quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Prevalência de Má Absorção à Frutose utilizando o teste do Hidrogênio no ar expirado (Parte 3)

Resultados

A idade dos 43 pacientes investigados variou de 3 meses a 16 anos, a mediana foi de 2,6 anos, sendo que 24 deles eram do sexo masculino. Neste grupo de pacientes foram estabelecidos os seguintes diagnósticos: SII 16, BE 10, DAF 8, Alergia à proteína do leite de vaca 4 , Intolerância à lactose 3, DC 1 e Giardíase 1.

Má absorção à frutose foi caracterizada em 13 (30,2%) pacientes, sendo que 1 (2,3%) paciente, além de má absorção, também apresentou sintomas de intolerância à frutose dentro das 8 horas após a realização do teste. A Figura 1 exemplifica um teste característico de má absorção à frutose evidenciando pico de elevação do Hidrogênio no ar expirado acima de 20 ppm sobre o valor de jejum e, para comparação dos traçados gráficos, está também representado um teste normal.



No gráfico 1 estão relacionados os 13 pacientes que apresentaram má absorção à frutose com seus respectivos diagnósticos, a saber: SII 7, DAF 4, BE 1 e DC 1 paciente.




    A análise dos testes com sobrecarga oral utilizando os demais carboidratos (lactose, glicose e lactulose) apresentou os seguintes resultados: em 3 pacientes ocorreu má absorção isolada à lactose e em 1 paciente foi detectado sobrecrescimento bacteriano. Todos os testes com sobrecarga de glicose resultaram normais.

      Nos 4 pacientes (3 com intolerância à lactose e 1 com sobrecrescimento bacteriano) que apresentaram alguma alteração nos testes com outros carboidratos o teste com sobrecarga de frutose foi considerado normal e também não ocorreram sintomas de intolerância.


Discussão


  Historicamente sucos de frutas têm sido recomendados pelos Pediatras como uma fonte de vitamina C e uma fonte extra de água para lactentes e pré-escolares, à medida que em suas dietas são incluídos novos alimentos sólidos com sobrecargas renais de solutos mais altas.  Em 1997 os consumidores norte-americanos gastaram cerca de US$ 5 bilhões em sucos de frutas. O consumo médio de suco de frutas nos EUA alcançou o valor de 40 bilhões de litros/ano ou 200 litros/ano por pessoa. As crianças constituíram-se no maior grupo de consumidores, e aquelas menores de 12 anos de idade ingeriram 28% do volume total consumido (10). Embora estes dados não estejam disponíveis no Brasil, pode-se presumir que por similaridade dos hábitos culturais atualmente praticados no mundo ocidental, neste aspecto nutricional, estes valores devem ser bastante próximos. Em passado recente o principal suco utilizado era o de laranja, porém, com a imensa diversificação da indústria alimentícia, suco de outras frutas, tais como uva, maçã e pêra passaram a fazer parte da dieta habitual das crianças brasileiras. A água é o componente predominante nos sucos de frutas, porém, os carboidratos, incluindo sacarose, frutose, glicose e sorbitol constituem-se nos seus principais nutrientes. A concentração de carboidratos nos sucos de frutas varia desde 11g% (0,44 kcal/ml) até cerca de 16g% (0,64 kcal/ml) (5). A sacarose é um dissacarídeo que é hidrolisada em seus componentes monossacarídeos, glicose e frutose, pela ação da sacarase, presente nas microvilosidades dos enterócitos. A glicose é rapidamente absorvida por um processo de transporte ativo, enquanto que a frutose é absorvida por um mecanismo de transporte facilitado que não ocorre contra um gradiente de concentração. Além disso, a frutose pode ser absorvida de forma mais eficiente quando a glicose se encontra presente em concentrações equimolares. No entanto, investigações clínicas têm demonstrado que quando a concentração de frutose excede a de glicose pode ocorrer má absorção da frutose (11 -12). É fato reconhecido que a capacidade absortiva da frutose no intestino delgado é limitada, e que, por outro lado, a adição de glicose facilita a absorção da frutose pelo mecanismo da draga do solvente e por difusão passiva (13). Portanto, alimentos que contém concentrações equimolares de frutose e glicose podem proporcionar melhor absorção deste monossacarídeo do que alimentos em que a concentração da frutose excede a de glicose. Sucos de maçã, pêra e uva apresentam uma concentração de frutose que excede em mais do que o dobro a da glicose, enquanto que no suco de laranja as concentrações de glicose e frutose se equivalem (4).  
    Má absorção à frutose tem sido relatada com crescente frequencia como uma causa a mais para ser agregada nos pacientes que apresentam sintomas gastrointestinais. Estudos prévios que demonstram uma relação causal entre má absorção à frutose e sintomas gastrointestinais foram inicialmente descritos em pacientes adultos. Choi e cols. (14) estudaram 183 pacientes utilizando o teste do hidrogênio no ar expirado com a oferta de 50 gramas de frutose em uma solução aquosa a 33%, e observaram um resultado positivo em 73% deste grupo. Estes pacientes também relataram uma série de sintomas, tais como, dor abdominal, flatulência, flatus e diarréia. Pacientes adultos com SII e má absorção à frutose apresentaram um agravo adicional dos sintomas em comparação com aqueles que apresentaram absorção normal à frutose (15). Estudos recentes com população de adultos demonstraram que um número significativo de pacientes com má absorção à frutose relatou alívio da dor abdominal, flatus, flatulência e diarréia quando foi introduzida uma dieta restrita de frutose (16 -17). 


     Está bem estabelecido que o teste do hidrogênio no ar expirado apresenta elevada confiabilidade no que diz respeito à sensibilidade e especificidade  (18). No passado acreditava-se que o pulmão fosse um órgão apenas responsável pela respiração, e, portanto, tinha-se o conceito de que somente o oxigênio e o dióxido de carbono pudessem ser dosados no ar expirado. Atualmente, sabe-se que o ar expirado dos pulmões contém mais de 2000 substâncias distintas, e que, além da respiração, os pulmões apresentam uma função adicional, qual seja a excreção de substâncias voláteis, e o hidrogênio é uma delas. É sabido que o ser humano sadio em jejum e em repouso não elimina hidrogênio porque o seu metabolismo não produz este gás, o qual somente é gerado quase que exclusivamente pelo metabolismo anaeróbio exercido pelas bactérias da flora colônica normal. As bactérias anaeróbias têm preferência para metabolizar os carboidratos, os quais são fermentados dando formação a ácidos graxos de cadeia pequena, CO2 e H2. O H2 é produzido no intestino atravessa a parede intestinal cai na circulação sistêmica, é transportado até os pulmões e, finalmente, é eliminado pela respiração como parte do ar expirado. A concentração de H2 pode ser mensurada em partes por milhão no ar expirado por técnica não invasiva com alto índice de precisão (19).


   A proporção de má absorção de frutose utilizando-se o teste do hidrogênio no ar expirado é dependente da dose oferecida e este efeito tem sido mais profundamente estudado em adultos do que em crianças. Em adultos sadios 58% a 87% resultaram em teste positivo para má absorção de frutose quando foram oferecidos 50g do carboidrato, 10% a 25% resultaram em teste positivo com dose de 25g, e 0% a 10% com dose de 15g (20). Em crianças sadias o efeito da dose sobre a má absorção da frutose foi demonstrado entre 0,1 e 6 anos de idade; o teste resultou positivo em 100% das crianças quando a dose foi de 2 g/kg/peso, o qual foi reduzido para 40% com a dose de 1 g/kg/peso (21). No presente estudo utilizamos a dose padronizada de 1 g/kg até o máximo de 12 gramas, a qual pode ser considerada relativamente baixa em comparação com o volume potencialmente ingerido na dieta diária, posto que um copo de maçã (200ml) contém aproximadamente 15,5 gramas de frutose (6,8 gramas de glicose e 3 gramas de sacarose) (22). Por esta razão é possível que embora tenhamos detectado má absorção à frutose em 13 dos 43 pacientes, apenas 1 deles apresentou notória intolerância com distensão abdominal e diarréia. 


   Recentemente, Jones e cols. (23) descreveram a ocorrência de má absorção à frutose em crianças que apresentavam sintomas gastrointestinais, principalmente diarréia e dor abdominal. Jones e cols. enfatizam que o baixo limiar para a absorção da frutose apresenta significativas implicações para o consumo dietético da frutose nas crianças que manifestam queixas gastrointestinais. Os resultados do presente estudo coincidem com os de Jones e cols. posto que a maioria dos 13 pacientes que apresentaram má absorção à frutose, 7 eram portadores de SII com diarréia e 4 com DAF. Vale ressaltar que Gomara e cols. também puderam caracterizar má absorção à frutose em um grupo de pacientes com queixa de dor abdominal recorrente sem causa determinada, os quais evidenciaram alívio da dor abdominal com a utilização de uma dieta de restrição de frutose. Gomara e cols. (24) demonstraram que 11 de 33 pacientes com diagnóstico prévio de DAF apresentaram teste positivo para má absorção à frutose, e, além disso, conseguiram reproduzir os sintomas gastrointestinais de má absorção à frutose em 9 dos 11 pacientes. A restrição da frutose na dieta destes pacientes resultou em evidente alívio dos sintomas durante os 2 meses subsequentes de seguimento dos mesmos. Gomara e cols. enfatizam que a má absorção à frutose pode ser um significativo problema para este grupo de crianças e que o manuseio dietético apropriado torna-se eficaz no alívio dos sintomas gastrointestinais.


   Gijsbers e cols. (25) investigaram um grupo de crianças portadoras de DAF utilizando o teste do hidrogênio no ar expirado após sobrecargas com lactose (210 pacientes) e frutose (121 pacientes), e demonstraram a prevalência de má absorção de lactose em 27% e de frutose em 65% dos pacientes, respectivamente. A DAF desapareceu em 24/38 pacientes após a eliminação da lactose da dieta e em 32/49 após a eliminação da frutose da dieta. Um teste de provocação oral aberto foi positivo em 7/23 pacientes com lactose e em 13/31 pacientes com frutose. Vale ressaltar que esta elevada prevalência de má absorção à frutose neste grupo de pacientes pode ser devida a uma excessiva dose de frutose utilizada no teste de sobrecarga, posto que a concentração da solução oferecida aos pacientes foi de 16,7% à dose de 2 gramas/kg de peso, portanto, acima do padrão internacionalmente estabelecido e também daquele utilizado no nosso estudo, a qual foi de 1 grama/kg de peso. Está bem estabelecido que não há uma relação fixa entre má absorção e intolerância a um determinado carboidrato, posto que inúmeras variáveis podem atuar simultaneamente, tais como a dose utilizada, a capacidade individual de digestão/absorção, a relação concentração glicose/frutose e a capacidade de compensação colônica (25). 


    No caso do paciente portador de DC a má absorção à frutose provavelmente ocorreu em virtude da atrofia vilositária da mucosa do intestino delgado característica desta enfermidade (9).


    Em conclusão, no presente estudo foi possível caracterizar má absorção à frutose em 30,2% dos pacientes portadores de variados transtornos digestivos e/ou nutricionais, sendo que 1 deles apresentou intolerância à frutose (2,3%). A SII mostrou-se como a principal causa da elevada prevalência de má absorção à frutose, seguida da DAF; porém, na quase totalidade dos pacientes não houve a correspondente intolerância, e isto provavelmente foi devido a um mecanismo de compensação colônica.

Referências Bibliográficas:

10- Agriculture Research Service. Food and Nutrient Intakes by Individuals in the United States by Sex and Age, 1994-96. Washington DC. US Department of Agriculture; 1998. NFS Report n 96-2.

11- Smith MM, Davis M, Chasalow FI, Lifshitz F. Carbohydrate absorption from fruit juice in young children. Pediatrics 1995; 95: 340-44.

12- Nobigot T, Chasalow FI, Lifshitz F. Carbohydrate absorption from one serving of fruit juice in young children: age and carbohydrate composition effects. J Am Coll Nutr 1997; 16:152-58.

13- Riby JE, Fujisaswa T, Kretchmer N. Fructose absorption. Am J Clin Nutr 1993; 58: S748-53.

14- Choi YK, Johlin FC, Summers RW et al. Fructose intolerance: an under-recognized problem. Am J Gastroenterol 2003; 98: 1348-53.

15- Rumissen JJ, Gudmannd-Hoyer E. Functional bowel disease; malabsorption and abdminal distress after ingestion of fructose, sorbitol and fructose-sorbitol mixtures. Gastroenterology 1988; 95: 694-700.

16- Johlin FC, Panther M, Kraft N. Dietary fructose intolerance: diet modification can impact self-rated health and symptom control. Nutr Clin Care 2004; 7: 92-7

17- Ledochowsky M, Widner B, Bair H et al. Fructose and sorbitol reduced diet improves mood and gastrointestinal disturbances in fructose malabsorbers. Scand J Gastroentrol 2000; 35: 1048-52.  

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