segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Gastrites (Parte 5)

Milena R. Macitelli & Ulysses Fagundes Neto

Doença inflamatória intestinal

A Doença de Crohn é a causa mais frequente de doença granulomatosa no estômago. Apesar do envolvimento gastroduodenal ser comum, raramente a doença é limitada ao estômago e normalmente acomete porções mais distais do intestino. Anormalidades macroscópicas e/ou histológicas estão presentes no esôfago, estômago ou duodeno em até 80% das crianças com Doença de Crohn.

Gastrite Eosinofílica

Gastrite eosinofílica (GE) faz parte do conjunto das doenças eosinofílicas gastrointestinais, tais como, esofagite eosinofílica, gastroenteropatia eosinofílica e proctocolite eosinofílica. O diagnóstico pode ser quando na presença de sintomas associados a infiltrado eosinofílico proeminente e exclusão de outras causas do infiltrado.

Alguns pacientes têm histórico de asma, sensibilidade a alimentos, eczema, alergias sazonais e atopia. Geralmente são secundárias a reações mistas IgE e não-IgE mediadas com aumento de IL-5, IL-3 e fator estimulador de colônia de granulócitos (todas citocinas proinflamatórias). A eosinofilia usualmente está presente na mucosa, mas pode ser também mais profunda atingindo a muscular da mucosa e até mesmo a camada serosa.

Os sintomas da GE dependem da gravidade e extensão do envolvimento. Em lactentes e crianças pré-escolares as manifestações clínicas podem ser de failure to thrive associada à recusa alimentar. Além disto, anemia devido a sangramento oculto e hipoalbuminemia ocorrem com frequência.

No caso de haver envolvimento apenas da mucosa os sintomas são semelhantes a outros tipos de gastrite, porém, em alguns casos podem ocorrer manifestações de obstrução gástrica. Por outro lado, quando muscular da mucosa e/ou a camada serosa estão envolvidas, dores abdominais e ascite podem estar presentes.

GE geralmente está associada a alérgeno específico e na infância os antígenos mais comuns: proteína do leite de vaca, soja, ovo e trigo. A relação temporal entre a ingestão de certo alimento e o surgimento dos sintomas característicos, é fundamental para estabelecer o diagnóstico. Na imensa maioria dos casos o aparecimento de irritabilidade, dor abdominal e vômitos ocorre após 1 a 2 horas da ingestão do alimento agressor.

Deve-se levar em consideração que outras entidades tais como, Doença de Crohn, infestação parasitária e infecções agudas/crônicas (ex: H. pylori) podem estar acompanhadas de eosinofilia na mucosa, porém geralmente o infiltrado é bem mais discreto do que o observado nas doenças alérgicas (doenças eosinofílicas).

Achados endoscópicos

Quando presentes não são específicos, no entanto, os achados mais frequentes são: friabilidade e eritema da mucosa, erosões, pregueado mucoso espesso e lesões nodulares da mucosa ou pseudopólipos (especialmente no antro).

A mucosa, em alguns casos, pode apresentar-se macroscopicamente normal.

Figura 11- Esofagogastroduodenoscopia revelando gastrite antral difusa, com múltiplas áreas focais de erosão da mucosa.

 
Figura 12- Fitas de eosinófilos, coradas de vermelho intenso, podem ser vistas infiltrando a lâmina própria e a muscular da mucosa.

Achados histológicos

O achado mais significativo é o infiltrado eosinofilico na lâmina própria. Ocasionalmente linfócitos, células plasmáticas e neutrófilos podem estar presentes.

Figura 13- Biópsia antral revelando intensa infiltração eosinofílica na lâmina própria.



Figura 14- Infiltrado eosinofílico permeando as glândulas gástricas, porém não invadindo o lúmen das mesmas.


Tratamento

O pilar do tratamento da gastrite eosinofílica deve se basear na exclusão dos possíveis alérgenos. Há um consenso internacional que advoga o uso de uma dieta de eliminação dos 6 principais alérgenos, a saber: leite e derivados, soja, trigo, ovo, peixe e frutos do mar, frutos secos (nozes, cacau, castanhas, avelã, amendoim etc.) e eu também incluo o coco.

Nos casos mais graves deve-se usar inicialmente corticosteroides sistêmicos, e também antagonistas de receptor de leucotrieno (Montelucaste).

É difícil a aplicação de esteroide tópico na mucosa gástrica, e da mesma forma, preparações com Cromoglicato são dificilmente eficazes.

Estudo confirmou que na população dos EUA, a quantificação de eosinófilos gástricos deve ser <38 a="" caso="" da="" eosin="" eosinofilica="" filos="" foi="" gastrite="" mm2.="" no="" o="" quantifica="">127 eosinófilos/mm2 ou 30 eosinófilos/CGA.

Gastrite induzida por anti-inflamatórios não esteroides (AINEs)

É do conhecimento geral que os anti-inflamatórios são as drogas mais prescritas em todo o mundo. Apesar de serem indicadas como primeiro tratamento de diversas doenças, seu uso deve ser limitado em virtude dos efeitos adversos sobre o TGI.

As drogas anti-inflamatórias podem resultar em danos à mucosa, podendo até mesmo causar processos ulcerosos.

A ação tópica dos AINEs causa hemorragia aguda e erosão 15 a 30 minutos após a ingestão, primeiramente no antro. Vale referir que as lesões precoces são geralmente assintomáticas e não tem significância clínica.

A presença sistêmica dos AINEs compromete a integridade da mucosa e pode ocasionar ulceração grave da mucosa. Em crianças menores, a ulceração da incisura gástrica, associada a sangramento gastrointestinal alto é uma típica da lesão provocada por AINEs. O sangramento pode ocorrer após apenas 1 ou 2 doses da medicação ou com uso crônico.

Os seguintes achados histológicos se destacam: hiperplasia epitelial, depleção de mucina, núcleos alargados, ectasia vascular e edema.

Figura 15- Lesão gástrica provocada por uso continuado de AINES.


 
Gastrite por Citomegalovirus (CMV)

A infecção por CMV ocorre com maior frequência em indivíduos imunocomprometidos, como por exemplo: AIDS, transplante de órgão sólido ou medula óssea. Nas crianças imunocompetentes, a infecção por CMV normalmente está associada a Doença de Menetrier. A infecção tende a ocorrer no fundo e corpo gástrico, acarretando espessamento da parede, ulceração, hemorragia e perfuração.

Os principais achados histológicos são: inflamação aguda e crônica com edema, necrose e inclusão citomegálica em células endoteliais e epiteliais, bem como nas bases das úlceras e na mucosa adjacente as úlceras. O CMV usualmente afeta as porções mais profundas da mucosa e a inflamação ativa pode ser focal ou panmucosal.

O diagnóstico torna-se mais eficaz quando se faz cultura do vírus no material da biópsia da mucosa. A detecção do vírus também pode ser realizada pela técnica da imunohistoquímica.

O tratamento com Ganciclovir pode ser eficaz em pacientes imunossuprimidos, porém a recorrência ocorre com frequência em 1 a 2 meses.

Doença granulomatosa crônica


Trata-se de uma deficiência imunológica rara que ocorre com maior frequência em meninos, acarretando o envolvimento granulomatoso da parede gástrica.

A enfermidade pode cursar com sintomas gastrointestinais altos, bem como lesões aftosas orais podem ocorrer, o que obriga a um diagnóstico diferencial de Doença de Crohn. Em alguns casos pode surgir gastroenterite grave.

Não há achados endoscópicos típicos, geralmente a mucosa antral esta pálida e espessada. A histologia pode revelar inflamação focal, crônica ativa do antro com granulomas ou células gigantes multinucleares.

Outras gastrites granulomatosas raramente são processos primários. Geralmente são decorrentes de alguma patologia de base, tais como: infecções, corpo estranho, doenças imuno-mediadas, carcinoma, linfomas e infecção por H. pylori.

Na maioria dos casos a aparência morfológica do granuloma não fornece claras evidencias da causa. Em países desenvolvidos, a gastrite granulomatosa, com exceção da secundária a Doença de Crohn, é rara. O diagnóstico diferencial inclui tuberculose, histiocitose, reação a corpo estranho, dentre outras doenças.

Gastrite granulomatosa idiopática isolada é uma reação crônica granulomatosa limitada ao estômago, uma condição rara e deve ser diagnóstico de exclusão.
 

Quadro 3- Principais causas de gastrite granulomatosa


 Gastrite de Henoch-Schönlein

A púrpura de Henoch-Schönlein também conhecida como púrpura anafilactóide ou púrpura reumática, é a vasculite mais frequente em crianças e adolescentes. Trata-se de uma doença multisistêmica que pode acometer vasos de pequeno e médio calibres. Pode ocorrer em qualquer idade, entretanto, o pico de incidência situa-se entre 4 e 6 anos.

A enfermidade pode envolver a pele, o trato gastrointestinal, rins e articulações.

Os principais sintomas gastrointestinais são: cólica periumbilical, dor epigástrica, náusea, vômitos e sangramento digestivo. Mais raramente pode ocorrer hematoma intramural, intussuscepção, infarto intestinal, perfuração intestinal, pancreatite, apendicite e colecistite.

Os achados endoscópicos mais característicos no estômago são: mucosa com eritema ou hemorragia, edema de mucosa com erosões ou úlceras. Biópsias da mucosa gástrica geralmente são muito superficiais para poder demonstrar as alterações histológicas típicas, porém, pode ser vista vasculite semelhante à da pele.

Gastrite induzida por exercício

Trata-se de entidade bem conhecida em atletas corredores de longas distâncias e em geral cursa com anemia com ou sem sintomas gastrointestinais.

Os sintomas costumam ocorrem após o exercício físico e se manifestam por cólica abdominal, dor epigástrica, náusea, refluxo gastresofágico e vômitos.

A lesão mucosa apresenta-se igualmente no antro, corpo e fundo gástrico.

Conclusão

Gastrite trata-se de uma denominação genérica envolvendo uma lesão da mucosa gástrica decorrente de inúmeras etiologias. A endoscopia digestiva alta associada à biópsia gástrica representa uma ferramenta de fundamental importância para a investigação diagnóstica etiológica. O esclarecimento diagnóstico de certeza torna-se extremamente importante para que se possa propor o tratamento específico e adequado.

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