quarta-feira, 29 de abril de 2009

Doença Celíaca: a história de uma enfermidade considerada rara até passado recente e que se transformou em um problema de saúde pública universal (5)

Os Marcadores Sorológicos: os testes laboratoriais que permitiram desvendar a parte não visível do “iceberg” da Doença Celíaca

Embora a biópsia do intestino delgado ainda seja considerada absolutamente necessária para a confirmação diagnóstica da DC, a introdução dos testes sorológicos, a partir da década de 1980, trouxe uma enorme contribuição para identificar quais indivíduos devem se submeter a este procedimento diagnóstico. Além disso, esses testes passaram também a ser utilizados para rastreamentos populacionais o que possibilitou desvendar o que se convencionou designar como a porção submersa do “iceberg” da DC, a partir da investigação pioneira conduzida por Catassi e cols., em 1996. Estes pesquisadores realizaram um estudo multicêntrico na Itália utilizando inicialmente os marcadores sorológicos em uma população de estudantes. Naqueles indivíduos que apresentavam positividade para os marcadores sorológicos realizou-se a biópsia do intestino delgado, o que possibilitou caracterizar que a prevalência da DC é de 1 para cada 184 indivíduos. A partir deste estudo inúmeras outras investigações epidemiológicas populacionais passaram a ser realizadas nos mais diversos países, inclusive no Brasil, as quais demonstraram cabalmente que a DC está longe de ser uma enfermidade rara, e sim, muito ao contrário, trata-se de um problema de saúde pública universal (Tabela 1).

Tabela 1- Prevalência da DC em diversos países, inclusive no Brasil.
Os testes laboratoriais comercialmente disponíveis incluem os anticorpos anti-gliadina IgA e IgG (AGA IgA e AGA IgG), anti-reticulina IgA (ARA), anti-endomíseo IgA (EMA) e anti-transglutaminase tecidual IgA e IgG (TTG).
A sensibilidade e a especificidade destes testes sorológicos estão discriminadas na Tabela 2.
Tabela 2- Sensibilidade e Especificidade dos principais marcadores sorológicos para DC.
Dentre os vários marcadores sorológicos disponíveis, atualmente, os mais utilizados são o EMA e o TTG, porque apresentam as mais altas taxas de sensibilidade e especificidade.
Estudos populacionais com doadores de sangue têm-se constituído em uma casuística muito freqüentemente utilizada pelos pesquisadores em virtude da facilidade de se utilizar o sangue estocado. Ricardo Palmero Oliveira, pesquisador da Disciplina de Gastropediatria da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP e colaboradores (European Journal of Gastroenterology and Hepatology 19: 43-9, 2007), realizaram um estudo com 3.000 candidatos a doadores de sangue para determinar a prevalência da DC em São Paulo com o emprego do TTG e confirmação diagnóstica pela biópsia do intestino delgado. O teste sorológico resultou negativo em 95,4% (2861/3000), mostrou-se fracamente positivo em 3,1% (94/3000) e positivo em 1,5% (45/3000) dos indivíduos. Dentre os 94 candidatos a doadores de sangue que apresentaram dosagem do TTG fracamente positivo 91 eram assintomáticos, 1 apresentava queixa de constipação e dor abdominal e 2 queixavam-se de dor abdominal. Dentre os 45 candidatos a doadores de sangue que apresentaram dosagem do TTG positivo 46,7% (21/45) concordaram em realizar a biópsia do intestino delgado. Na Tabela 3 estão discriminados os aspectos clínicos e laboratoriais relevantes dos indivíduos que realizaram a biópsia do intestino delgado.

Tabela 3- Aspectos clínicos e laboratoriais relevantes dos indivíduos que realizaram a biópsia do intestino delgado.

Na Tabela 4 estão discriminados os aspectos clínicos e laboratoriais relevantes dos indivíduos que não realizaram a biópsia do intestino delgado.

Tabela 4- Aspectos clínicos e laboratoriais relevantes dos indivíduos que não realizaram a biópsia do intestino delgado.
Na Tabela 5 estão discriminadas as manifestações clínicas que podem estar associadas à DC, mostrando que indivíduos da população geral que apresentam sintomas compatíveis com DC têm maior probabilidade de serem portadores da enfermidade.

Tabela 5- Manifestações clínicas associadas à DC.
Dentre os indivíduos que se submeteram à biópsia do intestino delgado confirmou-se o diagnóstico de DC em 66,7% (14/21) deles, ou seja, a prevalência da DC nesta população revelou ser de 1:214 indivíduos. Por outro lado, caso todos os indivíduos que apresentaram dosagem elevada do TTG e que se recusaram a realizar a biópsia do intestino delgado (24/45), tivessem também se submetido ao referido procedimento, e considerando-se que o TTG revelou-se falso positivo em 33,3% dos indivíduos que se submeteram à biópsia do intestino delgado e que confirmaram ser portadores da DC, a prevalência seria maior, porque se poderia especular que 66,7% (16/24) dos indivíduos que não realizaram a biópsia de intestino delgado seriam também portadores de DC. Neste caso, ao acrescentarmos mais 16 indivíduos aos 14 com diagnóstico de DC confirmado, totalizaríamos 30 dos 3000 candidatos a doadores de sangue no grupo com DC. Desta forma, então, a prevalência da DC em São Paulo passaria a ser de 1:100 indivíduos, portanto, tão elevada quanto à verificada em outros países, em especial na comunidade européia (Tabela 6).
Tabela 6- Distribuição da prevalência da DC no mundo ocidental.
No nosso próximo encontro continuaremos a discutir os aspectos mais interessantes dessa enfermidade que se tornou em pouco tempo um problema de saúde pública universal.

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