terça-feira, 21 de outubro de 2008

Refluxo Gastroesofágico e Doença do Refluxo Gastroesofágico: como estabelecer o diagnóstico diferencial (2)

Consenso Internacional sobre a Doença do Refluxo Gastro-Esofágico

No caso da Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRG) há uma grande variedade de definições empregadas tanto na literatura médica quanto na prática clínica. A inexistência de um consenso universal quanto a definição da DRG acrescida das possíveis diferentes manifestações clínicas observadas nas várias faixas etárias que é abrangida pela Pediatria, isto é, recém-nascidos, lactentes, pré-escolares, escolares e adolescentes, pode causar dificuldades para o clínico tanto na interpretação das pesquisas publicadas quanto na compreensão dos testes diagnósticos disponíveis para a caracterização da DRG. Portanto, há uma real necessidade de se estabelecer uma definição uniforme da DRG que venha atender as necessidades específicas de todas as faixas etárias pediátricas. Neste sentido, em abril de 2007, foi criado um grupo de trabalho que reuniu 9 "experts" internacionais da gastropediatria que, durante 1 ano por meio de revisões da literatura médica atual (artigos publicados em revistas médicas internacionalmente indexadas abrangendo pesquisas em seres humanos desde 1987 até 2007), contatos constantes via internet e conferências telefônicas, bem como reuniões presenciais, envidaram esforços para estabelecer um consenso internacional a respeito da definição e classificação da DRG em Pediatria (vide foto - Figura 1).

Figura 1- Membros componentes do Grupo de Trabalho (da esquerda para a direita): Eric Hassal (Canadá), Yvan Vandenplas (Bélgica), Benjamin Gold (EUA), Sibylle Koletzko (Alemanha), Philip Sherman (Canadá), Ulysses Fagundes Neto (Brasil), Seiichi Sato (Japão), Susan Orenstein (EUA) e Colin Rudolph (EUA).

As declarações consensuadas (que se estabeleceram por votação secreta) que constam do documento elaborado pelo grupo de trabalho tem a intenção de servir para o desenvolvimento de futuros manuais de conduta clínica e, também, constituir a base de ensaios clínicos terapêuticos para oferecer o melhor manejo aos pacientes pediátricos portadores de DRG. O documento final foi apresentado parcialmente no 3ºCongresso Mundial de Gastroenterologia Pediátrica, Hepatologia e Nutrição realizado de 16 a 20 de agosto de 2008 em Foz do Iguaçú (vide foto - Figura 2), e, publicado na revista American Journal of Gastroenterology em 2009.


Figura 2- Foto da cerimonia de abertura do Congresso Mundial

Nosso presente relato terá como base todos os aspectos que foram exaustivamente discutidos e acordados. Inicialmente é importante enfatisar que foram estabelecidas 3 faixas etárias distintas para melhor abordar o problema, a saber: recém-nascidos e lactentes (0-12 mêses), pré-escolares e escolares (1-10 anos) e adolescentes (11 - 18 anos).

1- Define-se DRG quando o conteudo refluido do estômago para o esôfago for a causa de sintomas problemáticos para o paciente prejudicando sua qualidade de vida e/ou causa de complicações digestivas ou extra-digestivas.

Nos pacientes adultos esta definição é centrada no relato do próprio paciente e apresenta um significativo grau de credibilidade, porém como na Pediatria nem sempre se pode apoiar na informação do paciente, este fato pode trazer inúmeros problemas de interpretação, dependendo da faixa etária. Foi consensuado que em crianças menores de 8 anos, devido às dificuldades de comunicação verbal, descrição da intensidade e localização da dor, esta queixa pode não ser totalmente crível e passa a depender muito do relato dos pais ou responsáveis pelo cuidado da criança, portanto, devendo ser interpretada com a devida cautela.

2- Os sintomas da DRG variam com a faixa etária
Nos adultos, sensação de queimação retro-esternal e regurgitação são sintomas característicos da DRG e o mesmo é verdadeiro para crianças maiores e adolescentes. Entretanto, em recém-nascidos, lactentes e pré-escolares, devido às dificuldades de comunicação verbal este problema passa a ser um tanto quanto subjetivo e, portanto, mais complicado. Em um estudo realizado nos EUA, em 1997, por meio da utilização de um questionário com pontuação diagnóstica, foram identificadas diferenças significativas na prevalência e intensidade da regurgitação, recusa da alimentação e episódios de choro mais frequentes entre lactentes com DRG comprovada por exame do pH do esôfago em comparação com lactentes saudáveis que serviram como grupo controle. No que se refere a episódios de choro vale a pena tecer algumas considerações. O chôro é também comum ocorrer em lactentes sadios de uma maneira geral; entre 1 e 3 mêses de vida, a duração média das crises de chôro é de 3 horas por dia. A duração média diária das crises de choro no 2º mês de vida é de 2 a 2,5 horas por dia, decrescendo com o crescimento. Dos 4 mêses até o final do 1º ano de vida a duração das crises de chôro permanece bastante constante em torno de aproximadamente 1 hora por dia. Portanto, as crises de chôro "chamadas" de inexplicáveis dependem muito de como o informante se sente influenciado e/ou preocupado com a existência de alguma doença que possa estar afetando a qualidade de vida do lactente. Devem, assim, ser interpretadas pontualmente levando-se em consideração cada caso.

Em estudos realizados no Canadá, em 2006, e na Europa, em 2002, investigando crianças de faixas etárias maiores, entre 1 e 17 anos, os autores observaram que tosse crônica, anorexia e/ou recusa da alimentação e regurgitação ou vômitos foram mais intensos em pré-escolares (1 - 5 anos) em comparação com crianças maiores. Por outro lado, em escolares e adolescentes (6 - 17 anos) os sintomas predominantes foram regurgitação ou vômitos, tosse crônica, dor epigástrica (imediatamente abaixo do ângulo do osso esterno) e queimação retro-esternal.

No nosso próximo encontro continuaremos a discutir as manifestações clínicas digestivas e estra-digestivas da DRG.

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