segunda-feira, 25 de junho de 2018

Retardo do Esvaziamento Gástrico (Parte 2)

Marina Haro Chicareli Carrari e Ulysses Fagundes Neto

GASTROPARESIA

A gastroparesia costuma se apresentar com um conjunto de sintomas predominantemente pós-prandiais na ausência de obstrução mecânica, que podem estar presentes individualmente ou associadamente, a saber:

Sensação de Plenitude gástrica,
Saciedade precoce,
Naúseas,
Vômitos de comida “velha”e não digerida,
Desconforto abdominal.

Vale ressaltar que há uma série de fatores de risco que podem causar gastroparesia, e, portanto, merecem ser detalhados, tais como:

Prematuridade: pela imaturidade do trato digestivo,
Alergia alimentar: devido à hipotonia do trato digestivo,
Infecção: processos infecciosos podem acarrear gastroparesia entre 6 meses e até 2 anos após a enfermidade. Os agentes infecciosos mais comuns são: rotavírus, virus de Epstein-Bar, Citomegalovirus e Mycoplasma. O diagnóstico se dá pela história clínica, exclusão de outras causas de vômitos e demonstração do retardo do esvaziamento gástrico.

Afecções do Sistema Nervoso Central: nestes casos os pacientes sofrem disritmias gástricas que podem levar a quadros de vômitos persistentes. A modulação anormal do Sistema Nervoso Entérico pelo SNC leva ao retardo do esvaziamento gástrico.

Cirurgias do trato digestivo: Lesão do nervo vago após cirurgia abdominal (fundoplicatura e bariátrica), cirurgia pulmonar e transplante de coração. No caso do transplante cardíaco a gastroparesia dá-se, possivelmente, inibição do CMM pela combinação dos efeitos das drogas imunossupressoras, infecções virais oportunistas e dano ao nervo vago.

Os sintomas da gastroparesia pós-cirúrgica, usualmente regridem com o tempo, possivelmente pela reinervação vagal e pela habilidade do sistema nervoso entérico de suprir o nervo vago.

Diabetes mellitus: entre 30 a 50% dos pacientes apresentam neuropatia visceral autonômica, que é a forma mais comum de gastroparesia. Vale ressaltar que a hiperglicemia retarda o esvaziamento gástrico, e, por outro lado, em contrapartida, o esvaziamento gástrico encontra-se acelerado em pacientes com hipoglicemia. Ao mesmo tempo que a dismotilidade gástrica pode contribuir para o difícil controle da glicemia por não levar o nutriente ao duodeno durante o pico sérico da insulina.

Doença de Hirschsprung: a maioria dos pacientes apresenta gastroparesia e dismotilidade de todo o trato digestivo alto, bem como do Sistema Nervoso Autônomo.

Drogas: Anticolinérgicos, Opióides, Tricíclicos, Difenidramina, Antagonistas H2, Levodopa, Agonistas B2 adrenérgicos, Bloqueadores de canal de cálcio, IFN alfa, Antiácidos, Sucralfato e Octreotide.

Acidentes caústicos,
Fibrose cística do pancreas,
Pseudo-obstrução intestinal crônica,
Distrofia muscular,
Doenças auto-imunes tais como, esclerodermia, doença de Crohn etc.

 Tabela 2 – Drogas e condições associadas a etiopatogenia das gastroparesias.

Figura 4 – Representação esquemática da contribuição proporcional aproximada das causas mais frequentes das gastroparesias.

Diagnóstico

O diagnóstico da gastroparesia envolve a necessidade de se realizar uma série de investigações laboratoriais que podem ser invasivas e não-invasivas. O quadro abaixo apresenta os métodos diagnósticos disponíveis para avaliar o esvaziamento gástrico.
Tabela 3 – Métodos disponíveis para a determinação do esvaziamento gástrico.

Técnicas de Imagens

A-          Cintilografia: trata-se de um teste não invasivo, quantitativo e que atende à fisiologia. Para a sua realização o paciente deve ingerir uma solução contendo um rádio-fármaco, e a proporção de radiação no estômago é medida ao longo do tempo em vários momentos.

A Sociedade de Medicina Nuclear, Neurogastroenterologia e Motilidade estabeleceu um consenso para a avaliação do tempo de esvaziamento gástrico, de acordo com os seguintes valores de referência, a saber: no caso de se utilizar substâncias sólidas como a clara de ovo marcada com Tecnécio 99, constata-se retardo quando há retenção maior de 90% em 1 hora, maior de 60% em 2 horas, maior de 10% em 4 horas, após a ingestão do rádio-fármaco. Por outro lado, caracteriza-se que o esvaziamento gástrico se encontra acelerado quando mais de 30% do rádio-fármaco é eliminado dentro da primeira hora do exame.

O paciente deve suspender o uso de medicamentos que possam afetar a motilidade até 2 dias antes da realização do teste. No dia do teste deve estar em jejum de pelo menos 6 horas, e as imagens são obtidas no momento zero e 1, 2 e 4 horas após a ingestão do rádio-fármaco.

Vale ressaltar que o uso da cintilografia para o diagnóstico da gastroparesia é praticamente válido apenas para substâncias sólidas, pois o esvaziamento de líquidos dificilmente é afetado. É importante salientar que a cintilografia não distingue o estômago das alças interpostas com o radiofármaco, portanto, pode superestimar a retenção.
 Figura 5 – Método cintilográfico de determinação do ritmo de esvaziamento gástrico. Apresentam-se sequências cintilográficas de 3 casos (A, B e C) com diferentes padrões de esvaziamento. Logo após a ingestão de refeição “marcada” com radioisótopo (tempo “zero” – 0), nota-se, nos três casos, a imagem característica do estômago, cujo esvaziamento é detectado em instantes subsequentes (30, 60 e 120 minutos). No caso A o estômago esvazia-se de modo regular e gradual. No caso B o esvaziamento é muito rápido. No caso C as grafias sugerem estase gástrica, uma vez que o estômago permanece repleto até os 120 min do estudo. Contagens da radioatividade presente na região do estômago, ao longo do tempo, permitem a obtenção de dados numéricos precisos sobre o ritmo do esvaziamento gástrico. As grafias mostram, ainda, marcas externas (EM) colocadas para auxiliar na definição de regiões anatômicas.      

B-    Fluoroscopia: esta técnica apresenta baixa sensibilidade e altos níveis de radiação. Radiografias com marcadores radiopacos de 6mm de comprimento têm sido usadas para medir o esvaziamento de sólidos e os efeitos das drogas pró-cinéticas.

Figura 6 – Radiografia contrastada do estômago mostrando evidências de estase gástrica. Embora haja passagem de contraste para o intestino delgado, o estômago está de tamanho aumentado, contém restos de alimentos misturados ao meio de contraste e esvazia-se com dificuldade, à fluoroscopia. Grafias tomadas 6 ou mais horas após a ingestão do contraste podem ajudar a definir mais objetivamente a ocorrência de retardo do esvaziamento gástrico.   

C- Ultrassonografia: é utilizada para estimar o tamanho do estômago, volume da região antro-pilórica, área antral, fluído transpilórico durante o jejum e a alimentação. A ultrassonografia tridimensional permite avaliar simultaneamente o esvaziamento e a acomodação gástrica.

Esta técnica possui a desvantagem de ser operador dependente, avalia apenas o esvaziamento de líquidos, e, é limitada na prática clínica devido à dificuldade de mensurar as regiões proximal e distal simultaneamente.

D- Ressônancia Nuclear Magnética: apresenta excelente correlação com a cintilografia com qualquer tipo de alimento, é bastante sensível e consegue detectar as diferenças entre diferentes consistências e densidades calóricas. Trata-se do teste ideal para avaliar os efeitos de fármacos, sem exposição a radiação. Além disso, tem a propriedade de avaliação simultânea entre contratilidade gástrica, esvaziamento e acomodação. Por outro lado, apresenta as desvantagens do alto custo e seu baixo uso na prática clínica.

Outras Técnicas

A- Teste Respiratório: trata-se de técnica não invasiva que usa isótopos de 13CO2 para mensurar o esvaziamento de sólidos e líquidos. Entretanto, deve-se levar em consideração que a excreção de 13C ácido octanóico ou 13C acetato, em condições normais, é feita pela expiração o que dificulta a interpretação dos resultados.

B -Teste da Absorção do Paracetamol: é uma técnica sensível para avaliar tanto o retardo como o esvaziamento acelerado, mas apresenta a desvantagem de mensurar o esvaziamento somente para líquidos; necessita a coleta de uma amostra de sangue e a comprovação de absorção intestinal normal.

C-          Barostato: este teste se reveste no padrão–ouro para mensurar o volume gástrico e a avaliação do relaxamento fúndico em resposta ao alimento. O barostato é uma “bomba de ar” computadorizada que mede o tônus visceral, a complacência e a sensação dos órgãos ocos. Apresenta a capacidade de mensurar o tônus do fundo monitorizando o volume de ar com balão intragástrico preso em uma constante de pressão pré-definida.

Esta técnica envolve a intubação do esôfago com um balão de polietileno até alcançar o fundo gástrico, e, a partir deste ponto diferentes volumes são insuflados e a mudança do tônus, relaxamento e contração do estômago são medidos. Os resultados são comparados nos períodos de jejum e pós-prandial.
O teste apresenta algumas desvantagens, pois envolve a   intubação orogástrica, pode ocorrer a inabilidade de alguns pacientes ingerirem a comida com o tubo na boca, o próprio balão pode produzir artefatos, pode ficar mal acomodado no antro e, também, pode estimular o vômito. Por todas estas inconveniências, em crianças seu uso é limitado a pesquisas.

D-         Tomografia com Emissão de Próton Único: avalia a cintilografia juntamente com a tomografia. Realiza-se a injeção intravenosa do Tecnécio 99 que irá se acumular seletivamente na mucosa gástrica. É útil para mensurar o volume gástrico.

E-          Testes com Bebidas e de Sobrecarga de Água: são testes não invasivos com alto grau de subjetividade e partem da premissa de que o quanto o paciente consegue ingerir de líquido reflete o volume gástrico. A quantidade calórica ingerida deve ser sabida e o paciente precisa ter feito jejum.

F-           Manometria Antroduodenal: este teste mensura as pressões intraluminais no estômago distal e no duodeno. É realizado pela introdução de um cateter de motilidade transnasal ou, no caso do paciente ter sido submetido à gastrostomia, a introdução é feita pelo sítio do procedimento.

O paciente deve estar com no mínimo 3 horas de jejum e deve-se medir a motilidade pós-prandial após a 1 hora da ingestão de uma mistura de líquidos e sólidos de pelo menos 10 kcal/kg ou 400 kcal.

Alterações da normalidade foram vistas em esclerodermia, diabetes, pseudo-obstrução intestinal, síndrome de dumping, dano cirúrgico ao nervo vago e transtornos intestinais funcionais.

Miopatia intestinal é identificada quando contrações coordenadas são inferiores entre 10 a 20 mmHg na ausência de dilatação do intestino. Neuropatia intestinal é caracterizada por amplitude normal com contrações descoordenadas.

G-         Cápsula de Motilidade Wireless: para a realização deste teste utiliza-se o SmartPill GI Monitoring System, que possibilita transmitir por via wireless a pressão intraluminal, o pH, a pressão e a temperatura, posto que a cápsula se movimenta por todo o trato digestivo. Apresenta boa correlação com a cintilografia, e apresenta a vantagem de não ser radioativa e poder ser realizada em nível ambulatorial.

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