quarta-feira, 16 de agosto de 2017

O Feliz Renascimento do Aleitamento Materno: além do fator nutricional e da proteção constitui-se também numa real declaração de amor (3)

Características clínicas dos filhos ao nascimento e a respectiva evolução de acordo com o tipo de alimentação recebida


Das 48 crianças acompanhadas durante o primeiro ano de vida, 22 (45,8%) eram do sexo feminino, e a média do peso ao nascimento foi de 3.145+/-352 gramas, variando de 2.580 a 4020 gramas.

O crescimento pondero-estatural das crianças que receberam aleitamento natural exclusivo até o sexto mês de vida mostrou-se perfeitamente superponível (percentil 50) a aquele determinado pelo estudo de Murahovischi e cols., em São Paulo, com crianças de nível sócio-econômico elevado recebendo aleitamento natural exclusivo (Jornal de Pediatria 63: 1-23, 1987) (Gráficos 1- 2- 3 - 4). 
 Gráfico 1- Crescimento em comprimentos dos meninos (percentil 50).

Gráfico 2- Crescimento em comprimento das meninas (percentil 50).

Gráfico 3- Ganho ponderal dos meninos (percentil 50).
Gráfico 4- Ganho ponderal das meninas (percentil 50).

Com relação ao tipo de aleitamento 32 lactentes receberam aleitamento natural a partir do nascimento e, por outro lado, 16 receberam aleitamento artificial (Figuras 1 - 2). 

 Figura 1- Reunião rotineira das mães e seus filhos com a nossa equipe de trabalho.

Figura 2- Dra. Fátima Lindoso coordenando uma das reuniões rotineiras com as mães e seus filhos.

O ganho ponderal dos lactentes que receberam aleitamento exclusivo por tempo prolongado foi significativamente maior nos períodos referentes aos 4, 5, 6 e 7 meses de idade, tanto para o sexo masculino quanto para o sexo feminino, quando comparado com o ganho ponderal dos lactentes em aleitamento artificial nos mesmos intervalos de idade. Após o sétimo mês de vida, porém, apesar do ganho de peso dos lactentes amamentados exclusivamente ao seio ter sido em valor absoluto superior aos dos seus pares em aleitamento artificial a diferença não se mostrou estatisticamente significativa (Gráficos 5 - 6).
 Gráfico 5- Análise comparativa das curvas de ganho ponderal entre as diferentes formas de amamentação, natural x artificial (meninas).


 Gráfico 6- Análise comparativa das curvas de ganho ponderal entre as diferentes formas de amamentação, natural x artificial (meninos).


O crescimento em estatura dos lactentes em quaisquer dos dois regimes de alimentação não mostrou diferenças estatisticamente significantes ao longo dos 12 meses de acompanhamento (Gráficos 7 - 8).

Gráfico 7- Análise comparativa das curvas de crescimento em comprimento entre as diferentes formas de amamentação, natural x artificial (meninos). 


 Gráfico 8- Análise comparativa das curvas de crescimento em comprimento entre as diferentes formas de amamentação, natural x artificial (meninas).

Freqüência dos processos mórbidos e suas relações com o tipo de aleitamento

Os processos mórbidos ocorridos com os lactentes foram registrados ao longo do primeiro ano de vida e agrupados de acordo com o tipo de patologia apresentada, a saber:

A)   Patologias do trato respiratório: resfriado comum, otite média aguda, bronquiolite, bronquite e broncopneumonia.

B)   Patologias do trato gastrointestinal: diarreia aguda e diarreia persistente.

A freqüência dos episódios de resfriado comum, bronquite e diarreia aguda foi significativamente maior nos lactentes que receberam aleitamento artificial em comparação com aqueles que receberam aleitamento natural (Gráficos 9- 10 -  11). 
 

 Gráfico 9- Frequência de episódios de resfriado comum entre os grupos de acordo com o tipo de aleitamento.


Gráfico 10- Frequência de episódios de diarreia aguda entre os grupos de acordo com o tipo de aleitamento.



 Gráfico 11- Frequência de episódios de bronquiolite entre os grupos de acordo com o tipo de aleitamento.


Por outro lado, a freqüência dos episódios de otite média, broncopneumonia e diarréia persistente ainda que tenha sido maior no grupo que recebeu aleitamento artificial não revelou significância estatística em relação aos lactentes que receberam aleitamento natural (Gráficos 12- 13 - 14).

Gráfico 12- Frequência de episódios de diarreia persistente entre os grupos de acordo com o tipo de aleitamento.

Gráfico 13- Frequência de episódios de otite média entre os grupos de acordo com o tipo de aleitamento.


 
 Gráfico 14- Frequência de episódios de broncopneumonia entre os grupos de acordo com o tipo de aleitamento.

Este programa de incentivo ao aleitamento natural exclusivo por tempo prolongado evidenciou claramente, assim como outros programas implantados em outras comunidades de baixo nível sócio-econômico e desprovidas dos benefícios do saneamento básico, no Brasil e em outros países, ser um fator de contribuição para a redução das taxas de morbidade nos lactentes, devido à inquestionável proteção conferida pelo leite materno contra as infecções mais prevalentes que costumam ocorrer em situações de altas taxas de contaminação ambiental, como é nitidamente o caso da favela Cidade Leonor.

Conclusões

A implantação de um programa de incentivo ao aleitamento natural exclusivo em uma comunidade de favelados mostrou-se perfeitamente viável, desde que realizado com o devido planejamento, o forte engajamento de todo o pessoal pertencente à equipe de trabalho, bem como poder contar com condições adequadas de infraestrutura para a plena execução do projeto. Deve-se sempre iniciar o processo de educação para a prática do aleitamento natural com grande antecedência ao nascimento da criança (idealmente deveria fazer parte rotineira do currículo escolar ainda durante a adolescência para ambos os sexos), posto que a futura mãe, e de preferência também o futuro pai, necessita estar firmemente convencida da importância de tal prática, e, ao mesmo tempo, estar suficientemente segura e confiante de que será capaz de alcançar seu objetivo. Eliminar possíveis mitos e tabus freqüentemente existentes na população em geral é a tarefa inicial prioritária para que posteriormente se torne possível proporcionar as informações corretas sobre os benefícios do aleitamento natural, e, assim, ter a garantia de que as mesmas serão devidamente assimiladas, sempre deixando um amplo espaço aberto para discussões e esclarecimentos que se façam necessários.

É importante ter-se em mente que a prática do aleitamento natural não corrige as deficiências de um meio ambiente contaminado devido a inexistência de saneamento básico, funciona, porém, durante sua vigência, como um fator de proteção contra as agressões tão comuns presentes nestas comunidades socialmente desfavorecidas. Portanto, o uso do leite humano evita que as condições ambientais adversas já se façam sentir em um período extremamente precoce da vida, quando o ser humano apresenta maior vulnerabilidade às agressões infecciosas do meio ambiente. Entretanto, é necessário enfatizar que o leite materno protege a criança apenas durante o período em que está sendo ofertado e, que, portanto, não deixa memória imunológica duradoura.

A solução dos graves transtornos causados pela contaminação ambiental foge totalmente do escopo dos profissionais de saúde que provêm assistência direta à população. Trata-se, na verdade, de um problema de saúde pública que somente pode ser solucionado com uma firme vontade política de se implantar uma rede de saneamento básico adequada de extensão abrangente à toda população, bem como proporcionar condições dignas de moradia e trabalho para toda a sociedade.

Para uma leitura mais profunda sob o tema recomendo a leitura do livro “Enteropatia Ambiental: uma conseqüência do fracasso das políticas sociais e de saúde pública” de minha autoria e publicado pela editora Revinter.

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