segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (12)

A história da realização de um Pós-Doutorado no North Shore University Hospital, Cornell University, Nova Iorque: pessoal e científica

O Convite

Em 1974, de volta ao Brasil, após realizar minha especialização em Gastroenterologia Pediátrica no Policlínico Alejandro Posadas, em Buenos Aires, no serviço do Dr. Horácio Toccalino, iniciei minhas atividades de Professor Auxiliar de Ensino no Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina (EPM) sob a chefia do Prof. Azarias Andrade de Carvalho. Juntamente com o Prof. Jamal Wehba iniciamos a criação do serviço de Gastroenterologia Pediátrica, partindo do momento zero, porque nada existia da especialidade e, portanto, tudo teria que ser construído. A nossa união tornou-se altamente profícua e em pouco tempo, seguindo as sugestões aprendidas com meu mestre na Argentina, implantamos a assistência ambulatorial, para atendermos os pacientes que nos eram referidos do Ambulatório Geral, a qual rapidamente prosperou. Ao mesmo tempo colocamos em prática os procedimentos de investigação diagnóstica e os testes laboratoriais específicos da especialidade, particularmente os testes da função digestivo-absortiva. Concomitantemente prestávamos atenção assistencial e docente aos pacientes internados nas enfermarias de Pediatria do Hospital São Paulo. Assim, em alguns meses já trabalhávamos a todo vapor e nosso serviço crescia celeremente. Constituímos uma excelente parceria com a Profa. Francy Reis Patrício, docente do Departamento de Anatomia Patológica da EPM, que se interessou em fazer as análises das biópsias de intestino delgado, intestino grosso e fígado, e também com o Prof. Nelson Machado, chefe do Laboratório Clínico do Departamento de Pediatria, que implantou os testes de avaliação das funções digestivo-absortivas, todas essas atividades essenciais para um desempenho de excelência na especialidade. Estava, pois, constituída a infraestrutura do serviço para que pudéssemos dar o primeiro salto de qualidade nas nossas atividades docentes, ou seja, enveredarmos pela investigação clínica, começar a produzir conhecimentos, um dos pilares mestres da vida acadêmica. Nosso entusiasmo era enorme posto que estávamos edificando algo que crescia dia a dia com bases sólidas, já podíamos vislumbrar os primeiros sinais de que a produção científica estava nascendo e dentro em breve poderíamos apresentar nossos próprios resultados em Congressos Científicos e inclusive iniciarmos uma era de publicações em periódicos indexados. De fato, em outubro de 1975, quando da realização do Congresso Pan-americano de Pediatria, em São Paulo, pudemos apresentar uma série de trabalhos, por nós produzidos, nas sessões de Temas Livres. Estes trabalhos chamaram a atenção de um convidado internacional, Dr. Fima Lifshitz, que se interessou tremendamente por tudo aquilo que estávamos construindo na especialidade. Em um momento de conversação informal ele me convidou para realizar um Fellowship em Investigação Pediátrica em seu serviço, em Nova Iorque, no North Shore University Hospital, afiliado da Cornell University. O convite, feito de uma forma totalmente inesperada, deixou-me absolutamente chocado, entre exultante e preocupado, porque havia menos de 2 anos de chegar da minha especialização em Buenos Aires, estava começando minha vida profissional, recém havia montado consultório, estava casado e agora já com 3 filhos (minha mulher havia voltado grávida da Argentina, nossa segunda filha nasceu em fevereiro de 1974, e logo a seguir nova gravidez e a terceira filha veio a nascer em junho de 1975), era uma enorme responsabilidade que pesava sobre os meus ombros tomar uma decisão sem consultar a família, mas a tentação era irresistível, pois ir trabalhar nos Estados Unidos, mais ainda com Fima Lifshitz era um privilégio que não podia ser descartado. Vale ressaltar que neste mesmo evento eu havia sido convidado por outro palestrante internacional Dr. Bufford Nichols para ir trabalhar na Baylor University em Houston, no Texas, o que também era uma grande tentação, mas a ideia de viver em Nova Iorque era mais atraente. Mas, sem dúvida alguma, a afinidade com Dr. Fima Lifshitz era mais intensa, inclusive pela própria linha de pesquisa dele que tinha muito a ver com a nossa em virtude da sua origem como pesquisador. Fima Lifshitz, apesar desse nome estranho, é mexicano de nascimento, filho de um imigrante judeu russo, cursou medicina no México, foi para os Estados Unidos para realizar a residência médica e em seguida tornou-se Fellow em Endocrinologia e Nutrição em Pediatria no John Hopkins Hospital, em Baltimore. Quando terminou seu treinamento nos Estados Unidos voltou ao México para trabalhar no Hospital Infantil de México e lá realizou inúmeros trabalhos de investigação clínica que se tornaram clássicos da literatura médica no que diz respeito à diarreia-desnutrição e intolerância aos carboidratos. Seus trabalhos sobre este tema foram publicados nas revistas mais prestigiosas de Pediatria dos Estados Unidos, como por exemplo, Pediatrics e Journal of Pediatrics, no início da década de 1970, e serviram de inspiração para que nós aqui na EPM reproduzíssemos seus resultados. Em virtude da falta de estímulo para seguir vivendo no México, devido as dificuldades de infraestrutura para trabalhar a contento, associado a um convite para voltar aos Estados Unidos, Fima decidiu se radicar definitivamente por lá e foi trabalhar no North Shore University Hospital, chefiando o serviço de Endocrinologia e o Laboratório de Investigação Pediátrica. Por uma coincidência do destino havia conhecido Fima Lifshitz em Buenos Aires, em outubro de 1974, durante a realização do Congresso Mundial de Pediatria realizado na Argentina. Durante uma sessão de Temas Livres apresentei 2 trabalhos sobre diarreia-desnutrição e sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado que eu havia desenvolvido durante minha especialização no ano anterior no serviço de Horácio Toccalino. Fima Lifshitz presidia esta sessão e ficou vivamente interessado nos resultados apresentados, os quais reafirmavam os achados por ele obtidos anteriormente. Iniciamos naquele evento uma empatia que se prolonga por mais de 40 anos, agora um relacionamento absolutamente fraternal até os dias de hoje.

Após o convite de Fima Lifshitz cheguei à casa exultante de satisfação para comunicar o convite que me havia sido feito. Eu considerava irrecusável apesar de todos os fatores que poderiam pesar ao contrário, tais como uma nova viagem ao exterior por tempo prolongado, abandonar minhas atividades na EPM por uns tempos posto que ainda estivéssemos construindo nosso serviço, interromper minhas atividades recém iniciadas no consultório, que em curto espaço de tempo se mostravam bastante promissoras e, por fim, mas não menos importante, envolver minha família em mais uma aventura no terreno das incertezas. Tinha que convencer minha mulher que tudo iria dar certo, que apesar de a família ter crescido mais ainda, pois agora éramos 5 pessoas, a vida nos Estados Unidos seria uma experiência fascinante e, baseados nos filmes que assistíamos, tudo seria mais fácil e prático não haveria problemas para levarmos uma vida tranquila. As conversas de convencimento foram longas, mas eficazes. Ainda durante o Congresso Pan-americano pude dizer ao Fima que aceitava seu convite, assim acordamos que para lá iríamos em Junho de 1977 para envolver-me com investigação experimental, um antigo e ansiado desejo meu.


Como se vê haveria um relativo longo período de aproximadamente 18 meses de espera para que chegasse o momento da viagem. Portanto, neste interregno de tempo era necessário acelerar as atividades de pesquisa para que eu pudesse antes de me mudar para os Estados Unidos ter já defendido o Mestrado e o Doutorado. 

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