolisado, após até cerca de 72 horas de sua introdução. Vale a pena enfatizar que o diagnóstico desta enfermidade não pode ser confirmado ou afastado por testes de hipersensibilidade imediata (IgE dependentes) ou pelos testes cutâneos.
Conforme se pode depreender da leitura deste excelente artigo, e de inúmeras outras investigações disponíveis na literatura médica, realizadas nos mais variados centros de pesquisa do globo terrestre, fica bem demonstrado que não resulta ser útil solicitar os testes de avaliação de hipersensibilidade imediata quando estamos diante da suspeita diagnóstica de alergia alimentar nos primeiros anos de vida. O teste de provocação oral continua, portanto, a ser até o presente momento a melhor escolha para se confirmar ou descartar o diagnóstico de alergia alimentar a uma determinada proteína da dieta.
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